Charlotte olhava para Austin como se ele fosse sua próxima refeição do dia. Ela, que nunca fora discreta, estava sentada na arquibancada analisando cada movimento que ele fazia. Mesmo sob o sol morno a fotógrafa não se incomodava, a vista do loiro irlandês compensava. O que rolava entre eles não era absoluto, tampouco as duas partes sabiam se o sentimento era recíproco, isso se houvesse algum sentimento. Eles estavam juntos por comodidade, ele como típico atleta bem dotado de coordenação motora e boas notas, e ela sendo a presidente de noventa por cento dos comitês do corpo estudantil e fotógrafa do blog da escola, escolheram o relacionamento de fachada por conta do ex-namorado e ex-namorada que mereciam o troco.

Ninguém desconfiava porque eles já eram notícia antes de “ficarem juntos”, todos comentavam que sempre rolava alguma coisa entre eles. Nenhum dos dois confirmou ou desmentiu, e quando ambos terminaram os relacionamentos anteriores, entraram em acordo que dar vida aos boatos seria mais fácil do que lidar com olhares desconfortáveis.

Charlie já havia se acostumado com a rotina de “Namorada do Austin”. Assistir aos treinos de futebol não era tão doloroso quando ela tinha sua câmera em mãos, suportar a conversa do time na hora do intervalo virou rotina e ser buscada e trazida em casa pelo jogador era conveniente, uma vez que a moça odiava dirigir.

Com Austin não era diferente, o loiro adorava a companhia da jovem fotógrafa, ele se deleitava com suas comparações maldosas, comentários ácidos e infames, mas principalmente amava o modo como tudo melhorava para ela quando havia câmeras fotográficas envolvidas. Ele sempre a achara estonteante, mas jamais revelou isso a ninguém. Não porque tinha medo dos comentários alheios, mas sabia que não daria em nada, o que eles tinham jamais passaria de comodidade, sempre seria falso.

Fazia dois meses que eles compartilhavam o relacionamento irreal. Mas ambos se consideravam amigos, gostavam de passar o tempo juntos. Charlie amava o jeito protetor que ele a tratava, o modo como ele abria a porta de seu conversível vermelho para ela entrar, ou quando eles iam a festas e o loiro fazia questão de dizer quão linda ela estava ao buscá-la e deixá-la em casa.

O treino acabou perto das seis horas, Charlie se distraiu com o por do sol e não percebeu quando Austin se aproximou

- Charlie! – gritou subindo a arquibancada para sentar-se ao lado da menina

- Shh! – disse sem olhar para ele, focou a câmera no por do sol e na ponte, tirou sua foto e se virou para o namorado

O pensamento de tirar uma foto daqueles olhos quase cinzas que a observavam passou pela cabeça dela, mas Charlotte se conteve. Apenas sorriu. Austin se aproximou para beijar a suposta namorada, mas ela se esquivou, ele a olhou surpreso

- Suado?! Sério mesmo? Vá tomar uma ducha, Austin! – ordenou com uma careta

Ele revirou os olhos

- Suor da vitória, fiz cinco gols! – ele dizia animado, mas ela não se importava.

Guardou sua câmera na bolsa e tirou o celular para verificar se tinha alguma mensagem

- Parabéns. – disse sem qualquer animação – Agora já pode tomar sua ducha e ficar cheiroso, temos aquela festa na casa do Thomas – ela disse ao ver o aviso em seu celular

- Sério que você quer ir pra lá? – O loiro perguntou incrédulo – Estava pensando da gente ir naquela exposição de fotografia que você comentou comigo anteontem

Charlie se espantou pelo fato de que ele lembrou-se de seu breve comentário. Às vezes ela se esquece que Austin é observador tanto quanto ela. Mas a questão era que ela não queria ir à exposição com ele. Ela queria ir sozinha. Ficar horas e horas olhando para as fotografias era algo que era dela para com ela mesma. A única coisa que ela fazia sem a companhia do jogador eram suas fotos, e dividir sua paixão particular com o mesmo, era algo que ela não estava preparada

- Ainda prefiro ir para a festa – disse sem credibilidade nela mesma

- Charlotte a cada dia que passa, acho que eu não te conheço o suficiente – o irlandês comentou bagunçando seus cabelos loiros molhados de suor.

- Quem sabe na festa você me conhece melhor – ela comentou com um sorriso – É o que dizem: uma festa e um copo de tequila são os melhores jeitos de se fazer novos amigos

- Mas o negócio é que você já é minha namorada, o que eles dizem sobre isso? – comentou sem tirar seus olhos dos dela, mas isso não funcionava com Charlotte, ela não caía nos flertes de Austin

Ela se inclinou para frente e sussurrou no ouvido do namorado:

- Guarde seus truques para garotas que vão cair neles. – ela voltou para encará-lo, deu um selinho quando os outros jogadores olhavam para eles e finalizou – Vá para ducha, Irwin. Estarei no carro

Pegou sua bolsa e desceu a arquibancada sentindo todos os olhares nela. Mas ela já estava acostumada. Nem tanto por ser a namorada de Austin Irwin, mas sim por sua beleza. Charlotte não gostava de se gabar, ela achava que tudo nela era demais. Olhos azuis demais, cabelos ruivos demais, branca demais, magra demais, cílios grandes demais, boca rosada demais. Para ela, nada disso importava, era apenas um bônus. Mas não deixava de chamar toda a atenção do recinto. Austin, ao contrario da namorada, amava ser o centro da atenção e se aproveitava da boa aparência. Alto, musculoso, branco que não chegava à palidez da ruiva, cabelos loiros irregulares e bagunçados, e os olhos acinzentados combinados com um sorriso largo e covinhas. O jogador era dono da atenção, ainda mais quando desfilava pelos corredores com Charlie ao seu lado.

Charlotte sentou no banco de couro branco do conversível vermelho que pertencia a Austin, ligou o rádio e pegou sua câmera, ficou olhando as fotos que tirara durante o dia. Setenta por cento das fotos eram de pessoas avulsas em indeterminados períodos das aulas , tudo o que chamava atenção, ela capturava com a câmera. Tudo menos os olhos cinza do loiro.

O que mais incomodava Charlie nem era o fato de ter que passar o dia todo com Austin, o que machucava a menina era que tudo o que sempre criticou agora fazia parte de sua rotina. A ruiva sempre abominou a falsidade nas pessoas, o jeito como uns pisam nos outros para subir na pirâmide da popularidade, ou o modo ridículo como a elite manipula a massa para possuir o que quer. Chegava a ser hipócrita, porque agora sustentava um relacionamento falso, andava com os populares que discrimina e era o ícone da escola. Ela se sentia suja.

- Tá em qual planeta, agora? – Austin disse tão sorrateiramente que Charlie pulou de susto

- Avisa que tá chegando, praga! – tentou esconder o quase gritinho de susto enquanto guardava a câmera na bolsa. O namorado apenas riu, sempre adorou o modo espontâneo que ela falava e agia, mesmo quando era rude

- Tava pensando no que? – disse ao girar a chave na ignição – Aposto que era sobre mim, minha orelha tá ate quente! – O loiro sorriu de modo que suas covinhas ficaram à mostra, fazendo a menina enrubescer.

Charlotte riu e observava o modo como as coisas se movimentavam, parecia que a rua, as árvores e prédios corriam ao seu lado, mas era apenas o movimento do carro.

- Estava refletindo na minha suja e indigna pessoa. – respondeu como se estivesse lendo uma receita de bolo

- Charlotte! – disse em desaprovação – Não é pra falar assim de você mesma! Você não é suja, muito menos indigna – disse ao olhar para a namorada, parando no semáforo

- Você não entenderia. – a ruiva respondeu fitando o poste na calçada, não conseguia olhar para os olhos cinza e falar as coisas das quais ela desprezava, porque metade delas era ele.

Austin pousou sua mão sob o joelho desnudo de Charlie

- Quem sabe se você se abrisse comigo eu entenderia – ela não viu, mas o jogador tentava quebrar as paredes que a separavam dele

Charlie ainda não olhava para o loiro. Apenas respirou fundo e olhou para o semáforo que indicava a luz verde

- O sinal abriu, Irwin. – comentou baixo. Hoje ela não se sentia uma boa companhia, tampouco animada

Continuaram o caminho em silencio. Ele a deixaria em casa para que se arrumasse para a festa. Ao estacionar na frente da casa dos Sullivan, Austin se sentiu curioso

- Tá tudo bem, Charlie? – perguntou tentando ter a atenção da garota. Mas ela nem olhou para ele. Austin tocou em seu ombro – Charlie? Tá ai? – disse com um riso abafado e um estalar de dedos.

Charlotte se virou e finalmente encarou os olhos cinza.

- Sim, tá tudo bem. Só estava pensando em qual roupa usar hoje. – terminou a frase com um sorriso e abriu a bolsa e retirou a chave da porta da frente

- Esteja pronta as oito!– disse animado

Charlie sorriu e abriu a porta, mas antes sentiu a urgência de relembrar o namorado

- Não se esqueça do acordo, não vale se apaixonar – disse encarando com autoridade os olhos acinzentados.

- Pode deixar, capitão – fez sinal de continência – Vale o mesmo pra você.

Charlie não respondeu, apenas saiu do carro e caminhou para a entrada da casa. Austin nem precisava dizer que o mesmo valia para ela. A fotógrafa constantemente se policiava quanto a isso, sabia quais seriam os riscos de se apaixonar por Austin Irwin, e tinha consciência de que uma vez que acontecesse, não seria capaz de voltar a ser o que era. A jovem precisava manter-se firme ao acordo, nada a mais, nada a menos.

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