Reckless escrita por Moony, Bela Barbosa


Capítulo 16
Capítulos 16 & 17 - Boa Noite, Danny / Imprudentes


Notas iniciais do capítulo

OI GENTEEE! Amores, Reckless tá cheia de surpresas nesse capítulo! Vamos por tópicos? VAMOSSS!
ANTES DE TUDO, não se assustem com o tamanho do capítulo. Na verdade, são dois capítulos que encaixaram bem juntos, por isso, se você preferir, pode ler só um agora e o outro mais tarde, ou então fazer maratona e ler os dois, ok? Eles estão bem divididos, então relaxem ;)
1 - A partir de agora, eu vou tentar fazer uma capa para cada capítulo. Em uma semana, vou ver se todos os capítulos aqui já estão devidamente atualizados, ok? A começar por este aqui, vou colocar umas montagens bem simples só pra gente se habituar mais com a imagem...
2 - Esse capítulo é na visão do bad boy mais gato de toda a Inglaterra: Daniel Delicious Woods ♥ Como a Lizzie tá dando PT por causa das bebidas, eu achei que seria interessante mostrar o olhar do Daniel, como ele vê as situações, como ele vê a Eliza... dependendo da reação de vocês, teremos mais capítulos assim por aqui, ok? E suuuuper considero os pedidos de vcs, se alguém quiser mais pra frente um cap na visão da Claire, do Ben, do Jason... É só falar!
3 - Até o dia 30, acredito que já teremos ao menos mais dois capítulos por aqui, e eu quero FESTAAAA!
4 - Acabei de lançar no youtube o trailer de Reckles (tem o link logo nas notas da fic, no índice mesmo) e queria a opinião de vocês ♥
Besos e boa leitura!
Ps: vou deixar uma playlist aqui e vocês mesmos escolhem as músicas ou deixam tocando (https://www.youtube.com/playlist?list=PLjOLZVat-eRA6oZ8N5KfbfWvMjURJht2B)

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LINK DA CAPA - https://scontent-gru2-1.xx.fbcdn.net/v/t1.0-9/13781867_978416858923609_2563587948989385475_n.jpg?oh=4963649f63138fd3ac0726bdbdb2a79b&oe=58197509



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PRIMEIRA PARTE DO CAP. (CAP. 16)

 

Ela fez aquilo. Beijou aquele cara, um completo estranho, apenas quando nossos olhos se cruzaram, no momento em que teve certeza de que eu veria sua cena mal interpretada e me morderia de ciúmes dela. Uma atitude extremamente infantil e impensada, só para me provocar. O que ela conseguiu fazer com sucesso.

Eu me senti borbulhar por dentro, praticamente explodir, pois meu sangue havia ficado tão quente a ponto de me fazer tremer de ódio. Mesmo sem um espelho por perto, eu sabia que todas as veias do meu rosto e dos meus braços estavam saltadas, o que contrastava perfeitamente com minhas bochechas e testa já vermelhas de ódio. Os lábios dela, tão imprudentes e ao mesmo tempo puros, grudados numa boca que não era minha formavam um cenário capaz de me corroer lentamente.

Por acaso, eu não sou o tipo de pessoa que se permite ser vítima do destino. E dessa vez não seria diferente. Com os punhos já cerrados, saí de onde estava esbarrando em quem fosse necessário até parar bem onde os dois estavam compartilhando aquele beijo frenético e totalmente forçado – ao menos, para ela. Tomei uma boa respiração e sem qualquer segundo pensamento, puxei o homem loiro que beijava e cercava minha Lizzie como se ela fosse sua, lançando-o para longe.

Em seguida, dei um passo e me coloquei entre eles dois, virado para aquele cara com toda a raiva que um ser humano pode sentir do outro. Já ele apalpava a própria boca, que aparentemente devia ter sido machucada com o empurrão. Sua expressão era confusa e um tanto raivosa também.

— Você – Grunhi, ofegante devido a toda aquela tensão -, fica longe dela. Ouviu bem? – Reforcei.

Sentia como se todas as pessoas ali, inclusive a própria Lizzie, tivessem desaparecido, somente eu e aquele trocador de saliva barato ainda restássemos ali, um encarando o outro com o mesmo objetivo: sair de lá com Eliza do seu lado.

— Você que devia manter distância, cara – O loiro devolveu, se aproximando de mim alguns passos – Se ela quisesse estar beijando você, estaria. Mas claramente, esse não é o caso.

Filho da puta! Sua frase havia soado tão desafiadora e maliciosa que minha única reação foi dar um pulo e partir para cima dele com a mão fechada, o que teria resultado num soco perfeito naquele seu nariz ridiculamente pontudo, mas acabou não acontecendo quando uma mão fina, porém firme me puxou pelo braço, impedindo-me de atingir aquele loiro idiota bem no meio da cara.

Lizzie me puxou para trás e me fez olhar para ela, que estava com os olhos esverdeados mais provocantes do que nunca.

— Ele está certo, Daniel – Ela disse, exalando um insuportável cheiro de álcool que me fez afastar o rosto e contorcê-lo numa careta – Não consegue aceitar que eu não quero estar com você hoje?

Estava bêbada. Muito bêbada, porque, além de ser extremamente fraca para o álcool, devia ter bebido um bocado, presumi.

— Lizzie, você está bêbada! Não está em condições de decidir nada – Esbravejei quando ela me deu as costas e foi caminhando até o outro cara.

Havia feito isso de uma forma engraçada, pois já que não estava totalmente sóbria, andava em passos mais curtos e, ao mesmo tempo, rebolava mais do que o normal ao fazê-lo. Lizzie chegou perto do loiro e se escorou no ombro dele, me encarando com toda a petulância que uma ruiva podia ter em sua alma. Ela era atrevida demais para caber em seu metro e setenta de altura.

— Não estou bêbada! – Exclamou – E quero ficar com o Chase, não com você.

Então, seu babaca particular deu um sorriso de satisfação pelo que ela havia dito e me fitou como se a briga já fosse algo ganho para ele.

— Você ouviu a Lizzie, cara – Chase começou, completamente convencido – Agora deixa a gente em paz, ok?

Bufei, furioso. Ela estava bêbada e não podia decidir por si mesma. Lizzie sequer conhecia aquele cara! E, diga-se de passagem, estava com ele apenas por birra e para me causar ciúmes, eu sabia disso. O idiota da história era ele, não eu.

Enquanto minha cabeça tentava arquitetar qualquer plano maluco para levá-la dali comigo, observei bem a cintura de Lizzie ser envolvida por uma mão larga, apertando-a e puxando para perto dele. Chase. E, a não ser que Eliza estivesse muito sóbria e decidida sobre permitir tal ato, nenhum outro cara teria o direito de tocar em seu corpo do jeito que aquele loiro havia feito.

Foda-se, foi o que pensei naquele exato momento, o único instante em que ainda estava dentro de mim e decidi partir para cima dele, o que fiz sem dó nem piedade. Caminhei na direção dos dois a passos largos, ganhando força e rapidez provavelmente por causa da adrenalina bombeada no meu sangue, e o agarrei pelo colarinho da camisa, suspendendo-o alguns centímetros do chão. Sua expressão passou de desafiadora a apavorada numa fração de segundo, o que não era para menos, uma vez que saí arrastando Chase suspenso por todo o caminho até encontrar uma parede que fez suas costas estralarem de forma claramente audível quando o muro e seu corpo sofreram o choque.

O loiro soltou um alto urro de dor quando a colisão se deu, mas sinceramente a única coisa que eu conseguia sentir era contentamento por vê-lo pagar por tentar aproveitar-se da Lizzie.

— Eu não vou falar outra vez – Murmurei entredentes – Sai de perto dela, ou eu acabo com você, entendido?

Chase

, agora aflito e com o rosto demonstrando a dor que sentia, fez que sim com a cabeça de um jeito impaciente e nervoso. Então, eu o soltei e ao ouvir seus pés tocarem o chão, virei-me para onde deveria estar Lizzie, esperando por mim.

Ela mirava meus olhos com ambas as sobrancelhas arqueadas e sua expressão me lembrava a de Tom quando me pedia um ovo de páscoa, mas ganhava apenas uma barra de chocolate. Ri com esse pensamento ao caminhar até ela.

— Você vem comigo – Determinei, sério.

A ruiva rolou os olhos e mostrou os dentes, com raiva, no entanto, mesmo que contrariada, tornou-se para a direção da saída – o que havia sido um tanto fácil com todas as pessoas da boate abrindo caminho para nós – e andou até a calçada praticamente marchando, como uma criança mimada. Eu a segui.

Estava, de certa forma, satisfeito por ter conseguido encontrá-la e a tirado daquela balada, mas se Lizzie pensava que o assunto entre nós estava resolvido, ela estava muito enganada. Ainda que aliviado, eu continuava enfurecido por ela ter me deixado falando sozinho no meu apartamento.

De fato, a intenção era mesmo que ela fosse embora. Estar perto de mim a deixava vulnerável, fraca, especialmente porque Lizzie era uma das poucas pessoas que se importavam comigo. E eu já havia tentado, de todas as formas afastá-la de mim. Ser ríspido, dizer isso a ela com todas as letras, fazê-la passar por diversas situações que fariam qualquer ser humano odiar o outro, ofendê-la, e o próprio destino parecia me ajudar, ao ter deixado isso bem claro para ela depois do incidente com Claire, mas nada parecia funcionar. Ela não era o tipo de pessoa que desistia fácil das coisas.

Mas quando ela disse a mim que nosso beijo não havia significado nada, foi como se tivesse enfiado uma estaca no meu peito e me deixado sangrando sem nenhuma perspectiva de socorro. Só assim eu percebi que cada demonstração de desafeto meu também era capaz de machucá-la tanto quanto ela havia me machucado naquela hora. Não era justo que uma pessoa tão boa e ingênua se sentisse ofendida por um ser humano tão mau e insensível quanto eu.

Por isso, não consegui sossegar até descer e ir atrás dela. Eu precisava encontra-la de qualquer forma, e teria que lidar com sua decisão de permanecer na minha vida mesmo após todas as minhas tentativas falhas de fazê-la ir embora. Isso porque depois de tanto tempo insistindo em mim, eu mesmo já não conseguia me imaginar sem ela.

Aparentemente, sem aqueles cabelos ruivos bagunçados, aquele sorriso infantil, aquelas ideias malucas de sair para conhecer a cidade do nada ou jogar algum jogo idiota chamado Noite dos Reversos, trechos de Shakespeare e uma voz péssima para cantar, além de, é claro, sua teimosia e respostas ao mesmo nível das minhas, meus dias deixariam de ser completos.

— Ei, garota! – Berrei, ainda atrás dela – Aonde está indo?

Lizzie suspirou e se virou para mim com os braços cruzados e os lábios fechados de frustração.

— Pra qualquer lugar longe de você, Daniel! Qualquer lugar em que você não me encontre! – Exasperou.

Por mais que estivesse perdidamente bêbada, ouvir aquelas palavras saindo da boca dela não foi a coisa mais agradável de todas. Mas preferi me ater apenas à primeira parte e ignorar o resto.

— Bêbada do jeito que está, você cai e começa a vomitar quando chegar na primeira esquina – Falei em tom sarcástico.

Lizzie bateu o pé no chão em resposta e grunhiu.

— Eu posso estar bêbada, mas sei muito bem o que eu quero! E, no momento, é ficar bem longe de você – Disse, exaltada, virando-se subitamente.

Por um feliz acaso, meus reflexos agiram tão rápido quando eu queria e consegui agarrar seu pulso, impedindo-a de ir embora.

— Você não vai a lugar algum, garota! – Gritei, ainda segurando-a à força.

Lizzie tentava de todas as formas reaver seu pulso, mas eu era dezenas de vezes mais forte que ela

Quando ela me mordeu, ou por um impulso de bêbada ou simplesmente por infantilidade, já não consegui me conter, o que me fez puxar seu braço com firmeza e transmutar o rosto para uma das piores expressões de raiva que já demonstrei.

— Já chega de cena, Eliza!

Puxei a ruiva pelo braço e ela gemeu de dor, o que fiz questão de ignorar. 

— Me solta, Daniel! - Lizzie protestou de braços cruzados e com um beiço no rosto.

Eu teria rido se ela não estivesse bêbada às 3 da manhã no meio da rua.

— Você vai pra casa comigo, garota - Falei com firmeza, olhando-a diretamente em seus olhos verdes amedrontados rodeados por minúsculos sinais tão alaranjados quanto seu cabelo - Quer goste dessa ideia, quer não.

Eu precisava levá-la comigo. E ela sabia tanto disso quanto eu, só não dava o braço a torcer porque era mais orgulhosa do que eu conseguia imaginar. Por isso, sabia que ela faria qualquer coisa, no estado em que estava, para se livrar de mim. Então, sem deixar um mínimo segundo para que ela tomasse uma reação, eu me abaixei e agarrei suas duas pernas, jogando-a sobre o meu ombro com a cabeça para a parte de trás, ao que ela soltou um berro estridente e apavorado.

— DANIEL! DANIEL, QUE MERDA VOCÊ TÁ FAZENDO? ME PÕE NO CHÃO, ME PÕE NO CHÃO AGORA - Lizzie reclamou batendo insistentemente nas minhas costas.

Ela tentava mexer as pernas para escapar, mas meus braços eram fortes o suficiente para mantê-la ali sem chance de fuga. No entanto, todo o resto do seu corpo se mexia incessantemente. Uma imagem engraçada, eu admito, o que me fez rir. Especialmente por vê-la se tornar uma criança novamente depois de algumas doses. 

— Você quer ficar quieta e deixar meu trabalho mais fácil? - Indaguei com um sorriso extremamente maroto no rosto.

Lizzie bufou e deu mais um golpe nas minhas costas.

— Eu desisto - Admitiu, me fazendo abrir o sorriso - Mas não é uma luta justa. Você é praticamente um armário com um par de covinhas adoráveis me carregando feito um morcego - Atestou, aparentemente frustrada.

Nesse instante, soltei uma gargalhada. Lizzie nunca tinha mencionado minhas covinhas, mas fiquei feliz por ela ter reparado, especialmente por eu ter levado uma vida um tanto técnica e ter plena noção de que covinhas não passam de uma falha genética. Pelo visto, uma falha genética que a agradava.

Ajeitei-a nas minhas costas com um rápido pulo (ao passo que Lizzie reclamava por estar extremamente desconfortável) e pedi que segurasse firme para irmos para casa. Ela não parecia gostar dessa ideia.

Alguns segundos se passaram sem que nenhum de nós dois dissesse uma palavra, um certo tipo de silêncio constrangedor. Um episódio um tanto incomum perto da Lizzie.

— O quê? – Perguntei, assustado, parando bruscamente de caminhar – Eliza Peters está... calada?! É isso mesmo, Deus? É esse o som do silêncio? Haha, hoje é meu dia de sorte! – Completei com humor, dando pulinhos que eram incômodos para ela, mas sobremaneira divertidos para mim.

— Engraçadinho... – Ela retrucou em tom maldoso – Você sabe que nada disso teria acontecido se tivesse me dito o que há entre você e a Sophie, não é?

Minha expressão logo se fez séria e as risadas cessaram. Sophie. Era um assunto bem resolvido para mim, mas que para Lizzie talvez soasse um tanto delicado. Em resposta, apenas me calei esperando que a absorção do álcool a fizesse esquecer da Sophie.

— Estamos quase chegando – Desconversei.

— Daniel, meu sangue pode estar indo todo pra cabeça neste momento e eu sei que estou bem alterada, mas ainda vou querer ouvir essa história.

Suspirei. Aquela ruiva invocada definitivamente não deixaria essa passar.

— Sabe, se você tivesse assumido desde o início que sentiu ciúmes de mim e do Jason, a noite poderia ter tomado um rumo completamente diferente.

Meu rosto queimou em vergonha quando ouvi as palavras de Lizzie, o que felizmente ela não pode contemplar por estar de cabeça para baixo nas minhas costas. Vergonha porque, primeiramente, eu não queria sentir ciúmes. Não gostava da suposição de que o contato entre outras duas pessoas era algo que me afligia, especialmente porque eu não tinha nenhum vínculo com Lizzie e nem com Jason. Além disso, o problema central é que sentir ciúmes significava justamente isso: a criação de um vínculo, a ideia de uma relação mútua com alguém, e esse era um luxo que eu não podia bancar no momento. Não com alguém tão especial quanto a Lizzie.

— Eu não senti ciúmes – Menti, ríspido.

Ela soltou um riso sem humor, mas com altas doses de ironia.

— Ai meu Deeeeus! – Berrou com a voz rouca – Você é inacreditável! Sério! Não consegue admitir por um segundo que odiou ver o Jason me beijando?

Calei-me. Sim, garota, eu odiei ver você e aquele pseudo motoqueiro trocando saliva bem ali na minha frente, como se a gente não tivesse nada, será que era isso que ela precisava ouvir de mim para se acalmar? Porque parecia ser. Contudo, eu não assumiria dessa forma.

Por mais idiota que o Jason fosse, ele era um cara correto, nos conformes, alguém que, no mínimo, obedecia a lei. Diferente de mim. Ele merecia a Lizzie, eu não. E a pior parte era saber disso.

Incomodada pelo meu silêncio, ela chutou meu peito e eu puxei suas pernas para que se comportasse. Finalmente, estávamos chegando.

— Quer saber? – Lizzie praticamente sussurrou, de tão baixo que sua voz soava – Eu sei que você sentiu ciúmes, mesmo se não quiser admitir. E eu sei porque eu também senti.

Quando ela disse a última parte, um certo frio percorreu todo o meu corpo e eu tive aquela sensação horrorosa de quando você machuca alguém que se importa com você. Aquele calafrio que dá e esfria todos os seus músculos, fazendo você formigar. Foi como me senti.

Toda a minha teimosia e “protocolos” para a segurança da própria Lizzie sempe acabavam por feri-la, e esse não era um direito e muito menos um desejo meu.

Mordi o lábio com raiva de mim mesmo.

— Ok – Coloquei-a  no chão, com os cabelos cor de fogo desgrenhados sobre seu rosto, o que ela tentava consertar com as mãos – Você venceu.

Estávamos, agora, na porta da escada que levava ao meu apartamento. Ela pareceu reconhecer ao dar uma olhada na construção e retornar seu olhar ferido ao meu. Estava com os braços cruzados e uma feição um tanto indiferente, mas eu sabia que apatia não era bem o que ela sentia, mas sim frustração.

— Se você entrar de bom grado, prometo contar tudo sobre a Sophie.

Ela pensou por alguns instantes, olhando de um lado para o outro até suspirar e, simultaneamente, fazer que sim com a cabeça que apresentava sua testa franzida. Então, retirei o molho de chaves do bolso e abri a fechadura, sugerindo com as mãos que ela entrasse primeiro.

Soltei um suspiro internamente, afinal, se Lizzie ouvisse qualquer mínimo barulho que indicasse meu alívio por finalmente voltar para casa, ela provavelmente daria um jeito de escapar outra vez com mais uma de suas atitudes imprevisíveis. Era bem sua cara, o que me fez sorrir assim que o pensamento passou pela minha cabeça.

Entramos em casa, no entanto ela permaneceu emburrada. Não disse uma palavra sequer e sua cara de poucos amigos parecia irredutível. Eu não podia tirar a razão dela, é claro, pois a culpa era minha. Por isso, retribuí com meu silêncio.

Tentei segurar a mão dela para lhe guiar até o banheiro, mas ela logo recusou. Não estava mesmo a fim de nenhum contato comigo, algo que eu devia respeitar.

Mesmo assim, me seguiu até que chegássemos ao banheiro. Seria melhor que Lizzie tomasse uma ducha gelada, mas ela não estava em condições de fazer isso sozinha. Por isso, preferi que ela usasse a banheira, já que seria mais fácil para eu mesmo administrar seu banho.

Liguei o chuveiro de cima da banheira e então ela começou a encher-se de água gelada. Chamei Lizzie para dentro do banheiro. Ela me encarava do lado de fora ainda acanhada, com os braços cruzados e feições frustradas.

— Já pode vir, garota - Avisei.

Ela chacoalhou a cabeça em negação.

— Não até você contar sobre a Sophie.

Respirei fundo. Lizzie era muito insistente. Prova disso é que não havia desistido nem de mim. Sentei-me sobre o vaso com a tampa fechada e apoiei o queixo nas mãos, numa tentativa de encontrar as palavras certas.

— Vejamos... Por onde eu começo...? - Perguntava para mim mesmo coçando o queixo, até voltar os olhos para ela e iniciar a história - Bem, a Sophie foi quem me impediu de enlouquecer quando meus pais morreram. Ela mora aqui na rua e sempre nos víamos, mas nunca fomos amigos. Até que depois do acidente, o Tom ficou em coma por 7 meses e eu não soube como reagir. Daí, comecei a beber, fumar, me injetar algumas coisas pra tentar esquecer tudo o que estava acontecendo... - Falei, tentando passar por essa parte da história o mais rápido possível, porque até mesmo as memórias da minha fase inicial após a perda, eram dolorosas para mim - Nessa época, ela já era enfermeira e por acaso era quem acompanhava o Tom. Ela me disse que ele ia sobreviver e eu teria que cuidar dele sozinho - Suspirei, quase no fim - Sophie foi quem me convenceu a dar um basta na vida que eu levava para proteger meu irmão. Está satisfeita?

A ruiva, já com uma expressão mais branda, caminhou mais uns três passos para dentro do banheiro, até parar bem na minha frente. Ela me olhava de cima para baixo com os olhos estreitos e os lábios comprimidos, como se suspeitasse de algo.

— Isso não é tudo, é, Daniel? - Indagou com um olhar inquisidor.

Voltei meu olhar para o chão e respirei fundo. Nada do que havia dito era mentira, mas eu havia ocultado algumas verdades sobre a Sophie. Olhei novamente para os olhos da Lizzie e balancei a cabeça que não. Era impossível mentir para ela.

— Como ela morava aqui perto, ficou uns dois anos fazendo visitas constantes ao Tom pra acompanhar o tratamento. Mesmo eu sempre mantendo minha privacidade e evitando criar qualquer tipo de amizade com ela, porque sabia que sua relação comigo era só profissional, um dia... - Olhei para Lizzier, afoito. Ela me encarava de volta como quem não se importava com o que viesse, desde que fosse a verdade. Decidi não poupar isso dela. Sem mais demora, completei a frase - Um dia aconteceu. Eu tinha uns 19 ou 20 e cheguei em casa, dei de cara com ela saindo e... já era quase de madrugada. Eu falei pra ela ficar e aí rolou. Nós... ficamos nisso por mais ou menos um ano até que eu mesmo acabei com tudo e voltamos à antiga relação de enfermeira e paciente - Terminei, com sinceridade.

Minha ouvinte balançava a cabeça, como se tentasse digerir todas as informações. Mesmo sem olhar para mim, ela perguntou:

— Isso que vocês tiveram foi... algo real?

De imediato, neguei com a cabeça. Era uma pergunta a ser respondida sem a mínima hesitação.

— Lizzie, eu era um cara de 19 anos com merda nenhuma na cabeça. É claro que não foi real. Foi só que... - Dei de ombros, tentando explicar a ela que meu envolvimento com Sophie não passava de algo efêmero e carnal - Ela estava por perto, era razoavelmente atraente... Coisas acontecem.

Completei olhando para Lizzie e ela pareceu se dar por satisfeita com a minha explicação. Abaixou-se, desfez o nó dos tênis e entrou na banheira usando apenas sua camisola preta. Como a água já estava um pouco alta e ela sabia que precisava de algo gelado na cabeça, se afundou na banheira e ficou lá por alguns segundos, sem dizer nada.

Enquanto isso, eu pensava comigo mesmo se toda aquela dor de cotovelo era da Lizzie ou apenas da sua versão bêbada. De qualquer forma, havia sido um sentimento um tanto intenso. Intenso o suficiente para eu me surpreender, afinal, não sabia que seria capaz de provocar tantos ciúmes nela, mesmo que bêbada.

— Você realmente sentiu tantos ciúmes assim da Sophie? - Questionei assim que ela sentou-se na banheira, com a cabeça e os ombros para fora.

Seu cabelo molhado contornava o rosto branco e cheio de sardas de uma maneira angelical. Ela parecia ficar ainda mais linda. Tinha traços elegantes e muito fortes, o que deixavam seu rosto, por si só, responsável por grande parte da sua beleza.

— Pelo menos eu, depois de muita tequila e muita vodka, tenho coragem de dizer que senti ciúmes sim - Replicou me alfinetando.

Ri com sua menção indireta à minha resistência de assumir que havia sentido o mesmo.

— Não sabia que eu era tão importante - Me gabei, ironicamente.

Ela revirou os olhos em resposta e mexeu o braço, lançando um jato d'água pra cima de mim.

— E quem te disse que você é? Quer dizer, você está por perto, razoavelmente atraente... Coisas acontecem - Completou em tom sarcástico, dando de ombros com todo seu desdém habitual, que me fez rir.

Afundou-se novamente na banheira, mas logo emergiu.

— Acho que de todos os tipos de gente bêbada, você é definitivamente a bêbada sincera - Afirmei.

— E quais são os outros tipos? - Ela perguntou com o cenho franzido, 'nadando' pela banheira.

— Bem, são vários... - Comecei, tentando me lembrar de alguns - O bêbado chorão, o bêbado piadista, o bêbado sonolento, o sexy, o escandaloso...

Então, Lizzie parou bem na minha frente, sentada na banheira me olhando diretamente nos olhos. Parecia séria, o que estranhei.

— Hm, e o que te faz acreditar que eu não sou do tipo sexy? - Indagou mordendo seu lábio inferior.

No mesmo instante, minhas sobrancelhas se juntaram. Sua pergunta havia sido tão engenhosa que eu não sabia onde queria chegar.

— Garota, o que quer dizer com...

Fui interrompido por uma Lizzie de olhar fixo em meus olhos azuis, que se levantou da banheira de uma forma extremamente sensual e logo pôs as mãos na cintura com uma de suas sobrancelhas arqueadas.

— Pois eu acho que você devia entrar aqui na banheira comigo e descobrir por si mesmo.

Ela não estava brincando. Falava tão firme quanto costumava fazer quando sóbria. E eu não consegui deixar de notá-la: a seda molhada de sua camisola  contornava seu corpo revelando cada mínimo pedaço dele. Eu via tudo. Seus peitos, sua cintura, o umbigo, os quadris, as coxas delineadas... Ela não deixava nada a desejar. Era uma mulher completa e muito bela. Eu olhava perplexo para o que ela oferecia e, sem mentira alguma, eu a desejava. Eu a queria exatamente como ela estava. 

O fato de ela não estar usando sutiã naquele momento só a deixava ainda mais provocante. Eu olhava para seus seios e queria eles. Queria o que houvesse além deles também. Tudo unicamente para mim. E ver que ela estava disposta a me ceder tudo isso era uma proposta excitante.

Porém, nada disso muda o fato de que ela estava bêbada e fora de si. Por mais difícil que fosse, eu teria que dizer não, teria que resistir a ela. Balancei a cabeça para evitar que o desejo tomasse conta de mim.

— Lizzie, para com isso, o que você tá fazendo é errado!

Ela sorriu.

— Errado pra quem? - Perguntou saindo da banheira e vindo na minha direção.

Dei alguns passos para trás até topar com a parede, onde não tinha mais lugar nenhum para eu me esquivar. Droga!, eu não queria me esquivar.

Lizzie chegou até onde eu estava e começou a beijar meu pescoço. Ela o mordiscava e lambia de um jeito delicioso. Parecia saber exatamente como eu gostava. 

Já estava quase cedendo aos seus beijos, quando decidi por um ponto final naquilo. Se prolongasse aquele momento, eu poderia não resistir.

— Já chega! - Berrei, segurando-a pelos ombros e a afastando de mim - Você está bêbada, ok? A gente não vai ter nada agora!

Eu tentava regular minha respiração depois de falar quando vi os olhos de Lizzie rolarem. Não por sarcasmo, não por ironia. Ela simplesmente ficou com os olhos brancos e, no ato seguinte, despejou uma boa quantidade de vômito em cima das minhas calças.

Fiquei um tanto sem reação, por assim dizer. Não sabia se ria ou se reclamava da situação. Só não podia ficar aborrecido por algo que ela havia feito sem querer.

— Ei, Lizzie, você tá bem? - Perguntei ainda segurando-a.

Ela afirmou com a cabeça e então sorriu, ainda meio abalada pelo vômito.

— Eu, realmente, não sou do tipo sexy.

Ri com sua resposta.

— Eu vou limpar isso, ok? Não se preocupa.

Dei a ela uma toalha e tirei a calça ali mesmo, no banheiro. Não tinha problema nenhum que ela me visse apenas de camisa e uma box preta. Só torcia pra que ela não me fizesse ter outra ereção.

— Desculpa por ter sujado sua calça- Lamentou-se com uma careta.

— Tudo bem - Tranquilizei Lizzie, tirando-a de dentro do banheiro e a conduzindo para o meu quarto - Agora é só vestir uma roupa seca e ir dormir que mais nada vai acontecer, ok?

Deixei ela sentada na cama se secando e me virei para pegar alguma roupa minha e dar para ela. Deduzi que apenas uma camisa serviria, então tomei uma de mangas compridas e levei até ela.

Quando ia pedir sua permissão para sair do quarto e ir logo dormir na sala, Lizzie se pronunciou:

— Danny.... tem mais uma coisa que eu quero te pedir - Disse, um pouco triste. Eu a encorajei que dissesse com o olhar - Você pode dormir comigo hoje? 

Não. Definitivamente não. Eu estava caindo de sono, e Lizzie nunca pediria isso em seu estado normal. Dormir junto com ela não era uma boa ideia. Logo que ouvi sua pergunta, minha expressão se fechou. Assim que abri a boca para negar, Lizzie foi mais rápida outra vez.

— Por favor...  - Implorou.

Ao ver seus olhos verdes brilhantes pedindo aquilo de uma forma tão triste e envergonhada, eu não teria como dizer não. Suspirei, vencido.

— Está bem, mas se amanhã você acordar sóbria e quiser me bater, a culpa vai ser sua - Falei, dando de ombros.

Lizzie riu.

Então, virei de costas para que ela colocasse sua roupa de dormir. Assim que comecei a imaginar seu corpo ao trocar de roupa, fiz questão de afastar logo esse pensamento. Não era justo. Não com ela bêbada. 

Tornei-me para Lizzie novamente e agora ela sorria, sentada na minha cama com minha blusa. Lhe caía muito bem, por sinal. Sorri ao perceber que gostei disso.

Cansado, eu apenas me aproximei dela e da cama e me deitei de barriga para cima já com os olhos fechados. Esperava que ela fosse deitar do outro lado da cama ou mesmo fazer uma barreira de travesseiros entre nós, mas na verdade, a ruiva esticou meu braço e deitou-se por cima dele, me abraçando e alojando a cabeça em cima do meu peito para minha total surpresa.

— Boa noite, Danny - Sussurrou.

 E, assim, ela se aninhou no meu peito como se houvesse nascido para morar lá. Exatamente como eu senti que devia ser. Algo tão premeditado, que em poucos segundos nós dois adormecemos um na companhia silenciosa do outro. 

 

 

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SEGUNDA PARTE DO CAP. (CAP. 17)

 

 

Talvez, eu preferisse dizer simplesmente que Lizzie parecia um anjo enquanto dormia, mas essa visão seria muito utópica e diferente da realidade. Ela mais parecia que tinha lutado na batalha de Armagedon durante o sono. Seus cabelos cor de fogo estavam bagunçados de forma a ocultar parte do seu rosto. Imaginei que para pentear suas madeixas ela levaria praticamente a manhã toda, mesmo que seu cabelo fosse predominantemente liso. Já a boca, ela mantinha aberta além de babar que nem um buldogue. Ainda assim, seu aspecto era de paz extrema, como se o mundo pudesse acabar, mas se eu a deixasse dormir, tudo estaria bem. 

Como um anjo.

Sorri ao notar que meu braço ainda estava ao redor dela, segurando-a. Isso indicava que mesmo se mexendo muito, ela não fez a mínima questão de sair de perto de mim. 

Contudo, eu realmente precisava sair. Tinha algumas entregas para fazer e outras encomendas para despachar, tudo isso sem ser notado por uma das piores gangues da Inglaterra.

Com o braço que estava de baixo da Lizzie, eu a puxei um pouco mais para perto e apertei, como que lhe dando um abraço. Ela gemeu ainda com os olhos fechados, o que me fez rir. Analisei a ruiva que se encontrava deitada na minha cama por mais alguns minutos, enquanto pensava que era um homem muito sortudo por tê-la ali, tão vulnerável, no entanto segura porque confiava em mim. Essa ideia me fez querer beijá-la, mas eu não podia, porque ela estava dormindo. E talvez, eu nem mesmo quisesse, por que qual seria a graça de beijá-la sem ser correspondido? Por isso, apenas aproximei meu rosto do seu e encostei os lábios com delicadeza em sua testa. 

Em seguida, puxei meu braço com cuidado para não lhe acordar e segui meu caminho diretamente para o banheiro, a fim de tomar um banho para começar bem o dia. Mas não deixei o quarto até parar na porta e encarar uma Lizzie certamente adormecida na minha cama. O que quer que eu houvesse decidido ontem, era a coisa certa a fazer. Sem mais jogos com os sentimentos dela, sem mais jogos com os meus. Não era justo com nenhum de nós dois.

Imprudente? Sim, talvez esse fosse o melhor adjetivo para caracterizar minha decisão. Eu poderia colocar a minha vida em perigo ao me permitir sentir algo por alguém e tinha o poder de tornar a vida da Lizzie insegura por mantê-la perto de mim. No entanto, para um cara que se aventurou no mundo do tráfico para salvar a vida do irmão mais novo e, por causa disso, perdeu parte da adolescência e da juventude, tomar uma decisão assim tão irresponsável não estava nos planos. Mas, sem assumir alguns riscos, qual é mesmo o ponto da juventude, ou até mesmo da vida? O dia de tomar uma decisão descuidada como essa sempre chega, para todos. Ele só precisa de um empurrãozinho. No meu caso, o empurrãozinho era ruivo, tinha sardas por todo o rosto e se chamava Eliza Peters.

 

*************************************

 

 

11h40min.

Depois de sair de casa às 8h e despachar dois pacotes de metanfetamina e cocaína com alguns dos meus conhecidos dentro dos correios e passar por outros pontos da cidade em que teria revendedores, eu agora me encontrava parado no trânsito infernal de meio-dia, na metade do caminho para casa. Se eu me orgulhava disso? Não. Não era o tipo de trabalho que me permitia chegar em casa e compartilhar experiências, além de me manter afastado da maioria das pessoas. Todavia, foi o que manteve eu e Thomas num elevado padrão de vida durante 8 anos. Ao menos, com esse dinheiro, eu podia lhe pagar os melhores médicos, os exames mais precisos e os métodos de recuperação mais eficientes que existiam.

Além disso, minha felicidade era agora poder ir para casa e saber que encontraria ele e Lizzie sentados no sofá brincando de alguma coisa, ambos alegres. Ver o Tom feliz não tinha preço. E, para provar isso, eu estava levando alguns ótimos hamburgueres para ele e Lizzie almoçarem.

 

Com mais uns 15 minutos no congestionamento, conseguir cortar um pouco do caminho e pegar uma viela que desaguava diretamente na rua da minha casa, onde eu não via a hora de chegar. 

Estacionei o carro e então subi as escadas apressado, com planos de surpreendê-los com o lanche do Burguer King. Ela parecia o tipo de pessoa que, como Tom, gostava de todo tipo de comida que não presta. Não o meu tipo, que sempre me encaixei melhor com uma salada. 

Abria porta já ansioso, exibindo um enorme sorriso e esperando vê-los ali na sala assim que entrasse. O que não aconteceu. Mas, estranhamente, a sala estava bem mais arrumada do que estava ontem. Lizzie deve ter acordado pouco depois de mim e organizado tudo, pensei. A cozinha que também era ali estava visualmente impecável. Ela sabia mesmo como fazer um trabalho de primeira. Por alguma razão, saber disso me deixou animado.

Por não vê-los ao redor, deduzi que ambos tinham voltado a dormir. Para Tom, eu sei que não seria nada difícil. Ele dormia tanto quanto um urso. Soltei uma gargalhada alta ao colocar as sacolas com o almoço em cima da mesa.

— Vocês dois são demais - Comentei comigo mesmo - Não acredito que estão dormindo até agora...

Retirei as embalagens das sacolas e esperei que ao menos Tom se manifestasse ao ouvir minha voz. Mas não obtive nenhum retorno. Deviam estar num sono realmente pesado.

Ainda com um sorriso bobo no rosto, dei meia volta e rumei na direção dos quartos, primeiramente o meu.

— Qual é, ninguém tem tanto sono assim! - Exclamei ao abrir a porta do meu quarto.

Inusitadamente, Lizzie não estava lá. Mas minha cama perfeitamente arrumada e meu armário fechado (o que não acontecia desde a última Era Glacial) pareciam me encarar tão surpresos quanto eu. 

— Lizzie? - Chamei-a mais uma vez, com as sobrancelhas juntas.

Sem ter nenhuma resposta, imaginei que ela estivesse no quarto de Tom. Sei que ela não deixaria uma criança na condição dele sozinha em casa. Por isso, caminhei até o quarto do pequeno.

— Tom, Lizzie, hora de acordar - Verbalizei assim que entrei no cômodo, que, novamente, me encarava sem nenhuma alma viva.

Pus a mão na cintura. Tom devia tê-la convencido a brincar de esconde-esconde comigo. Ri sem muito humor.

— Vamos lá, vocês já podem aparecer - Comecei, dando uma volta em torno do meu próprio eixo - Sei que estão brincando.

Ainda que falando em alto e bom tom, nenhum deles respondeu. Com a expressão mais carregada, fui até o banheiro em passos pesados, mas nem sinal de nenhum dos dois.

— Qual é, gente, não tem graça... - Murmurei - Estou começando a ficar preocupado.

Nada deles.

Ao passo que as batidas do meu coração se aceleravam, a velocidade com que eu respirava tomava o mesmo caminho. Eles não estavam ali. Me apavorei com esse pensamento.

— Não pode ser... - Balbuciei, relutante, assim que admiti a possibilidade de que algo de ruim tivesse acontecido.

Talvez os russos tivessem encontrado eles antes de mim. 

Aflito, passei as mãos pelo cabelo e corri pela casa gritando os nomes dos dois sem obter retorno.

Calma, Daniel. Eles podem apenas ter ido passear. Tentei me acalmar com essa ideia, mas parecia impossível. Lizzie não conhecia a cidade, e seria incapaz de por a vida de Tom em perigo. 

— Merda! - Exasperei batendo as duas mãos num armário da cozinha ao perceber que não havia uma alternativa boa.

E se já fosse muito tarde? O que já poderiam ter feito a eles? Seria um sequestro ou algo para me atingir? 

Meu coração parecia querer pular para o lado de fora do meu corpo como se houvesse algum tipo de atração magnética no ambiente. Sentia, também, as gotas frias de suor caírem da minha testa e escorrerem pela minha jaqueta preta.

— LIZZIE! TOM! VOCÊS TÊM QUE ESTAR AQUI! - Gritei com uma última esperança de encontrá-los no apartamento. 

Banheiro. Quartos. Cozinha. Sala. Tudo conferido e nenhum sinal de nenhum dos dois. Nem sequer a cadeira de rodas do Tom estava mais lá.

Eu corria pela casa como um maluco, sentindo as veias saltarem mesmo por baixo das roupas de frio. Minha respiração ofegante e alta atrapalhava até mesmo as suposições que eu tentava fazer para me acalmar. Não estava conseguindo.

Com ódio, derrubei uma pilha de pratos limpos que estava sobre a pia com toda a força que tinha, acompanhado de um berro digno de guerra.

Passei a mão sobre minha testa vermelha para limpar o suor e tentar me apoiar melhor. Não ia suportar se alguém tivesse encostado os dedos neles.

— Eu juro pela minha vida... - Comecei com a voz embargada pela respiração difícil - Que se alguém machucar vocês, eu não vou sossegar até fazer ele pagar.

Depois da promessa, saí de casa como um raio e desci as escadas praticamente num único pulo. Preferi acreditar que eles não estavam muito longe e eu ainda poderia correr atrás dos dois. 

Assim que abri o portão que dava para a rua, olhei para um lado e não enxerguei movimento algum. Apenas o ritmo habitual de pessoas conversando e estudantes voltando de bicicleta. Virei-me para o lado direito e vi somente um caro estacionado e a rua da frente totalmente vazia, até que na esquina viraram dois corpos conhecidos. Um, extremamente alegre e sentado numa cadeira de rodas. Outro, igualmente feliz com uma casquinha de sorvete em sua mão, vestida com um adorável sobretudo azul-bebê e uma boina de tom mais escuro.

Eles não me viram, porém, no momento em que reconheci os dois e vi que não tinham nenhum arranhão, mas, do contrário, ambos carregavam enormes sorrisos em seus rostos, não consegui me conter: o alívio foi tanto que saí em disparada na direção deles.

Corri por uns 150m até parar a centímetros de distância dos dois, quando eles finalmente cessaram a conversa entre si e notaram que eu estava ali. Provavelmente mais ofegante e suado do que jamais estive. Eu os encarava, profundamente grato por estarem vivos, sãos e alegres.

— Ei, por que a pressa? - Lizzie, com seu bom humor matinal, indagou com certo humor na voz, além de um sorriso encantador.

Devia estar assustada com minhas feições avermelhadas por causa da mudança súbita de emoções que eu havia passado. Não que isso me importasse, já que, a essa altura, só uma coisa me passava pela cabeça: todo esse desespero, toda essa apreensão foi por medo de perdê-los. Toda a impulsividade foi por achar que alguém tivesse feito qualquer coisa de ruim a Lizzie. Eu não queria que ninguém no mundo a machucasse. E, por alguns minutos, me imaginar a perdê-la pareceu impensável. Ter Lizzie fora da minha vida era uma carga que eu já não poderia mais aguentar.

E precisei ter a sensação de desfazer-me dela para perceber isso.

Eu não ia esperar que ela sumisse de novo para que soubesse disso.

Ainda encarando o doce sorriso que ela apresentava, sentindo-me totalmente envolvido pelo sentimento de saber que ela estava ali de novo, que tinha voltado para mim, um grande "dane-se" disparou no meu cérebro e eu agarrei seu rosto com as duas mãos, puxando-a para um beijo.

Era a única forma de mostrar a ela o que estava passando pela minha cabeça naquele momento. Um beijo impetuoso e apaixonado, como eu nunca havia dado a ninguém, pareceu cair naquele momento perfeitamente. 

De início, ela pareceu assustada, mas não demorou muito a derrubar sua casquinha no chão e trazer suas mãos para o meu pescoço, retribuindo o beijo da forma mais sedutora possível.

Ela gemia um pouco quando puxava o ar e eu adorava ouvi-la. Fiz questão de deixar bem claro com aquele gesto o que eu sentia no momento, o que acredito ter conseguido com êxito.

— Uau... - A ruiva sibilou com o olhar um tanto surpreso quando nos separamos - Bom dia pra você também.

Fechei os olhos novamente e fiz questão de apenas senti-la. Ainda segurava seu rosto como se precisasse ter certeza de que realmente ela estava ali, e nossas faces continuavam a poucos centímetros de distância.

— Meu Deus, ainda bem que achei vocês - Sussurrei ao abrir os olhos e me deparar com sua imensidão verde rodeada de sardas - Eu não ia aguentar se tivesse perdido um dos dois, garota.

— Obrigada, mas... do que está falando, Daniel? - Indagou, confusa.

Me afastei um pouco dela, mais calmo, e fitei os olhinhos furtivos de Tom me encarando com curiosidade. 

— Estou falando que vocês sumiram e me deixaram completamente louco atrás dos dois! - Exclamei com as mãos nos quadris, alternando olhares entre ambos.

— Mas, Danny, a gente não sumiu! - O pequeno protestou - Eu e a Lizzie fomos até um porto para ver os navios pesqueiros! - Terminou de explicar.

Franzi o cenho e mirei uma Eliza que sorria de modo travesso, como quem tinha feito alguma arte.

— Como você conhecia esse lugar? - Perguntei.

— Na verdade, eu não conhecia - Ela deu de ombros - Só dei muita sorte. Tom reclamou que nunca descia e eu resolvi trazê-lo pra tomar um pouco de ar, mas acabamos saindo por aí sem rumo até que fomos parar nesse tal porto.

A história era um pouco vaga, eu admito, mas Lizzie não estava mentindo. Seu olhar era sempre muito sincero e essas ideias malucas eram tipicamente as suas. A vida perto dela nunca era monótona. Ri ao atestar esse fato.

— Vocês estão ficando bons em aventuras, hein?! - Virei-me para Tom, me abaixando até estar na sua altura - O que achou do passeio, campeão?

— Foi muito divertido! A gente viu vários peixes e um tubarão!

— Uau! - Falei com um enorme sorriso por vê-lo tão animado e voltei a olhar para a ruiva que me fitava com ternura - E a Lizzie acertou o caminho de volta?

— Na verdade, a gente voltou com um amigo dela - Tom contou.

Levantei-me de imediato com as sobrancelhas arqueadas por estranhar a situação e sentir um pouco de despeito. 

— Amigo? - Tentei não soar muito invasivo.

— Um oficial da marinha - Lizzie respondeu orgulhosa. Claramente, estava tentando me tirar do sério - Gustav Mondiéu, você conhece? - Terminou com uma pergunta por pura petulância.

Ela estava tentando me provocar ciúmes, pelo visto. Depois de todo o lance com Jason, eu sabia que aquela ruiva faria de tudo pra me fazer admitir qualquer sentimento de rivalidade com outro homem em relação a ela.

Mas antes mesmo que eu respondesse se conhecia o tal Gustav, meu irmão se fez ouvir:

— Tudo bem, a Lizzie também conheceu ele lá - Falou ele, inocente - Ela até ganhou um cartão com o número dele! - Terminou, como se achasse aquilo o máximo.

Arregalei os olhos por não esperar aquele final.

— O quê? - Soltei, ao não conseguir esconder o que sentia.

Lizzie abriu um enorme sorriso sedutor, porém atrevido em seu rosto. De fato, eu estava me corroendo por dentro, como ela queria que eu estivesse, mas eu queria ver até onde ela ia. Seus joguinhos desafiadores eram os melhores.

— Ele pediu pra eu ligar assim que estivesse disponível - Disse ela puxando um cartão do bolso do casaco - E aí, eu ligo hoje à noite ou espero até amanhã pra criar um clima? 

Lizzie se balançava de um lado para o outro com um sorriso de orelha a orelha pairando em seu rosto. Eu mordia o lábio inferior com força.

— Você não vai estar disponível hora nenhuma - Repliquei, bravo.

Em seguida, fechei a cara e, com a maior rapidez que pude, arranquei o cartão da mão dela me esguiando de seus reflexos.

— Ei, esse cartão é meu, me devolve! - Gritou em protesto. Parecia mesmo brava por eu ter lhe tomado o cartão - E até onde eu sei, tenho bastante tempo livre!

Suspirei. Ela não podia estar falando sério. Depois de tudo o que havia acontecido entre nós dois, esse tinha que ser mais um de seus jogos para arrancar de mim algum sentimento extremo por ela, o que Lizzie sabia perfeitamente como fazer. Eu sabia que ela não ligaria para o cara da marinha mesmo que continuasse com seu cartão, e só queria me irritar.

Contudo, de certa forma, ele estava certo. Um cara normal começa as coisas de um jeito normal com uma garota, não é? Uma carona, troca de telefones, depois um encontro... Não sou bobo de achar que o que sinto pela Lizzie é simplesmente amizade. E desde que nos conhecemos, não tínhamos nos encontrado uma vez sequer de modo convencional. Seria justo, então, conceder a ela esse luxo. Conceder até a mim o direito de, uma vez na vida, me sentir como um cara normal a fim de uma garota normal.

Respirei fundo, tomando coragem para formular bem as ideias e as palavras que diria em seguida.

— Pois não tem mais tempo livre - Soei irredutível - Você tem um encontro. Hoje à noite.

Os olhos dela se abriram e Lizzie caminhou um passo para trás devido ao espanto.

— Um encontro? Com quem? - Questionou, aparentemente estarrecida.

Eu, realmente, não era um cafajeste. Mas sorri como um naquele momento. Um sorriso torto e descuidado, mas me esforçando para ser provocante às vistas dela.

— Comigo.

Lizzie franziu a testa. Após isso, soltou uma risada um tanto nervosa. Pelo visto, não sabia bem como reagir. Mantive no rosto o mesmo sorriso e a mesma confiança. Ela não ia me negar isso, mesmo sem saber exatamente como responder.

— Daniel, o que... isso é... - Tentava, mas não conseguia, iniciar várias frases - Tá falando sério? 

Abri um pouco o sorriso 

— Eu não vejo nenhum motivo pra brincar agora. Além do mais, se vamos fazer alguma coisa, vamos fazer do jeito certo. Ok?

Ainda meio insegura, Lizzie balançou a cabeça positivamente. Ela parecia intimidada, como se não fosse de seu feitio ir a muitos encontros. Eu compreendia o que ela estava sentindo.

Me aproximei de seu rosto da forma mais suave que consegui, tentando transmitir a ela confiança.

— Eu vou dar um jeito de tornar essa noite especial, garota.

Seus grandes olhos verdes estavam, de fato, caóticos, como se ela não entendesse aquela situação. Como se não conhecesse o homem que estava ali de pé bem em sua frente. O que ela não sabia é que ele sempre esteve lá, só que decidido a não deixá-la perceber quem realmente era. Lizzie parecia fascinada. Os globos dela brilhavam. 

E, novamente, por um impulso, mas dessa vez, quase que involuntário, eu a beijei.

Rapidamente, só para tranquilizá-la e não perder o hábito. Aliás, beijá-la estava se tornando um dos meus novos costumes preferidos. Eu poderia passar o dia todo fazendo isso, se ela deixasse, especialmente porque quando terminávamos, a ruiva me olhava como se tivesse vivido até ali apenas para saborear aquele momento. Exatamente como ela fazia agora.

 


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Notas finais do capítulo

Gente, o que acharam do capítulo? O que querem pro encontro deles? Intervenção russa? Mais romance? Pegação? Brigas? O que acharam do Daniel? ELE NÃO É UM FOFO? Aaaah, comentem, amados ♥ Queria saber de vocês o que estão achando desses capítulos mais longos, com cerca de 5 mil palavras, porque eu sinceramente estou amando escrevê-los ♥ vocês acham cansativos, ou acham que deixam a história mais coesa, mais completa? Me digam, ok? Espero as opiniões de vocês!



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