A Areia Vermelha escrita por Phantom Lord


Capítulo 30
Capítulo 28, Impacto Negativo




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É a primeira vez em que vejo a Capital tão quieta e silenciosa. Em outras edições do Caesar Flickerman Show, os convidados eram ansiosamente aguardados pelos cidadãos eufóricos e empolgados. Mas não desta vez. Quando eu olho das passarelas de ferro sobre o palco para o auditório, vejo apenas rostos preocupados, desconfiados, amedrontados. Como se aquilo fosse uma audição para decidir seus destinos. A maioria está confusa com a convocação de última hora e não entendem o porquê da entrevista com Peeta Mellark. E porquê a amada Katniss Everdeen não está com ele? São essas as terríveis questões que se passam em suas cabeças.

Os holofotes começam a brilhar quando Caesar entra no palco. Ele também não parece estar empolgado com essa edição, porque só acena e força um sorriso congelado em seu rosto. Há um breve tempo em que Peeta entra no palco e tem alguns segundos para se sentar na cadeira de convidado antes que a câmera recue e mostre seu rosto sério e lívido, restaurado para que nesta noite ele pudesse parecer ter sido o mais bem tratado possível. A Capital é ingênua e se entrega ao discurso que Mellark faz. Ele me impressiona. Em sua voz há convicção e ele consegue projetar tudo o que eu pedi a ele. A minha imagem de vilão rui enquanto ele fala, e eu me torno o presidente que defende a estabilidade de Panem. E ele termina sugerindo que só o que eu fiz a ele foi enclausurá-lo em um quarto para que ele fizesse castelos de cartas. Brilhante. Ele realmente sabe o que tem que fazer. E faz isso com maestria.

Peeta é impactante, comovente e convincente. Quando a entrevista termina, eu olho para o auditório e vejo que as expressões mudaram. As pessoas estão à beira das lágrimas, soluçantes. Algumas pensativas. Seus ruídos são abafados pela música que toca quando Caesar encerra o programa e ele também está reflexivo. Os portões de evacuação são abertos e os cidadãos se levantam, muito sensibilizados e começam a se deslocar para fora.

* * *

_ Muito bem._ sorrio para Peeta quando nos encontramos novamente em meu gabinete._ Muito bem mesmo.

_ Resgate a Katniss._ ele diz quase rosnando para mim enquanto eu o encaro com um sorriso que aos poucos se disfaz.

Eu vou até a janela e olho lá para fora. Consigo ver parcialmente a minha mansão, se erguendo acima da colina. Um suspiro e eu tenho as palavras certas para dizer a ele.

_ O resgate de Katniss acontecerá no momento certo. Mas no primeiro momento, temos que aguardar a repercussão de seu discurso. Esperar reações. É assim que agimos, meu rapaz.

Peeta hesita, me encarando com um olhar que mescla raiva e uma indesejada concordância. Ele finalmente se senta na cadeira em frente à minha mesa e eu me viro para encará-lo.

_ Como um prêmio por sua dedicação, eu tenho um presente para você._ murmuro o mais suavemente que posso e soa agradável a quaisquer ouvidos.

Instantes depois dou a ordem para que dois homens de Gondry tragam-na até meu gabinete. Quando eles aparecem, Peeta demora um tempo para reconhecê-la. As roupas que outrora foram exageros da Capital agora eram apenas um terrível pijama listrado. A pele artificialmente clareada estava coberta de manchas. Os olhos inchados e vermelhos de um choro infindável. E cabelos loiros em cachos desgranhados, caindo sobre os ombros. Sem peruca. Sem maquiagem. Sem luxo. O trabalho de Cecille estava desfeito e ela voltara a ser uma garotinha. Effie Trinket tornara-se novamente Effigene Dorner. A garota órfã cujos pais eram Avoxes.

_ Peeta!_ ela disse saltando para ele. Ainda preservava alguns traços de cidadã da Capital. Mas sua voz era embargada e infeliz. E todo artificialismo de seus movimentos, cada olhar me fazia reconhecer que ela perdera muito de Effie Trinket e recuperara muito de Effigene Dorner.

Os dois se abraçaram brevemente até que a mulher se recuperou na minha presença. Seus braços magros se entrelaçaram e ela baixou o olhar, incapaz de me encarar.

_ Olá, Effie._ eu a cumprimento.

_ Senhor presidente._ ela me responde com um gesto de reverência, ainda sem me olhar.

_ Vocês dois ficarão alojados em segurança no prédio da Central de Segurança Nacional. Peeta...precisarei de você amanhã. Faremos um comercial. Juntos. Será histórico, não concorda?

Espero uma resposta arrogante, mas ele simplesmente acena com a cabeça, parecendo aliviado em ver um rosto amigo. Eu o observo e começo a notar que ele não pode parar de olhar para Effigene, agora que ela parece tão menos capitalina.

Depois de uma breve conversa, os dois são conduzidos para fora e Gondry aparece para me dar alguma notícia urgente.

_ A Mansão está segura, senhor. Podemos fazer a transferência imediatamente.

_ Ótimo.

Eu concordo e em alguns minutos, estou viajando de volta para a mansão no topo da colina. De algum modo, ela se tornou mais sombria. Como se fosse habitada por velhos espíritos dos quais tenho medo. A Mansão, de alguma forma, reflete revolução. E temo por perder meu entusiasmo ao voltar para ela. No entanto, agora não existe lugar mais seguro que minha casa. O sistema foi desmontado e remontado para que não houvessem espionagens novamente. Ninguém entra ou sai sem autorização. A casa tem armas escondidas e um novo sistema de segurança pode disparar a qualquer momento contra suspeitos. Estou invulnerável, segundo Gondry. Mas ainda assim, tudo ali parece muito menos seguro do que já foi um dia.

Decido entrar pela porta da frente, para ver meus jardins. O gramado está bem cuidado, flores crescem, brilhando contra a luz da noite. Mas a própria Mansão está deserta. Vazia. Silenciosa. E escura. Quando empurro as pesadas portas de ferro e vidro, me deparo com o gigantesco salão principal. Está inundado pelo breu. Pois esteve inabitável por alguns dias. Dias suficientes para transformá-la numa mansão assombrada.

Levam poucos dias até que tudo esteja em seu devido lugar, novamente. A Mansão volta a ser habitada. Eu dedico parte do meu dia à fazer propagandas com Peeta na TV, autorizo o avanço das tropas da Capital contra rebeldes e o tempo restante, passo meditando em meus jardins particulares e na minha estufa secreta. Aparando minhas rosas. Cuidando delas. E pensando.

Tudo parece voltar lentamente ao normal. Estou agradecido porque até agora, o único grande avanço dos rebeldes só aconteceu no Distrito Oito. E lá é o foco de nossos ataques. Quanto à Peeta, ele passa a maior parte do tempo lendo na biblioteca da Mansão. Agora ele possui liberdade. Uma liberdade parcial, é claro, agora que ambos somos obrigados a nos tratar como aliados. Vez ou outra nos encontramos nos corredores, e ele me acompanha em uma marcha lenta pelos jardins da Mansão ou pelos corredores largos, nas manhãs. É tranquilizador.

Fico ainda mais satisfeito em ver que ele parece confortável, estando distante da revolução. Ele, é claro, não tem nenhuma notícia do que está acontecendo lá fora, e embora o fogo esteja devorando os grupos de revolucionários, ele pensa que sua entrevista foi absolutamente eficaz e freou a revolução. Isso se confirma quando ele se dirige ao meu gabinete e mais uma vez me pergunta sobre o resgate de Katniss. Dou-lhe explicações razoáveis e ele reage com desconfiança, embora muito menos arrogante do que das últimas vezes.

Até que Gondry entra desesperadamente em meu gabinete. Ele corre até a minha mesa, assustando a mim e a Peeta. Entre as mãos, ele traz uma pilha de relatórios e o mais espesso entre eles vem do 8.

_ Presidente Snow. Aqui._ ele indica com o dedo uma parte do relatório e sou obrigado a ler, mesmo irritado com sua abrupta chegada.

O que consigo ler é apenas uma parte do relatório, com fragmentos das últimas comunicações de pilotos e soldados pacificadores que estiveram combatendo rebeldes no 8. Entre as citações, vejo que um dos pilotos gritou "Ela está aqui!", antes que o aerobarco fosse abatido com armas de grande escala explosiva. Não suporto olhar nem mais um segundo para o papel. Afasto-o enquanto a compreensão iminente me alcança. Peeta percebe que algo me atingiu e seus olhos se esgueiram para espiar o papel brevemente ante de ser repreendido por Gondry. Eu estou sem palavras, me preparando para compreender o significado daquilo.

_ Aconteceu alguma coisa?_ Peeta me pergunta.

Não o respondo. Apenas ordeno que Gondry ligue a TV. Em exatos três minutos, a quarta de várias reprises de um propos rebelde começa a ser transmitida por alguma Linha Intrusa, obviamente controlada por revolucionários.

Primeiro, o telão está negro. Até que uma centelha brilha na escuridão e cresce, se espalhando sobre a tela até que o broche de Katniss surge. Ardendo em chamas enquanto uma música toca ao fundo. O tordo aperta uma flecha entre o bico, enquanto o anel que o envolve está coberto de fogo. Mas logo o pássaro se inclina e toma um brilho poderoso, a flecha sumindo entre as chamas. Atrás dele, o anel se torna um aro com uma espécie de grade. Como se ele estivesse trancado. Preso numa gaiola. Então o tordo se estica e bate suas asas, expandindo as chamas, fazendo com que elas consumam a grade. Até que ele gloriosamente abre as asas, destruindo o anel que o cercava, transformando-o em destroços ao fundo.

"Katniss Everdeen, a garota em chamas, continua queimando." ouço uma voz familiar anunciar. É Claudius Templesmith.

E então ela aparece. Penso que ela deve estar sendo muito bem treinada no Treze porque pela primeira vez, ela está atuando bem. Ou talvez, a ferocidade que ela usa ao falar seja real.

"Eu quero dizer aos rebeldes que estou viva. Que eu estou aqui no Distrito Oito, onde a Capital acabou de bombardear um hospital, cheio de homens desarmados, mulheres e crianças. Não houve sobreviventes."

A imagem de um hospital em chamas surge na tela. O prédio está em ruínas, devastado pelas chamas enquanto flâmulas ainda ardem no topo, saindo pelas janelas, brilhando nos telhados derretidos.

"Quero dizer às pessoas que se vocês pensam por um segundo na Capital nos tratando de forma justa, se houver um cessar-fogo, você está se iludindo. Porque você sabe quem eles são e o que fazem. Isso é o que fazem! E devemos lutar de volta!"

Uma sucessão de imagens se projeta com um efeito assustador. Uma chuva de bombas, disparos certeiros contra aerobarcos, sangue e feridas.

"Presidente Snow diz que ele está enviando uma mensagem? Bem, eu tenho uma para ele. Você pode nos torturar, nos bombardear e queimar nossos distritos, mas você vê isso?"

Agora a câmera se move em direção às ruínas de um aerobarco da Capital. O metal está rugindo enquanto derrete, mas ainda é possível ver o brasão na asa, ardendo em chamas.

"Está pegando fogo! E se nos queimarmos, você queima conosco!"

A tela explode em chamas, assustando todos na sala com um efeito surpreendente de realismo. Letras negras crescem dentre as chamas e se expandem até ocupar quase toda a tela.

"SE NÓS QUEIMARMOS, VOCÊ QUEIMA CONOSCO"

E as letras entram num colapso infernal de fogo até que elas se consomem e a tela volta a ficar negra. Estou preocupado e arrasado e Gondry parece simplesmente abalado demais para dizer qualquer coisa. Mas nenhum de nós dois se compara à Peeta. Em seu rosto, eu vejo não admiração ou impressionismo. O único efeito causado nele por aquele propos foi o horror.


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Notas finais do capítulo

Peço desculpas por não poder postar antes. Infelizmente, eu não pude colocar a entrevista entre o Peeta e o Caesar no capítulo, mas compensei isso com o final, em que mostro o propos. Se observarem, vão notar que a introdução onde aparece o tordo, depois ele preso na gaiola e enfim se libertando nada mais é do que as ilustrações das capas dos três livros da saga! Espero que vocês tenham gostado desse capítulo. ^^



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