Tom estava lá. Eu era o próximo, que merda, estava sentado no banco olhando pra cima. Tédio. Tom me cutucou e disse:

     - Sua vez.

     Levantei fazendo a melhor cara de má vontade que consegui e sentei em frente ao padre.

     - Quais são os seus pecados, filho?

     Meus pecados! Os padres dizem isso como se não tivessem nenhum. Olhei pra ele e declarei:

     - Eu tomei a namorada do meu irmão, padre.

     - Meu Deus! Perdoe esse garoto! Vá pra casa, reze cem padre-nossos e duzentas ave-marias e estará perdoado.

     - O quê?! Nem a pau! Já devia estar perdoado pelo simples fato de ter vindo aqui; Deus sabe muito bem que vim a contragosto.

     - Cuidado com o que diz, garoto, Deus castiga.

     - Deus castiga! Que medo! Engraçado, achei que ele fosse bonzinho.

     Minha ironia fez com que o padre Hélio ficasse sem argumentos. Mas apelou pra me mandar embora:

     - Você não sabe o que diz. Vá pra casa, Deus te abençoe.

     Disse amém só pra irritar e saí andando. Meu irmão estava sentado num dos bancos no fundo.

     - Vam’bora, Tom.

     - Pra onde? A gente tem que ficar pra missa, daqui a pouco começa.

     - Bosta! Eu mereço! – disse e sentei.

     - O que houve lá na frente? Deu pra perceber que você discutiu com o padre Hélio.

     - Me confessei, uéh.

     - Mas o que você disse? Ele não ia ficar zangado porque você se confessou. Você tá aqui justamente pra isso.

     - Disse a verdade. Que tomei sua namorada.

     - Ah. Isso. Motivo não faltou, né, Bill? E ele?

     - Me mandou rezar cem padre-nossos e duzentas ave-marias. Capaz que eu vou perder o meu tempo, então eu disse que não ia rezar porra nenhuma e...

     - Que vocabulário é esse, menino? – perguntou uma freira que vinha passando – Estamos na casa do Senhor.

     - Quatro paredes e um teto pontudo, um monte de bancos e imagens de santo? Fora o teto pontudo e as imagens de santo, não diferencia muito da minha. – respondi.

     Ela me olhou espantada, fez o sinal da cruz e continuou andando.

     - Você não tá num bom dia, né, Bill?

     - Nossa, você percebeu!

     Terminei de narrar o que acontecera com o padre enquanto a missa começava. Ele não resistiu à risada quando falei da parte do “amém”.

     Eu sempre dormia na missa, só acordava na parte da consagração, e dessa vez não foi diferente. A assembleia ajoelhou, Tom se concentrava no “tomai todos e comei” (é por isso que chove) e eu soletrei fazendo como se escrevesse no cálice:

     - F-O-D-A-hífen-S-E.

     No ato meu irmão começou a rir.

     - Você tem problema? – perguntou.

     - Pior que não.

     Terminou a missa, fomos pra casa. Logo que cheguei fui à cozinha ver se tinha algo pra comer na despensa, e o folgado do Tom me pediu pra lavar uma maçã pra ele. Faz isso pra provocar, ele sabe que eu odeio maçã e tenho alergia, mas levei a maldita fruta pra ele na sala.

     O resto da terça-feira seria ver TV e dormir, então eu pulei a etapa da TV e fui dormir.

     No meio da noite acordei sentindo coceira no pescoço. Cocei e tentei voltar a dormir. Em vão: logo a coceira passou para as costas, barriga, braços, pernas; eu me coçava todo e remexia na cama debaixo da coberta parecendo “outra coisa”; levantei, bebi um copo d’água no escuro e voltei pra cama.

     Eu não tinha comido a maçã... então por que me deu aquele ataque? Bom, voltei a dormir. E no dia seguinte acordei sendo chacoalhado pelo Tom, que berrava chamando pela nossa mãe.

     - O quê que tu quer, imbecil? Me deixa dormir!

     Eu não ia querer continuar dormindo se fosse você. Levanta daí e se olha no espelho.

     Levantei. A caminho do banheiro vi a minha mãe indo averiguar a gritaria e descobriu que o motivo era eu.