A Garota dos Meus Sonhos escrita por Meire Connolly


Capítulo 3
Uma conversa sincera ou quase isso




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Rapunzel saiu andando na frente, e eu a segui. Não sabia aonde ela nos levaria, e também não sabia como eu deveria agir. Maldito Leonel. Se não fosse ele, eu teria tomado um banho, comprado roupas novas, ter feito um roteiro, pesquisado na internet o que deveria se fazer em um encontro. Pelo menos eu tinha dinheiro no bolso, e poderia comprar alguma coisa para ela.

A garota parou de andar na frente de um grande portão de grade. Estava trancado e com cadeado. Encarei-a.

– O que pretende fazer? – perguntei.

– Pular.

Eu já disse que ela é a menina dos meus sonhos? Pois bem, ela pode até ser, mas, querem saber? Eu acho que estou mudando isso. Como assim ela queria pular? Vou explicar onde estávamos. Na cidade de Corona, havia um parque em um deque. E, próximo ao deque, mas, mais ao canto, tinha um local privado para navios, um deque privado, vamos assim dizer. E, Rapunzel queria pular o portão para entrar nesse deque privado.

– Como assim, pular? – perguntei a encarando. Rapunzel sorriu.

– Cara de Neve, achei que fosse mais ousado.

– Eu posso até ser mais ousado, mas não a esse ponto – respondi enquanto encarava o portão.

– Não se preocupe – Rapunzel fez um gesto com a mão, me obrigando a fazer pezinho para ela. Juntei minhas mãos, e ela colocou seu pé, depois colocou o outro na grande. A menina passou uma perna para o outro lado, e depois a outra, pulando no chão e caindo agachada. – Já fiz isso várias vezes – me olhou com malícia e depois se virou para encarar o deque privado.

Suspirei e encarei o portão. Vamos lá, cara. Chega de estragar esse encontro. Coloquei um pé na grade, e outro na barra de ferro que tinha ali, segurando a grade. Subi o outro pé, o colocando mais acima, e com o outro peguei impulso e passei a perna por sobre a grade. Depois passei a outra e pulei para o chão, caindo agachado. Sorri comigo mesmo e me virei, vendo Rapunzel caminhando mais a frente.

Corri até seu lado.

Rapunzel andou mais um pouco e parou em frente a uma barraquinha. Ela se abaixou perante a barraquinha e abriu o que seria um compartimento. Retirou uma vela e um isqueiro, depois fechou o compartimento e andamos mais um pouco no quase escuro completo. A garota se virou e sentou numa parte mais alta do deque, colocando o pé para fora do deque, mas sem encostar seu pé na água. Sentei ao seu lado e coloquei meu pé também, e por sorte, não encostou-se à água.

A loira pegou a vela, acendeu-a e colocou a mesma entre nós dois. Depois a menina esticou a mão para mim, e demorei cinco segundos para entender que ela queria a caixa com os cigarros, não minha mão. Idiota. Retirei a caixa de dentro do meu moletom e entreguei para a menina. Rapunzel retirou um cigarro e colocou entre os lábios, depois, com o isqueiro acendeu o mesmo e tragou, sorrindo logo em seguida.

Peguei um cigarro e o isqueiro, fazendo o mesmo que a menina. Belo encontro que estávamos tendo. Acho que ficamos em silencio por meia hora. Ok, não foi por meia hora. Ao longe conseguíamos ver o parque de diversões com aquelas luzes e aqueles brinquedos se mexendo. Suspirei. Poderia chamá-la para podermos ir amanhã para lá.

Ai, eu causaria uma boa impressão.

– Foi Leonel quem te contou que eu era a Raio de Luz? – perguntou ainda encarando o parque. Fitei-a antes de responder.

– Foi – respondi. Não iria contar a história toda. Foi Leonel que me disse que Raio de Luz era Rapunzel, não diretamente, mas foi. É isso que importa.

– Era de se esperar – a menina deu um sorriso de canto e tragou mais uma vez. – Leonel não me suportava.

– Todos dizem que você foi expulsa por ele – continuei, dando cada vez mais assunto a conversa. Não queria deixar de ouvir sua voz. – Mas, ele meio que confessou que você saiu.

– É – a menina tragou mais uma vez.

– Porque saiu? – perguntei. – Sontag falou que você era super eficiente.

– Assuntos pessoais – respondeu enquanto tragava mais uma vez e deixava um suspiro escapar. – Leonel não entendia que eu não fui feita para ele. E ai, eu resolvi sair.

Quase perguntei se ele abusava dela. Oras, Sontag falava de Rapunzel como se fossem super íntimos, e a garota acabou de revelar que ele queria que ela fosse feita para ele. Podemos dizer que, ou eles tinham um caso, ou então ele abusava dela. E, relembrando aqui, ele riu quando falei que sairia com ela. Pensar em ficar com uma menina que teve um caso com Sontag não é uma coisa legal. Não mesmo.

Suspirei e deixei o cigarro na madeira. Apoiei minhas mãos atrás de minhas costas e encarei o parque ao longe. O que eu estava fazendo ali, ao lado de uma menina que eu mal conhecia e que teve um caso com o meu chefe?

– Está tudo bem? – a loira perguntou me encarando. Assenti, sem encará-la. Eu estava estranho. Não estava arrependido de ter saído com ela. Mas, sei lá. Encará-la, sabendo que a mesma teve um caso com Sontag não era uma coisa legal. – Não parece que está tudo bem – comentou enquanto se virava para mim e cruzava as pernas. Sorri ao vê-la assim.

– Está tudo bem, loira – menti descaradamente. Não estava tudo bem. Nada estava bem. Eu não estava fumando! Eu estava refletindo! Nada estava bem... Nada.

Observei Rapunzel retirar a vela de onde estava e colocar a mesma do outro lado. A menina soltou o cigarro perto da mesma e então se aproximou.

– O que houve? – perguntou me encarando. Certo, eu não poderia mentir para ela. Não mais. Deveria fazer essa pergunta. Retirei minhas mãos de onde estavam e as coloquei sobre minhas pernas, as encarando. Levantei-me minha cabeça e encarei a menina.

– Você teve um caso com Sontag? – perguntei com os olhos semicerrados. Rapunzel deu um meio sorriso e depois fez cara de nojo.

– Claro que não! – respondeu enquanto me encarava e parecia extremamente brava. – Argh, me dá enjôos só de pensar – falou passando a mão sobre a barriga. Ri. Sem arrependimentos, sem reflexões, sem sentimentos estranhos, sem nada! Estava normal novamente! Rapunzel parou de rir e me encarou. – Porque pensou que eu poderia ter um caso com ele?

– Eu não sei – eu sei que não fui sincero. Mas, não estava com a mínima vontade de falar.

– Não se preocupe – sorriu descruzando as pernas e sentando-se ao meu lado. – Não tive um caso com Leonel e ele nunca abusou de mim – depois de falar isso com um sorriso de canto, depositou seus lábios em minha bochecha e sorri com o gesto.

– Melhor assim – comentei, fazendo Rapunzel soltar um riso. Depois de um tempo, resolvi deitar no chão, e vi que Rapunzel me encarava. Coloquei meu braço de lado, e o outro ficou embaixo de minha cabeça. A loira entendeu o recado e deitou sobre o meu braço. Passou seu fino braço sobre minha barriga, e colocando uma de suas pernas por cima da minha. Com o braço que ela havia deitado a cabeça, passei o mesmo por sobre o seu corpo, a puxando para mais perto de mim. Senti sua respiração perto de meu pescoço e sorri com a sensação.

Sem cigarros, com a garota dos meus sonhos ao meu lado.

Estava mais do que feliz, estava radiante. Como alguém poderia mudar minha vida em um pouco mais de um dia? Sendo que essa era a segunda vez que eu a via. Vale lembrar. Como uma pessoa pode mudar a vida de outra? Assim, tão rápido... Suspirei.

– Porque me ajudou ontem no beco? – perguntei. Percebi que Rapunzel se mexeu um pouco, mas assim que parou, percebi que ela estava mais próxima de mim.

– Sabia que Trecck iria te matar se ninguém fizesse nada – respondeu mais como um sussurro. Espera, ela conhecia Trecck? – E, eu gostei do seu cabelo descolorido.

Sorri e beijei o topo de sua cabeça. Porque eu fiz isso? Não faço ideia. Mas, eu já tinha visto isso várias vezes em filme, então, fazer isso nela foi uma coisa que eu desejava havia tempo. Isso é, tinha alguns minutos, né. Mas, como ela conhecia Trecck?

– Você traficou com Trecck? – perguntei sem intenção de uma resposta clara. Se ela tivesse me respondido um simples ‘sim’, eu não teria insistido em nada, mas, a resposta dela foi bem pior.

– Eu era namorada de Trecck.

Qual é pior? A garota de seus sonhos ter um caso com seu chefe, ou ser namorada de seu futuro assassino (ainda acho que Trecck me matará um dia. Se duvidar, ele me ver com sua ex namorada, poderá dar vontade, em Trecck, de me matar)?

–Hum... eu...

– Não se preocupe – Rapunzel soltou um riso e depois ficou quieta. – Acabamos faz mais de dois meses.

Então ela contava há quanto tempo eles haviam terminado o namoro? Será que tudo isso era uma mentira daquelas e ambos (Rapunzel e Trecck) queriam me matar? Será que isso era um plano maligno, e eu era um homem morto? Não, eu não poderia continuar com a garota dos meus sonhos. Tudo bem, ela era a garota dos meus sonhos, mas e daí? Eu poderia sonhar (dessa vez de verdade) com outra garota, sim? E, dessa vez ela não teria como ex namorado um cara que queria me matar.

Retirei o braço de debaixo de minha cabeça e com delicadeza comecei a retirar sua mão de minha barriga, e fui retirando meu braço de sua cabeça. Rapunzel deve ter percebido que eu não queria ficar mais ali, pois retirou sua perna e seu braço e se sentou, me fitando.

– O que houve? – perguntou, parecendo preocupada. Preocupada em perder o futuro morto, isso sim.

– Nada... É só que... – pensa rápido, pensa rápido, idiota! – Sontag me pediu para encontrar um cliente daqui a alguns minutos e eu não posso chegar atrasado.

Inventei. Não teria cliente por uma semana, depois de Trecck. E, como Trecck fora ontem, eu não teria cliente naquele dia. Mas, eu não queria ser morto. Não mesmo.

Levantei-me e sai andando, sem esperar por resposta por parte da loira, ou então pegar minha caixinha de cigarro. Senti as lágrimas quererem invadir meu rosto, e quase me xinguei. Eu não chorava! Principalmente por culpa de uma menina que queria me matar.

Não mente para mim! – ouvi sua voz e parei de andar. Como ela sabia? – Eu te conto a minha vida, falo de coisas que nunca falei com alguém, e você ainda tem a capacidade de mentir para mim? – percebi que sua voz estava meio embriagada, e me perguntei se ela já estaria chorando, e se era mentira seu choro.

Senti uma lágrima escorrer e rapidamente a limpei. Para de chorar idiota! Para! Os passos pararam e soube que Rapunzel estava muito próxima a mim. Trecck iria aparecer ali a qualquer momento, e então, ambos me matariam de um jeito devagar e doloroso. Por isso ela quis ir para um lugar onde não tinha ninguém, onde era proibido por nós três.

– Porque mentiu? – sua voz saiu fraca, e eu tomei coragem de me virar. Foi a pior coisa que eu fiz durante o dia todo. Chegar atrasado, estar com cheiro de tabaco, a chamar de Raio de Luz, não criar um roteiro... nada, nada se comparava ao se virar para ela. Suas bochechas estavam com duas fileiras pretas, provavelmente era aquilo que havia saído de seus olhos. Eram fracas, mas, perceptíveis. E seus olhos brilhavam. Mas não de felicidade, e sim, porque seus olhos estavam cheio de lágrimas.

– Você é a ex namorada de Trecck, sabe muito bem mentir, foi a melhor de Sontag, trata-o como se ambos tivesse intimidade, é a ex namorada de Trecck – sim, repeti para mostrar que eu sabia de seu plano – deve ter segredos super obscuros e ser uma mentirosa!

Acho que minhas palavras machucaram ainda mais a loira. Mas, eu não poderia ficar fraco naquele momento. Não poderia demonstrar que eu estava super triste com aquilo. Rapunzel passou a mão sobre as bochechas, retirando todas as lágrimas cinza e pretas que tinham. Mas, mesmo assim, outras lágrimas cinzas começaram a escorrer.

– Achei que você fosse diferente. Achei que você não se importaria com alguns fatos da minha vida, mas quer saber? Você é igual a todos os homens! Eu nunca tive um caso com Sontag, e ele nunca me abusou! Eu o chantageio, tenho poder sobre ele! Mas, nunca, tive um caso com ele! Ele nunca relou a mão em mim! Nunca! – a loira enxugou mais lágrimas, e por um segundo, perguntei-me que merda estava fazendo. – Eu achei que você fosse diferente dos outros, Jack – falhei. Há quanto tempo alguém não me chamava de Jack? Sontag me chamava de Cara de Neve, idiota. Todos os clientes do mesmo me chamavam de Cara de Neve, e os mais íntimos, de Frost. E as meninas, todas, me chamavam de Frost. E, eu não tinha amigos. – Mas você é igual a todos os outros.

– Eu não quero morrer! – retruquei. Ela estava me esculachando.

– Quem disse que você vai morrer?

– Você namorou com Trecck. Trecck quer me matar. Ninguém sabe se vocês ainda podem estar namorando, e eu estar num plano onde os dois me matam.

– De onde você tirou essa ideia idiota? – perguntou parecendo estranhamente indignada. – Se eu quisesse que você morresse, teria te deixado morrer naquele beco vazio e escuro! Mas não, me sujeitei a ir até lá e te salvar! E ainda por cima te salvei de Sontag! – a garota passou, novamente, as mãos sobre os olhos. – Você não é diferente dos outros – concluiu saindo.

O que foi que eu fiz?

Ainda com algumas lágrimas escorrendo, segurei seu pulso, quando a loira passou por mim. Rapunzel me encarou, e nesse momento, eu soube que ela falava a verdade. E, quer saber, se não fosse verdade, eu não estaria ligando, eu iria morrer se fosse preciso, iria ser torturado, entretanto, iria ter meus últimos dias ao lado da garota dos meus sonhos.

Não pensei duas vezes quando ainda olhando em seus olhos verdes, puxei-a para um beijo. E, me surpreendi quando a mesma retribuiu, após alguns segundos. Coloquei minhas mãos em sua cintura, puxando-a para mais perto de mim, desejando tê-la comigo para sempre. Que aquele momento durasse para sempre. A loira passou seus braços por volta da minha nuca, e senti suas mãos passando pelo meu cabelo.

Ficamos ali, nos beijando por alguns minutos, eu acho, quando, nos separamos por falta de ar. Encarei seus olhos verdes e dei um sorriso. Rapunzel retribuiu meu sorriso.

– Então é assim que faz com as meninas? – perguntou se afastando.

– Acredita se eu te disser que esse é o meu segundo beijo? – perguntei enquanto a puxava de volta. A loira arqueou uma sobrancelha. – É raro alguém querer ficar com um menino problemático.

– Mesmo esse menino sendo você? – perguntou ainda com a sobrancelha arqueada. Assenti. A loira deu um sorriso e passou suas mãos sobre a minha nuca.

– Desculpe-me – pedi mais sério. – Foi mal por tudo o que eu disse, ok? Eu realmente não queria ter falado aquilo, mas...

– Tudo bem – ela sussurrou. – Eu também ficaria com medo caso você fosse ex-namorado de uma garota que quisesse me matar.

Dei outro sorriso e a beijei novamente.


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