Não é como se ficar parado sem fazer absolutamente nada fosse algo que me incomodasse de verdade. Afinal, nas férias de verão, com certeza não sou o único a ficar jogado na cama, sem ter nada realmente importante ou interessante pra fazer. Então o máximo que minha criatividade e paciência me permitem é deitar e olhar para cima, talvez pensar em qualquer coisa aleatória que apareça em minha mente.

Normalmente, não deveria ser nenhum assunto fixo, muito menos algo significativo. Mas dessa vez, não consigo tirar aqueles olhos azuis da mente... Não que eu goste de olhos azuis! São bonitos, certamente bem mais bonitos que a "adorável" cor de gema de gema de ovo que eu tenho nos olhos. Mas o que mais me instiga com relação à aqueles olhos não é puramente a cor, mas a pessoa a quem pertencem.

Kagamine Len, um garoto de 14 anos, um ano mais velho que eu, um dos garotos mais inteligentes da sala dele ou, sabe-se lá, da escola, eu acho. Afinal sempre ganhava prêmios por olimpíadas ou coisas do gênero. Lindos olhos azuis, cabelo loiro amarrado pra trás e despenteado de forma incomum, mas bonita. Tudo nele era perfeito. E eu sempre o odiei. Sempre odiei gente perfeita. Caramba, como essas pessoas perfeitas me dão nojo! Parece que só de existirem e passarem do seu lado te fazem sentir como se você fosse um cocô ambulante. O "Len", era pior que todos os outros. Eu sempre dava um jeito de achar uma imperfeição neles, para que me eu pudesse viver em paz comigo e com a tal pessoa. Sempre foi assim. Mas ele... Por que ele simplesmente tinha que ser diferente?

O pior dos piores. O mais perfeito entre os perfeitos. Por mais que eu o tratasse com completo desprezo todos os dias letivos, ele sempre me tratava como se fôssemos grandes amigos. Assim como eu, Len também não tinha muitos amigos. Nerds nunca são populares, por mais bonitos que sejam. Talvez ele me considerasse um deles. Mas eu, sinceramente, não entendo o motivo. Se todos o tratam igualmente mal, por que ele deveria escolher justamente a mim pra seguir, que sou provavelmente o que mais o quer longe?

De qualquer forma, eu nunca tive coragem para reclamar. No fundo, o ter perto me agradava. Não que ele me agradasse de alguma forma, nem nada disso, eu o odeio! Me agrada a oportunidade de analisá-lo. Estudar cada detalhe. Porque tanta perfeição me traz uma curiosidade que simplesmente não consigo saciar. E quanto mais descubro, mais quero saber. É algo que me intriga e me desespera ao mesmo tempo.

E assim passou-se um ano inteiro, até que chegaram as férias. E aqui estou eu, olhando para o teto e pensando naquele ser. Estou piorando cada vez mais. Eu continuo o odiando, tanto por sua perfeição, quanto por ocupar tanto minha mente, como nada ou ninguém nunca ocupou.

Fecho os olhos. Quem sabe dormindo consigo me livrar um pouco daquele idiota. São 15:00, então não tenho muita esperança de conseguir. Nem tenho a opção de falar com alguém para me distrair, sou filho único e meus pais não estão de férias, portanto, só voltam do trabalho bem mais tarde.

Mal fechei os olhos e ouço um barulho na porta. Amigos fazendo uma visita surpresa? Menos mal, talvez sair um pouco seja bom pra mim.

Levanto preguiçosamente, coloco uma camiseta melhor e saio pela porta. Como é de se esperar, lá estão alguns de meus amigos, encostados no muro. E o doido do Oliver pendurado no portão. Mas o que mais me chamou a atenção e me fez franzir a testa não foi isso. Ele. Len. Eu não dei meu endereço pra ele. Eu juro... Juro que vou castrar quem deixou aquele ser vir até aqui.

– Oi Rei! - Oliver acenou de cima do portão.

– Oi. - Respondi brevemente. Não estava em um humor ideal pra mais cumprimentos.

– Vish... Que bicho te mordeu, eh? - Piko deu um tapinha nas minhas costas. - Não importa, vamos te animar, não é gente?

Todos os outros (Oliver, Yuuma e Kyo), murmuram coisas abstratas que provavelmente tinham a intenção de soar como um "É". Len permaneceu em silêncio, para nossa alegria.

– Valeu. - Respondi, me encostando no muro também.

– O que foi, Reizinho? - Yuuma bagunçou meu cabelo enquanto falava, como sempre fazia. - Está emburrado por que?

– Não estou emburrado.

– Está sim! - Riu.

Suspirei e falei baixo, em uma tentativa de não permitir que os outros escutassem.

– Por que você trouxe... Ele? - Apontei para Len, que estava sorridente em um canto, feito um retardado.

– O Kyo? Ele é nosso amigo, ô! - Falou alto, gesticulando. Provavelmente não viu direito para onde apontei.

– Fala baixo, idiota! - Coloquei uma mão sobre a boca dele. - Não... O... Len.

Ele olhou para Len e depois para mim. Tenho certeza que senti um sorriso se formar por baixo das minhas mãos. As tirei de lá, para que pudesse ouvir sua resposta.

– Bem, ele é vizinho do Oliver. - Falou com cautela, dessa vez mais baixo. - Estava do lado de fora conversando com ele quando eu, Piko e Kyo e fomos lá na intenção de chamá-lo para vir aqui. O rapaz aí se interessou e então quis vir. Como vejo vocês se falando de vez em quando, imaginei que fossem amigos e então...

– Entendi... - Olhei pra cima. - Mas você fez merda.

Ele riu, bagunçou meu cabelo de novo e se juntou ao resto das pessoas. Não demorei a ir com ele.

Claro que estou puto com eles. E muito. Tudo que eu queria era parar de pensar nele e agora estou a poucos metros dele... Ah, que bosta! Meu coração se acelerou ao pensar nisso. Não que eu esteja envergonhado ou nervoso ou algo do tipo. É simplesmente... Raiva! As pessoas devem ficar com o coração mais rápido por raiva também e... Não, não, Rei, para de dizer merda. Está tudo bem. Você só precisa se acalmar e esquecer que ele está lá.

– Então, pessoal. - Kyo tomou a inciativa. - Pra onde vocês querem ir?

– Eu voto pelo teatro! - Oliver levantou a mão, e todos reviramos os olhos.

– Oliver, você não quer ir lá pra ver peça de ópera, quer? - Falei.

– Mas um teatro... É bonito... - Ele fez manha.

– Não vamos pro teatro. - Piko colocou uma mão na cintura e apontou um dedo para a frente, tentando imitar algum super herói. Ou modelo. Mais provável que uma modelo. - Nós vamos para o parque de diversões!

Todos começamos a falar ao mesmo tempo, mas eram, basicamente, comentários positivos. Então acho que acabamos concordando com o Piko.

– Eu conheço um bom...

Oh, aquela voz. Claro que eu sabia de quem era. Fiquei estático para ouvir, enquanto os outros simplesmente se voltaram para ele, mesmo que não interrompessem as palhaçadas.

– É novo. Não fica muito longe daqui. - Sorriu.- Eu sempre quis ir lá. Posso mostrar onde é, se quiserem, passo por lá sempre que volto do curso de música.
Então ele faz curso de música. Mais um detalhe perfeito.

– Claro! Que acham gente? - Piko falou, olhando para nós.

Aparentemente, gostaram da ideia. Eu dei de ombros, mas acho que não chegaram a notar isso. Pelo menos não a maioria. Len notou. E, para piorar tudo, caminhou na minha direção, até parar encostado no muro ao meu lado.

– E aí, Rei?

Estava evitando olhar para ele, então não sei com que tipo de expressão ele estava.

– O-Oi... - Gaguejei sem querer.

– Desculpe ter vindo sem avisar, ainda mais sendo a primeira vez que venho aqui. Mas é que você nunca me deu seu número, e eu pensei que, já que estamos de férias, talvez fosse a única oportunidade que eu teria de te ver antes do começo das aulas.

– Está tudo bem. - Menti. - Obrigado.

Não fui capaz de falar muito mais que isso, nem de tratá-lo da forma que eu realmente queria. Não esperava vê-lo tão cedo, e de certa forma foi desconcertante. Por mais que o principal problema que o fizesse me irritar mais que os demais fosse essa perfeição toda, sinto como se não fosse só isso. Mesmo que ele seja o mais perfeito de todos, sinto como se também fosse, especialmente, por ser... Ele.

Oh, maravilha, agora além de eu estar do lado dele estou pensando nele. Qual o meu problema, afinal? Eu devia socá-lo por isso. Idiota.