Capítulo 1 - Salvas por dois idiotas

CHARLIE

– Charlie, atrás de você! - ouvi Lua gritando um pouco mais afastada de mim e eu tentei me desviar de outro ataque da espada da dracaena.

É difícil explicar como chegamos à situação de extrema riculosidade. Cinco dracaenaelutando com cada uma de nós. É uma coisa quase improvável de acontecer quando se é semideusa, principalmente quando são apenas duas semideusas Caçadoras de Ártemis. Não é fácil encontrar dez seres mitologicamente horrendos em um lugar como o Central Park. O que queria dizer que a semideusa filha de Zeus que procurávamos estava realmente ali - e esse era o único lado bom de quase estar sendo morta.

– Eu vou matar a Thalia! - eu gritei, puxando outra flecha prateada da aljava e tentando acertar a dracaena que estava mais perto de mim. Mas arco e flecha não servia de nada para ataque corpo a corpo e era por isso que eu duvidava que eu e Luali sairíamos vivas. - Pra quê mesmo precisamos ir atrás daquela garotinha? - perguntei sarcasticamente.

– Pra não precisarmos ter nosso fígado arrancado pela tenente Grace. - Lua respondeu mesmo assim.

Eu revirei os olhos e me desviei de outro ataque. Não estava sendo nada fácil, principalmente com aquelas roupas. Nunca gostei muito daquelas roupas de Caçadoras, principalmente porque o couro pesava um pouquinho. Era irritante, mas Thalia insistia para que usássemos quando saíssemos em missões sepadadas das outras. Disse que era para outros semideuses nos reconhecerem, mas parecia que ela simplesmente se esquecia de que o couro também chamava a atenção dos monstros. Se ela tivesse vindo conosco, eu poderia estar usando apenas minha calça jeans sem problema algum e sem alguns pedaços de couro de animal pesando em meu pescoço. Aliás, o que eu estou fazendo aqui caçando a irmã dela?

– Não deixa de ser uma missão suicida! - eu disse, pegando outra flecha na aljava e a usando como uma espada. Ou uma faca bem quebradiça. - E qual é mesmo o nome da pirralha?

– Emily. - respondeu Lua.

– Sssemideusssasss fresssquinhas! - sibilou uma dracaena ao meu lado, obrigando-me a sentir seu hálito horrível de réptil.

Se eu já não estivesse acostumada, teria desmaiado.

– Será que não dá pra usar seus poderzinhos do mar? - eu perguntei a Luali, agachando quando a mulher cobra fez um arco com a espada.

Ela tentou outro ataque na vertical e quase não consegui desviar com o arco. Joguei outra flecha em outra dracaena que estava próxima a mim e eu quase a acertei no coração. Por azar, eu não conseguia acertar nenhuma.

– Preciso estar perto do mar. - ela gritou, correndo por entre as árvores.

Fui atrás dela, sentindo todas as dez criaturas vindo atrás de nós. Nunca mais peço nenhuma missão para Thalia. E eu achando que apenas buscar uma semideusa seria fácil. Mas eu aprendi que nada na Caçada era fácil. E eu não gostava nada disso, mas eu realmente não tinha outra escolha a não ser entrar. Eu nunca quis, mas era melhor do que continuar em casa.

– E sua magia, Charlotte?! - ela perguntou.

– Charlotte?! - eu perguntei, correndo ao seu lado e arqueando uma sobrancelha. Luali e todas as outras Caçadoras, incluindo Thalia, sabiam que corriam o risco de ser incinerada por um feitiço caso me chamasse pelo nome.

Ela fez uma careta, antes de se corrigir. - Charlie!

Dei um desconto, afinal, estávamos prestes a morrer.

– Preciso estar com um humor mais sombrio ou qualquer outra coisa sombria por perto. - eu disse. - Minha mãe vive no Mundo Inferior, lembra?

Eu tinha certeza que as mechas em meus cabelos combinavam com meus olhos que ficavam alaranjados. Cortesia de ser filha única de Hécate.

– E as árvores do Central Park não está bom, não?!

Eu olhei em volta, olhando o caminho que cruzávamos. A luz do sol passava por entre as folhas verdes do parque e faziam grandes clarões nas folhas secas no chão. Pulamos por outra mureta que separava as árvores do calçamento, ouvindo a voz sibilante das dracaenae atrás de nós. Muitas pessoas que estavam no Central Park enquanto corríamos das mulheres cobras nos olhavam torto, mas outras tantas abriam pequenos sorrisos quando passávamos voando por elas. Deviam ter a visão distorcida pela Névoa, conseguindo enxergar amigas correndo atrás das outras. Patético.

– Não é o suficiente. - eu disse. - E eu não estou sombria, estou furiosa!

– Só tenta, por favor! - ela pediu quando chegamos a um lugar fechado por árvores altas.

Luali começou a subir em uma delas e antes de eu a seguir, virei para as dez criaturas que estavam há apenas alguns metros. Enquanto elas se aproximavam, eu concentrei todo o meu estado de espírito nas mãos, do jeito que minha mãe Hécate havia me ensinado nas poucas vezes por ano que ela aparecia em minha casa. Quando senti que meu corpo se sentia mais fraco, eu abri a palma da mão e lancei o globo de energia que eu havia conjurado em direção àsdracaenae. Mas ele acertou apenas uma delas, fazendo-a sumir em uma poeira acinzentada e dourada.

Eu não tinha mais flechas e havia ainda outras nove para lidarmos. Então eu fiz o que qualquer um faria em uma situação como essa. Corri até a árvore que Lua havia subido e comecei a escalá-la.

– Rápido, Charlie, minhas flechas acabaram! - ela gritou e eu sabia que estávamos perdidas.

Estiquei minha mão para Luali me ajudar, mas antes que ela conseguisse me puxar completamente para cima, alguma coisa nojenta, pegajosa e repulsiva segurou meu tornozelo. E não queria soltar.

– Lanchinho sssaborossso! - ouvi uma voz sibilando abaixo de mim, enquanto eu tentava puxar meu pé ou chutar a cabeça da dracaena.

E então ela soltou, sem mais nem menos. Quando eu menos esperava, pulei de volta para o chão e encontrei apenas dois garotos nos encarando parecendo confusos e preocupados, com espadas em mãos e poeira de dracaenae se dissolvendo nos ar. Ambos morenos, mas o mais baixo tinha os cabelos castanhos cacheados e a pele morena, enquanto o outro tinha a pele pálida e os cabelos negros lisos. Mesmo sendo Caçadora, não podia negar que eram bonitos.

– Estão bem? - o menino de cachos perguntou.

– Não que precisássemos de sua ajuda. - eu disse.

– Estamos. - Luali respondeu ao mesmo tempo que eu.

Eu quase lancei um feitiço nela. Cara, são garotos! Eu tenho meus motivos para ter entrado na Caçada, mas garoto é garoto e Lua sabe como eles podem ser.

– Podia tentar ser mais educada. - o garoto pálido revirou os olhos.

– Podia tentar ficar calado, cria de Hades. - eu disse, sentindo meus olhos ficando negros e as mechas em meu cabelo acinzentadas.

– Como sabe que ele é filho de Hades? - o de cachos perguntou, com uma expressão confusa e maravilhada no rosto, olhando atentamente para meus cabelos. Imbecil. Como eu disse, meninos são meninos.

– Ela sente a aura dele. - Luali respondeu. - Hécate deu alguns poderes bem úteis a ela.

Revirei os olhos. Falou demais, Lua, falou demais! Mas o que posso fazer se ela sabe ser mais legal e simpática do que eu?!

– Hécate? - perguntou o de cachos novamente.

Virei-me para Lua e disse sarcasticamente. - Eu lanço um feitiço nele ou você afoga. Você decide!

Luali deu sua típica risada contagiante. Era contagiante o suficiente para me fazer abrir um pequeno sorriso no canto dos lábios. E olha que eu quase sorrio verdadeiramente. Somente Luali consegue me fazer rir. Ela e algumas outras Caçadoras que são verdadeiramente minhas amigas.

– O que uma filha de Hécate e uma filha de Poseidon fazem na Caçada? - perguntou o de cachos, tentando parecer galanteador, e eu podia jurar que tinha forças suficiente para lançar algum feitiço nele apenas para fazê-lo calar a boca.

Acho que o filho de Hades era mais sensato, pois percebeu que meus olhos e cabelos iam para os comuns alaranjados raivosos e colocou a mão sobre o ombro do de cachos, fazendo-o olhar confuso.

– Leo, elas são Caçadoras, podem querer te matar apenas por respirar. - o filho de Hades disse e eu resisti à vontade de abrir um sorriso. Desde quando eu sorrio para um menino?! - Além disso, são filhas de Poseidon e Hécate. Podem te matar com apenas um aceno da mão.

Acabei não segurando e sorri. Apenas minimamente, pois eles pareceram não perceber. Mas Luali sabia bem quando eu sorria ou não, pois já passamos anos e anos juntas na Caçada. Ela me olhou com seus olhos verdes confusos, tentando decifrar o que me fizera sorrir. Eu rapidamente fechei o sorriso, tentando evitar seu olhar questionador. Olhei mais atentamente para o filho de Hades, que eu ainda não sabia o nome, e eu quase podia dizer que poderia parar de generalizar toda a população masculina do planeta. O que deu em mim?!

– Deixa de ser estraga-prazeres, Nico! - exclamou Leo e o que se chamava Nico olhou para nós com um olhar de desculpas. Eu senti meu coração se apertar e eu quase quis me enfiar de cabeça na terra. - As moças podem ao menos se apresentar?

Revirei os olhos e Luali disse, apontando primeiramente para ela e depois para mim. - Luali e Charlie.

– Charlie? - Leo perguntou confuso.

Abri um sorriso sarcástico - esse era mais típico de mim. - Charlotte, mas se você me chamar assim não penso duas vezes antes de arrancar sua língua com uma adaga envenenada.

Leo deu um passo atrás, engolindo em seco, e Nico riu.

– Onde estão as outras Caçadoras? - Nico perguntou, olhando ao redor.

– Viemos sozinhas. - Lua respondeu, dando de ombros.

– Missão? - ele voltou a perguntar, levantando uma sobrancelha.

Minha respiração parou momentânea e eu agradeci mentalmente por nenhum deles, nem mesmo Luali, ter reparado. Não seria nada bom para minha posição na Caçada.

– Buscamos uma semideusa filha de Zeus. - eu repondi. Não custava dizer, faz dois dias que a procuramos e nada ainda. - Ordens da Thalia.

Leo e Nico se entreolharam e eu sabia que havia alguma coisa ali. Luali também percebeu, pois foi mais rápida que eu.

– O que vocês fazem fora do Acampamento?

Acampamento?! Que Acampamento?!

– Recebemos uma profecia para irmos atrás de uma filha de Zeus. - Nico respondeu.

Dessa vez, eu troquei olhares confusos com Luali.

– Que profecia? - ela voltou a perguntar. Acho que eu estava com dificuldade para dizer qualquer coisa que fosse depois da palavra Acampamento.

E então Leo citou a profecia.

– Para a Filha dos Céus encontrar,

Em Nova York deverão procurar

E duas Filhas da Lua irão auxiliar.

A forja e a sombra importantes serão

Em uma escolha que a magia e o mar farão.

A Imortalidade final

Decidida no alinhamento astral.