O Desaparecido escrita por Coelhos do Sol


Capítulo 9
Tremores Calorosos


Notas iniciais do capítulo

Escrito por: Mellyne Saboia
Participações: Sasha, Hécate e a segunda Górgona. Vlw, galerinha. Principalmente a Medusa que nos cedeu sua irmã do meio.
Dedicado para: Embora detestado, o nosso amado cachorro de estimação, Julio Gabriel.



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Tremores Calorosos

Preocupação Insana. Bem vindo á mente de Sebastian.

Nádia acordou quando o leve tremor na mão de Sebastian a assustou. Ele pediu desculpas, pois uma pomba tinha atravessado na frente da estrada de repente, e Nádia o perdoou, embora tivesse feito jurar pelo Estige nunca mais acordá-la.

De Oklahoma para o Colorado são mais dezessete horas de viagem, isto é, caso eles não façam intervalos durante ou não tenham de parar em Blitz.

Nádia não gostava de ser acordada de súbito, ainda mais depois de adormecer de mau jeito num banco no carro. Já estava na metade do caminho, por algum motivo o destino do Colorado era cada vez mais odiado. Estavam tentando chegar ao Colocado já fazia mais de dois dias e isso era torturante. Embora, é claro, também fosse relaxante, pois praticamente o único objetivo era esse. E por que o Colorado? Pois lá estavam acontecendo mudanças de clima. E o clima estava mudando por quê? Pois um novo filho de Dionísio tinha vindo para tomar seu trono e a raiva de Zeus era sentida a onde ele passava.

Para mim, o clima não importa muito, pois eu não sou sensível á isso. Já disse antes e repito: Eu sou um ser mais evoluído, não sinto frio ou calor. Não sofro com isso. Por isso que existem narradores em qualquer lugar que você vá, nós não morremos facilmente. Normalmente temos uma vida longa e saudável. Uma vez peguei uma gripe contagiosa de um dos personagens do enredo, o personagem morreu e eu me livrei da gripe no mesmo em que a peguei. Isso resume bem a minha relação de saúde entre: Humano e Narrador. Somos bem mais evoluídos...

Nádia sentiu alguma coisa roçando em sua mão, novamente. Era Sebastian, mas agora ele a acariciava suavemente, como tinha feito no começo da viagem. Ela tinha deixado, embora agora isso a tivesse despertado de vez. Ela bocejou e se espreguiçou, levantando-se do banco e se sentando ereta. Victoria estava adormecida nos braços de Arthur, que conversava animadamente com Sebastian. Nádia não conseguiu entender muito bem o assunto deles, só depois percebeu que era sobre as garotas. Ou seja, ela e Victoria.

– Acho que o jeito feroz e esse medo que ela tenta esconder dentro dela é a coisa mais charmosa em Nádia. – Sebastian comentou, arrumando o retrovisor.

– Gosto mais do jeito sarcástico e cruel de ser. – Arthur rebateu.

Feroz, sarcástica, cruel...? O que era tudo aquilo? Como ela podia ser todas essas coisas ruins e ainda ser considerada charmosa? Nádia levantou o rosto para protestar, quando ouviu sem querer algo que não deveria:

– Talvez ela entenda que eu realmente gosto dela. Não encontrei outra pessoa até hoje com quem pudesse conversar naturalmente. – Sebastian suspirou, com o braço para fora da janela – Você é um dos únicos, e a Nádia é a única. Por isso quero segurá-la para mim. Mas às vezes parece que eu a sufoco. E sei como ela é, não gosta de ser sufocada.

Arthur comprimiu uma risada ao ver Nádia acordada e então pigarreou, chamando a atenção de Sebastian. Ele, por sua vez, ao se virar para o amigo, tomou o susto de ver os olhos enevoados da filha de Bia. Engoliu em seco, enquanto preparava um discurso mentalmente para explicar o que tinha acabado de falar.

– Então eu sou charmosa? – Nádia falou algo completamente diferente. – E o meu medo é fofo?

Sebastian olhou de Arthur para a garota, e então para Arthur de novo, em busca de ajuda. Por fim, quando ia abrir a boca para responder, Arthur pulou do banco e se atirou no vão que dividia o banco do motorista e do passageiro. Ele virou o volante rapidamente, tomando-o das mãos de Sebastian. Os faróis se tornaram altos e eles ficaram cegos, enquanto o som da buzina do caminhão inundava o carro.

Por fim, o impacto.

Quando abriu os olhos, não entendeu muito bem o que estava acontecendo, mas depois percebeu que estava quase caindo para fora do carro. O vidro da frente tinha estourado e ela voara para fora, ficando presa pelos pés por causa do sinto de segurança. Conseguiu vislumbrar Sebastian desmaiado e com a cabeça sobre o volante, que não tinha acionado o airgbag, por algum motivo.

Arthur estava deitado sobre o branco de trás, e só depois de ter já conseguido entrar no carro que Nádia percebeu que ele tinha feito uma tentativa de proteger Victoria, que começara a chorar fino e baixo, enquanto eles acordavam. Arthur a envolveu e prometeu que tudo estava bem, que tinha sido só um susto. Nádia se certificou de não ter fraturado nenhuma costela. O abismo mais dez metros para frente de onde o carro tinha parado era profundo e não dava sinal de que fosse ter um fim próximo.

A floresta ao lado deles tornava tudo ainda mais surreal, enquanto a neve começava a cair lentamente, e cada vez mais grossa. Era começo de Julho, como é que estava nevando? A Primavera estava em seu ápice! O Colorado era um lugar abafado e a neve era mais frequente no inverno. Nádia sentiu o vento frio do norte lhe arrepiar a pele.

Foi quando se lembrou que Sebastian estava no banco ao lado. Tomando cuidado para não mover muito o ombro lesionado, ela ergueu o corpo de Sebastian do volante. Ele estava respirando, porém ainda desmaiado. Em sua testa um talho fazia um risco grande e fino em sua testa, indo do lado direito até o lado esquerdo, meio irregular. O sangue escorria como cascata, mas não era um sangue vermelho vivo, era sangue escuro, sangue venoso. Por sorte, pensou Nádia, não foi uma artéria.

Arthur se recusou a ajudá-la a tirar Sebastian do banco, pois afirmou que tinha de acalmar Victoria primeiro. E assim, Nádia teve de fazer o trabalho sozinha. Com cuidado para não machucá-lo ainda mais, ela pegou o corpo de Sebastian e o empurrou para perto de si, dando espaço para tirar o sinto de segurança dele, que também não tinha funcionado.

Isto é um aviso.

Ouviu em sua mente e a voz calorosa da musa Ivana, mas ignorou completamente aquilo, enquanto dava toda a atenção para Sebastian. Ele tinha quebrado a costela do lado esquerdo e batido a cabeça violentamente contra o colante, mas tirando isso estava bem. Victoria estava intacta e Arthur também. Os dois conseguiram sair do carro antes que este começasse a se inundar de neve. Com Sebastian e Nádia, porém, foi diferente, pois os dois estavam machucados e tinham de ser delicados. Ainda mais com Sebastian, que ainda estava inconsciente.

– Vou andar por ai procurando um lugar para passarmos a noite. – Arthur disse. – Logo a neve vai tomar tudo.

Victoria grudou em seu braço, ainda tremendo, pedindo e implorando para que fosse junto. Arthur não poderia ter dito não. Quando eles saíram de vista, Nádia pareceu despencar. Sentada com a ajuda de uma árvore que a apoiava nas costas, ela mantinha Sebastian sentado ao seu lado e com a mão sobre sua costela fraturada. Sempre que ele respirava fundo, ela sentia o osso se mexer. Era terrível, mas tinha de manter as mãos ali, para ajudá-lo.

Quando Sebastian por fim acordou, a noite já começava e a neve tinha coberto o carro e já chegava perto deles.

Sebastian tinha os cabelos louros quase manchados de sangue, na parte da frente da cabeça. Os olhos escuros estavam ainda mais tempestuosos e o cansaço era visível nas olheiras. Quando percebeu que estava com a cabeça no ombro de Nádia, se afastou, mas isso só fez com que sua costela o cutucasse e o desse uma dor agonizante.

– Fique aqui, não se importe comigo. – ela murmurou, enquanto o trazia para perto. Ele não estava em condições de permanecer acordado ou sentado.

Sebastian não questionou, embora ela conseguisse vislumbrar com o canto do olho a interrogação na testa dele. Explicou ligeiramente que o carro tinha quase batido e caído da estrada para dentro de uma floresta, depois do parapeito. Eles estava á alguns metros da estrada, e alguns metros do abismo.

Sebastian pousou a cabeça novamente em seu seio, mas agora estava mais como um bebê. Nádia o envolveu carinhosamente, tomando cuidado com qualquer movimento. Ela o tinha nos braços, como seu filho. E ele fechou os olhos, sentindo o leve cheiro de suor que emanava da pele de Nádia, enquanto ela começava a entrar em pânico com a ausência de Arthur e Victoria. Por fim, quando eles voltaram, Sebastian tinha voltado a dormir e Victoria parado de tremer. Arthur limpou o ferimento na cabeça de Sebastian e alguns leves cortes no rosto de Nádia.

Não dizendo nada, mas com os olhos intensos, era visível a frase que Arthur queria formar. “E você ainda não tem certeza?”.

Arthur não tinha encontrado nenhum lugar para repouso e por isso teriam de ficar dentro do carro. Improvisaram as camas na parte de trás do carro, que estava intacta. Eles se embrulharam em mantas e cobertores ali presentes, que deveria ser dos antigos donos do Corolla 98. Agora eles nunca mais o veriam.

– Vamos dormir só um pouco. São mais ou menos cinco da manhã, quando for próximo do meio-dia eu acordo a todos. Podem dormir. Eu não estou com sono. – Arthur mandou.

– Cinco da manhã? – sussurrou Nádia, surpresa. – Pensei que ainda não fosse nem seis da tarde!

– Você dormiu muito durante a viagem, Nádia. Estamos á trinta quilômetros do Colorado. É pouco, mas não poderíamos ir andando até lá, mesmo que estivéssemos todos em condições.

Nádia assentiu, embora não quisesse. Arthur tinha insistido em deixar que o espaço dele e de Victoria fosse um só, assim liberando mais espaço para Sebastian e Nádia. Mas Nádia não entendeu muito, pois sabia que de um jeito ou de outro Sebastian acabaria babando em seu seio, como fazia quase sempre que iam dormir. Mas desta vez ele merecia um cuidado caloroso. Estava quase a beira da morte, de acordo com as avaliações de Victoria. Por pouco a costela não tinha invadido o pulmão, o que Nádia achou estranho, pois nunca tinha ouvido uma história assim antes.

Mas não duvidou.

Sebastian acordou somente mais uma vez, quando teve de ser colocado dentro do carro, depois dormiu novamente. Victoria disse que semideuses se recuperavam mais rápido que os mortais e por isso logo Sebastian estaria bem, se ele descansasse o suficiente. O mesmo com o ombro machucado de Nádia, que ela tinha quase esquecido.

O ambiente era romântico, embora esse não fosse o clima que ela mais gostasse. Arthur e Victoria não se importaram com a presença de Nádia, e se beijavam calorosamente. Evitando olhar para o casal, Nádia manteve os olhos alternados entre olhar para a neve do lado de fora do vidro, e olhar para Sebastian, com os cílios longos e a respiração quente. Na maior parte, ficava olhando para Sebastian, pois dele emanava um calor aconchegante que a aqueceu. Era o calor humano, pensou, o tal do calor humano. Normalmente Nádia pensava que isso era algo bem nojento, mas até agora tinha sido confortável e agradável. E de certa forma excitante. O simples fato de ter a perna de Sebastian pressionando a sua já era maravilhosamente excitante.

Nunca tinha tido uma experiência assim com um garoto, e agora julgava ser muito bom.

Enquanto ouvia os gemidos ávidos de Victoria (Pois Arthur deveria estar beijando-a muito bem), ela pensou por um segundo se não deveria experimentar beijar também. Parecia algo divertido, embora não pudesse se imaginar gemendo entre beijos. Era algo asqueroso, em sua opinião. Mas não teve coragem de se aproximar o suficiente de Sebastian. Tinha medo e tinha vergonha.

Ela não queria admitir, mas o medo era o que mais a perseguia durante sua jornada.

– Acorde... – ouviu a voz suave e melodiosa de Victoria, enquanto a garota murmurava no ouvido de Arthur – Acorde, meu amor...

Sim, aquele acorde não tinha sido para ela, mas mesmo assim ela acordou. Sentindo um peso sobre o braço direito, percebeu que Sebastian ainda dormia profundamente. O braço estava dormente, mas Nádia não ousou movê-lo. Victoria, quando viu que a garota estava acordada, desistiu do namorado e apenas sorriu para ela, abaixando a cabeça e a deitando sobre o peito de Arthur.

– Vocês parecem realmente apaixonados. – Nádia comentou, após alguns longos segundos de silêncio mortal.

– Ah, olhe quem está falando isso, Nádia Hana, a garota que odeia casais. – riu Victoria.

Não era deboche, era apenas uma piada particular, que Nádia não pôde evitar rir. Quando tudo ficou em silêncio, novamente, foi Victoria quem o quebrou.

– Vocês são tão fofos juntos... – se referiu a Nádia e Sebastian. – Admito que no começo fiquei com medo de que você roubasse o meu Arthur.

– O quê? O Arthur? – Nádia ficou atônita.

– Sim, sim. Vocês dois são fortes e destemidos, bravios e muito grossos... São quase a alma gêmea um do outro. Fiquei com medo, pois sou medrosa.

Nádia sorriu, acolhedora.

– Você não sabe o quanto de medo eu sinto. – ela sussurrou. – De coisas banais.

Victoria sorriu, como se aquelas palavras a tivesse dado um ânimo.

– E uma vez me contaram que as pessoas nunca são almas gêmeas, não tem como duas pessoas iguais se darem bem. O que você não possui, Arthur te completa, e o que ele não tem, você dá para ele. Vocês se encaixam, entende? Arthur te dá coragem, e você lhe dá responsabilidades.

Victoria virou o rosto, iluminado, para Arthur e o beijou na testa. Respirou fundo e sussurrou um obrigada quase inaudível. Mas que aqueceu muito o coração de Nádia. Fez algo certo, ela disse a si mesma, você conseguiu fazer algo certo.

Quando percebeu que Victoria dormia, ela sorriu e virou o rosto para fora, onde o vidro tinha sido totalmente coberto pela neve. Então abaixou o rosto e beijou carinhosamente a testa de Sebastian, imitando o gesto de Victoria. Ele estava quente, parecia febril. Mas naquela hora Nádia não notou, apenas adormeceu.

º º º

Uma agitação a fez acordar. Primeiramente viu a juba, depois percebeu a calda lhe roçando o nariz. Tinha um leão no carro.

Tinha um leão no carro.

Esse pensamento lhe fez despertar os instintos e sentiu a benção de Bia inundar seus ouvidos, enquanto enfiava a mão no bolso para alcançar a foice. Mas então percebeu que Sebastian estava sobre seu braço e que ela não poderia se mover sem antes retirá-lo dali. Procurou Arthur e Victoria com o olhar, mas não os encontrou. Julgou que eles tinham saído correndo dali, para salvar suas peles. Deixando os outros dois para trás.

Filhos da merda.

Nádia empurra Sebastian para o lado da forma mais delicada possível, porém é difícil fazer isso tentando evitar a atenção do leão. Quando conseguiu se livrar do peso de Sebastian e enfiar a mão no bolso, sentiu a foice e logo ela cresceu, fazendo o teto do carro parecer baixo demais.

Com a sua força emanada de não se sabe onde, Nádia empurrou o teto do carro e a foice arrancou tudo. O leão se assustou, mas não o suficiente para sair do carro. De pé no banco, Nádia se colocou na frente do corpo inanimado de Sebastian e com a foice erguida, já desferindo o primeiro corte. Foi na juba, pois o leão era ágil e pulou sobre ela. Com o peso do animal, sentiu que estava sendo esmagada e que todos os ossos de seu corpo se quebravam. Mas quando aquelas mãos grandes e cheias de calos lhe seguraram os braços e ela foi puxada para cima, só pôde pensar que eram os anjos de Deus levando-a para o céu. Ou para o inferno.

Olhou para cima e confirmou que era um anjo. Mas não um anjo de belíssimos olhos azuis e cabelos cacheados. Ele tinha olhos escuros como carvão e os cabelos eram lisos e lhe cobriam as sobrancelhas grossas. As asas duas vezes maiores que o corpo e escurecidas nas pontas batiam em retirada, enquanto o menino se esforçava mais do que era possível.

O leão ia ficando lá embaixo, enquanto Sebastian a erguia mais e mais. Por fim, com os pés balançando para frente e para trás, Nádia soltou um gemido de frio e de pavor. Altura... Conseguia ver o abismo dali, também conseguia ver a rodovia. E ainda mais a frente, Arthur Victoria acenando e pedindo socorro para alguns carros que ali passavam.

Sebastian levou Nádia para lá e quando pousaram no chão, ele a surpreendeu mais ainda, abraçando-a forte e praticamente chorando em seu ouvido. Suloços ecoaram daquele abraço, até que um carro parou e aceitou lhes dar carona. Sebastian foi obrigado a se calar, mas ainda estava enroscado nos braços de Nádia, tentando em vão expressar algo que ninguém ali estava entendendo. Mas eu entendi.

Ele estava dizendo “Obrigado”. E estava mostrando o quanto se preocupava com Nádia, e estava lhe dando uma bronca por ter se arriscado tanto com o leão. O leão da Neméia. Estava fazendo tudo isso junto, por isso ninguém entendeu. Mas eu já tenho experiência com esse tipo de reação, por isso sei interpretá-la. De um jeito mais resumido, Sebastian estava dizendo “Você é importante para mim”.

Hey, hey, you, you... – a mulher cantava enquanto aumentava o volume no máximo.

Ninguém merece Avril Lavigne – sussurrou e gritou Victoria. Não me pergunte como se sussurra e grita ao mesmo tempo.

Enquanto o carro prosseguia, eles escutavam as músicas enjoativas que a mulher que lhes dava carona colocava. Ela não era tão extrovertida quando a outra carona, mas não ficava falando o tempo todo, o que era bom. Só foram perceber que a placa anunciava Ohio quando passaram por ela.

– Espere! Ohio não fica perto do Colorado! – Arthur se exaltou. – Pra onde está nos levando?

– Para um lugar muito divertido... – a mulher virou a cabeça e quase foi possível ouvir um sibilar. – Um lugar onde vocês irão brincar de cabeleireiro...

A névoa dissipou, mostrando a verdadeira face da górgona. Arthur pulou para o banco da frente, protegendo Victoria assim que a górgona atacou-a. Sebastian segurou o punho de Nádia e ela se virou para ele. Sua expressão era quase de puro pavor.

– O que houve? Resolveu vira rum medroso? – perguntou ela.

–Não é medo da górgona que eu tenho – Sebastian rebateu – Descobri que tenho medo e te perder. E não quero te perder.

– Você não vai me perder – Nádia segurou seu rosto – Respire fundo... Somos crescidos, sabemos nos cuidar...

No banco da frente, o volante virava para todos os lados e aquele seria o quarto acidente de carro que eles teriam. No último segundo, porém, Arthur teve a idéia de usar o tombo do carro contra o próprio monstro e então se atirou contra a mulher de cabelos de serpente, evitando olhar para ela. O vidro se partiu, jogando Arthur e a górgona para fora do carro. Os cacos de vidro entraram pelo pescoço dela e cortaram o suprimento de sangue da cabeça. Então Arthur a pegou pelas cobras dos cabelos e a jogou longe o bastante para rolar pelo acostamento da estrada.

Em outro ângulo, o carro tinha ficado no meio da estrada, atrapalhando o fluxo da fronteira. Victoria saltou do carro par aos braços de Arthur e eles se beijaram como na cena de um filme. Aumentando ainda mais a ânsia de vômito de Nádia. Sebastian a tirou de dentro do carro capotado e ela vomitou ao seu lado, por pouco não foi em cima de seu pé.

– Estamos em Missouri – disse Arthur, olhando as placas – a fronteira é daqui uns cinqüenta quilômetros. Querem andar?

– Será? – Victoria perguntou – É melhor voltarmos para onde nossa missão começou. O Olimp.

– Está doida? – Nádia exclamou, se apoiando em Arthur, com o ombro dolorido – Zeus quase nos fuzilou! Ele odeia visitas sem aviso prévio.

– Mas e o carro? – Sebastian apontou para os outros carros buzinando e chamando a policio, ambulância e o que for.

– Vamos fugir! – chamou Arthur, já começando a correr – Vamos para uma cidade perto da fronteira de Ohio!

Enquanto corriam, Sebastian procurou a mão de Nádia, e quando a achou, a puxou para perto de si.

– Fizemos uma viagem num carro mágico. Nós andamos muito mais do que nossa missão inteira e quase atravessamos o país. São as dimensões mágicas, o tempo passa de uma maneira diferente dentro delas.

– Entendi – concordou Nádia com um aceno de cabeça. – E sobre o que houve no carro...

– Não vai passar, mesmo que você tente me acalmar. – ele sorriu, de uma forma surpreendentemente sedutora – Só pararei de me preocupar quando tiver certeza ser bom o suficiente para te proteger. E até agora não fiz nenhum progresso.

Nádia sorriu de lado e apertou sua mão, enquanto começava a correr mais depressa, alcançando Victoria e Arthur.

Pararam quando avistaram o rancho. Uma imensidão de terras, cavalos e touros. Uma fazenda grande e parcialmente feliz. A casa da fazenda era pintada de uma cor alegre de marrom, enquanto algumas flores de tons vívidos floresciam ao redor. Numa placa ainda perto da estrada, anunciava o Rancho Lua Cheia.

Alguns cavalos possuíam um amarca em volta do olho direito, os de pele escura. Já os brancos tinham marcas de ferro no tronco, algo parecido com um lobo uivando. Quando chegaram mais perto da casa e bateram palma, a senhora que os atendeu tirou o fôlego até mesmo de Nádia. Ela era esvoaçante, embora estivesse na casa dos quarenta anos. As rugas em volta dos olhos lhe davam um ar sedutor e as mãos com calos (iguais as de Sebastian) mostravam o quanto ela trabalhava. Vestia uma saia bege e uma camiseta branca, com um avental cor-de-creme. Em sua barra, estava bordado “Hécate”.

Eles tomaram o súbito susto de perceber a presença de uma deusa.

De trás da mulher, que limpava as mãos molhadas no avental, três cachorros de raça saíram. Eram altos, fortes e ameaçadores. Mas ao mesmo tempo felizes e carinhosos. Os cabelos cacheados da mulher lembravam muito Cecília. E pela primeira vez em dias Nádia se lembrou da garota, e se perguntou como ela tinha se saído com as formigas.

– Sim, jovens? – a mulher perguntou, com um leve sotaque.

– Estamos a procura de abrigo. A senhora por acaso sabe onde podemos encontrar?

– Estão no lugar certo – Hécate sorri. – Mas não é de graça – a deusa dá de ombros – E quinhentos e quarenta dracmas não são o suficiente. – se adiantou. – Nem mesmo o pedido do filho de Zeus mudará meus votos.

Nádia pensou em usar sua manipulação ameaçadora.

– Quer mesmo usar isso contra mim, Nádizinha? – Hécate sorriu, festeira – Eu sei tudo o que vocês querem fazer, sei tudo o que vão fazer e sei que conseguirão me pagar. Sou a deusa da magia, ora, posso prever tudo com meus poderes! Mas é claro que às vezes fica sem graça... Ah, sim, respondendo: Cecília se virou muito bem com as formigas, encontrou ajuda com um belo rapaz esbelto e atraente chamado Roxana e concordou em ajudá-lo a destronar Dionísio. Ah, meus filhos, sempre causando! Eu os adoro por isso.

– Cecília é uma traidora. Como pode adorá-la?

– Traidora ou não, ela dá aquele gostinho de história dramática, de traição. Ah, que aventura não tem traição? – Hécate ergueu os braços – Sou uma deusa liberal, por favor!

Arthur não entendeu muito bem. Esperava que Hécate fosse mais reservada, sábia e quieta. Com aquele mistério no olhar, assim como sua filha Cecília. A menina era misteriosa e secreta, ninguém arrancava muitas palavras dela. Pelo contrário, Hécate era praticamente a ironia em pessoa. Talvez um pouco parecida com Apolo ou Dionísio. Até mesmo comparável á Hermes.

Já narrei alguns episódios de Hécate, e ela é realmente uma mulher agradável. Embora sempre use seu perfil de quarentona, se mostra uma deusa muito jovial. Em certos pontos, acaba sendo mais interessante que Ártemis. Mas isso é detalhe, pois meu amor e voto estão totalmente voltados para minha querida deusa da Lua.

– O que quer que façamos? – perguntou Arthur, já desconfiado.

– Ah, relaxem – Hécate acenou com a mão – É moleza. Eu faço isso num piscar de olhos. Ah, é, sou da deusa da magia, posso fazer o que eu quiser – ela soltou uma risada – Sério, às vezes é chato ser a deusa da magia... Convenhamos, eu tenho tudo o que quero! Que chatice...

– O que é? – exigiu Arthur, novamente. Estava impaciente.

– Ta,ta, apressadinho. Quero que limpem os estábulos e recolham meus cavalos selvagens, todos, antes do Sol nascer. Meus poderes ficam fracos de dia e os animais costumam e machucar com os raios solares. Ah, eu sempre detestei o dia. Sou praticamente um morcego...

– Certo. Onde é o estábulo? – Arthur puxou a todos.

– Esperem, minha aprendiz vai junto.

– Aprendiz? – Victoria se vira, curiosa.

– Sim, minha pequena aprendiz, Sasha. Tomem cuidado, ela morde.

º º º

Sasha estalou os dedos, fazendo com que todos os cavalos já reunidos fossem aprisionados com a porta do curral fechada. Eles secaram o suor que escorregava, enquanto Sasha fazia uma cena dramática e se esticava sobre o peito de Arthur, exclamando o quanto estava cansada. Victoria piscou para Nádia, com os braços cruzados e logo esperando que Arthur enxotasse a garota namoradeira, porém ele não fez nada, somente pegou nos braços de Sasha e a rodou gentilmente, descolando-a de seu peito.

O mesmo ocorreu com Sebastian, mas foi mais forte, pois eles quase se beijaram. Se não fosse o pescotapa de Nádia, claro.

Sasha sorriu enquanto voltavam para a casa da fazenda.

– Eu sou filha de Éros. Costumo me apegar facilmente com quem vem aqui... – ela pisca. – E normalmente os homens ficam seduzidos comigo.

– Com certeza ficam – concordou Arthur.

Victoria lhe deu um pisão no pé, o que o fez reclamar com ela. Por outro lado, Sasha soltou uma risada fraca e disse que estava tudo bem, Victoria e Nádia não precisavam se preocupar. O coração de Sasha já tinha dono.

Hécate agradeceu por terem recolhido todos os seus preciosos puro-sangue e os cachorros de raça lhe saldaram na varanda. Meia hora depois foram convidados para entrar, tomar um banho e jantar.


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Notas finais do capítulo

Hécate: http://1.bp.blogspot.com/-QEBiznDudmg/TzJ799XNVyI/AAAAAAAAAJE/Z_OMcz-_Olg/s640/cabelos-cacheados.jpg
Sasha: http://www.jetdicas.com/img/fotos/cabelo%20ondulado%20com%20gel%203.jpg
º º º
^^ Não pude descrevê-la tão bem quanto a imagem.
Obrigada pela atenção, éguinha-pocotó. Beijos da Meell.



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