Reckless escrita por Moony, Bela Barbosa


Capítulo 20
Capítulo 21 - Olhe nos olhos


Notas iniciais do capítulo

************ Pessoal, eu preciso MUITO que vocês leiam essas notas aqui!! ************
1. É MUITO BOM ESTAR DE VOLTA! EU QUASE NÃO ME AGUENTAVA MAIS DE SAUDADE ♥
2. Eu sei, sei que passei muito tempo sem postar e a primeira postura a se esperar de mim seria um pedido de desculpas. No entanto, não vou me desculpar. Precisei desse tempo longe. Não de vcs, não da fic, mas do mundo como um todo. Nos últimos meses, minha vida virou 180º tipo a da Lizzie: eu fiz o Enem que vai definir minha vida, meu relacionamento que já durava dois anos terminou de uma forma muito cruel e dolorosa pra mim, e por fim, eu, que morei a vida toda com a minha mãe no estado do Maranhão, vim pra Belo Horizonte morar com meu pai. Essas foram só algumas das peripécias que o destino aprontou comigo. Essa época foi de muito sofrimento, mas também de muito auto descobrimento e de fortalecimento de laços. A única coisa que peço perdão a vocês, meus amados leitores, é que eu não vim aqui avisar nada disso. Mas agora que estão a par de pelo menos um pouco da história, peço a compreensão de vocês quanto a tudo o que aconteceu.
3. Feliz ano novo! Como vocês viram, minha vida realmente tá toda nova em 2017. E isso se aplica a todas as áreas, inclusive a de escritora. Não pretendo demorar mais do que 15 dias para postar, vou retomar minhas fica antigas, vou começar a postar mais, enfim... Várias coisas mudaram pra melhor. Peço que confiem em mim, e entendam que não pretendo repetir tanto tempo em silêncio, especialmente com uma história que amo tanto e com leitores tão maravilhosos!
4. Este capítulo é o maior já postado. Mas óbvio que isso se justifica no fato de eu ter passado tanto tempo sem publicar nada, né! Então se divirtam, sofram com esse casal, se alegrem que tem tudo quanto é tipo de emoção nesse capítulo!
5. Escrevi quase tudo aqui pelo celular (nessa bagunça de mudança, sai pra comprar cama, sai pra conhecer gente, sai pra ver família e bla bla bla, ficou difícil achar um PC, mas já tô com um note, fiquem tranquilos), por isso, qualquer erro a culpa é do corretor, ok? Tentem usar o contexto pra ver qual a palavra que se encaixa melhor!

Mais uma vez, feliz ano novo! Que papai do céu abençoe vocês e dê um ano cheio de recomeços, alegrias, força de vontade, grana e amor pq ninguém é de ferro, né? Hahaha ♥ amo vcs!



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Meus olhos se arregalaram com a possibilidade de que ele próprio tivesse deixado a rosa ali e, por descuido, pisado num galho que se quebrou e me permitiu constatar a presença de outra pessoa, que não eu. Imediatamente, descruzei os braços esquecendo a razão principal de ter ido até a cozinha e corri até a porta dos fundos, que ficava bem ao lado da pia. Com pressa, eu a abri e dei de cara com um corredor lateral vazio, se não fosse por um pequeno galho partido ao meio bem perto da porta. O galho responsável pelo estalar que eu ouvira alguns segundos antes.

Com uma faísca de esperança que agora se acendia em meu peito, eu olhava para todos os lados esperando ver algum vestígio de Daniel ou ouvir um passo seu. Ainda atônita e sem acreditar que, finalmente, podia estar mais perto dele do que em todos os outros dias, percebi que ele já não estava ali, mas deveria estar por perto.

Corri como se aquele fosse o último instante da minha vida e eu precisasse encontrá-lo, dei a volta completa pelo quintal da casa de Tia Maisie, mas além das folhas secas, amareladas que caíam para prenunciar a chegada do outono, não enxergava mais nada ali.

Havia muitas coisas que eu poderia fazer naquele momento, mas me conformar não era uma delas. Eu não podia aceitar que Daniel havia chegado tão perto de mim e depois transcorrido entre os meus dedos como uma nascente de água que não se pode conter. Não desistiria de encontrá-lo.

Com o peito acelerado e o coração aflito por considerar a ideia de que talvez se passassem mais outras semanas sem vê-lo, tomei o caminho do corredor novamente até parar na porta da casa de tia Maisie, onde alguns vizinhos molhavam seu jardim e me olhavam como que se perguntando a razão de eu estar correndo visivelmente tão desesperada. Eles jamais conseguiriam entender.

— Daniel?! - Ofegante, chamei com uma mínima esperança de ser respondida.

Olhava para ambos os lados, procurando por algum sinal dele, mas não havia nada que eu pudesse associar a ele. Mesmo que desolada, eu não conseguia lidar com a ideia de voltar para casa mais um dia sem vê-lo, principalmente por saber que ele não deveria estar longe de mim.

— Daniel, mas que droga! - Praguejei sentindo meu rosto queimar de raiva e tristeza, com direito a algumas lágrimas se formando no canto de cada olho meu.

Não conseguindo conter o ódio, chutei o chão ao mesmo tempo em que soltava um grito de dor por sentir minha esperança de achar Daniel se esmorecer.

A essa altura, pouco me importava se ainda havia vizinhos por perto e se estes estavam olhando. Não eram eles que haviam sido atolados por uma avalanche de sentimentos confusos e incompletos que levavam a uma única pessoa, no momento, inacessível.

— Você não tinha o direito de sumir! Não de mim! - Berrei, inconformada, olhando para uma rua deserta à minha frente, na qual ele podia ter passado minutos antes - Não depois de tudo o que a gente passou juntos!

Minha voz, agora além de ofegante, soava embargada por causa das lágrimas indômitas que desciam, tomando conta de todo o meu rosto.

— Mas que droga! O que te faz pensar que eu tô lidando bem com isso, hein? Porque eu não estou! Sabe, seria muito mais útil se você aparecesse pra me dizer ao menos se está bem do que mandar seus origamis idiotas - Eu prosseguia desabafando como se o próprio Daniel, em carne e osso, estivesse bem à minha frente ouvindo atentamente cada palavra - Aliás, olha aqui o que eu faço com esse monte de papel imbecil!

Indignada, amassei a pequena rosa vermelha usando uma das mãos e em seguida a arremessei no chão, pressionando-a contra o chão o mais forte que meus pés conseguiam. 

Mesmo que Daniel jamais soubesse sobre aquele momento, eu precisava daquilo. Precisava falar tudo o que estava falando e até mesmo pisar naquele origami que não tinha significado nenhum se ele não estivesse ao meu lado.

— Essa rosa... - Solucei - não é suficiente! Nada, nada nunca vai adiantar se você não aparecer! 

Por fim, desapontada, resignei-me à minha única escolha: aceitar que ele não apareceria, ao menos não naquele momento, e eu precisava me conformar com isso caso não quisesse sofrer à toa.

Levei a mão ao rosto para secar algumas das lágrimas que ainda percorriam minhas bochechas e logo caminhei até a pequena escada na porta da casa da minha tia. Não estava no clima para entrar e muito menos encarar meus amigos. Eu só precisava chorar um pouco e esperar todo aquele turbilhão finalmente se dispersar.

Sentir o Daniel tão próximo de mim e, de repente, perde-lo com a mesma velocidade que o havia encontrado não era nada, se não frustrante.

Recostei a cabeça no corrimão, tomando um longo suspiro até finalmente transpirar e encarar a tarde pincelada em tons amarelados de outono. Era um dia lindo. Entretanto, para mim, estava incompleto.

Raiva talvez fosse uma palavra muito forte para definir o que eu sentia. Tristeza? Muito simplista. Saudade se encaixava melhor. Ainda assim, não era suficiente para expressar toda aquela enxurrada de pensamentos soltos e desconexos.

— Lizzie?

Assustada, encarei a porta da casa e me deparei com um Jason visivelmente preocupado. Com a maior rapidez que consegui, limpei as lágrimas remanescentes e forcei um sorriso com o intuito de convencê-lo que estava tudo bem.

— Oi, Jay – Cumprimentei.

Ele desceu alguns degraus com toda a sua tranquilidade habitual e sentou-se ao meu lado após certo esforço.

— Você não está bem, está? – Indagou ele, com seus olhos castanhos extremamente inquisidores em direção aos meus, que fez questão de olhar bem ao empurrar uma espessa mecha do meu cabelo ruivo para detrás da orelha. Limitei-me ao silêncio. Mentir não era uma opção, mas dizer toda a verdade de uma só vez parecia loucura – Ficamos lá te esperando um tempão, mas você não apareceu, e depois ouvi uns gritos que pareciam com sua voz... você não está sozinha, Lizzie. Pode contar com a gente. Pode contar comigo.

Com um pouco mais de verdade, consegui esboçar um sorriso mínimo em agradecimento. Segurei a mão de Jason e apertei seus dedos, encarando o chão.

— É o Daniel. Ele nunca apareceu desde que foi preso, nem pra me dar um oi... – Direcionei meu olhar para o de Jason, que parecia aberto a me ajudar – É difícil, Jay. Especialmente depois de já termos... – Um pouco atrapalhada, interrompi a frase para um suspiro pensativo - algumas boas memórias.

— Honestamente – Jason começou -, se eu fosse ele, também ficaria longe por um tempo.

Fitei-o com um olhar quase mortal. Aqueles do tipo “você não está ajudando em nada”, diretamente causado por seu excesso de sinceridade.

Ele riu.

— Não estou falando de você, ruivinha – Explicou-se – Estou falando do Ben. Ele ficou possesso no dia em que foi lá soltar o Daniel, acho que só fez isso porque, finalmente, pensou que vocês dois iam se afastar, o que não foi de todo errado... mas você mesma viu: da última vez que tentei tocar no assunto com ele, o Ben me segurou pela gola da camisa e me mandou calar a boca. Imagina o que ele faria com o Daniel...

Respirei fundo.

Jason não estava completamente errado. A reação de Ben era, de fato, alarmante. Ele se tornava irracional ou completamente ignorante simplesmente de ouvir o nome de Daniel.

— Eu sei que você tem razão, mas... eu não deveria ser maior que tudo isso pra ele? Quer dizer, o Ben é meu primo e eu o amo, mas ele não decide nada por mim. O Daniel sabe que se voltasse, Ben teria que respeitar a minha escolha por mais que discordasse dela – Argumentei, numa tentativa bem sucedida de defender meu ponto: o senhorzinho de 1,90m e belos olhos azulados não tinha razões para fugir de mim.

Jay me cutucou com seu insistente olhar amigável.

— Bem, eu tenho certeza que ele deve ter um excelente motivo para não ter vindo te procurar todo esse tempo.

— E eu adoraria saber qual é esse motivo, mas infelizmente ele não está aqui para contar – Resmunguei, um tanto irônica.

O moreno ao meu lado coçou a própria cabeça e enlargueceu o sorriso que previamente se formava em seu rosto.

— Então vamos dar um jeito de ele mesmo vir se explicar, ué! – Exclamou, como se fosse a coisa mais simples do universo. Como girar uma torneira.

Com meu pior – ou seria melhor? – olhar de sarcasmo, o encarei, esperando que recobrasse o bom senso.

— Você não está falando sério, está? – Pus a mão na cintura enquanto Jason ainda me olhava como se sua ideia fosse irrefutável – Você acha que eu já não tentei? Já não fui atrás dele de todas as formas possíveis e imagináveis? Jason, eu liguei pra ele 116 vezes num único dia, eu invadi a casa dele, já procurei na faculdade, na polícia, até fui ao reconhecimento de indigentes pra ver se ele não estava por lá!

— Uau... – Jason me encarava um tanto atônito, finalmente percebendo as falhas de sua teoria simplória, ao menos eu supunha. Enquanto olhava para ele, sem nenhum rumo de qual seria meu próximo ato, em seus olhos, ainda havia muita surpresa – Você realmente gosta desse cara – Atestou.

Minhas bochechas coraram levemente, à medida que eu reconhecia que não tinha como contestar o que acabara de ser dito. Eu me importava muito com Daniel e isso era um fato. Soltei um suspiro e assenti com a cabeça na direção de Jason, ainda com meus olhos azuis perdidos e com um profundo medo de não mais encontrar o homem que eu tanto queria.

— Tem certeza de que ele não saiu da cidade? Não tem um parente aqui por perto, um lugar pra ficar? – Jay perguntou em sequência, ao que respondi negativamente a todas as perguntas.

Impaciente, ele começou a coçar seu queixo e morder os lábios, procurando alguma outra solução.

— Jay – O chamei, fazendo com que olhasse para mim -, o que você faria se fosse ele?

O moreno de olhos castanhos que me fazia companhia apenas suspirou e balançou a cabeça repetidas vezes.

— Não sei bem, mas iria para algum lugar calmo, longe de quaisquer suspeitas, onde eu pudesse espairecer e pensar num próximo passo a ser tomado... – Confessou ele.

Afundei o rosto em minhas mãos me esforçando ao máximo para chegar a alguma conclusão concreta. Aparentemente, minha tentativa de virar a Lucy estava falhando: não conseguia alcançar meu objetivo de imaginar algum lugar em que Daniel pudesse estar.

Vamos, Lizzie... Algum lugar calmo... distante... tranquilo... Pra onde você iria?

Foi então que, num impulso de clareza e visão além do alcance, eu segurei o antebraço de Jason e o apertei, para ter certeza de que ele era tão real quanto a ideia que acabara de passar pela minha cabeça.

— Jason! – Exclamei, ainda boquiaberta e extasiada com a possibilidade de finalmente encontra-lo – Eu sei onde ele está!

Olhei para Jay repleta de excitação, enquanto era encarada por um Jason que não entendia exatamente o que eu queria dizer. No entanto, eu tinha chegado a uma conclusão definitivamente incontestável.

— Ele está na praia! É claro que está! Como eu não pensei nisso antes, meu Deus! – Repetia para mim mesma, pois me recusava a acreditar que tinha levado tanto tempo para perceber.

De repente, minha mente recobrou as imagens do momento em que fui lá pela primeira vez, no qual eu me lembrava muito bem de ter ouvido Daniel dizer “aqui é só o lugar que venho quando preciso espairecer ou fugir de alguma coisa...”. Não havia momento melhor do que esse para ele fazer uma visita ao seu refúgio na praia. Ele estava lá, eu tinha certeza disso.

— Espera – Jason se pronunciou, fazendo com que eu caísse na realidade por alguns instantes -, por que ele estaria na praia? Isso não faz o menor sentido, Lizzie.

Rolei os olhos.

— Não pra você. Eu sei que ele está lá, eu só... preciso dar um jeito de chegar lá.

Cocei a cabeça admitindo para mim mesma que não seria tão fácil alcança-lo. A praia era no mínimo a 40km de distância de Southampton, e eu não tinha carteira ou carro para dirigir até lá com segurança.

Antes mesmo de bufar diante de tanta impotência e pensar em pedir carona para o primeiro carro que passasse na rua, observei Jason puxar a carteira de seu bolso e retirar dela uma cédula.

— Jay, o que está fazendo?

— Te ajudando. Toma – Ele estendeu a mão segurando uma nota de 50 libras.

Franzi o cenho e imediatamente balancei a cabeça em negação.

— Eu não posso aceitar, esse dinheiro é seu! – Protestei.

Jason bufou, ainda com o dinheiro em mãos.

— Você se importa com esse cara, Lizzie – Falou honestamente - Não aguento te ver mais um dia desse jeito... só pega esse dinheiro e vai atrás dele. Você me paga quando e se puder, ok?

Sem saber exatamente o que dizer, eu apenas soltei um suspiro agradecido e pulei nos braços de Jason, lhe dando um abraço apertado e profundamente grato.

— Não vou esquecer isso, Jay – Disse lhe encarando bem nos olhos.

O moreno esboçou um sorriso conformado e segurou minha mão, lhe acariciando com ternura.

— Você nem pense em voltar aqui sem ter encontrado o Daniel – Brincou ele.

Com um sorriso bem humorado, me coloquei na ponta dos pés e lhe dei um beijo na bochecha, depois, virei-me na direção do Crab & Sons, o pub que ficava logo na esquina da quadra de tia Maisie e dava acesso a uma rua muito mais movimentada do que a dela.

Meu peito formigava à medida que meus passos se aproximavam da esquina onde eu facilmente poderia encontrar algum taxista disponível. Depois de quase um mês sem encarar os olhos azuis mais enigmáticos que eu já havia conhecido, eu sentia toda a inquietação de que o momento do nosso reencontro estivesse prestes a acontecer.

As emoções eram boas, ainda que eu não soubesse defini-las precisamente. Um misto e empolgação, ansiedade, saudade, para ser mais exata. Talvez perto dele eu pudesse determinar bem o que sentia, mas não de longe. A última sensação que eu tivera ao seu lado, depois do beijo maravilhoso que trocamos, foi o desespero de não poder protegê-lo e ter de vê-lo ser arrastado para longe de mim. A única coisa que eu tinha certeza sobre nossos derradeiros momentos juntos é que jamais queria ter aquelas sensações novamente. E a intensidade com que aqueles instantes haviam doído em mim só me mostrava o que eu já sabia, mas talvez estivesse insegura demais para admitir: eu precisava dele por perto para me sentir, verdadeiramente, completa.

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Com uma boa dose de coragem e mais ainda de ar, respirei fundo, encarando a pequena porta vermelha do chalé praiano de Daniel.

— Daniel... – Balbuciei, com a voz trêmula e a respiração descompassada – Por favor, abre a porta.

Havia falado tão baixo que nem se ele estivesse ao meu lado poderia me ouvir. Mas o momento havia chegado, e eu tinha de tomar coragem para ser ouvida. Era isso ou continuar sem ele.

Entre as batidas na porta que pareciam tão fortes a ponto de machucar a minha mão, respirei fundo ao admitir para mim mesma que aquela era a linha final. Se Daniel não estivesse ali, eu não teria outro lugar para procurar, e seria praticamente obrigada a me contentar com mais esse infortúnio. Algo que eu não estava muito disposta a fazer.

— Eu sei que você está aí! – Insisti, tentando me convencer do que falava – Ou pelo menos deveria estar...

Expirei uma boa quantidade de ar que estava guardada em meus pulmões devido ao nervosismo.

Com mais força e menos intervalos entre uma batida e outra, continuei a golpear a porta do chalé, no entanto, permaneci sem nenhum tipo de retorno.

— Daniel! – Berrei, esmurrando a porta uma última vez.

Frustrada, chutei o chão à minha frente, topando com a madeira da porta, na qual me escorei, dando-me por vencida. Podia sentir as lágrimas traçando o caminho diretamente dos meus olhos até o queixo. Não queria acreditar que tinha perdido Daniel de vez. Eu não podia.

Mordi meu lábio inferior para conter alguns soluços e decidi que só me restava a entorpecente e frustrante resignação. Encostada em sua porta, com a mão ainda de punhos fechados de tanto bater e com as dobras dos dedos quase sangrando, eu simplesmente chorava sem saber qual seria o próximo passo.

Depois de algum tempo em que tudo o que se podia ouvir era o som das ondas salgadas embalando meu choro, me sentei na escadinha da pequena varanda, com um grande “e agora?” passeando pela minha cabeça. Sem transporte, dinheiro ou Daniel, eu estava ali, num lugar que mal conhecia atrás de uma esperança frustrada. E o prêmio de trouxa do ano vai para...

Respirei fundo. Sequei as lágrimas e pensei: “Ele não vai aparecer, Lizzie”, e já era tempo de me acostumar com isso. Em seguida, levantei do degrau em que estava e ao mesmo tempo em que batia a poeira trazida pela maresia até as minhas calças, escutei um suave ranger de porta vir detrás de mim.

— Eu ouvi você dizer que estava procurando um tal de Daniel – Uma voz masculina levemente rouca e com certeza conhecida, veio da mesma direção -, posso ajudar? 

Incrédula, me virei para a porta do chalé e ali, bem na minha frente, estava parada a figura que havia procurado por semanas, apesar de um pouco diferente do que eu me lembrava. Um homem bem alto, que vestia um coturno preto, uma calça jeans escura, uma camisa azul da mesma cor de seus olhos, mas que não estava tão visível devido à sua jaqueta negra toda feita de couro. Seu cabelo, entretanto, não mantinha mais o corte militar sexy de que eu recordava. Finalmente, seus projetos de cachos castanhos haviam crescido e faziam curvas de verdade. Não estavam longos, mas ocupavam um espaço entre suas orelhas e os ombros, originando um corte descuidado, bagunçado e aparentemente até sujo. Dá mesma forma, sua barba havia crescido. Eu não era capaz de dizer à essa altura que havia amado a forma como estava, eu só sabia que estava muito diferente. E igualmente mudados, seus olhos, ainda mais azuis do que o mar que estava a poucos metros de nós dois, pareciam bem mais pesados do que antes.

— Ai meu Deus! – Exclamei, ainda atônita - Daniel! Daniel, é você!

Corri até ele e me lancei contra o seu corpo num abraço apertado e tão desesperado quanto eu imaginei que seria quando nos víssemos de novo. Eu precisava senti-lo. Saber que, depois de tanto tempo, ele estava mesmo ali. Que era tudo de verdade, que ele não ia embora. Que, mesmo diferente por fora, ele ainda era o mesmo. E por mais que não tivesse essa certeza, já era suficiente ter algo real ao alcance do meu toque.

— Onde você se enfiou? – Indaguei, com cabeça ainda afundada em sua jaqueta, à altura do seu peito - Eu te procurei em toda parte, eu já não sabia mais o que fazer, eu...

Quando levantei o rosto, me faltaram palavras. Primeiro, porque estava tão feliz em vê-lo outra vez que nada do que dissesse se encaixaria bem naquele momento. Depois, porque notei que nada estava como antes. Digo, literalmente. À medida que minha expressão passava de extasiada para preocupada, notei que ele não havia me abraçado de volta em nenhum momento sequer. Sua fisionomia estava alguns quilos mais magra e pálida e ele parecia deveras fraco, além de desanimado. Quando analisei seu rosto, depois do longo contato físico, percebi várias cicatrizes que, de início, me passaram despercebidas. Seu supercílio estava com um enorme corte cheio de pontos. Seu olho esquerdo, além de estar afundado em olheiras assim como o outro olho, estava sobressalente com um inchaço roxo e vermelho sobre a maçã do rosto. Sua boca tinha diversos cortes pequenos e, assim como o nariz, estava levemente inchada, num tom de vermelho bem mais violento do que qualquer razão natural poderia deixar. E isso era só o que eu conseguia ver através das barba.

Por fim, o seu olhar foi o que mais me afligiu. Em vez de ver refletida em seus olhos a mesma alegria que eu sentia com nosso reencontro, eu podia perceber outros sentimentos. Nenhum deles era bom. Era quase um misto de medo, tristeza e cansaço, tudo isso sobrecarregando a energia que Daniel geralmente tinha em seu olhar. Como se ele estivesse apenas sobrevivendo.

— Daniel... o que é tudo isso? – Questionei, passando a mão suavemente pelos cortes em sua boca e subindo o toque delicadamente para suas bochechas inchadas.

— Machucados, ora – Tentou brincar, mas seu tom era quase fúnebre.

Revirei os olhos, sentindo a pressão do meu corpo subir.

— Não, Daniel, o que realmente é isso tudo? Está acabado, cheio de machucados, nem sequer me abraçou, parece outra pessoa – Falei, em tom de surpresa e irritação – O que houve?

— Absolutamente nada – Atestou, com a voz estranhamente embargada, como se estivesse bêbado – o que não era verdade, pois não havia nenhum cheiro de álcool vindo dele ou do chalé.

Ainda enquanto falava e eu percebia o som estranho de sua voz, Daniel cambaleou para trás e seus olhos se fecharam, quase como se ele fosse desmaiar de fraqueza, o que, por sorte, não aconteceu porque eu consegui me alojar abaixo do seu braço e impedir que ele despencasse no chão feito uma peso de papel.

— Daniel! - Berrei desesperada, recebendo nenhuma resposta dele que, eu podia jurar, estava desmaiado.

Assustada, lancei todo o seu corpo sobre os meus ombros, correndo o mais rápido que pude para dentro da casinha de praia e simultaneamente lutando para não cair por causa do peso somado ao pavor que eu sentia. Daniel não apresentava reação alguma, do contrário, se resumia a um corpo mole e ao mesmo tempo sem vida. 

Eu podia ouvir seus pés arrastando-se pelo assoalho enquanto traçava o caminho até o sofá, um som que só me aumentava o desespero e me fazia sentir culpada por tudo aquilo. Não que eu realmente tivesse alguma culpa, mas sabia que, caso estivesse ao lado dele no último mês, jamais o teria encontrado nessa situação. Porém, não foi assim que tudo aconteceu, e eram justamente esses acontecimentos que eu temia...

Exatamente no ponto em que meus braços e coluna já não poderiam mais aguentar o peso dele, chegamos até o sofá, onde o coloquei com o maior cuidado possível. Ele grunhia como se sentisse dor enquanto era colocado próximo das almofadas.

— Ai meu Deus, o que eu faço agora? - Indaguei enquanto passava as mãos pelo meu cabelo, andando de um lado para o outro.

— Leite... - Sibilou ele, com muita dificuldade - Me traz leite.

Sem entender direito o motivo do seu pedido, corri até a geladeira e, no meio de várias cervejas, whisky e água tônica, encontrei uma caixa de leite já aberta. Peguei a mesma e mais  uma garrafa de whisky, colocando as duas no balcão da cozinha conjugada.

— O que tá fazendo? Se me der whisky, vai me matar - O moreno resmungou diretamente da sala, mesmo com dificuldade.

— E quem disse que é pra você? - Retruquei, retirando a rolha com um pouco de força e, sem tempo para pensar duas vezes, me afoguei na boca da garrafa de whisky, com um gole generoso que desceu ardendo terrivelmente pela minha garganta.

Grunhi um pouco por causa do gosto forte da bebida enquanto fazia algumas caretas. Não estava nem um pouco acostumada com aquilo, mas numa situação de tamanho nervosismo, eu sabia que só um ato bem extremo poderia me acalmar.

Enchi um copo com o leite, mas acredito ter deixado mais líquido no chão do que no recipiente devido ao tanto que minhas mãos tremiam. 

— Toma, toma... - Apressada, sentei-me ao lado de Daniel no sofá quase enfiando o copo nele goela abaixo.

Ele tomou tudo em goles modestos, até finalmente terminar e respirar fundo alguns segundos depois.

Eu roía minhas unhas e tentava imaginar porque ele tinha se permitido chegar àquele estado. Estava feio, e, acredite, eu jamais pensei que isso pudesse acontecer. A sua barba que geralmente andava por fazer de um jeito sexy, mais parecia a de um andarilho que não vê uma gilete há meses. Estava toda desgrenhada e com aparência suja. Da mesma forma, seu cabelo havia crescido. Estaria muito bonito, caso lavado e penteado, mas não era bem assim que me parecia no momento. Os pelos maiores deixavam bem claros os cachos que ele carregava, cachos largos e escuros muito bonitos, apesar de mal cuidados. O cabelo grande lhe caía muito bem, mas não naqueles termos. Até a barba lhe ficaria muito bonita, se bem cuidada. 

Droga, pensei, nenhum acontecimento, por pior que fosse, diminuía sua beleza. Mas seu espírito, esse sim, eu sentia que estava abatido, assim como seu físico apático e machucado.

— Você pode, por favor, me dizer o que tá acontecendo? - Perguntei com mais calma, mas ainda com mágoa na voz depois que ele havia melhorado - O que são essas marcas no seu rosto ou por que simplesmente você caiu em cima de mim, assim, do nada?

Daniel suspirou. Ele não havia olhado nos meus olhos ainda; encarava o assoalho com verdadeira aspereza.

— Você devia ir embora - Falou, ríspido.

— Ir embora? - Exclamei um pouco mais exaltada do que antes, sentindo meu sangue se concentrar nas bochechas - Como assim ir embora?

Esperei alguma resposta dele, mas sua expressão permaneceu inerte. Sem olhares na minha direção. Sem demonstração de sentimento algum. 

Definitivamente, eu não iria aceitar ser tratada daquele jeito. Não depois de ter lutado tanto para que aquele momento chegasse.

Bufei e em seguida, me levantei do sofá, ficando de frente para ele, para que pelo menos encarasse toda a raiva estampada em meu olhar.

— Sabe, acho que você tem razão - Disse, irônica - Porque depois de eu me esforçar tanto pra estar com você e te encontrar num estado pútrido e fétido desses, é assim que você me trata, não é? Tem razão, eu deveria ir. Você não merece que eu fique - Vociferei.

 No mesmo impulso, peguei minha bolsa que havia jogado numa cadeira qualquer e me direcionei à porta. Ao abri-la, olhei para Daniel mais uma vez. Ele me encarava ainda com dureza em seu olhar e a mesma expressão apática m

— Vou levar margaridas no seu enterro - Ironizei. 

Ao dar as costas e colocaf um pé para fora, ouvi sua voz mais uma vez. Por Deus, eu não queria ir embora. Não queria deixá-lo outra vez, por mais que fosse o certo a fazer por uma questão até mesmo de amor próprio. Ainda assim, eu esperava que sua voz tivesse se erguido para chamar por mim. Pedir que eu ficasse. Mas com o tipo sarcástico, tipicamente entonado por Daniel, ele devolveu:

— Destesto margaridas. Leve dálias. Eu gosto de dálias.

Sem saber exatamente se por causa de sua audácia totalmente de mau gosto ou porque eu realmente queria ficar com ele, voltei atrás e bati a porta com força, olhando para Daniel de um jeito que não sei se já havia feito antes.

E, num ímpeto de fúria, rancor e coragem além do que eu conhecia, ouvi o estalar seco da minha mão no rosto dele, sem nenhum arrependimento da marca vermelha que continha perfeitamente o desenho da minha mão que se desenhava na bochecha esquerda de Daniel.

— Você, Daniel Austin Woods, é um covarde - Falei com convicção - Não um frouxo, medroso qualquer: um covarde. 

Para bem ou para mal, sua feição finalmente havia abandonado a apatia. Seus olhos azuis me fitavam como se eu acabasse de sabotar seu plano infalível.

— Você não quer que eu vá embora - Prossegui -, tanto quanto eu não quero ir.  Sabe disso tão bem quanto eu.

Ainda sem dizer uma palavra, Daniel olhava para mim finalmente não parecendo ser de ferro, mas de carne, osso e alguns outros sentimentos.

— Eu vou embora daqui, e nunca mais apareço na sua vida, você nem vai mais ouvir meu nome. Eu saio por aquela porta e jamais volto a te incomodar - Apontei para a porta e ia me aproximando dele - Basta você olhar pra mim, olhar no fundo dos meus olhos e dizer que não me quer mais por aqui. Se você fizer isso, se garantir que quer que eu vá - Minha voz falhou. Parei, respirei e continuei, intrépida - Eu juro que nunca mais nos veremos - Desafiei.

Meu coração batia forte e eu sentia minha testa suar frio com a pressão advinda daquele momento. Várias coisas passavam pela minha cabeça, e uma delas era que eu poderia perder Daniel de vez naquele instante. Eu queria me chamar de burra internamente, de estúpida, idiota e infantil. Mas não conseguia. Porque sabia que aquele era o único jeito de fazê-lo dizer a verdade. 

Daniel tinha um jeito extremamente peculiar de demonstrar seus sentimentos. Eu já sabia disso. Sua tendência era fazer justamente o avesso daquilo que realmente queria. Mas eu também sabia que ele não era homem o suficiente para mentir pra mim olhando diretamente nos meus olhos. 

Por isso, independente de sua resposta, eu não me arrependia de nada que havia dito. E teria dito outra vez. E outras duzentas vezes. Apenas por estar cansada de todo aquele rolo e querer a praticidade dá verdade ao menos uma vez. Não era o forte de Daniel, ser tão prático quanto eu esperava, mas ele me devia isso.

E depois de longos segundos, ele continuava me olhando em silêncio. A marca em sua bochecha parecia queimar, mas ele não se importava muito com aquilo. Apenas me encarava, sem mudar de direção por sequer um milésimo. Estávamos ali apenas eu, ele é o silêncio. E eu não seria a primeira a abrir minha boca. Este privilégio pertencia a ele. Eu queria, mais do que nunca, ouvir o que ele tinha a dizer.

Após tanto tempo sem nada vindo de nenhum dos dois, Daniel desviou seu olhar de mim para o chão. Como eu pensava, ele era incapaz de me mandar ir embora da vida dele. Ele não queria aquilo, da mesma forma que eu. Naquele momento, eu me permiti sentir feliz por isso. Porque ele me queria por perto.

— Você não entende nada mesmo, não é? - Se pronunciou, baixinho, logo voltando a me fitar - Quando estou perto de você, eu ponho sua vida em risco, incomodo o Ben, a Claire, o Jason e todos que se importam com você, porque eles sabem disso. Sabem que eu te deixo em perigo - Explicou, coçando a barba em seu queixo.

Rolei os olhos. Quando ele entenderia que eu era a protagonista dá minha própria vida e cabia apenas a mim escolher quem faz ou não parte dela?

— Isso é o que você acha - Devolvi - Já se perguntou como eu me sinto sobre isso? O que eu quero? É sempre você quem decide se estamos bem ou não, se estamos perto ou longe, parece que é tudo sobre você e nada é sobre mim! - Desabafei, caminhando pela sala e sendo seguida por seus olhos azuis agora um pouco mais sinceros - Eu sou simplesmente uma vítima das suas escolhas, e acho que já te provei que não sou do tipo que vai aceitar tudo o que você faz calada - Concluí com as mãos no quadril, na tentativa de intimidá-lo.

Ele respirou fundo em resposta. Passou as mãos pelo cabelo e alojou duas mechas de cabelo, uma de cada lado, atrás de suas respectivas orelhas. E por mais que eu não quisesse pensar nisso agora, seu cabelo grande lhe deixava ainda mais sexy do que ele já era. E o movimento de colocá-lo atrás das orelhas havia sido decisivo para que eu chegasse a essa conclusão.

Balancei a cabeça numa tentativa de não pensar mais naquilo, para, em vez disso, ouvir o que ele dizia:

— Lizzie, você é... pura. Ingênua. Sei que sente algo por mim, de um jeito que eu não sei se outra pessoa já sentiu antes - Daniel estava tão certo disso que senti minhas bochechas corarem. Ele tinha razão - Você só se importa comigo, se doa pra mim, cuida de mim e me ajuda, mas não quer nada em troca disso - Daniel terminou como se a definição que acabara de dar não fizesse o menor sentido. 

E realmente, não fazia. As pessoas geralmente só se importam quando sabem que vão receber algo em troca. E eu ainda não havia parado para pensar que a lógica da retribuição não se aplicava na minha história com Daniel. 

Franzi as sobrancelhas. 

— Você fala como se fosse um problema...

— Não seria um problema se não fosse eu - Respondeu ele quase que imediatamente - Se eu te deixar escolher, sei que vai escolher ficar perto de mim. E por mais que eu queira isso, não é algo que eu possa aceitar. Colocar sua vida em perigo é um preço alto demais. É um risco que eu não quero correr - Daniel olhou para o chão e, pela segunda vez, a muralha que me impedia de ver seus sentimentos havia caído por terra. Agora, ele nada mais era do que um homem com medo - Não posso perder você, garota - Disse, com a voz quase falhando.

Sua última frase havia sido a que eu mais conseguia me identificar por um único e justo motivo: eu também não podia perdê-lo. E aqueles dias longe de Daniel apenas haviam me privado isso. No entanto, perder um ao outro assumia significações diferentes para cada um de nós. E eu preferia aquela em que, mesmo correndo perigo, estávamos juntos.

— E quem é você pra dizer o que eu posso ou não posso sentir? Não cabe a você me "deixar" ficar do seu lado, porque, por bem ou por mal, é isso o que eu vou fazer - Determinei transparecendo uma confiança que talvez não correspondesse à realidade - Só te resta escolher se vai aceitar isso numa boa ou vai viver fugindo da única pessoa que acredita em quem você é.

Daniel respirou fundo. Encarou o chão por alguns segundos, levantou-se com dificuldade e, segurando o próprio braço provavelmente por este estar dormente, olhou para mim vulneravelmente desarmado.

— Lizzie, eu sou um cara quebrado - Afirmou, fazendo pouco caso de si -, sem rumo na vida, que não merece nem a pena de uma pessoa como você.

Balancei a cabeça negativamente em resposta. Era mais leal aos meus próprios sentimentos do que qualquer lógica idiota em que você deve merecer os sentimentos de alguém. 

— E eu sou alguém que andou na linha a vida inteira, e sempre achou que tinha tudo resolvido e nem isso tudo impediu a minha vida de virar de cabeça pra baixo do dia pra noite, provando que, não importa se você é uma pessoa boa ou má, a vida vai acabar te dando uma rasteira, em algum momento. E você terá que fazer algumas decisões mediante a isso.

Daniel permanecia irredutível. Podia perceber isso ao analisar seus olhos, que dotados de um tom azul um pouco escuro, me lembravam a mesma aparência de minutos antes de ele ser levado pela polícia. 

Me arrepiei inteira apenas com as lembranças amargas daquela noite horrenda.

— E eu sou uma dessas pessoas más, Lizzie - Respondeu ele, com uma certeza desconsertante - A vida me transformou nisso. E é algo que eu não quero e nem posso te envolver - Terminou dando de ombros, como se dissesse "não posso fazer mais nada".

Impaciente, me aproximei dele com a cabeça acenando em desaprovação. Segurei uma de suas mãos, machucada assim como o resto de seu corpo, e a coloquei entre as minhas, aquecendo aquele pequeno pedaço de Daniel. Fitei, em seguida, seus olhos e pela primeira vez, ele parecia sentir medo dá forma mais genuína que se pudesse imaginar.

— Você é uma pessoa boa para quem coisas ruins aconteceram - Falei com convicção - Eu vejo isso, e acredito em você. Não em quem você pode se tornar, mas em quem você é. Eu vejo um homem que quebrou a si mesmo pra que a vida de quem ele ama pudesse continuar intacta, alguém que tomou caminhos ruins porque era imaturo quando a vida lhe fez escolher e acreditou que era o melhor jeito de dar a volta por cima... 

— Isso ainda não me torna merecedor de nada - Protestou, desvencilhando sua mão das minhas e desviando o olhar diretamente para o chão.

Farta de tantas desculpas, eu puxei seu rosto pelo queixo agora com uma barba gostosa de pegar, obrigando-o a olhar para mim.

— Talvez não. Mas, se você tem que merecer, então não é amor.

O quê? Eu tinha mesmo dito aquilo? Meu Deus, por que diabos eu tinha dito "amor"? Não podia ter pensado em qualquer outro sentimento, qualquer frase de auto ajuda do Augusto Cury, eu tinha justamente que ter deixado nas entrelinhas que eu o amava? Pela princesa Diana, eu nem sabia o que era isso direito, não podia sair por aí dizendo que amava as pessoas!

E aparentemente, Daniel estava tão surpreso quanto eu. Seus olhos imediatamente se arregalaram e suas sobrancelhas se juntaram em sinal de perplexidade. Então, num súbito de sensatez e na tentativa de evitar quaisquer perguntas a respeito das bobagem que eu acabara de dizer, fiz a única coisa inteligente a se fazer naquele momento: aproveitei que minha mão já estava em seu queixo e o puxei fatalmente para perto de mim, beijando sua boca como já vinha sonhando fazer há algumas semanas.

Felizmente, sem qualquer protesto ou pausa para indagações indesejadas, Daniel retribuiu o beijo. Senti suas mãos atravessando minhas costas e chegando apressadamente até meu ombro e minha cintura. Ele me aproximava de si dando a entender que sentira tanta falta daquilo quanto eu. Deixei escapar um sorriso entre suas investidas calorosas e assim continuamos por um bom tempo. Achava engraçado como suas temporárias debilidades físicas não o impediam de se mostrar tão intenso e enérgico como costumava ser. 

Como uma criança curiosa, corri com as mãos para o cabelo dele. Eu nunca o tinha visto tão grande, por mais que tivesse num comprimento totalmente normal. Mas era novo pra mim. Por isso, acariciei cada cacho e cheguei a puxar alguns, à medida que ele também me apertava ou invadia minha boca com a língua de forma mais voraz. 

Eu não queria parar. E foi aí que pensei "como consegui ficar tantos dias sem beijá-lo?", sendo quase que imediatamente acometida pelas péssimas memórias da última noite em que estivemos juntos.

E se aqueles beijos fossem os últimos também, de uma outra longa temporada sem nenhum contato com ele? Eu me recusava a acreditar. Mas precisava ouvir isso dele, e não da minha própria e imprudente consciência.

Abruptamente, interrompi a verdadeira sessão de amassos que acontecia no pequeno espaço entre sofá e mesa de centro e dei de cara com um Daniel confuso e ofegante. Ele me segurava pela nuca e quadril enquanto minhas mãos repousavam uma em suas costas e a outra em seu abdômen, que arfava por causa da respiração descompassada.

— Você tem que me prometer uma coisa - Imperei, sem pensar duas vezes.

— O quê? 

Perceptivelmente, ele estava preocupado.

— Que vai parar de fugir de mim. E que nunca mais vai se esconder! - Pedi dando pequenos golpes em seu peito, soando um pouco mais infantil do que gostaria.

Com as mãos em seu corpo, senti seus músculos descontraírem. Ouvi, então, sua risada, um som raro que talvez me fizesse mais falta do que muitos outros aspectos sobre ele.

— Não preciso prometer - Retrucou, deixando-me desalinhada - Você sempre me encontra mesmo...

Na linguagem de Daniel, aquilo era um sim. E eu sorri por saber isso. E também por ter a certeza de que ele dizia a verdade. Seus olhos o delatavam e, naquele instante, eu percebi porque antes eram tão frios e ásperos, mas já não via nenhuma pincelada acinzentada neles: porque Daniel não fazia mais questão de esconder-se de mim. E seus olhos eram a chave para isso.

— Eu odeio você, Daniel Woods - Retruquei, esperando que ele soubesse tão bem quanto eu que, na minha linguagem, aquilo queria dizer que eu o queria por perto mais do que já quis qualquer outra coisa. 

E antes mesmo que eu pudesse retomar o fôlego, entre risos e abraços, já estávamos nos beijando novamente, mas, dessa vez, Daniel parecia me devorar com os lábios. Eu retribuía à altura, explorando com as mãos o seu corpo por baixo das camisa e, com a boca, tudo o que estivesse ao meu alcance.

Seu abdômen definido, quando tensionado, era mais excitante do que eu imaginava. Eu passava a mão pelo seu peitoral e o arranhava com as unhas, escutando leves grunhidos da parte dele, que aparentemente estava gostando. Eu estava louca para tirar aquela camisa. Tanto a dele, quanto a minha. Queria sentir tudo o que as minhas mãos sentiam, mas com uma parte do corpo equivalente à dele. Minha vontade era de, sinceramente, sentir o atrito entre os meus seios e seu peitoral e provar seu abdômen avantajado e suado esfregando-se pela minha barriga.

Com esses exatos pensamentos passando pela minha cabeça, corri uma das mãos de volta para o seu cabelo. O puxei para trás com força total e ouvi Daniel gemer. Sorri, acreditando que o gemido abafado pelos beijos seria o único resultado da investida, mas fui surpreendida por um Daniel descontrolado e imensuravelmente forte que, segurando as te com veemência pela cintura, me suspendeu de leve e me empurrou até minhas costas colidirem bruscamente com a parede mais próxima. Obviamente, eu teria reclamado de dor em qualquer outra situação, mas não naquela. Eu acabara de descobrir que, quando se está excitada, impactos fortes nem sempre significam dor. Pelo contrário, eles podem significar prazer. E, céus, como eu estava excitada!

Ter sido pressionada contra a parede, apenas fez com que eu sentisse o tesão crescer tanto da minha parte quanto da dele. Isso porque eu podia sentir o pênis de Daniel quase estourando para fora da calça de tanto que ele estava excitado. Podia quase senti-lo pulsando na minha virilha. Em vez de medo, eu sentia vontade. Em vez de insegurança, eu queria mais. Internamente, já quase não podia me aguentar, e à medida que aquelas sensações eram quase todas novas, eram, também, intensas. Por dentro da calcinha, que felizmente era bonita com detalhes de renda, eu me sentia molhada e descontraída, como se meu próprio músculo precisasse de algo para lhe preencher. Daniel sabia como me deixar louca.

Suas mãos logo subiram para outro lugar que ele jamais havia ficado: meus seios. E, com naturalidade, eu senti que devia permitir aquilo. Mesmo que por cima das blusa, ele começou a apalpá-los e fazer movimentos circulares. Antes daquele dia, eu não sabia o quanto aquilo poderia ser maravilhoso. E quando feito com tanto tesão quanto Daniel sentia naquele momento, era melhor ainda. Ele apertava meus seios e eu gemia, percebendo que quanto mais eles eram tensionados, mais rígidos ficavam. 

Senti vontade de gritar, de apertar o corpo dele contra o meu até virarmos um só de tão boas que suas carícias eram. No entanto, controlando o que eu podia, apenas gemi com mais intensidade e puxei seu cabelo para trás com tanta força que obriguei uma parada entre os beijos.

Ambos ofegantes, eu, provavelmente com uma cara maravilhada de quem está descobrindo tudo agora e está amando, era observada por aqueles olhos azuis cheios de malícia, acompanhados por um sorriso sexy no canto de sua boca.

Oxalá, ele era o homem mais maravilhoso já produzido num cruzamento humano. Seus cabelos maiores e bagunçados faziam agora parte deles e contribuíam diretamente para o charme que carregava. Charme, esse, que agora não passava de puro apelo sexual.

Tanto que, sem querer ficar sem beijá-lo por mais nenhum segundo, abocanhei seu pescoço como um predador que vê a presa dando mole e comecei a chupá-lo freneticamente. É estranho fazer algumas coisas pela primeira vez, mas, depois de alguns segundos, era como se eu já nascesse fazendo aquilo. E adorava.

Beijava, chupava seu pescoço com voracidade e a melhor parte de tudo era que meu ouvido ficava bem à altura da boca dele, pois assim eu podia escutar todos os seus gemidos. E eles só me incentivaram a não parar nunca. 

— Você é a garota mais linda que eu já conheci - Sussurrou no meu ouvido, utilizando-se de todo o potencial sexual que sua voz rouca podia lhe dar.

Em resposta, mordi seu pescoço e ele imediatamente gemeu, puxando meu cabelo para trás e meu quadril para mais perto do dele. Dessa forma, eu podia sentir melhor seu pênis vibrando de tesão por mim. E só a ideia de tê-lo dentro de mim já era capaz de me deixar igualmente ou ainda mais excitada.

Sem conseguir mais aguentar meus próprios hormônios, levei minhas mãos para a barra da camisa azul que Daniel vestia e a puxei para cima. Não queria mais nenhuma camada de tecido entre os nossos corpos. À medida que subia sua camisa, sentia sua boca se contorcer num sorriso, verdadeiramente feliz por eu estar lhe despindo. Ainda com mais pressão, passei a camisa por sua cabeça e a lancei num canto qualquer da sala, sem me importar aonde. Francamente, eu pouco me importava com nossas roupas àquela altura.

Óbvio que eu não perderia a chance de olhar para aquele corpo bem torneado e agora suado devido ao intenso "exercício" que estávamos praticando. Ao abrir os olhos, conseguia ver nitidamente um abdômen que com certeza devia ter dado muito trabalho para ficar tão definido como estava e, logo acima, um peitoral suado que me tirava o fôlego só de olhar. Depois, acompanhei seus braços, tão fortes e bem torneados, até me deparar com uma ferida em seu ombro, bem na altura que a manga de sua camisa cobria.

— Daniel! - Gritei impulsivamente, sendo impelida para longe dele. Por vezes, tentei começar a frase seguinte, mas minha voz sumia ante à tamanho susto - O que... O que é isso no seu braço? - Apontei, com o dedo trêmulo para o inchaço nojento que ali jazia.

Sua expressão, em seguida mudou. De homem excitado e excitante, eu vi nascer um Danuel completamente perturbado.

Ele olhou para o próprio braço, onde a marca horrorosa parecia doer mais em sua mente do que em seu corpo.

Ali estava uma visão que eu não gostaria de me lembrar jamais depois desse dia. Em seu braço, uma enorme protuberância havia se instalado. Era um inchaço muito, mas muito feio. Em vez de estar roxo ou vermelho, a fina camada de pele que cobria o machucado estava amarelada, quase verde, e podia se ver rios de pus fluindo por baixo dela. As bordas do hematoma circular eram avermelhadas, mas o mais estranho era que, tanto no centro quanto nas periferias daquela "coisa", haviam vários furinhos, como se tivessem sido espetados por uma agulha. Quase como se Daniel tivesse se furado todo naquela região. Além de nojento, o hematoma era assustador.

Então, Daniel me encarou. Seus lábios comprimidos e olhos atordoados me deram a entender que ele não queria falar daquilo.

— Não mente pra mim! - Pedi, antes que ele o fizesse - Eu quero saber a verdade. Tô com você, não tô?

Eu poderia simplesmente ter ignorado aquele machucado, afinal seu corpo estava coberto deles, mas eu sentia que aquile ali, especificamente, não era nada bom. E além disso, estava centenas de vezes mais assustador do que os outros.

Daniel não podia me negar uma resposta, e sabia disso. Por isso, apenas olhou novamente de relance para a ferida e voltou a me encarar, com um ar pesado e desanimado ao dizer:

— Isso é heroína. Quer dizer, é por onde eu injetava...

Fechei os olhos por alguns instantes não querendo acreditar naquilo. Muita coisa passou pela minha cabeça, é claro. Porém, assim que percebi que cada uma delas continha uma falha, fiz questão de afastá-las todas de uma vez da minha mente. Afinal, se eu não o havia julgado por nada do que acontecerá antes, qual era o sentido de querer julgá-lo agora? Se ele estava nessa situação era justamente porque não escapava do auto julgamento. E este é, na maioria das vezes, o pior.

— Mas tem várias marcas de agulha, não só uma! - Exclamei, apontando para os vários pontinhos que enxergava em meio à qual inflamação de centro amarelado e bordas avermelhadas. 

Se ele se injetava, deveria usar apenas uma via, não é? Quer dizer, será que todos aqueles furos eram realmente necessários?

Daniel soltou uma risada sem muito humor. Devia ter percebido que eu era completamente leiga naquele aspecto.

— Você não espera que eu seja um técnico em enfermagem depois de já estar 'alto', né? - Poderia jurar que ele havia falado com ironia, mas, na verdade, não passava de seu próprio mecanismo de defesa.

Me aproximei dele com ternura no olhar. Mais uma vez, eu tinha que deixar claro que não tinha medo ou nojo dele. Delicadamente, segurei seu braço esquerdo e acariciei o inchaço, sentindo a textura das picadas de agulha e da própria inflamação. Em seus olhos, eu pude ver arrependimento seguido de um pedido de desculpas. Só me restava ser compreensiva. Mas, compreensiva com o que? Eu ainda não havia entendido seus motivos. E antes mesmo que pudesse perguntar, quase como se ele lesse minha mente, o moreno de barba e cachos bagunçados abriu sua boca e contou:

— Era o único jeito que eu tinha de sair de mim mesmo. De não pensar em você, no Tom...  Por Deus, era uma tortura lembrar de vocês! - Exclamou, serrando o punho da mão direita e batendo na parede, como se apenas as recordações do que sentiu já fossem cruéis - Sei que fiz besteira, mas não se preocupe, eu estava limpo há alguns anos, então não corro nenhum perigo - Explicou, respirando fundo logo em seguida e tornando os olhos para mim, transparecendo a culpa que sentia por dentro - Eu sinto muito, Lizzie - Falou, baixinho e de olhos fechados 

— Hey, tá tudo bem - Afirmei, puxando seu rosto com as duas mãos de modo que ele olhasse para mim e apenas para mim. Me perturbava a ideia de que ele se sentisse culpado ou triste consigo mesmo - Eu não tô aqui pra apontar seus erros, sabe disso - Reforcei.

E, de fato, eu não estava. Confiava nele da forma que ele também confiava em mim, mas não se pode confiar em alguém que só te julga. Eu jamais seria essa pessoa.

Ainda assim, vários pensamentos assolavam minha mente, como que perguntando se ele fizera apenas aquilo ou se tinha usado outras drogas até mais pesadas do que heroína. Eu me perguntava se ele teria até ficado com outra pessoa nesse meio tempo, e a singela ideia de Daniel com outros pessoa me dava calafrios. Mas só seria justo exigir suas satisfações se ele também as exigisse de mim. 

Como se pudesse ler o que se passava na minha cabeça, Daniel se fez ouvir:

— Vai em frente. Pergunta se eu fiz mais besteira, onde consegui tantos machucados...

Balancei a cabeça negativamente. Se ele não se importava com o que eu tinha feito, tampouco me importava o que ele fizera, desde que estivesse bem.

— Não me interessa nada do que aconteceu antes - Resumi, tentando sair daquela situação constrangedora e me lembrando onde havíamos parado - Tudo o que me importa, neste momento, - Enfatizei -, é o que nós dois vamos fazer aqui e agora - Completei, dando a entender que não deixaria o momento que estávamos aproveitando antes dessa confusão passar batido. 


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Notas finais do capítulo

FOTA DO DANIEL PRA NAO PERDER O COSTUME: http://www.theplace2.ru/archive/aaron_johnson/img/Aaron_Johnson56.jpg

E aí, manas, o que acharam? Aaaaahdjsjsj eu amei esse cap, não vou mentir s2 o que querem no próximo? Brigas? Sexo? Heheheh romance? Vocês que decidem, e podem dar pitaco! O próximo capítulo, pra alegria de todos, já tá escrito e tem data marcada pro dia 19 de janeiro (é o dia que sai a nota do Enem, pra todo mundo desestressar aqui, OK?)
Amo vcs, mais uma vez desculpa e milhões de BEIJOSOOOSOOSIS



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