As leves brisas adentravam pela janela aberta fazendo as cortinas dançarem de forma suave e delicada, aos poucos Belle começara acordar, sentia seu corpo pesado, por causa do efeito do forte calmante. A jovem percorreu seus olhos na direção da janela aberta, um leve sorriso desejou se em seus pálidos lábios, sua vista estava bem melhor, não cem por cento, mas melhor.

Assim que virou sua cabeça na direção da porta, notou que um homem dormia todo desajeitado na poltrona, franziu o cenho, não lhe era familiar, mas parecia exausto. As lembranças começaram a surgir repetidamente.

– Não se preocupe minha filha, tenha fé em Jeova. - disse ainda de costa para ambas - Ele irá nos proteger dessa tempestade, não deve temer. - sua voz era pacata, sem delongas começou a rezar um pedaço do Pai Nosso. - Ainda que eu passe pelo vale da sombra da morte não temerei mal algum.

Sentiu uma vontade esmagadora de chorar, mas relutou, tentou sentar se na cama com muita dificuldade, seu corpo inteiro doía.

–Droga! - resmungou levando a mão esquerda na direção de sua cabeça.

O desconhecido que parecia repousar de forma tranqüila sobressaltou assustado, chamando a atenção da jovem para ele.

– Está tudo bem? - quis saber.

Belle tentou balançar a cabeça, informando que estava, mas sentiu uma forte fisgada, fazendo a encosta-se novamente no travesseiro.

– Minha cabeça doe muito. - anunciou enquanto mirava o teto.

Doutor Kevin levantou se da poltrona, sentia seu corpo dolorido por causa da forma com que pegara no sono, naquela estreita poltrona, caminhou na direção da maca onde Belle estava deixada.

– Não deve fazer movimentos bruscos. - avisou enquanto a encarava com um olhar sereno - Recebera uma forte pancada na cabeça e milagrosamente esta viva.

Belle virou seu rosto na direção do dele e o encarou de forma profunda, deixando o encabulado.

– Não sei se devo agradecer ou lamentar. - murmurou com os olhos marejados.

Kevin se aproximou ainda mas do leito e segurou a pequena e delicada mão entre as suas.

– Uma nova oportunidade devemos agradecer. Sei o quanto deve estar sendo doloroso para você, mas tente compreender. - disse com um leve sorriso nos lábios.

A jovem deixou um leve suspiro escapar lhe por entre os finos lábios.

– Talvez tenha razão, mas não sei como irei agüentar. Meus pais eram tudo que eu tinha e agora não tenho nada. - pausou por um breve momento tentando manter seus pensamentos firmes, virou se na direção de Kevin e assim que notou os olhos dele fixados nela desviou os seus para o canto. - Você deve ter uma ótima vida.

Kevin quase engasgou com aquela pergunta, respirou fundo antes de responder lhe.

– Não! Sou um medico de 35 anos, divorciado e que detesta voltar para casa. - respondeu com os olhos fixados nos dela.

Belle franziu o cenho, quando foi questioná-lo sobre o porque daquela resposta, pode ver dentro dos olhos dele a solidão que carregava e amargura que seu coração carregava.

– Sei que não tem nada haver com meus problemas pessoais, mas sou tão infeliz quanto pensa que sou feliz.- continuou desviando os olhos na direção da janela - Fui traído e abandonado, você tem a vida toda pela frente tem vigor e pode reconstruir um ótimo futuro.

Belle assentiu, realmente tinha a vida toda pela frente, o ingresso a Havard e poderia ter uma ótima profissão. Mas aquele momento não estava lhe passando nada concreto pela mente.

– Você é um medico. Pode viajar para onde quiser ter o que quiser, tem sua casa. - disse por impulso.

Kevin encostou se nas barras dos pés da maca e a encarou com um olhar vazio.

– Nada adianta se não temos quem amamos ao nosso lado.

Belle desviou seus olhos na direção da janela aberta.

– Do que adianta viver uma mentira? Antes livre do que aprisionado e vazio. Meu pai desejava que me tornasse uma missionária e fosse para a África pregar para os necessitados. - pausou tentando colocar as palavras certas, seus olhos estavam marejados - Eu gritei com ele, disse que iria para Harvard fazer a Historia da America, que não queria ficar em um lugar vazio e distante.

Kevin balançou a cabeça pensativo, ambos carregavam algo em comum, a solidão e o remorso, talvez se ele tivesse dado mas atenção a sua esposa ela não o tivesse traído com um velho conhecido e ela se tivesse dado ouvido a seus pais, talvez ambos estivessem vivos em algum canto do mundo.

– São nossas escolhas, doutor. - disse encarando o - Que nos guiam, hoje estou vazia sem uma família, meu avô esta doente e nem sabe mas quem sou se já não tenha morrido.

Ele a encarou por algum tempo, a jovem a sua frente jorrava juventude, mas estava tão vazia quanto ele.

– Não deve pensar assim, nada acontece por acaso. - respondeu.

Ela mostrou um sorriso seco.

– Então devemos culpar o destino? Ou o acaso, nunca entendi isso. Meu pai sempre me dizia que tudo é escrito por Deus. - disse enquanto arrumava uma mecha teimosa que estava sem seu rosto - Ele praticamente respirava as teorias que pregava, todos os dias.

Um breve silencio dominou o ambiente, sentia o peso do mundo em suas costas e a solidão rasgando seu interior, Kevin sempre fora animado, brincalhão e agora não passava de um motivo de piada por onde quer que passe. Havia abandonado sua vida privada e se afundara no serviço, respirava vinte quatro horas por dia, fazia apenas uns oito meses que Lana havia partido para Londres com seu ex amigo de faculdade, Jordan.

– Acho que somos os culpados, nossas escolhas que nos movimenta. - respondeu.

Belle assentiu.

– Então devemos começar a fazer as escolhas certas não é? - quis saber.

Ele mostrou lhe um sorriso franco a jovem o retribuiu o gesto, antes de dizer mas alguma coisa Kevin se aproximou da estranha a sua frente e a abraçou de forma espontânea, Belle não resistiu e se entregou ao choro que estava preso dentro de seu peito.

– Esse é o primeiro passo, chore. - sussurrou, enquanto a jovem se afundava em seu peito tentando desesperadamente se libertar daquela terrível dor.

Ambos eram estranhos, mas continham um vazio e uma triste historia em suas vidas, talvez fosse a hora de começar a trilhar um novo capitulo deixando tudo de ruim e triste para trás.

–Sente-se melhor? - questionou enquanto se afastava dela para encará-la.

Belle balançou a cabeça enquanto encarava o com os olhos rasos de lagrimas.

– Obrigada! - disse.

Kevin mostrou lhe um sorriso radiante e depositou um beijo sobre a testa da jovem, a voz através do alto falante anunciou seu nome, ele caminhou na direção da saída.

– Vou te esperar. - disse a jovem com um sorriso ameno nos lábios.

Ele assentiu, iria voltar.

"Pela falta que nos deixa a nossa própria luz a nos orientar" – Oswaldo Montenegro