From The Razor To The Rosary escrita por Persephonne


Capítulo 2
Capítulo 2




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As mãos alvas faziam o sinal da cruz no ar enquanto a voz ecoava pelo salão da igreja.

-Em nome do Pai, do Filho, do Espírito Santo.

-Amém. – Responderam os fiéis em coro, antes de começarem a se levantar dos bancos.

Gerard permaneceu no altar mais alguns momentos antes de se retirar para o escritório, que ficava nos fundos da construção. Sentia-se animado e disposto, agora que havia encontrado um novo lar e uma nova paróquia para ministrar, junto com Padre Williams.

-Muito bem, meu jovem. –sentiu a voz rouca e baixa ser acompanhada pela mão idosa que lhe alcançava o ombro. Sorriu em resposta, virando-se para a figura amigável do velho Padre atrás de si.

-Obrigada, Padre Williams. Agradeço novamente pela hospitalidade do senhor quanto à minha chegada prematura à sua Igreja.

- E eu novamente lhe digo que és e continuarás sendo muito bem-vindo aqui. –Um sorriso também foi esboçado pelos lábios finos do outro sacerdote. – Tens o resto do dia para conhecer mais um pouco a cidade enquanto eu assumo o confessionário. Transferi seu turno para amanhã à tarde, e, à noite, como já combinamos, o sermão também é seu.

Após Gerard agradecer e o velho padre se retirar, dirigiu-se finalmente para o escritório. Organizava algumas coisas em cima da mesa, quando ouviu três batidas leves na porta.

- Entre! –Ordenou, sem parar o que estava fazendo.

A sombra de Frank lentamente se moveu para dentro da pequena sala. Seu rosto sustentava um sorriso que não mostrava dentes,  e seus passos eram calculados e cautelosos. Gerard retribuiu o sorriso ao perceber a aproximação do rapaz.

- Bom dia, Padre.

- Bom dia. –respondeu, observando o menino à sua frente. Usava uma camiseta preta de alguma banda que ele já tinha ouvido falar, calças jeans rasgadas, seu cabelo negro estava uma bagunça e tinha um piercing no lábio. Bem, aquela não era exatamente a figura que se esperava encontrar dentro de uma igreja, Gerard pensou. Mas afastou a idéia logo que percebeu o rótulo que depositava sobre o outro.

- Ahm.. eu me chamo Frank! –o garoto continuou, estendendo a mão para que Gerard o cumprimentasse. Assim aconteceu. –Vim lhe dar as boas-vindas.

O olhar alegre do padre examinava cuidadosamente os grandes olhos de Frank. Pareciam tão sinceros e inocentes, à primeira vista, como uma personificação da juventude que ele exalava. Ah, se ele soubesse o que se operava dentro daquela cabecinha... certamente teria tomado cuidado desde o primeiro passo. 

- Eu sou Gerard, mas oficialmente é Padre Way.

Frank riu levemente e se sentou na cadeira à frente do padre.

- Então, você é novo na cidade?

- Ahm, sim, eu fui transferido para essa comunidade a pouco tempo. Hoje foi a minha primeira missa aqui. – deu uma pequena pausa e perguntou, deixando transparecer a insegurança. – Fui bem?

- Foi ótimo. – Frank respondeu um pouco rápido demais. Sorriu.

- Então, Frank. Espero que não se sinta ofendido pela minha pergunta, eu posso estar redondamente enganado. – Gerard falou, sentando-se, e o mais jovem sentiu seu estômago pesar. – Você não parece exatamente o tipo freqüentador assíduo de igreja. 

Frank riu novamente, dando o seu melhor olhar ao padre.

- Bem...o senhor tem razão, eu não sou muito religioso. Meus pais me fazem vir e freqüentar. Mas eu não gosto.

- Ninguém deve ser obrigado a ter uma fé específica. Mas você acredita em Deus?

- Ás vezes. – ele falou com um tom ressentido. Gerard notou.

- Bem, eu espero que possa te ajudar a se interessar um pouco mais pela igreja e talvez restaurar a sua fé.

- Ah, aposto que eu vou me interessar muito mais agora que você chegou. – Frank não conseguiu conter o seu sorriso canalha. Mas não soube se Gerard tinha notado a intenção por trás da frase, e isso o desanimou um pouco. Ele não sabia nem se queria que as suas intenções transparecessem. Gerard sorriu simplesmente. Um sorriso puro. Frank continuou: - Ahm, quais os seus horários? De missa, confissão, e essas coisas.

Gerard arqueou uma sobrancelha.

- A minha missa é sempre no domingo de manhã, e atendo confissões à tarde. Mas amanhã à noite farei o sermão.

-          Legal. Bem, boa sorte para o senhor então. –Frank levantou-se, estendendo novamente a mão ao padre, que correspondeu.

-          Obrigada, e me chame de “você”. Sou muito novo para ser chamado de senhor. –Deu um riso leve, espontâneo. Frank ficou um pouco sem jeito.

-          Mas é por uma questão de...

-          De respeito, eu sei. –Gerard interrompeu. – Mas há outras formas de demonstrá-lo sem ser me chamando de senhor. –Voltou a sorrir. Frank estava tão hipnotizado por aquele sorriso, que permaneceu alguns segundo segurando a mão de Way. Então, como que despertando de um transe, ele a largou com um pulo e uma risada.

-          Ok. Pode deixar. –Caminhou até a saída ainda com a expressão vitoriosa no rosto. Assim que fechou a porta já começou a tentar lembrar das suas últimas trepadas. Muitos, muitos pecados para confessar....

***

Gerard suspirou pesadamente assim que a porta fechou. Apoiou os cotovelos na mesa e inclinou a cabeça para frente, sustentando a testa com as palmas das mãos. Frank o lembrava do seu passado. Um passado que ele não queria reviver nunca mais. Mas agora, a tentação estava bem ali, e ele teria que lutar muito para não ceder. “Por favor, não me teste. Não de novo”, ele sussurrou, balançando negativamente a cabeça.

Ele tinha notado Frank na missa. Mas não tinha ousado olhar para ele. Pôde sentir o tempo todo os olhos dele, despindo-o até a alma. Mas Gerard não sabia o que sentir.

Frank não estava ali para recuperar a sua fé, Gerard sabia muito bem disso. Ele não sabia exatamente o que o jovem queria, mas sabia que não seria bom, para nenhum dos dois. Frank o lembrava até um pouco de si mesmo, no passado não tão distante. As roupas, a atitude, o ar superior... Apesar de não querer, as lembranças o invadiram. Lembranças da época em que ele vivia no pecado, no excesso....

A época sombria de Gerard ainda o assombrava. Ele se punia e pedia perdão todos os dias pelo seu passado. Passado de drogas, bebida, sexo... tudo demais. Vivia uma vida em pecado, até quase perdê-la. Foi então que ele resolveu que tinha chegado ao seu limite, e não poderia continuar daquele jeito. Foi então que se dedicou à igreja.

E agora aquele garoto.... Deus estava fazendo da sua vida uma piada, só podia ser.

***

O Domingo havia passado, e a segunda-feira amanheceu com neve. Frank ponderou se realmente deveria ir à igreja, e continuar a investida em algo que provavelmente nunca seria recíproco. Quer dizer, desejar um padre não é exatamente a coisa mais sensata do mundo. Mas, naquela situação, se tornou inevitável.

Tomou coragem e seguiu pela ladeira íngreme até chegar ao seu destino. Sentou-se perante o confessionário. O silêncio na igreja era tal, que ele podia ouvir a respiração do padre dentro do cubículo. Mas não tinha certeza se era ELE. Ok, Gerard havia lhe dito que ficaria para confissão à tarde, mas isso poderia ter mudado. Resolveu testar.

-Boa tarde, Padre. –Falava baixo, quase sussurrando.

-          Boa tarde, meu filho. – A voz profunda e levemente rouca de Gerard pôde ser claramente reconhecida.

Frank suspirou, aliviado. Se ajeitou no lugar e entrelaçou as mãos em seu colo. Deu um sorriso de lado, maroto, cheio de planos. O show ia começar.

- Eu venho pecando muito. –Fez uma breve pausa, pensativo. –E, nos últimos dias, está acontecendo cada vez mais.

Gerard finalmente reconheceu a voz que estava se confessando. Era Frank. Engoliu seco e ajeitou o colarinho antes de falar, sentindo-se desconfortável.

-Que tipo de pecados cometeste?

-Bem, eu... eu... hoje, por exemplo, eu discuti com uns caras no colégio. Falei muito palavrão, também. Colei no teste de história.  E briguei com os meus pais.

-Hm. E você se arrependeu das coisas que fez?

-          Sim, Padre. Quer dizer, de quase tudo. Eu sei que não devia ter dado assunto pra aqueles meninos, e me arrependi de ter feito isso. Também sei que não devia ofender ninguém e nem trapacear no colégio, mas... a minha briga com meus pais foi apenas mais uma de tantas. E delas eu nunca me arrependo. –Finalizou com um ar triste, não completamente falso.

Gerard percebeu. Aproximou-se um pouco mais da cortina do confessionário, interessado.

-          Mas por que vocês tem brigado? O que há de errado?

Frank respirou fundo antes de responder.

-Eu, Padre.  Eu sou o que há de errado.- Seu tom, amargo e cheio de culpa, fez Gerard franzir a testa. “Coisa de adolescente”, pensou, tentando afastar outras idéias mais sinuosas.

-          Errado como? Fizeste alguma coisa que os machucou?

Frank suspirou novamente.

-          Não. Quer dizer, Sim. Bom, eu... digamos que o que eu sou é o que machuca eles.

-          E o que és?

Frank se aproximou um pouco mais das grades do confessionário, se ajoelhando no apoio que ficava um pouco acima da altura do chão. Falou ainda mais baixo.

- Eu.. eu nunca falei isso em confissão. É um segredo. Um segredo que, por muito tempo, eu não assumi nem pra mim mesmo. 

Fez uma pausa. A expressão de Gerard era ainda mais apreensiva, e ele teve que chegar mais perto da cortina para ouvir o que Frank tinha para falar. O outro continuou.

-          Eu sou gay.

De repente, como quem leva uma facada na carne, Gerard soltou um suspiro de surpresa. Não alto o suficiente para Frank ouvi-lo, mas sim para Gerard se dar conta do que tinha acabado de escutar. Levou uma das mãos à face, e esfregou o rosto, desacreditado. “Deus, o Senhor não pode estar fazendo isso comigo”, pensou, deixando a mão correr pelo cabelo negro.

-          Padre? –Frank chamava lá fora, no mesmo tom.

Gerard tossiu antes de responder, o que fez um sorriso voltar aos lábios do garoto.

- Ahm, continue. - ele falou, puxando um pouco o colarinho da batina.

-Mas.. mas é isso. Esse é o meu segredo. Quer dizer, agora não é mais um segredo. -Pausou. Breves segundos depois, prossegiu. - Sabe, no começo eu me sentia culpado. Gostar de meninos não é certo, eu sei disso. Mas não posso evitar. E... e agora, eu gosto.

Gerard deixou a cabeça rolar para frente. Queria falar que sabia como Frank se sentia, que já tinha passado por aquilo, mas não podia. E aconselhá-lo? Não se sentia digno a tal.

- Bem, você sabe que a Igreja condena a homossexualidade. Você já tentou gostar de alguma menina? - dizer aquelas palavras era difícil para ele. Engoliu em seco. – Você quer mesmo viver em pecado?

-Não, Padre, eu não quero! -Frank respondeu rápido, e um pouco mais alto do que deveria. Voltou a baixar a voz. -Mas eu não posso negar quem eu sou. Isso também seria um pecado, não seria?

- Eu não posso te condenar, mas também não posso te apoiar nessa decisão. –Mediu as palavras. -Se você se arrepender, Deus vai te perdoar.

-          Mas Padre, como eu vou me arrepender de ser quem eu sou? Eu nasci assim. Eu sempre fui assim. Eu não soube disso a minha vida toda, mas quando percebi, me dei conta de que isso já fazia parte de mim antes. Quer dizer, eu nunca pensei sexualmente sobre... meninas. -Engoliu seco.- Mas eu sempre desejei meninos, e até homens. Eu não sei ser diferente, por mais que eu tente.

O ar parecia ficar cada vez mais rarefeito dentro do cubículo para Gerard. Passou a mão na testa, um pouco suada, para constatar seu nervosismo. Os argumentos fugiam de sua mente, e as palavras não lhe chegavam aos lábios. Como ajudar Frank se ele não soube o que fazer consigo mesmo?

- Temo que não possa te ajudar. –A voz era desolada.- Você veio para se confessar e pedir perdão. Mas não há redenção sem o arrependimento. –Tentou cortar o assunto antes que fosse tarde demais.- Tem alguma outra coisa para confessar?

Frank levantou os olhos até a grade de madeira. Um sorriso de malícia invadiu seu rosto, e lambeu inconscientemente os lábios antes de falar.

-Na verdade... tenho.


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