POV JASON

Dois dias. E logo depois cinco. Pouco depois duas semanas. Esse era o período que ela estava sem falar comigo.

– Superman oxigenado! Se liga! – e então uma blusa fedorenta parou na minha cara.

– O que foi dessa vez, Leo?

– Eu estava te avisando que temos que limpar o quarto pra vistoria ou iremos passar o fim de semana lavando louças na cozinha.

– Beleza. – falei dando de ombros.

Outra blusa suja bateu na minha cara e eu olhei pra ele com raiva.

– Dá pra parar?! – exclamei.

– Por que você está tão gay ultimamente? Eu não aguento mais! A gente tem que repetir tudo duas vezes pra você, não pode fazer piadinha e você nem sequer liga pra o que acontece a sua volta.

– Eu só estou meio cansado.

– Você está sendo um idiota, sabia? – ele disse rindo.

“- Você é um idiota. Acredite na vadia, você já está fazendo isso.

Ela estava sendo dura demais e injusta também, mas era demais pra mim pensar que um dia ela beijou alguém que não fosse eu.

– Desculpa. - pedi a ela rezando mentalmente para que no final tudo desse certo.

– Quando você realmente estiver dizendo isso porque acredita e não porque tem medo de me perder venha falar comigo.

– Mas... – tentei em vão consertar as coisas.

– Tchau, Grace. – suspirou – Você é um idiota.”

– Na verdade, eu sou um idiota. – falei baixo.

– Abaixando o tom de voz? Cara, tem algo que aconteceu e eu não sei? – Leo falou se sentando em uma das camas próxima de mim.

– É a Piper.

– Iria ficar surpreso se não fosse. Você fala dela 50 horas por dia, e o dia só tem 24 horas. – ele riu, mas eu permaneci sério – Tá... Fala aí o que aconteceu pro tio Leo.

Sentei na ponta de uma cadeira puxada por mim.

– Aconteceu há um tempo atrás. Acho que tudo isso começou na enfermaria.

– Você quer dizer no local onde vocês estavam quase se pegando? – ele interrompeu.

– Pois é, quase. Porque um certo retardado me impediu de beijar ela, não é? –acusei ele que levantou as mãos pra cima risonho – Bom, mas continuando. Naquele dia, ela me disse que se pudesse ficaria com o Solace e eu pensei que fosse só pra me provocar.

– E não era?

– Não é o que a foto mostra. – falei pegando meu celular e mostrando a foto que eu salvei de modo masoquista em minha galeria.

– Ou o Will forçou o beijo nela ou deu um beliscão. – ele apontou – A menina fechou os olhos com tanta força que você vê rugas na pálpebra.

– Que seja. Mas por causa disso a gente brigou.

– Isso não é novidade, Jason.

– Mas antes eu conseguia contornar a situação e já faz mais de uma semana que ela nem sequer olha pra mim. Nem se for pra pedir caneta.

– E o que você vai fazer?

– Esperar, eu acho. Talvez quando a poeira abaixar...

– Quando a poeira abaixar você vai ver uma filinha de garotos querendo ficar com ela, cara. Sério, já perdi as contas de quantos chegam todo dia na mesa querendo agradar a Beauty Queen.

– Tantos assim? – ele só assentiu como se tentasse mandar um “foi mal”.

– Não é novidade que desde que ela chegou e se apresentou no palco qualquer um pôs ela na lista das mais gatas. - olhei pra ele vendo o gosto amargo que ficou na boca dele por descrever Pipes daquele jeito – Qual o plano?

– Que plano?

– Você vai deixar ela escapar desse jeito? Se fosse com Reyn...

– O que tem eu? – a voz de Reyna se projetou pero da porta do quarto que esquecêssemos de trancar.

Olhei pra Leo e ele olhou pra mim. Estávamos desesperados porque aquele era um papo de homem pra homem e se contássemos que estávamos falando de como mandar todos os pretendentes de Piper virarem a bunda pra receber o pontapé e fazer ela voltar pra mim, bom, é imprevisível saber se teremos seu apoio ou que com uma mensagem minha vida com Piper vai pra junto dos caras solteiros que cuidam de gatos de rua.

– Um cover! – falei falando a primeira coisa que veio pela minha cabeça.

Reyna encarou a mim e a Leo de jeito torto como se lesse nossa alma para depois enterrar sem dó nem piedade. Parecia uma rainha severa tentando aplicar a pena de morte para algum falso inocente que passou em sua frente.

– Cover? Por que um... cover?

– Porque eu disse que encontrei uns caras que cantam muito bem e agora ele diz que pode superar os caras. – Leo encobriu ficando cara a cara com ela na tentativa de sedução, um jogo de distração que usava muito quando o assunto era a minha amiga de tranças e olhos de gelo.

Ela sorriu. Definitivamente caíra nas palavras sussurradas do Valdez que me fizeram ser uma vela humana por alguns segundos. Mas agora ela estava sorrindo e eu podia apostar como havia um fundo de verdade no que ele dissera a ela.

– Posso cantar também? E talvez Piper também queira, não é mesmo, Jay? – ela olhou sugerindo algo. Leo estava corrompendo minha melhor amiga com toda certeza, mas eu não iria impedi-la de ser feliz como estava toda vez que pensava ou estava com ele.

– Seria legal, mas você avisa a ela e não diz que eu tô no meio.

– Ainda estão brigados? – ela arqueou as sobrancelhas e Leo beijou seu pescoço - Agora não, Valdez.

– Agora sim, Rey!

– Jason está aqui.

Ambos olham pra mim e eu percebo que só não pararam na cama só de roupas intimas, ou menos que isso, ainda porque teriam plateia, e eu era a plateia.

– Eu já estou de saída, tenho que passar na lanchonete e depois naquela sala com os instrumentos pra gravar o cover. Vejo vocês em uma hora lá no estúdio. – falei pegando meu casaco e batendo a porta.

Entrei no elevador e apertei a tecla de térreo checando meu celular. Talvez eu ainda houvesse alguma foto sua quando ainda não havia acontecido toda aquela confusão.

Demorou alguns segundos até que eu achasse quase no final da pasta. Ela ainda tinha seus recém completados 15 anos e já parecia a deusa da natureza. Uma deusa da natureza em seu escudo de timidez.

Setembro de 2012. A foto dizia em seus detalhes. Piper estava sentada numa mesa sozinha e afastada de todos do lado de fora e naquela época o clima já começava a esfriar, sua pele morena começava a corar pela baixa temperatura e ela lia concentrada um livro com um sorriso no rosto. Tão calma, tão pura e inocente que eu quis voltar no tempo e não ter feito nada do que fiz.

A porta de dentro se abriu, a de fora não.

Eu estou preso. Pensei tentando manter a calma tentando esquecer minha claustrofobia.

Apertei a tecla do segundo andar e fechei os olhos, aquilo não poderia estar acontecendo de jeito nenhum. Não agora com tudo fora do lugar.

Mais uma vez a porta de dentro abriu e eu vi os mecanismos da porta externa. Minha garganta fechou e o ar parecia não passar direito pelo meu nariz, a respiração estava escassa e as quatro paredes pareciam se encolher lentamente.

Merda! Merda! Merda! Xinguei a situação mentalmente apertando o botão do quinto andar, dois andares a cima do meu quarto. A mesma resposta.

Apertei seguidas vezes o botão de emergência e tentei fechar os olhos, mas eu já havia superado aquela fase e já não adiantava pensar em algo bom.

CLARO QUE DÁ IDIOTA! VAMOS! PENSE EM ALGUÉM QUE AMA! Minha consciência gritou.

Dakota. Meu melhor amigo há quase dois anos.

Meus olhos se espremeram tentando pensar em momentos felizes com um dos meus melhores amigos. Nada. O pânico me invadia cada vez mais rápido e eu dizia pra mim mesmo que eu sairia dali antes de enlouquecer.

Thalia. Minha irmã sempre foi muito próxima de mim.

Imagens bonitas e legais passaram pela minha cabeça e eu comecei a relaxar, até que veio a imagem daquela noite, a noite em que Zeus matou sua esposa, Thalia impotente no chão se sujando com o sangue de nossa mãe e as próprias lágrimas, e eu de pijama sem saber o que fazer olhando para a mulher com uma bala atravessando a garganta.

O horror da cena tirou toda a pequena paz que eu havia penado para conseguir. Tudo estava ficando abafado a minha volta e eu respirava cada vez mais pesado e olhando pra cima esperando que a saída de incêndio um metro maior que eu me trouxesse ar.

Piper. A garota que não saía da minha cabeça.

Um flash na minha mente veio rapidamente e todos os nossos beijos vieram, todas as fotos que eu tirei sem que ela percebesse e todas as cartas que eu escrevi descrevendo desde a sua mania de tencionar o maxilar quando pensa até o movimento que faz para alcançar notas agudas.

Apertei o botão lembrando de cada música que cantei pensando nela, de todos os xingamentos que ouvi Reyna e Leo falarem quando eu não conseguia parar de falar dela, do seu peso em meus braços cuidando da minha garotinha, tão forte e tentando não parecer frágil.

Sabia que a porta não abriria de novo, e foi isso que aconteceu, mas eu simplesmente escorreguei até o chão e continuei sorrindo bobo pensando em Pipes.

A porta de dentro se fechou rapidamente e o elevador foi indo pro andar debaixo até chegar ao térreo. Saí da caixa de metal em que estava graças a um garoto do primeiro ano ruivo e antes que entrasse avisei que quase fiquei preso lá dentro. O garoto virou para a direita e seu último ato visível foi abrir a porta da escada de incêndios.

Andei livremente até chegar ao refeitório me servindo com o que sobrou do almoço. Já havia comido, mas que se dane. O buffet era livre pra repetir.

Batatas fritas, arroz, salada, bacon, torta de maçã, purê de batatas e frango assado. Uma latinha de coca foi pega por mim no final e eu me sentei numa mesa perto da saída olhando para a televisão em algum programa de música, algo parecido com a MTV.

O clipe da Demi Lovato na parada gay começou logo depois da música do clipe da 1975. Eu não reconhecia a música por não ser fã do estilo musical, mas só precisava saber que a música era dela pra lembrar da primeira apresentação de Piper no internato.

Essa garota não sai da minha cabeça! Cada segundo que se passa eu olho pra grama e pendo nela, olho pra coca e penso nela, olho pra Drew e penso nela. Antes eu conseguia bloquear esses pensamentos porque apesar de me ignorar ela se dava ao trabalho de me mandar calar a boca, agora só lança Olhar Do Mal que aprende com Reyna nas horas livres.

Comi tudo que tinha no prato e saí bebericando a coca enquanto andava até o estúdio. Reyna disse que Piper poderia ir nos ajudar com o cover, e pela primeira vez não senti a sensação de que tudo daria errado ao inventar alguma desculpa sem estar na ponta da língua.

Cheguei ao estúdio mais devagar do que imaginei, mas deixei passar porque não conseguia me concentrar em nada e muitas vezes virava nos locais errados.

Relaxa, cara. Ela vai te perdoar. Ela tem que te perdoar. Falei mentalmente pra mim mesmo.

Abri a porta com cuidado e sentei no sofá esperando por Leo, Reyna e Piper que já deveriam estar aqui, e há muito tempo.

– Jay! – Reyna exclamou entrando na sala fora da zona de gravação – Esperamos você por muito tempo, então Piper e Leo decidiram aquecer a voz enquanto você não chegava.

– Sério?

– Sim, eles já estão gravando, você não viu? – ela andou até o painel confusa por eu não saber daquilo – Idiota, você nem ligou o botão pra escutar externamente. Quanta inteligência, Grace.

Ela apertou o botão e aumentou o volume da mixagem para eu escutar melhor.

– Heart beats fast
Colors and promises
How to be brave
How can I love when I'm afraid to fall
But watching you stand alone
All of my doubt suddenly goes away somehow
One step closer – ouvi a melodiosa voz de Piper começar com uma accapela.

A música começou om a batida de um violão e eu não sabia quem estava tocando, Leo e Piper tocavam violão.

– I have died everyday waiting for you
Darling don't be afraid I have loved you
For a thousand years
I'll love you for a thousand more – Leo pontuou sua voz junto a de Piper e pareciam incrivelmente bem afinados, a harmonia fazia efeito ali. Não era possível ver desvendar algum dos dois subindo ou descendo o tom.

O segundo violão começou a tocar num tom mais baixo que o primeiro. Eles não sabiam tocar piano, então tentavam copiar usando dois violões. Ousado, devo admitir.

Levantei do sofá que me deixava alheio a toda a química corporal deles ao cantar e me pus do lado de Reyna que via tudo tentando prestar atenção na música em conjunto sem focar no namorado/ficante/sei lá o que eles são.

–Time stands still
Beauty in all she is
I will be brave
I will not let anything take away
What's standing in front of me
Every breath
Every hour has come to this
One step closer – Leo cantou em pé olhando para Piper com ternura e paixão. Ela estava sentada com os olhos fechados e os abriu justamente quando Leo olhou dentro de seus olhos. Pareciam um... Um casal.

As batatas fritas fizeram o papel de uma batedeira de ovos no meu estomago e eu respirei fundo tentando não demonstrar o quanto aquilo me quebrava por dentro.

Permanecer forte.

Leo largou o violão e jogou o de Piper pro lado levantando a garota da cadeira e a rodando pelo espaço livre.

– I have died everyday waiting for you
Darling don't be afraid I have loved you
For a thousand years... – não esperei para ver o desfecho do refrão e saí do local dizendo que estava com claustrofobia e precisava de ar.

O q eu faço?

Cara, ela está lá e com meu melhor amigo aqui!

O q eu faço?

Eu só quero sair daqui!!

Então saia

Aquela resposta foi a conclusão de tudo. Ele tinha razão, eu precisava sair dali e depois daria alguma desculpa dizendo que tive uma emergência.

Voltei para o estúdio e avisei que não podia continuar ali saindo sem deixar Reyna ler minhas expressões corporais como costuma fazer.

– OK. – ela falou por fim – Aviso a eles que esteve aqui?

– Não precisa. Eles podem ficar magoados achando que eu não gostei do cover deles.

– E o que eu digo, então?

– Não diz nada. – respondi rápido – Depois eu me entendo com eles. Tchau, Rey.

And all along I believed I would find you
Time has brought your heart to me
I have loved you for a thousand years
I love you for a thousand more

One step closer
One step closer

Meu cérebro me atormentava rebobinando a música viral do ano retrasado e eu respirava fundo até chegar no meu quarto e escrever toda a dor que senti nem que antes tivesse que arrumar todo o quarto que, claramente, Leo deixara pra depois.

Ela não merece gostar de você, Grace. Prove a ela que gosta. Prove!

Prove! Prove! Prove!

X X X

Era fim de tarde e tudo em que eu pensei foi ver o pôr do sol no cais do internato. Ao chegar lá tudo o que vejo é Piper chorando enquanto suas lágrimas caem na água cristalina.

Me aproximo e a admiro por trás.

– Sabe, eu nunca pensei que chegaria pra você e diria que você não merece chorar por coisas assim.

– Você ao menos faz ideia do porquê de eu estar chorando? – ela me pergunta ainda abalada.

– Pelo fato de eu ter feito aquilo com você? Por eu ser um completo babaca?

– Não. – ela falou me surpreendendo – É pelo fato de nós dois sabermos que agora poderíamos estar de outro jeito se não fosse nosso passado.

Apenas assenti pra ela. Eu já que fui um burro em relação ás minhas escolhas e vê-la ali foi apenas a confirmação disso.

– Eu posso te mostrar que você vai ter orgulho de mim, que vai voltar a ser minha.

– Duvido. – resmungou limpando bruscamente os resquícios de lágrimas.

– Eu juro que consigo.

– Prove. – ela pediu indo embora.

– Pode deixar, McLean. – respondi pra mim mesmo.

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