From The Razor To The Rosary escrita por Persephonne
As mãos alvas faziam o sinal da cruz no ar enquanto a voz ecoava pelo salão da igreja.
-Em nome do Pai, do Filho, do Espírito Santo.
-Amém. – Responderam os fiéis em coro, antes de começarem a se levantar dos bancos.
Gerard permaneceu no altar mais alguns momentos antes de se retirar para o escritório, que ficava nos fundos da construção. Sentia-se animado e disposto, agora que havia encontrado um novo lar e uma nova paróquia para ministrar, junto com Padre Williams.
-Muito bem, meu jovem. –sentiu a voz rouca e baixa ser acompanhada pela mão idosa que lhe alcançava o ombro. Sorriu em resposta, virando-se para a figura amigável do velho Padre atrás de si.
-Obrigada, Padre Williams. Agradeço novamente pela hospitalidade do senhor quanto à minha chegada prematura à sua Igreja.
- E eu novamente lhe digo que és e continuarás sendo muito bem-vindo aqui. –Um sorriso também foi esboçado pelos lábios finos do outro sacerdote. – Tens o resto do dia para conhecer mais um pouco a cidade enquanto eu assumo o confessionário. Transferi seu turno para amanhã à tarde, e, à noite, como já combinamos, o sermão também é seu.
Após Gerard agradecer e o velho padre se retirar, dirigiu-se finalmente para o escritório. Organizava algumas coisas em cima da mesa, quando ouviu três batidas leves na porta.
- Entre! –Ordenou, sem parar o que estava fazendo.
A sombra de Frank lentamente se moveu para dentro da pequena sala. Seu rosto sustentava um sorriso que não mostrava dentes, e seus passos eram calculados e cautelosos. Gerard retribuiu o sorriso ao perceber a aproximação do rapaz.
- Bom dia, Padre.
- Bom dia. –respondeu, observando o menino à sua frente. Usava uma camiseta preta de alguma banda que ele já tinha ouvido falar, calças jeans rasgadas, seu cabelo negro estava uma bagunça e tinha um piercing no lábio. Bem, aquela não era exatamente a figura que se esperava encontrar dentro de uma igreja, Gerard pensou. Mas afastou a idéia logo que percebeu o rótulo que depositava sobre o outro.
- Ahm.. eu me chamo Frank! –o garoto continuou, estendendo a mão para que Gerard o cumprimentasse. Assim aconteceu. –Vim lhe dar as boas-vindas.
O olhar alegre do padre examinava cuidadosamente os grandes olhos de Frank. Pareciam tão sinceros e inocentes, à primeira vista, como uma personificação da juventude que ele exalava. Ah, se ele soubesse o que se operava dentro daquela cabecinha... certamente teria tomado cuidado desde o primeiro passo.
- Eu sou Gerard, mas oficialmente é Padre Way.
Frank riu levemente e se sentou na cadeira à frente do padre.
- Então, você é novo na cidade?
- Ahm, sim, eu fui transferido para essa comunidade a pouco tempo. Hoje foi a minha primeira missa aqui. – deu uma pequena pausa e perguntou, deixando transparecer a insegurança. – Fui bem?
- Foi ótimo. – Frank respondeu um pouco rápido demais. Sorriu.
- Então, Frank. Espero que não se sinta ofendido pela minha pergunta, eu posso estar redondamente enganado. – Gerard falou, sentando-se, e o mais jovem sentiu seu estômago pesar. – Você não parece exatamente o tipo freqüentador assíduo de igreja.
Frank riu novamente, dando o seu melhor olhar ao padre.
- Bem...o senhor tem razão, eu não sou muito religioso. Meus pais me fazem vir e freqüentar. Mas eu não gosto.
- Ninguém deve ser obrigado a ter uma fé específica. Mas você acredita em Deus?
- Ás vezes. – ele falou com um tom ressentido. Gerard notou.
- Bem, eu espero que possa te ajudar a se interessar um pouco mais pela igreja e talvez restaurar a sua fé.
- Ah, aposto que eu vou me interessar muito mais agora que você chegou. – Frank não conseguiu conter o seu sorriso canalha. Mas não soube se Gerard tinha notado a intenção por trás da frase, e isso o desanimou um pouco. Ele não sabia nem se queria que as suas intenções transparecessem. Gerard sorriu simplesmente. Um sorriso puro. Frank continuou: - Ahm, quais os seus horários? De missa, confissão, e essas coisas.
Gerard arqueou uma sobrancelha.
- A minha missa é sempre no domingo de manhã, e atendo confissões à tarde. Mas amanhã à noite farei o sermão.
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***
Gerard suspirou pesadamente assim que a porta fechou. Apoiou os cotovelos na mesa e inclinou a cabeça para frente, sustentando a testa com as palmas das mãos. Frank o lembrava do seu passado. Um passado que ele não queria reviver nunca mais. Mas agora, a tentação estava bem ali, e ele teria que lutar muito para não ceder. “Por favor, não me teste. Não de novo”, ele sussurrou, balançando negativamente a cabeça.
Ele tinha notado Frank na missa. Mas não tinha ousado olhar para ele. Pôde sentir o tempo todo os olhos dele, despindo-o até a alma. Mas Gerard não sabia o que sentir.
Frank não estava ali para recuperar a sua fé, Gerard sabia muito bem disso. Ele não sabia exatamente o que o jovem queria, mas sabia que não seria bom, para nenhum dos dois. Frank o lembrava até um pouco de si mesmo, no passado não tão distante. As roupas, a atitude, o ar superior... Apesar de não querer, as lembranças o invadiram. Lembranças da época em que ele vivia no pecado, no excesso....
A época sombria de Gerard ainda o assombrava. Ele se punia e pedia perdão todos os dias pelo seu passado. Passado de drogas, bebida, sexo... tudo demais. Vivia uma vida em pecado, até quase perdê-la. Foi então que ele resolveu que tinha chegado ao seu limite, e não poderia continuar daquele jeito. Foi então que se dedicou à igreja.
E agora aquele garoto.... Deus estava fazendo da sua vida uma piada, só podia ser.
***
O Domingo havia passado, e a segunda-feira amanheceu com neve. Frank ponderou se realmente deveria ir à igreja, e continuar a investida em algo que provavelmente nunca seria recíproco. Quer dizer, desejar um padre não é exatamente a coisa mais sensata do mundo. Mas, naquela situação, se tornou inevitável.
Tomou coragem e seguiu pela ladeira íngreme até chegar ao seu destino. Sentou-se perante o confessionário. O silêncio na igreja era tal, que ele podia ouvir a respiração do padre dentro do cubículo. Mas não tinha certeza se era ELE. Ok, Gerard havia lhe dito que ficaria para confissão à tarde, mas isso poderia ter mudado. Resolveu testar.
-Boa tarde, Padre. –Falava baixo, quase sussurrando.
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Frank suspirou, aliviado. Se ajeitou no lugar e entrelaçou as mãos em seu colo. Deu um sorriso de lado, maroto, cheio de planos. O show ia começar.
- Eu venho pecando muito. –Fez uma breve pausa, pensativo. –E, nos últimos dias, está acontecendo cada vez mais.
Gerard finalmente reconheceu a voz que estava se confessando. Era Frank. Engoliu seco e ajeitou o colarinho antes de falar, sentindo-se desconfortável.
-Que tipo de pecados cometeste?
-Bem, eu... eu... hoje, por exemplo, eu discuti com uns caras no colégio. Falei muito palavrão, também. Colei no teste de história. E briguei com os meus pais.
-Hm. E você se arrependeu das coisas que fez?
-
Gerard percebeu. Aproximou-se um pouco mais da cortina do confessionário, interessado.
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Frank respirou fundo antes de responder.
-Eu, Padre. Eu sou o que há de errado.- Seu tom, amargo e cheio de culpa, fez Gerard franzir a testa. “Coisa de adolescente”, pensou, tentando afastar outras idéias mais sinuosas.
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Frank suspirou novamente.
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Frank se aproximou um pouco mais das grades do confessionário, se ajoelhando no apoio que ficava um pouco acima da altura do chão. Falou ainda mais baixo.
- Eu.. eu nunca falei isso em confissão. É um segredo. Um segredo que, por muito tempo, eu não assumi nem pra mim mesmo.
Fez uma pausa. A expressão de Gerard era ainda mais apreensiva, e ele teve que chegar mais perto da cortina para ouvir o que Frank tinha para falar. O outro continuou.
-
De repente, como quem leva uma facada na carne, Gerard soltou um suspiro de surpresa. Não alto o suficiente para Frank ouvi-lo, mas sim para Gerard se dar conta do que tinha acabado de escutar. Levou uma das mãos à face, e esfregou o rosto, desacreditado. “Deus, o Senhor não pode estar fazendo isso comigo”, pensou, deixando a mão correr pelo cabelo negro.
-
Gerard tossiu antes de responder, o que fez um sorriso voltar aos lábios do garoto.
- Ahm, continue. - ele falou, puxando um pouco o colarinho da batina.
-Mas.. mas é isso. Esse é o meu segredo. Quer dizer, agora não é mais um segredo. -Pausou. Breves segundos depois, prossegiu. - Sabe, no começo eu me sentia culpado. Gostar de meninos não é certo, eu sei disso. Mas não posso evitar. E... e agora, eu gosto.
Gerard deixou a cabeça rolar para frente. Queria falar que sabia como Frank se sentia, que já tinha passado por aquilo, mas não podia. E aconselhá-lo? Não se sentia digno a tal.
- Bem, você sabe que a Igreja condena a homossexualidade. Você já tentou gostar de alguma menina? - dizer aquelas palavras era difícil para ele. Engoliu em seco. – Você quer mesmo viver em pecado?
-Não, Padre, eu não quero! -Frank respondeu rápido, e um pouco mais alto do que deveria. Voltou a baixar a voz. -Mas eu não posso negar quem eu sou. Isso também seria um pecado, não seria?
- Eu não posso te condenar, mas também não posso te apoiar nessa decisão. –Mediu as palavras. -Se você se arrepender, Deus vai te perdoar.
-
O ar parecia ficar cada vez mais rarefeito dentro do cubículo para Gerard. Passou a mão na testa, um pouco suada, para constatar seu nervosismo. Os argumentos fugiam de sua mente, e as palavras não lhe chegavam aos lábios. Como ajudar Frank se ele não soube o que fazer consigo mesmo?
- Temo que não possa te ajudar. –A voz era desolada.- Você veio para se confessar e pedir perdão. Mas não há redenção sem o arrependimento. –Tentou cortar o assunto antes que fosse tarde demais.- Tem alguma outra coisa para confessar?
Frank levantou os olhos até a grade de madeira. Um sorriso de malícia invadiu seu rosto, e lambeu inconscientemente os lábios antes de falar.
-Na verdade... tenho.
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