Calypso

Nem mesmo o vento frio e noturno de New York era capaz de secar minhas lagrimas. Elas caiam pelas minhas bochechas quentes enquanto o cheiro de sangue, já sego, exalava de meu lábio inferior e enxia minhas narinas com o odor metálico. Eu não permitia que os soluços saíssem pela minha boca, os mantinha guardados dilacerando minha garganta. Deixei minha perna direita escorregar pelo parapeito da janela do meu quarto e me aconcheguei mais na mesma, encostando a cabeça no vidro e fechando os olhos, ainda molhados.

– Esta meio frio para ficar de pijama aqui fora não é? – Sorri fraca ao ouvir sua voz sempre divertida.

– Eu gosto do frio. – Respondi baixo, sem abrir os olhos.

Ele ficou um tempo sem responder, até eu ouvir o som de folhas e galhos se partindo. Senti sua mão quente em contraste ao meu corpo frio segurar o meu pulso. Abri os olhos e desencostei a cabeça, encarando os olhos castanhos de Leo Valdez.

– Vem. – Ele me puxou delicadamente e eu me permiti ser levada por ele até o seu quarto, onde eu sentei sobre a janela e fechei os olhos, deixando o calor repentino invadir meu corpo.

Leo sentou ao meu lado e colocou algo em minha mão. Eu abri os olhos e vi um aparelho MP3. Levantei uma sobrancelha para ele, o que me arrependi imediatamente ao sentir a dor do corte sobre a mesma. Leo franziu a testa, mas não demonstrou pena, seus olhos emitiam tristeza e eu não precisei perguntar para já saber que ele entendia. Suas mãos levemente calejadas pegaram os fones brancos do aparelho e ele colocou um cada ouvido meu, ligando-o logo em seguida. Uma melodia calma começou a tocar e eu deixei a musica escolhida por ele, Dreaming out Loud, invadir minha cabeça e preencher minhas lacunas. As lagrimas cessaram repentinamente e eu olhei para o lado, observando Leo, o qual encarava o outro lado de seu quarto.

A musica acabou, mas logo a mesma melodia voltou, e por o que pareceram horas, eu ouvi a mesma musica repetidas vezes, até que eu deitei a cabeça em seu ombro e fechei os olhos, e sem me importar, cantei sem nem mesmo ouvir a minha voz, deixando que toda aquela tristeza saísse de mim de outra forma que não por lagrimas.

Pausei a musica e continuei a cantar, me surpreendendo a ouvir a voz baixa e levemente pesada de Leo junto a mim. A sensação de peso que nos cercava parecia sair pela janela a cada palavra que pronunciávamos juntos, e quando a musica acabou pela centésima vez, somente a luz da lua preenchia o ar do quarto.

Eu sorri, sem me importar com a dor e levantei a cabeça, encarando os olhos divertidos de Leo Valdez.

– Eu sinto muito. – Ele falou baixo e eu arrepiei ao sentir sua respiração contra meu nariz.

Eu balancei a cabeça.

– Eu não. – Encarei seus olhos brilhantes. – Aprendi há muito tempo que coisas boas podem vir de certas catástrofes. É só ver o lado bom.

Ele suspirou pesadamente e levou uma das mãos a minha bochecha, acariciando-a com o polegar. Eu fechei os olhos e deixei seu carinho me tranquilizar. Senti seus lábios quentes beijarem o roxo em minha têmpora gelada. Abri os olhos e pude vê-lo com os lábios entre abertos antes de repetir o movimento e beijar o corte sobre a minha sobrancelha. Leo se afastou e olhou todos os meus machucados, parando no de meu lábio inferior. Sem pedir permissão, ele abaixou a cabeça e roçou os lábios sobre o meu, fazendo-me ofegar. Seu beijo era tão leve e tão doce, que eu desconfiava de não ser real. Ele se afastou e alterou o olhar entre minha boca e meus olhos.

– As coisas vão melhorar. Eu prometo que ainda vou te tirar daquela casa.

Abaixei o olhar.

– Não faça promessas que não pode cumprir.

Leo balançou a cabeça.

– Calypso. – Eu levantei o olhar. – Eu prometo que vou te tirar de lá. Seu pai nunca mais poderá fazer nada contra você.

Não respondi. Apenas voltei a deitar em seu ombro quente, permitindo momentaneamente que aquela esperança me preenchesse.

– Não quero estragar o momento. – Eu sorri fraco. – Mas não quero te trazer mais problemas. – Eu levantei a cabeça e o olhei triste. – Sei que o que aconteceu mais cedo foi por ele achar minha camisa no jardim... – Leo abaixou o olhar culpado. – Desculpe.

Eu toquei seu queixo e permite que um sorriso mais largo escapasse de mim.

– Não se desculpe por eu ter vomitado em você enquanto me trazia para casa bêbada. – Ele quis protestar, mas eu o interrompi. – E, além disso, foi mais por minha culpa. Eu falei de mais. – Continuei a sorrir. – Não me arrependo.

Ele assentiu levemente e deu um sorrisinho.

– Você canta muito bem.

Eu corei, não esperava pelo elogio.

– Obrigada.

Leo sorriu largamente e eu senti algo se acender dentro de mim. Retribui o sorriso e encostei minha testa na sua, deixando que o seu cheiro de sabão cobrisse o de sangue seco.

– Acho... – Ele falou em meio a um suspiro. – Que você deve ir. – Ele se afastou de mim e se levantou, estendendo-me suas mãos.

Eu abaixei o olhar e me levantei, aceitando sua ajuda. Andei até a janela e pulei sobre ela, subindo na arvore entre nossas cassas e descendo no parapeito de minha janela. Virei para encarar o garoto de cabelos encaracolados apoiado no próprio parapeito.

– Obrigada. – Ele assentiu e eu me virei, passando uma de minhas pernas para dentro do quarto.

– Hey. – Olhei para ele por cima do ombro. – Aqui – Ele jogou o MP3 e eu o peguei com a mão que não segurava na janela. Alternei meu olhar entre Leo e o aparelho. – Caso você precise sonhar um pouco.

Eu sorri junto dele e abracei o aparelho, pulando para dentro de meu quarto e caindo em minha cama em seguida. Deitada e ouvindo o mesmo som de piano anterior, eu senti minhas dores saindo de mim, deixando apenas a sensação de esperança e de conforto que Leo Valdez era capaz de instalar em mim.