Burning Eyes escrita por Bad Wolf


Capítulo 2
She's Leaving Home


Notas iniciais do capítulo

Desculpem se ficou um pouco confuso, prometo explicar tudo nos próximos capítulos, ok?



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/447640/chapter/2

Naquela noite, disseram-me que a dor é como uma chama. No início, queima de maneira tão intensa que é quase impossível resistir a ela. Aos poucos, o fogo começa a se espalhar e a te destruir, no intuito de te reduzir a cinzas. E, quando isso finalmente ocorre, quando se está tão arrasado que é difícil sentir qualquer coisa além da própria dor, ela cessa. Quase tão rápido quanto começou, a fumaça começa a se dissipar, e então te aconselham a recolher as cinzas e a se reconstruir. Disseram-me que eu deveria ser forte, pois nada é permanente. Mas o que fazer quando a chama se recusa a apagar?

– Ruby, já está na hora.

A voz veio acompanhada de duas ou três leves batidas na porta de madeira. Ao perceber que não teria resposta, a mulher girou a maçaneta, projetando-se para o interior do cômodo. Na mesma hora, senti o espanto e a reprovação em sua expressão. Normalmente, meu quarto estaria perfeitamente arrumado, com os quadros cuidadosamente alinhados nas paredes claras, a cama de solteiro preenchida por um cobertor verde militar e a mesa de cabeceira ocupada por diversos livros de ficção histórica, caprichosamente empilhados. Mas não hoje.

A maior parte de meus livros estava na mala de viagem, aberta em cima da cama. Os que sobraram ainda estavam na mesa de cabeceira, porém espalhados e completamente fora de ordem. Algumas camisetas ocupavam o chão do quarto, enquanto outras completavam a mala vermelha. Tinha escolhido minhas favoritas: as muitas com as frases dos filmes que já vira milhares de vezes.

Eu estava sentada na poltrona acinzentada ao lado da cama, me preparando para os comentários repreensivos que viriam a seguir. Minha tia Mary tinha aproximadamente quarenta e oito anos, cabelos castanhos e os mesmos olhos azuis que minha mãe e eu. Era uma mulher muito rígida quanto à organização. Para ela, um simples copo fora do lugar era sinônimo de desastre. Um quarto inteiro, então, era um tsunami. Utilizando o pouco bom senso que ainda me restava, tentei explicar a bagunça, enquanto ela se posicionava ao meu lado.

– Tia, e-eu... Eu posso explicar... – Comecei a me justificar, mas antes que pudesse concluir a frase, ela fez algo que me surpreendeu. Foi por apenas um momento, mas juro que pude ver um sorriso se formar em seus lábios.

– Não será necessário. – Sua voz estava fria como sempre, mas havia algo a mais nela. Talvez... tristeza. Não, não. A palavra certa era remorso.

As férias de fim de ano estavam prestes a começar. Se estivesse falando isso no ano passado, provavelmente estaria contando que faria mais uma daquelas viagens malucas e perigosas que meus pais costumavam propor, como, por exemplo, escalar montanhas ou visitar áreas com grande atividade vulcânica (confesso ter adorado a segunda).

Mas, sem eles, tudo seria diferente.

No mês anterior, minha tia havia visto um folheto sobre um acampamento arqueológico em uma cidade próxima, e tratou de me matricular imediatamente. Não posso dizer que ficara triste com a notícia, pelo contrário. Acho que você já deve ter percebido que adoro esse tipo de coisa. O problema era outro.

Tia Mary baixou levemente o olhar. No mesmo instante, tive certeza do que se passava na mente dela. Lembro que dissera que precisaria trabalhar o mês inteiro e não queria que eu ficasse em casa sozinha, mas eu sabia que ela teria férias do emprego. A verdade era que ela não me queria por perto.

Tudo bem”, pensei. Era melhor assim. A última coisa que eu queria era que as pessoas fingissem que se importavam comigo, como tinham feito o tempo todo desde aquele acidente.

– Acho que peguei tudo – falei, fechando a mala e afugentando todos aqueles pensamentos de minha mente. – Agora só vou arrumar isso, e...

– Deixe que eu guardo – Tia Mary me interrompeu novamente, apontando para a bagunça no quarto. – Seu primo Ethan já deve estar esperando lá embaixo.

Fitei o relógio na mesa de cabeceira, ao lado de um livro de Bernard Cornwell. Sete horas da noite. Meus deuses, como o tempo passara tão rápido?

Com a mão direita, segurei minha mala de viagem. Atravessei a porta entreaberta e estava prestes a descer as escadas, quando aquela voz gélida, mas sincera, me impediu.

– Boa viagem, Ruby. Espero que encontre o que está procurando.

Do interior do cômodo, Tia Mary encarava-me com seus olhos cor de mar. Não entendi direito o que ela quis dizer com aquilo, mas reconheci que estava tentando ser gentil. Não gentil por estar com pena de mim ou algo do tipo, mas gentil de verdade - o que me deixou um pouco feliz. Retribuí com um pequeno sorriso, rapidamente descendo os degraus de madeira e atravessando a sala de estar.

Logo após abrir a porta da frente, fitei a picape vermelha estacionada do outro lado da rua. O vidro do banco do motorista estava aberto pela metade, revelando um rosto familiar, que logo se iluminou em um sorriso.

– Até que enfim, Rubs! Pensei que a megera tivesse te colocado em um caldeirão de sopa quente – disse meu primo, acenando para mim. Ele sempre morrera de medo de tia Mary, e procurava evitá-la ao máximo nas reuniões de família. Particularmente, eu me divertia bastante com isso.

– Você nunca cresce, não é mesmo Peter Pan? – Aproximei-me e revirei os olhos, mas não consegui conter um sorriso. Ethan fizera vinte e dois anos na semana anterior, mas ainda assim parecia um garoto de dezoito, tanto na personalidade quanto na aparência. Seus cabelos escuros caíam sobre os olhos da mesma cor, que me fitavam atentamente.

– Não – ele sorriu, deixando o carro para me ajudar com a bagagem. – Mas, para sua sorte, cresci o suficiente para poder dirigir.

Eu também poderia dirigir, se quisesse; afinal, faltavam poucos dias para meu aniversário de dezessete anos. O problema era que preferia não colocar a vida de pedestres em risco com minha terrível impulsividade.

Ethan abriu o porta-malas e colocou minha bolsa vermelha dentro, arfando um pouco com o peso. Ele me lançou um olhar, intrigado, enquanto eu me dirigia ao banco do passageiro.

– Por acaso não está levando sua coleção completa de romances históricos, está?

– Completa, não – pisquei. Ouvi o barulho do porta-malas se fechando e, em menos de dois segundos, meu primo já estava no banco do motorista.

– Já esperava algo assim de você, de qualquer forma... – Ele abriu um sorriso, preparando-se para ligar a picape. Assim que o carro começou a se deslocar, dei uma última olhada no sobrado lilás. Aquele que fora minha casa nos últimos oito meses, duas semanas e três dias.

– Aperte o cinto, Rubs. – A voz de Ethan interrompeu meus pensamentos. - Temos uma longa viagem pela frente.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

Obrigada por lerem, e espero que estejam gostando! ♥