Ichiban escrita por Yoruki Hiiragizawa


Capítulo 1
Capítulo Único




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ICHIBAN
por Yoruki Hiiragizawa

I´ll be the one...
Eu serei aquele...

Caminhava com passos apressados pelo largo corredor vazio. As paredes tinham uma leve tonalidade acinzentada por causa da pouca luz que, vencendo as grossas nuvens naquela tarde nublada, entrava pelas janelas. Andava em postura vigilante, mas sua atenção não se encontrava nas coisas ao seu redor. Sua mente insistia em vagar de encontro ao motivo de sua maior irritação...

Novamente, não conseguira a primeira colocação entre os alunos do campus por causa daquela garotinha irritante. ‘Que droga!’ Simplesmente não se contentaria com a segunda posição!

Por não estar prestando atenção no caminho, não percebeu que alguém vinha correndo em sua direção até sentir algo bater em seu corpo. A pessoa fora lançada ao chão e, por pouco, não o fez ter o mesmo destino.

Olhou para baixo sentindo-se atordoado e viu que a pessoa em quem esbarrara escondia o rosto com as mãos, sendo sacudida por leves soluços. Deteve-se a observá-la por alguns segundos até sua mente ser clareada com a identidade da garota que se encontrava ali. Os cabelos cor de mel, cortados e amarrados de forma infantil, batiam nos ombros e a franja curta aumentava ainda mais a impressão de que se tratava de uma criança; além, é claro, do corpo pequeno e praticamente desprovido de curvas. Sentiu, novamente, a irritação lhe acometer, enquanto se perguntava como uma pirralha conseguia ser melhor que ele.

— É melhor se levantar daí, Kinomoto, antes que acabem pisando em você! — disse, friamente, sem conseguir controlar o pensamento de que ele mesmo gostaria de fazê-lo. Ficou encarando-a ainda deitada no chão, enquanto o choro se tornava mais intenso, começando a incomodá-lo. — Aa, que droga... — suspirou exasperado ajudando-a a se erguer, mas, quando a soltou, viu-a pender, ameaçando voltar ao chão. Segurou-a por um braço e, desviando, de mal grado, do caminho que seguia, levou-a para a enfermaria para que recebesse a atenção de que necessitava.

I guess you were lost
Acho que estavas perdida
When I met you
Quando eu te encontrei
Still there were tears in your eyes
Ainda havia lágrimas em teus olhos
so out of trust and I knew
Tão sem confiança que não notei
No more than mysteries and lies
Nada além de mistérios e mentiras

--~~--~~--

Quem a visse naquela manhã, certamente, não seria capaz de reconhecê-la. Os passos, geralmente tão enérgicos e apressados, eram arrastados, cansados. No lugar do sorriso que costumava exibir estava um semblante deprimido; os olhos verdes, marcados por olheiras, cuja vermelhidão, causada pelas lágrimas que derramara durante a noite passada praticamente em claro, chamava atenção. Em nada lembrava a Kinomoto Sakura que todos conheciam. Havia ido à universidade somente pela obrigação de estar ali, pois não tinha mais energia ou ânimo para fazer nada.

Tropeçou nos próprios pés e apenas esperou sentir o corpo bater no chão, mas isso não aconteceu. Alguma coisa ou alguém a mantivera de pé. Após longos segundos, ao tomar, finalmente, consciência do que acontecia, ela apenas abaixou o rosto, escondendo-o do dono dos braços que a seguravam.

— Deveria tomar mais cuidado, Kinomoto. — ele falou, tentando manter-se indiferente, mas falhando. Também não era tão insensível a ponto de ser ríspido com uma pessoa que parecia à beira de um colapso, mesmo que não lhe fosse uma pessoa querida. Percebeu que ela se afastou levemente, mantendo-se de pé e a viu erguer a cabeça para encará-lo, pois ele era dois palmos mais alto que ela.

A garota apenas observou-o por um instante. Eles não se conheciam, nunca conversaram, nem se falavam, a não ser por aqueles cumprimentos diários quando, volta e meia, cruzavam-se pelos corredores, mas ela nunca pudera compreender por que razão ele sempre a tratara tão mal. Ele era até bonito: tinha os cabelos castanho-escuros em desalinho, a testa larga, o nariz sisudo, lábios finos e os olhos, que se encontravam levemente arregalados enquanto a encaravam, eram de um tom avelã; chamava atenção pelo corpo forte, na medida perfeita... no entanto, isso não mudava o fato de Li Shaoran ser tão frio com ela. Parou de pensar nisso, sacudindo ligeiramente a cabeça. Não importava.

— Desculpe-me... E obrigada! — forçou um sorriso, meneando a cabeça de leve e continuou a andar deixando-o para trás.

There you were, wild and free
Lá estavas, selvagem e livre,
Reachin´ out like you needed me
Estendendo a mão como se precisasse de mim,
a helping hand to make it right
De uma mão amiga para tornar tudo melhor
I am holding you all through the night
Estou te abraçando durante toda a noite

--~~--~~--

A taciturnidade do apartamento, pela primeira vez em todo o tempo que morava ali, incomodava-o. Estava na cama, já decidido a dormir, mas, toda vez que fechava os olhos, via dois orbes verdes carregados de tristeza e dor, encarando-o.

Deveria estar ficando louco! Como pôde ter sido tão afetado pelo olhar daquela garota com quem nem ao menos simpatizava? Detestava-a e essa era a verdade... Então, por que aquele olhar o inquietava tanto?

Irritou-se, com a direção de seus pensamentos. Havia tanto com que se preocupar e, ali estava ele, fitando o teto enquanto indagava o que poderia ter causado tamanho desespero àquela jovem que, por vezes, considerara exageradamente animada.

— Droga, Li Shaoran! Você não tem nada a ver com aquela criança, então a esqueça... — repreendeu-se resmungando e se virou de lado, fechando os olhos com força. Ainda se remexeu um pouco na cama antes de conseguir cair no sono, sem, no entanto, conseguir tirar os tristonhos olhos esmeralda da memória.

I´ll be the one
Eu serei aquele
who will make all your sorrows undone
Que irá desfazer todas as tuas tristezas
I´ll be the light
Eu serei a luz
when you feel like there´s nowhere to run
Quando sentires que não há para onde correr
I´ll be the one...
Eu serei aquele...

--~~--~~--

Mais uma vez, os acadêmicos se aglomeravam diante do quadro com a classificação de desempenho nas avaliações, e ele apenas os observava à distância, enquanto empurravam uns aos outros para conseguirem ver a tabela. Começou a perceber, incomodado, que todos olhavam em sua direção e comentavam algo com espanto e, talvez, até preocupação estampada nas feições. ‘O que está acontecendo?’.

Decidiu aproximar-se e, ao fazê-lo, todos abriram caminho deixando-o alcançar o quadro de informações. Olhou para o topo da lista, para a posição que normalmente era ocupada pelo nome de sua rival, e viu o seu próprio, em destaque, ocupando o primeiro lugar.

Ao contrário do que sempre imaginara, o que sentiu não foi orgulho, nem ao menos se sentiu vitorioso com aquele fato. Começou a descer os olhos pela tabela até alcançar vigésima posição, que era a última colocação a aparecer na lista, sem ter encontrado o nome de Kinomoto Sakura.

Entendeu porque não sentia uma conquista naquela situação. Havia recebido o primeiro lugar não por ter superado a japonesa, mas porque ela não havia feito o seu melhor. Por mais que detestasse admitir, sabia que, se ela estivesse bem, ele continuaria sendo o segundo colocado. Não era aquilo que ambicionava. Queria se sentir desafiado e vencer. Percebeu, enquanto recebia os cumprimentos dos colegas, que apenas ser considerado o melhor não era o suficiente quando se sabe que há alguém melhor que você.

Naquele momento, tomou uma resolução, sabendo que era a única maneira para derrotar, totalmente, o inimigo.

To hold you and make sure that you´ll be all right
Para te abraçar e garantir que vais ficar bem
´Cause my faith is gone
Porque minha fé se foi
and I want to take you from darkness to light
E eu quero te levar das sombras para a luz

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Ele ergueu os olhos ao ouvir a porta da sala se abrir e viu os alunos do clube de jornalismo saírem conversando em tom quase fúnebre. Aquele pequeno detalhe lhe deu certeza de que ela se encontrava ali. Como imaginara, a jovem foi a última a deixar o local, parecendo ainda mais abatida que no último encontro que tiveram há um mês.

Sakura parou diante da porta, por um instante, encarando curiosamente o rapaz que se encontrava ali. ‘O que estaria fazendo? Será que esperava alguém?’, questionou-se, mas deixou o assunto de lado. Certamente não seria ela. Cumprimentou-o levemente com a cabeça e se virou para ir embora.

— Kinomoto... — chamou-a, fazendo-a parar, evidentemente espantada. Ele fizera um esforço descomunal para que sua voz não saísse, por demais, irritadiça, mas o cenho ficara inevitavelmente franzido, e ainda se encontrava assim quando ela se voltou para trás.

— Deseja alguma coisa, Li? — questionou fracamente, sentindo uma grande vontade de sair correndo, apenas para fugir da linha de tiro daquele olhar hostil.

— Eu... — ele pareceu finalmente se dar conta do que fazia e suavizou os músculos do rosto, deixando-o inexpressivo. — Podemos conversar por um instante? — questionou, respirando profundamente. Se quisesse fazer com que a garota voltasse ‘à ativa’, para que então pudesse derrotá-la, teria que ser paciente e tentar controlar a zanga que sentia por ela.

— Se não se importar em falar enquanto andamos até o ponto de ônibus... — respondeu, vendo-o assentir e começar a caminhar ao seu lado, em silêncio.

Ela respirou profundamente pensando que, de certa forma, sempre existia silêncio ao redor daquele rapaz. Ele andava pelo campus como se fosse uma sombra e parecia haver uma barreira, por onde som algum tinha permissão para entrar, envolvendo-o. Claro que aquela ausência de sons era apenas uma impressão que ela tinha por se sentir incomodada próxima a ele.

— Você viu que a lista de classificação saiu hoje? — ele perguntou subitamente, fazendo-a dar um salto por não esperar que ele falasse naquele momento.

— Sim, eu vi! Meus parabéns pela excelente colocação! — encarou-o, mostrando-lhe um suave sorriso antes de voltar a olhar para frente.

— O que foi que lhe aconteceu? — foi direto ao fazer a pergunta; isso a fez retrair os ombros respirando profundamente.

— Sinto muito, mas... Prefiro não falar sobre o assunto. Sei que foi uma queda grande, mas está ligada à minha vida pessoal, portanto... — falava, atropelando as palavras, mas se calou, repentinamente. Não precisava explicar nada a ele.

— Não foi apenas um grande declínio, foi também muito brusco... — ele começou, esperando que ela comentasse alguma coisa, mas, como não o fez, retomou a fala. — Eu não sei qual o problema, Kinomoto, mas não acho que deveria deixar que problemas pessoais influenciassem o seu desempenho. — falava de uma forma que, por um momento, ela se sentiu sendo repreendida pelo pai e esse pensamento a deprimiu.

Sakura parou de andar e abaixou levemente a cabeça, fechando os olhos com força, antes de se voltar para o rapaz. Não gostara daquela sensação de impotência diante do que ele dizia com a voz firme, como se fosse o dono da razão. ‘Quem ele acha que é para falar comigo dessa maneira? Não sabe pelo que estou passando... Ninguém sabe...’, pensou, sentindo todo seu corpo tremer.

— Bem, eu sinto muito por permitir que minha vida particular comande minhas ações, mas eu, ao menos, tenho uma vida fora daqui! — ela falou de forma irônica, mantendo-se na defensiva. — De qualquer forma, não acho que isso lhe diga respeito, então, se era o único motivo para que viesse falar comigo, por favor, vá embora! — completou, vendo-o arregalar os olhos.

Shaoran não gostara da insinuação que ela fizera sobre não possuir uma vida social, mas também sabia que a melhor defesa era o ataque e isso era o que ela estava fazendo... Normalmente, se recebesse uma resposta dessas com esse tom, ficaria irritado; e sendo uma resposta vinda de Kinomoto Sakura, então, no mínimo, estaria irado...

Mas...

Percebeu, com estranhamento, que apenas conseguia pensar em ‘o quê, afinal, está acontecendo a ela?’, como se fosse a única coisa que importasse naquela ocasião. Aquela atitude de defesa da garota era, a seus olhos, muito atraente. Parecia convidativa. Quase como se ela o desafiasse a descobrir quais eram os seus problemas; seus segredos. E ele adorava um bom desafio. Seria interessante ver o que conseguiria decifrar daquela jovem que, subitamente, mostrara-se tão selvagem.

— Compreendo e peço desculpas pela indiscrição... — nem ao menos notara o que falava, até já ter completado a frase.  Agora não podia voltar atrás; não era possível fazer voltarem à boca as palavras que foram ditas. Decidiu aproveitar-se da oportunidade e completou. — Sei que não nos conhecemos direito, Kinomoto, mas, se precisar conversar a respeito disso, gostaria de ouvi-la e... Ajudá-la.

Ele observou a reação de surpresa de Sakura e se sentiu satisfeito. Ela nunca esperaria tal atitude dele. E ele descobriu que gostava daquela brincadeira de causar tais reações inesperadas a ela. Isso mostrava que a garota não sabia nada a seu respeito, mas... Se era tão melhor que ele, por que, então, não conseguia lê-lo como ele o fazia com ela?

Pensou que, até que não seria tão má, a idéia de se aproximar dela. Se conhecesse os pontos fracos da garota, depois que ela se erguesse, poderia superá-la.

— Obrigada pela... preocupação. — Sakura se pronunciou pausadamente, estando um pouco atordoada. ‘O que significa isso agora?’, perguntou-se, sacudindo de leve a cabeça. — Garanto-lhe que irei procurá-lo se precisar conversar. — sorriu fracamente e lentamente afastou-se, indo embora totalmente confusa.

Ele sorriu de satisfação. Iria mostrar a ela quem era o melhor...

There you were, wild and free
Lá estavas, selvagem e livre,
Reachin´ out like you needed me
Estendendo a mão como se precisasse de mim,
a helping hand to make it right
De uma mão amiga para tornar tudo melhor
I am holding you all through the night
Estou te abraçando durante toda a noite

--~~--~~--

Ela apertava nervosamente as mãos, olhando o movimento do parque. Enquanto via crianças brincarem sob o olhar zeloso de suas mães em uma cálida tarde de domingo, pensava se estava fazendo a coisa certa ou, mesmo, se deveria estar ali.

Era verdade que precisava desabafar com alguém, mas por que, em nome dos deuses, ela decidiu fazer isso justo com ele, que sempre se mostrara tão frio e insensível?

O que poderia ter mudado? Por que ele se transformara em sua primeira opção?

Estava quase se levantando do banco onde se encontrava, pronta a ir embora, quando o viu entrar no parque. A mesma expressão séria e indiferente de sempre, o mesmo ar soturno a sua volta. Ele não parecia o tipo de pessoa que se importaria e, talvez, fosse por isso que o chamara. Não esperava que ele se importasse, então, não ficaria decepcionada, mais tarde.

— Boa tarde! — ela cumprimentou-o polidamente, levantando-se e prestando reverência quando ele parou à sua frente. Shaoran ergueu uma sobrancelha de leve antes de se curvar levemente, correspondendo.

Depois da breve saudação, sentaram-se lado a lado. Ele esperando que ela lhe dissesse o motivo de tê-lo chamado. Ela pensando no que fazer, o que falar; se deveria ou não contar a ele; contar com ele.

A quietude que se seguiu, para ela era incômoda; para ele, completamente normal... Poderia tranquilamente esperar até que ela dissesse algo, sabendo que não suportaria a ausência de palavras por muito tempo. E realmente não tardou muito para que começasse a falar.

— Desculpe tê-lo chamado aqui assim, sem mais nem menos. Espero não ter interrompido nada... — começou fazendo-o esboçar um sorriso de lado. Ela era tão previsível!

— Como eu lhe falei pelo telefone, Kinomoto, não estava fazendo nada... — comentou, simplesmente, olhando ainda fixamente para frente. A verdade é que, de tão entediado, estava até dormindo no sofá enquanto tentava assistir a um filme na TV. — Mas, por que me chamou aqui? — inclinou um pouco a cabeça para o lado, observando-a com o canto dos olhos castanhos.

Ela apenas encolheu os ombros, pensativa, hesitante.

Ele a observou, suspirando irritado. Aquele constrangimento que ela sentia, apenas reforçava o jeitinho de criança que a garota possuía e ele detestava. Assustou-se quando ela, de repente, levantou-se ficando de frente para ele, com as mãos para trás como uma menininha que acabara de fazer uma traquinagem.

— Não quer dar uma volta? — perguntou, esboçando um sorriso, que o fez arregalar os orbes castanhos.

O rapaz se viu ligeiramente sem ação com a atitude dela. Franziu as sobrancelhas, enquanto se recuperava. Como ela conseguira fazer aquilo? Ele é que deveria brincar com as reações dela, não o contrário. Apenas ergueu-se, prostrando-se ao seu lado, e começou a caminhar. Os pensamentos todos voltados para o fato de que deveria se concentrar mais. Não se permitiria ser pego de surpresa pelas atitudes da japonesa novamente.

— Uhm... Li... — ela o chamou, fazendo-o voltar-se para encará-la. — Eu queria saber... Será que você... Ainda está disposto a me ajudar? — perguntou, com um sorriso constrangido. — É que vou precisar de alguma ajuda para recuperar minhas notas, afinal, como você havia falado, não posso deixar que problemas pessoais interfiram no meu desempenho... — explicou, suspirando levemente. Havia decidido não contar a ele pelo que estava passando.

Ele ficou pensativo por um instante. Se aceitasse, estaria ajudando o inimigo, mas ao ajudá-la aprenderia o que ela sabe. Aprender com o inimigo também era uma das regras na Arte da Guerra! Assentiu levemente com a cabeça. Iria se tornar o melhor.

I´ll be the one
Eu serei aquele
who will make all your sorrows undone
Que irá desfazer todas as tuas tristezas
I´ll be the light
Eu serei a luz
when you feel like there´s nowhere to run
Quando sentires que não há para onde correr
I´ll be the one...
Eu serei aquele...

--~~--~~--

 Shaoran atravessava o campus, irritado só de pensar que teria de passar mais uma tarde com Kinomoto Sakura. Ela, na certa, chegaria atrasada à biblioteca, de novo, com aquele sorriso bobo que voltava ao seu rosto, de maneira inexplicável, mesmo que ele passasse a tarde toda a insultando. Ele definitivamente não a entendia. Como podia ficar sorrindo, estando na presença de alguém que apenas a destratava?

Ele estacou no meio do pátio, ao olhar para um banco próximo à biblioteca, onde havia uma maior circulação de pessoas. Ali estava ela, sentada, inerte. O olhar perdido, os lábios comprimidos e uma estranha aura negra rodeando-a. Uma sensação inédita se apossou dele ao vê-la daquela forma: perdida, parada no meio da multidão que se deslocava ao seu redor. Era como se algo a impedisse de fazer parte daquela cena. Como se... o quê?

Não conseguia descobrir o problema. Não havia nada ali a não ser aquela sensação que tivera de... silêncio, desajuste e desconforto.

Aproximou-se de onde ela estava. Os passos lentos cuidadosos, os olhos perscrutadores. Viu-a encolher-se levemente quando um grupo mais animado passou por ali. Parou.

Seus olhos se arregalaram subitamente ao ver a expressão que o rosto alvo passou a ostentar; a escuridão que possuiu os olhos esmeraldinos que olhavam em sua direção, mas através dele. O terror e o desespero que pareciam consumi-la naquele instante em que se encontrava sozinha, abandonada no meio da multidão...

Como que por um passe de mágica, viu o rosto da garota se iluminar com um sorriso. Ela se levantou dando alguns passos em sua direção.

– Boa tarde, Li!... – cumprimentou-o, suavemente. O rapaz soltou a respiração que nem percebera ter prendido.

– Boa tarde... – disse a ela, fitando-a atentamente. Sentiu, pela primeira vez, um contentamento tomar conta de seu peito diante da garota e, sem saber, permitiu que o vislumbre de um sorriso se formasse em seus lábios. Baixou a guarda por um único instante, fazendo seus olhos amendoados brilharem, suavemente. Mas logo retomou o controle de si. – Vamos entrar, logo! Não é sempre que você chega cedo... – tomou a dianteira e encaminhou-se para o prédio com passos firmes.

Sakura revirou os olhos fez uma careta, mostrando-lhe a língua enquanto ele se afastava. Respirou devagar e sorriu suavemente, encarando-lhe a silhueta, mas balançou a cabeça correndo rapidamente para alcançá-lo. Seria mais uma longa tarde... na companhia daquele rapaz tão fechado.

You need me like I need you
Precisas de mim como eu preciso de ti
We can share our dreams comin´ true
Podemos compartilhar nossos sonhos e torná-los realidade
I can show you what true love means
Eu posso te mostrar o que amor verdadeiro significa
Just take my hand, baby please
Apenas pegue minha mão, por favor.

--~~--~~--

Sakura se esforçava para conter a gargalhada ao sair da biblioteca com Li ao seu lado, que apenas esboçava um sorriso sendo essa a única prova de que também estava se divertindo.

— Por kami-sama, essa nova bibliotecária que a universidade arrumou é um desastre ambulante... — ela comentou, ainda rindo ao lembrar-se da garota derrubando praticamente uma prateleira inteira de livros no chão. — Ainda bem que ela não se machucou... — suspirou, parando diante do rapaz na escadaria da entrada.

— Sim! Embora eu não tenha entendido como ela fez essa proeza... — franziu levemente as sobrancelhas sem encarar a jovem que o acompanhava.

Já fazia pouco mais de um mês que estavam se encontrando após as aulas para estudar. No início, era um verdadeiro sacrifício para ele permanecer algumas horas com ela, tendo que explicar os conteúdos passados e conciliá-los com as disciplinas que estavam tendo agora. Mas a jovem o surpreendera e se mostrou uma aprendiz muito capaz. Agora, Shaoran já não se irritava tanto com a companhia dela e estava, até mesmo, acostumando-se a tê-la por perto. Na realidade, naquele mês que passaram convivendo um com o outro, ele havia se habituado a tê-la à sua volta. Claro que nem sob tortura e pena de morte admitiria isso.

— Então, até amanhã, Li... — sorriu suavemente para ele, fazendo-o olhá-la. — e muito obrigada por tudo que tem feito por mim... — completou com a voz doce, em meio a um suspiro.

— Disponha... — falou simplesmente, com a expressão neutra, mas ela conseguia reconhecer um brilho bem-humorado no belo olhar âmbar dele.

Sakura encarou o céu, vendo-o levemente pintado de tons carmins e soltou um longo suspiro, ‘Agora, só me resta ir para casa’. Sentiu certa melancolia envolvê-la e abaixou a cabeça sem perceber que estava sendo avidamente observada pelo rapaz que a acompanhava.

— Aconteceu alguma coisa? — ele perguntou, assustando-a levemente e fazendo-a rir sem jeito.

— Não foi nada! — disse sorrindo timidamente. — É só que eu não pensei que já fosse tão tarde... — explicou desviando, novamente, o olhar para o firmamento e sendo imitada pelo rapaz que se manteve em silêncio. — Estamos encerrando os estudos cada vez mais tarde. Daqui a pouco acabarão fechando a biblioteca conosco ainda lá dentro... — comentou divertida.

— Isso não seria possível, porque verificam se ainda há alguém dentro do prédio antes de trancá-lo... — cruzou os braços, fazendo-a fechar, momentaneamente, o sorriso.

‘Droga! Ele sabe mesmo como tirar a graça de uma brincadeira...’, pensou meneando negativamente a cabeça, enquanto começava a se afastar. Alguns passos adiante, ela parou e se virou para trás, acenado de leve para o rapaz que estava com os braços cruzados. Viu-o balançar negativamente a cabeça e começar a caminhar na direção oposta à que ela tomara.

Instantes mais tarde, ele espiou brevemente por cima do ombro e, vendo-a ainda parada, permitiu que um pequeno sorriso delineasse seus lábios enquanto seguia seu caminho.

 I´ll be the one
Eu serei aquele
I´ll be the light
Eu serei a luz
where you can run
Pra onde podes correr
to make it all right
E tudo melhorar
I´ll be the one
Eu serei aquele
I´ll be the light
Eu serei a luz
where you can run…
Pra onde podes correr

--~~--~~--

Ele estava sentado diante da mesa de estudos, com uma caneta em mãos, lendo um livro para elaborar uma tese. Parou a leitura por um instante, anotando algumas coisas em uma folha do caderno e fazendo uma breve menção a algum outro fato que o pudesse ajudar a desenvolver o assunto. Voltou o olhar para o livro, mas então ergueu a cabeça e respirou profundamente, pensando que a garota tinha uma excelente técnica para elaborar os trabalhos; era, com certeza, mais prático do que o método que usava antes. Espreguiçou-se e olhou no relógio, verificando que já eram quase onze horas. Fechou o livro, marcando a página em que parara; havia passado a tarde toda e a noite estudando, já tivera o suficiente para um dia.

Levantou-se e foi para a cozinha preparar alguma coisa para comer. Os pensamentos que, inicialmente, estavam voltados para a pesquisa que vinha fazendo, em certo momento, perderam o rumo direcionando-se para Kinomoto. Entretanto, diferente de outros momentos em que isso ocorria, ele não tentou reverter a situação. Precisava avaliar seus progressos no que dizia respeito ao seu plano para se tornar o melhor...

Pelo menos no que dizia respeito às médias, ele poderia dizer que a garota estava voltando ao normal, já voltara para o topo da lista, mas, por causa de um esgotamento mental pré-prova, segundo ela, ficou apenas em terceiro lugar – fato este que o deixou decepcionado.

Por outro lado, apesar de estar bem mais animada, ela não voltara a ser a mesma e o motivo disso ainda era um mistério para ele, apesar de formular algumas suposições. O máximo que conseguira descobrir, por puro acaso, foi que o pai dela falecera recentemente, mas ela se recusou a contar algo mais sobre isso, ficando novamente em estado melancólico.

Shaoran achava estranho que uma pessoa tão conhecida no campus se esforçasse daquela forma para manter o “particular” longe dos olhares curiosos. E o mais incrível é que conseguia, pois, ninguém na faculdade sabia muita coisa sobre Kinomoto Sakura.

A verdade é que a idéia que ele fazia da garota era totalmente equivocada. Ela não era a pirralha metida e mimada que ele sempre imaginara. Pelo contrário, tinha muita garra e era extremamente autocrítica. ‘Como pude me enganar assim?’

Quando estava terminando de ajeitar a cozinha, alguém tocou a campainha. A primeira reação que teve foi a de olhar para o relógio, imaginando quem poderia ser àquele horário; e sua surpresa foi evidente ao deparar-se com a jovem de orbes esmeralda à sua porta.

Ela estava com os olhos levemente vermelhos, indicando que estivera chorando e parecia muito cansada; a expressão de seu rosto era uma mistura confusa de constrangimento e decisão.

— E-eu estava pensando... Será que você... ainda quer saber o que está acontecendo? — questionou, vendo-o menear a cabeça e indicar, ansiosamente, o interior do apartamento para que ela entrasse.

I´ll be the one
Eu serei aquele
who will make all your sorrows undone
Que irá desfazer todas as tuas tristezas
I´ll be the light
Eu serei a luz
when you feel like there´s nowhere to run
Quando sentires que não há para onde correr
I´ll be the one...
Eu serei aquele...

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Enquanto caminhava de volta para casa, após acompanhar Sakura de volta a sua residência, Li pensava no que ela lhe contara, entre lágrimas, minutos antes. Nunca imaginaria que todo o mundo dela tivesse desmoronado daquela forma. Como se não bastasse perder o pai de maneira tão trágica, ficando sozinha, sem parentes próximos, ainda passara por duas grandes decepções, traições do pior tipo possível.

O canalha do namorado – namorado este de longa data, ‘desde a época do ginásio, por Buda...’ – quando ela mais precisava de apoio, decidira terminar o namoro para se casar com melhor amiga dela, que já estava grávida do rapaz.

Para alguém como ela, que sempre colocou a amizade em um patamar elevado, suportar tamanha traição era inconcebível. O namorado com a melhor amiga? Que tipo de amizade é essa em que se apunhala pelas costas? Seria um choque terrível para qualquer pessoa em condições normais, imagine na situação frágil em que ela se encontrava...

E o ex-namorado dela, então, só poderia ser idiota ou cego! Ela era uma pessoa incrível; agora, mais do que nunca, ele estava certo quanto à força da garota por, mesmo tropeçando, conseguir se erguer e seguir em frente em tão pouco tempo. E estando sozinha. Perguntava-se como ela conseguira voltar a acreditar nas pessoas depois disso – ele não conseguiria – e por que decidira confiar a ele, um estranho que até pouco tempo a rechaçava, segredos que ela mantinha ocultos de todo o resto?... Não conhecia a garota por quem Sakura fora trocada, mas duvidava que se comparasse a ela.

Aquilo era impossível!

O rapaz se espantou com seus próprios pensamentos. Desde quando se sentia assim com relação à japonesa? Quando foi que começou a considerá-la tanto?... Não saberia dizer e, sinceramente, não importava, mas a descoberta desse carinho pela garota lhe trouxe uma sensação morna ao peito que o fez sorrir.

I´ll be the one
Eu serei aquele
I´ll be the light
Eu serei a luz
where you can run
Pra onde podes correr
to make it all right
E tudo melhorar

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Sakura aguardava, silenciosamente, em um banco de onde conseguia ver a entrada do prédio em que Li estudava para que pudessem ir até a biblioteca, novamente. Abaixou um pouco a cabeça, lembrando-se do que fizera na noite anterior. Não conseguira mais suportar manter toda a dor para si, então, enquanto ainda tinha coragem, fora até o apartamento onde o chinês morava, para desabafar. Lembrava-se ainda do jeito cheio de pena com que ele a encarava enquanto narrava o que aconteceu e de como ele a confortou, quando começou a chorar: completamente desajeitado, acariciando de leve as costas da sua mão. Tivera que se controlar para não abraçá-lo quando ele se aproximou, pedindo que não chorasse.

Ergueu novamente os olhos; os últimos alunos estavam saindo e, junto a esses, estava Shaoran que comentava alguma coisa com um colega. Ele olhou em sua direção por um instante, voltando a falar com o rapaz e despedindo-se antes de se aproximar.

Ele a encarava com certa ternura e esboçou um pequeno sorriso, fazendo-a corar, quando parou à sua frente.

— Boa tarde! — ele disse, meneando de leve a cabeça, vendo-a retribuir o gesto, respondendo baixinho. Ergueu uma sobrancelha, percebendo que ela se sentia desconfortável por ele saber o que acontecera, por saber o quanto era fraca. Abaixou a cabeça, pensativo por um instante, erguendo-a com a mesma inexpressividade de sempre, mas um pequeno brilho no olhar.

— Importa-se de fazermos um lanche antes de estudar? — questionou já começando a andar, fazendo-a arregalar os olhos.

— Tudo bem! — abriu um tímido sorriso, apressando os passos para alcançá-lo.

Andavam quietamente pelo pátio do campus; um silêncio confortável até o momento em que Sakura soltou um suspiro profundo. O rapaz parou de caminhar, virando-se para ela e pôde ver os olhos da garota cheios de lágrima. Ergueu levemente o rosto dela e encarou-a diretamente.

— Escute, você não deve se deixar abater... — começou, tirando um lenço do bolso e secando-lhe devagar a face. — Por mais dolorido que seja, deve seguir em frente... — falava tranquilamente, esboçando um sorriso. — Sempre haverá em quem se apoiar no caso de precisar e... eu sempre vou estar aqui, se você assim o quiser.

Ela sorriu e balançou positivamente a cabeça, com a bochecha rosada.

— Sabe, você pode achar até estranho, mas foi a melhor coisa que aconteceu na minha vida. Até parece que sempre sabe o que quero e preciso ouvir... — comentou, secando o rosto. — Obrigada, Li...

Shaoran a observava à sua frente sem conseguir esconder o pequeno sorriso que delineava seus lábios. Ergueu a mão, tirando a franja dela da frente dos olhos, que se arregalaram com aquela atitude inesperada. Observava cada reação da garota e seus olhos se prenderam, momentaneamente, no pequeno botão rosado, em formato de coração, que eram os lábios dela. Ergueu os olhos para fitar diretamente seus olhos.

Ela prendeu levemente a respiração ao receber aquele olhar, sem entender muito bem o significado daquilo. Em um instante estavam encarando fixamente um ao outro, no seguinte, ele havia colado seus lábios nos dela de forma suave em um beijo quase imaculado. Afastou-se ruborizado, vendo-a atônita.

— Eu só... Queria dizer não fiz nada... demais... — murmurou, vendo-a abrir um sorriso de forma doce. Retribuiu. — Vamos, pois ainda temos muito que fazer essa tarde... — voltou a caminhar, com a jovem ao seu lado.

Percebeu, então, que, sem perceber, havia colocado-a entre suas prioridades e estava se sentindo melhor.

I´ll be the one
Eu serei aquele
To hold you
Que te abraçará
and make sure that you´ll be all right
E garantirá que estarás bem
I´ll be the one

Eu serei aquele

--~~-FIM-~~--


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Notas finais do capítulo

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The One — Backstreet Boys
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N/A — Antes de tudo:
“Sim! Vai terminar assim... Não, não existe possibilidade de eu montar uma continuação...”.

Esse one-shot ficou um pouco diferente das coisas que geralmente escrevo, mas acho que, no final, não consegui fugir muito do meu estilo. É uma pena, pois estava querendo uma mudança maior...

O que é “Ichiban”? Por que escolhi esse título?
Ichiban é uma palavra que possui muitos significados, dependendo da maneira em que é aplicada na frase (eu não sou nenhuma especialista, afinal, não falo muito de japonês, mas eu sempre gostei dessa palavra, então me aprofundei um pouquinho no significado dela... Xb) podendo significar: o número um, o melhor, o mais querido, o mais importante... Esses foram os significados que determinaram a escolha do título quando eu fiz uma dualidade com o roteiro que havia montado. Inicialmente o título seria: "Ichiban no Hito", que significa, “Pessoa mais importante”, mas apenas o Ichiban abraçou melhor todos os sentimentos dos personagens, desde o momento em que o Li queria ser o melhor aluno da universidade, passando pelo momento em que Sakura o toma como primeira opção para ajudá-la, até o ponto em que ele percebe que ela havia se tornado uma pessoa importante.
Eu quero deixar claro, aqui, que não sei o que o futuro reserva para esses dois, isso fica a encargo da imaginação de cada um. Se Shaoran conseguiu ou não derrotar Sakura nas notas, deixou de ser o ponto principal a partir do momento em que ele decidiu estender a mão a ela. No final, o que ele sentia pela garota era um sentimento infundado, mantido apenas pelo fato dela ser melhor que ele — o tal orgulho ferido — e que foi derrubado quando passou a realmente conhecê-la.

Da parte dela, além do receio pela frieza que sentia emanar do rapaz, não havia nada, então, não deve ter sido difícil deixar que ele se aproximasse um pouquinho (uhm... um pouquinho mais! Mais um pouquinho... hehe...).

Fico por aqui, então.

Beijinhos a todos.

Yoru.