Capítulo 21 - Dúvidas e mais dúvidas.

CHARLIE

Não demoramos muito e logo voltamos para o iate. Lua logo me contou que Leo havia pedido-a em namoro, e eu até fiquei feliz, mas assim que Nico tinha aparecido em meu campo de visão, algo dentro de mim murchou como um balão. Não que eu não o ame, ou ele não me amasse. Eu sabia bem quais eram os meus sentimentos e sabia também que era recíproco. Mas eu fiquei de repente em dúvida; será que ele me pediria também? Seria ótimo, claro, mas eu não sabia se estava pronta.

Eu nunca tive um namorado, será que eu seria a certa para ele? Além do mais, ainda havia minha situação com Will. Eu confiava em Nico, completamente. Mas será que eu me sentiria desconfortável em alguns momentos? Eu nunca mais tinha ficado sozinha com um menino, será que chegaria alguma hora em que eu tivesse ceder completamente a ele? Será que quando esse momento chegasse, eu já estaria pronta?

– Char. - chamou Luali, acordando-me dos pensamentos.

– O que foi? - perguntei meio rabugenta, levantando minha cabeça do travesseiro apenas o suficiente para achá-la na outra cama, me observando atentamente e tentando achar alguma coisa na minha expressão que indicasse o que eu pensava. Não que meus cabelos negros e sombrios não indicassem alguma coisa.

– O que aconteceu? Você parece tão distante...

Suspirei, voltando a enterrar o rosto no travesseiro. - Não é nada. - respondi, com a voz abafada.

– Isso não parece nada. - ela disse, e eu pude ouvir o leve tom brincalhão em sua risada.

Bufei, me sentando sobre a cama e cruzando as pernas em forma de borboleta, como ela dizer. Eu peguei uma mecha do meu cabelo e comecei a enrolar nos dedos.

– O que está acontecendo, Charlie, você não estava tão feliz?!

Crispei os lábios, sem saber se deveria falar o medo bobo que me afligia. Não que eu não confiasse nela, mas ela poderia não entender bem a situação.

– Bem... É que eu estou com medo. - comecei, e ela logo se sentou ao meu lado e segurou minha mão, insentivando-me a continuar. - Eu tenho medo de eu ser apenas uma diversão temporária pro Nico e, se ele resolver me pedir em namoro, se eu vou estar pronta. Digo, depois do que Will fez, eu não sei como...

– Pode ir parando aí! - ela me interrompeu. - Você sabe muito bem, mais até que eu, que Nico te ama e jamais faria qualquer coisa parecida com que Will te fez.

– Disso eu sei! - insisti. - Mas é que eu posso não me sentir confortável com isso. E eu nunca tive um namorado antes.

Eu esperei por alguma outra reação, mas Lua fez justamente a que mais me surpreendeu. Ela riu. Riu não, ela gargalhou com todas as forças. E meus cabelos passaram para um azul mais claro, completamente entediante.

– Não tem que se preocupar com nada, Char. - disse ela, depois que o acesso de riso foi curado. - Nico provavelmente nunca teve uma namorada, lembre-se disso. Não irá se importar com nada disso e sempre irá te respeitar.

– Espera, como você sabe que ele nunca teve uma namorada?! - perguntei, curiosa.

Luali me olhou com o típico olhar de "você está falando sério?".

– Charlie, ele é um filho de Hades. Filhos de Hades não são exatamente perseguidos pela população feminina.

Dessa vez quem riu fui eu. - Tudo bem... Mas eu já quero ir embora. Já passamos muito tempo fora.

– Tem razão. Já passamos por fortes emoções.

~*~

Eu já estava presa no quarto tinha bastante tempo, apenas observando a minha varinha, quando resolveram bater na porta.

– Charlie? - perguntou Nico, batendo na porta do camarote onde eu dormia com Luali.

– Entra! - gritei para ele.

Ele entreabriu a porta e colocou a cabeça no vão, como se analisasse se eu estava devidamente vestida, antes de entrar. Soltei uma risada baixa, antes de me sentar corretamente e deixar um espaço pra ele.

– Oi, bruxinha. - disse ele, sentando-se ao meu lado e colocando a mão sobre meu rosto, antes de depositar um selinho em meus lábios.

Um sorriso se abriu quase instantaneamente em meus lábios. Até o mais simples gesto de Nico conseguia trazer luz pro meu dia mais sombrio. E ele parece ter percebido isso quando meus cabelos se tornaram vermelhos e os olhos amarelados de felicidade, pois soltou uma risada.

Mas então ele voltou à sua serenidade habitual. - Eu queria saber porquê você ficou tão abatida esses dias.

Engoli em seco, rezando para que meus olhos não mostrassem a ansiedade que eu realmente sentia. Minha sorte era que Nico ainda não conseguia dar nomes a cada cor. Mas isso não deixava minha mente livre das preocupações. E dúvidas. Dúvidas e mais dúvidas. Será que elas seriam sanadas?

– Não é nada, é só... - comecei, sentindo meus olhos se tornando dourados de nervosismo, mas fui logo interrompida.

– Charlie. - disse Nico, segurando meu rosto com as mãos e me obrigando a olhar em seus olhos. - Posso não saber o que as cores significam, e sei que você não deixa nada passar pela fortaleza de ferro que você mantém sua expressão. Mas eu conheço o brilho em seus olhos e sei que algo te pertuba. Pode confiar em mim.

Suspirei, sabendo que de nada adiantaria esconder o que quer que seja dele. Até porque Lua já devia ter dito a ele.

– Lua já te disse, não é? - perguntei, abaixando o olhar para seus lábios para não ter que olhar em seus olhos negros que me faziam perder o foco dos pensamentos.

Até que eu percebi que olhar para os lábios podia ser mais tentador do que eu imaginava.

– Já me disse sim, mas eu queria ouvir você falar. - ele disse, de maneira tão doce e suave que eu logo me soltei e virei o rosto para o outro lado.

– Se ela já te disse, não há necessidade de repetir. - eu sussurrei, tão baixo que eu mesma quase não escutei, mas sabia que Nico sim.

– Hey, Charlie, olha pra mim. - ele pediu, e eu não vi como resistir a um pedido dele. Seu olhar estava calmo e carinhoso, um sorriso tranquilo se desenhava preguiçosamente nos traços de seus lábios, e Nico segurou minha nuca, enquanto a outra puxava minha cintura para me sentar mais próximo de si. - Não precisa se preocupar com nada disso.

– M-ma-mas... - comecei a gaguejar, sem saber ao certo o que falar.

Ele me pediria em namoro? Se pedisse, como eu iria me sentir toda vez que ficássemos sozinhos em um quarto, como agora? E se não, queria dizer que ele não queria um relacionamento sério comigo?

– Eu ainda só não pedi oficialmente, como Leo, porque eu queria que você estivesse preparada. - ele disse, sorrindo para me tranquilizar.

– C-como assim?

– Esperarei até que você esteja pronta, sem essa situação com o Solace te assombrando. Quando estiver preparada, eu adoraria dizer ao mundo que você é minha, mesmo que já seja.

Eu sorri, ainda sem palavras para descrever como me sentia aliviada com suas palavras. Então preferi demonstrar. Agarrei a parte frontal de sua camisa preta e o puxei para mim, selando nossos lábios em um beijo calmo e relaxado, sem segundas intenções ou necessidades explícitas. Apenas ambos aproveitando e memorizando a sensação de estamos nos braços um do outro. Bem, isso até Luali adentrar o quarto como um furacão.

– Que demora, agora está explicado! - ela exclamou, brincalhona, enquanto eu e Nico nos separávamos aos poucos e apenas o suficiente para ver o mísero ataque dela. - Nada de pegação no meu quarto! Nico di Angelo, eu mando você chamar ela para desembarcarmos e você fica agarrando minha irmã aí!

E ela começou a bater nele com seu travesseiro, enquanto ele ria de seu surto e eu revirava os olhos.

– Espera. - a ficha havia finalmente caído. - Já chegamos?!

Ela assentiu e eu sorri, correndo para fora, apenas para ver quem eu menos queria de pé, na areia, como se me esperasse.

– Lottie!

Eu queria chorar só de vê-lo, mas tudo o que eu fiz foi revirar os olhos.

– Você de novo, cara?! - Leo saiu do convés pisando firme e furioso, mas antes que ele fosse pra cima de Will, eu segurei seu braço.

Lua e Nico saíram logo depois e Lua logo segurou o pulso de Nico para que ele não fizesse as mesmas besteiras que Leo pretendia.

– Me solta, Lua, eu vou acabar com esse cara! - Nico urrou, uma fúria se apossando dele, como o mar em uma tempestade.

– Nico, não! - exclamou Lua, tão contrariada quanto eu. - Não vamos ficar limpando seus ferimentos depois, não!

– Lottie, eu preciso conversar com você. - disse Will, dando um passo à frente.

– Ela não vai falar nada pra você. - Leo praticamente rugiu.

– Não são vocês quem decidem isso. - Will disse, olhando-o friamente.

– Não, não são. - eu disse e vi um brilho surgindo no olhar de Will. Coitado, acha mesmo que vou falar com ele. - Mas isso não quer dizer que eu queira falar com você.

– Lottie, ao menos me escute...

Bufei, e logo puxei minha varinha da bota, murmurando um feitiço silenciador. - Halt die Klappe, ist still, nichts sollte Ihre Sprache überqueren.*

Will tentou falar. Mas só tentou, e ficou desesperado quando viu que som algum saía por sua boca.

– O que você fez? - perguntou Leo, divertindo-se com o desespero de Will.

– Feitiço silenciador. - respondi, guardando a varinha novamente na bota e indo em direção aos Chalés, com Leo, Nico e Lua atrás de mim.

– Conheço esse feitiço. - disse Lua, divertindo-se. - Foi divertido ver a Allana calada por duas semanas!

– Aquele imbecil vai ficar assim por duas semanas?! - perguntou Nico, sorrindo maldosamente.

Dei de ombros, mesmo sentindo meu coração aos pulos por ter enfrentado Will daquela maneira. - Dura até eu retirar o feitiço. Ou até Quíron contatar e conseguir uma poção de antídoto, o que ele provavelmente deve ter.

– Seria ótimo se ele nunca mais falasse! - comentou Leo.

– Se seria. - disse Nico. - Mas que língua era aquela?

– Alemão. - respondi.

– Mas não devia ser um feitiço em grego? - perguntou Leo.

Lua deu de ombros e comentou, antes que eu pudesse dizer qualquer coisa. - Os feitiços dela geralmente não são em grego nem em inglês.

– Por quê?! - perguntaram os garotos e eu ri.

– Hécate é meio que uma deusa universal. - expliquei. - A que mais faz favores aos mortais. Então ela meio que criou feitiços em cada parte do mundo. Existem feitiços repetidos em alguns lugares, mas depende da intensidade. Então eu meio que conheço um pouquinho de todas.