A Areia Vermelha escrita por Phantom Lord


Capítulo 29
Capítulo 27, O Novo Aliado




Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/441575/chapter/29

_ Bombardeio? O senhor...o senhor fala sério?_ indaga Robin.

_ Seria arriscado, senhor presidente._ me adverte a mulher loura com a farda branca dos pacificadores.

_ É claro que falo sério._ eu digo.

Os dois se entreolham e saem do meu gabinete provisório, deixando-me as sós enquanto eu esfrego minha testa e penso em outros assuntos. Muitos me ocorrem até que um realmente importante se destaca em minha memória. Minha mão voa até o telefone implantado na escrivaninha e eu pressiono os números correspondentes à Central Segurança Nacional.

_ Gondry._ identifica-se uma voz do outro lado da linha.

_ Você fez o que eu mandei?

_ Exatamente como pediu, presidente. Mellark está encarcerado nos subterrâneos do prédio, mas não conseguiram arrancar nada dele. Ainda.

_ Ele não dirá, Gondry, a menos que sejam convincentes. Já usaram as teleguiadas?

_ Algumas, senhor, mas o efeito ainda não foi forte o bastante.

Meia hora mais tarde eu estou de pé numa sala escura de paredes, piso e teto estofado com almofadas sintéticas, como uma daquelas celas antigas que denominavam solitárias. Apenas uma lâmpada de luz fraca e amarela pende do teto sob um Peeta esgotado e desesperado, amarrado em um cadeirão de ferro. As roupas que ele usa ainda são as mesmas que usava no dia da “Libertação do Tordo” da arena temporal. O contraste entre nós é longo, pois eu uso um elegante terno azul-marinho, e a rosa branca voltou a decorar minha lapela.

_ Olá, Peeta._ eu digo num tom sonoro, mas o rapaz apenas ergue a cabeça e me encara de um modo estranho. Eu suponho que seja o efeito de algumas ferroadas de teleguiada e então me viro para Gondry._ Deixe-me com ele. E traga-me uma cadeira.

O chefe da Segurança me obedece e eu me sento em frente ao cadeirão de ferro para encarar Peeta. Sinto nojo pelo cheiro que ele exala pelos dias trancafiado nas masmorras, sem banho, sem higiene alguma. Minha boca se enche de sangue e eu o cuspo fora.

_ Uhhr. Você está fedendo, meu rapaz.

Ele continua em silêncio, o olhar oscilando entre meu rosto e as próprias coxas, onde o tecido da roupa de tributo está rasgado e a pele branca e cheia de cicatrizes aparece.

_ Sabe tão bem quanto eu que isso pode terminar. Pode terminar, Peeta. Não sofra mais._ digo, tentando ignorar o odor repulsivo._ Conte-me.

Peeta se endireita na cadeira com gestos lentos e doloridos, fazendo careta. Finalmente ele consegue ficar de frente para mim. Nossos rostos estão a centímetros e ele abre a boca para dizer algo. Ele vai dizer. Vai dizer.

_ Ka...Kat...Niss...

_ Katniss? Sim, fale-me mais. Fale sobre o que você sabe, Peeta.

E, para minha surpresa, Peeta começa a chorar. Chorar como uma criança. Esperneando e gritando por ela. Eu me levanto e Gondry reaparece para segurar Peeta e dar-lhe bofetadas na cara.

_ Pare!_ eu ordeno, surpreendentemente zangado._ Pare, Gondry!

O chefe da Segurança me encara, sem expressão. Mas somente quando eu lhe determino sua próxima tarefa é que ele parece incrédulo. Espantado. E seus olhos lampejam em minha direção e na de Peeta, como se não soubesse quem estava mais louco.

_ Lave Peeta._ eu lhe digo._ Dê-lhe todo o conforto que dariam a um convidado especial meu. Quem o ferir, quem o insultar, será declarado como Inimigo do Estado.

_ Senhor?_ Gondry procura por explicações, mas eu apenas faço um gesto para que ele se afaste.

E de fato, embora muito contrariado, Gondry apresenta-me um Peeta são e muito bem cuidado, na manhã seguinte. Ele tem os cabelos loiros cortados e alinhados. A barba está feita. A pele recebeu algum tipo de tratamento especial. Mas a expressão em seu rosto...ainda é de dor. De perda.

Nós somos deixados as sós, em meu gabinete provisório. Nos encaramos enquanto tomamos chá com leite e pães de mel, ele portando-se como um verdadeiro cavalheiro, como o convidado que é. Mas ele não termina o próprio chá, apenas põe a xícara sobre minha mesa e olha para o redor do teto. Ele procura pelas câmeras. E elas estão lá, vigilantes. Estamos sozinhos. Mas os olhos estão em toda a parte e do outro lado das portas, três pares de seguranças pessoais do presidente estão prontos para entrar a qualquer instante. Eu o observo com curiosidade, virando mais um gole de chá em minha boca, até que ele se volta para mim, e com uma voz rouca, murmura:

_ Por quê?

Dou de ombros e termino meu chá, colocando a xícara na mesa também.

_ Porque eu queria lhe dar essa chance, meu rapaz. Ver você chamando por ela quando ela te abandonou, isso doeu em mim. De verdade.

_ Ela não me abandonou._ ele retorque numa tentativa fraca de ser frio, mas não parece realmente convencido disso._ Ela foi levada. Em segurança.

_ E deixou-o para trás._ continuo._ Você não vê, Peeta? Descartável. Você é descartável. Um instrumento que já foi usado como deveria. E agora, deixado para mim.

Ele baixa o olhar e posso ouvir sua confusão, sua tentativa de não se deixar convencer daquilo. O Peeta apaixonado lutando furiosamente contra o Peeta abandonado e furioso.

_ Mas eu tive piedade, meu rapaz. Eu não quis lhe fazer mal. Jamais. Você já foi uma pedra em meu sapato. Mas se for bem lapidado, pode decorar o anel na minha mão direita.

_ O que quer dizer?_ ele pergunta, mal me encarando.

_ Quero dizer_ começo a explicá-lo como faria com uma criança pequena._ que não ouso deixá-lo para a morte, sendo você um rapaz tão precioso, tão inteligente. Vamos, Peeta. Quero que você seja meu amigo.

Seus olhos estão me encarando. Fixos em mim, agora, com temor, mas vejo algo brilhar no fundo de sua mente. Imagino que ele esteja considerando a oportunidade e estendo para ele o pratinho com trufas. Pelo modo como ele às devora, esteve desesperado por um pouco de comida e mesmo já tendo comido antes de se encontrar comigo, vê-la de novo depois de passar tanta fome desperta em Peeta um instinto de selvageria.

_ Pense em tudo o que poderia ter. Pense em quem você seria. Sabe, eu não tenho herdeiros legítimos, a não ser minha pobre neta...Catelyn. Ela não tem cabeça para política. Gosta do estilo pitoresco da Capital.

Eu suspiro brevemente e olho para o brasão pesado de bronze de Panem que jaz sobre a lareira.

_ E o próximo na linha de sucessão poderia ser alguém indicado por mim. Eu vejo em você, Peeta, o mesmo espírito jovem e desesperado que eu possuía quando era um rapaz. O zelo pelas causas nobres. O amor infindável.

Peeta pensa em me responder algo e pelo modo como seu rosto se contrai, eu espero um xingamento. Mas ele hesita, e continua a me encarar.

_ Ora...pense, Peeta! Você teria Panem nas mãos! Seria o próximo presidente! Viveria aqui, na Capital, a cidade dos sonhos e das luzes. E ver seu desejo se realizando.

_ Meu desejo..._ Peeta começa, usando um tom rígido, mas eu o corto logo. Com as palavras certas. Suficientes para transpassá-lo. Suficientes para alcançar onde eu queria.

_ Seu desejo é a paz, viver em paz! Ao lado de Katniss! Isso poderia acontecer, Peeta. Isso poderia, se quisesse, mas depende mais de você do que de qualquer um agora, meu amigo. Depende de você!

Peeta olha para a mesa e se inclina sobre ela, seus olhos muito azuis fitando-me num estado entre a desconfiança e a cordialidade.

_ E o que, presidente Snow, você quer em troca disso?

Eu sorrio finalmente e me aproximo de Peeta, inclinando-me sobre a mesa também.

_ Você vai ao Caesar Flickerman Show, hoje à noite. Quero que vá lá e diga a verdade. Quero que diga o que essa guerra significaria. O que essa revolução significaria, Peeta. Já houve morte demais. Dor demais, para os dois lados. Onde isso vai parar?

Peeta não se move. Apenas parece estupefato em reconhecer que eu compartilho dessa opinião. Porém, sei que em breve ele vai se dar conta de que essas palavras, acima de tudo, significam que eu quero manter meu poder. Sem guerras, sem derrotas e tudo continua. A revolução morre. E isso o fará recuar.

Eu hesito para analisar as palavras certas e digo a ele:

_ Diga às pessoas de que você foi uma vítima. De que Katniss foi uma vítima. Esclareça, Peeta. As pessoas aqui na Capital não a entendem, estão horrorizadas com o comportamento dela! Façam com que eles entendam. Acenda a luz em suas cabeças escuras. Se Katniss for perdoada, ela estará a salvo. E você, pode ser perdoado também. É só fazer o que eu lhe recomendei e tudo ficará bem.

Ele se permite pensar por alguns minutos e eu o aguardo silenciosamente, servindo-me de mais chá, fingindo admirar o bronze lustrado do brasão enquanto espero uma reação positiva. Então Peeta se ergue e com uma expressão séria, afunda o punho na escrivaninha.

_ Eu farei. Mais se Katniss...Se Katniss..._ele suspira para evitar dizer._ Se algo acontecer com ela, eu mato você nem que seja a última coisa que eu faça em vida.

Eu olho para as câmeras, escondendo meu nariz e boca sob a xícara. Depois vejo Peeta olhar na mesma direção e ele se afasta enquanto as portas se entreabrem e Gondry me pergunta se tudo está bem.

_ Sim, está, Gondry. Obrigado.

A porta torna a se fechar e eu fito Peeta, mal percebendo que estou sorrindo pela primeira vez em tempos, tão sinceramente e orgulhosamente pelo meu triunfo.

_ Tem a minha palavra de que nada acontecerá a ela se houver um cessar-fogo, Peeta. Cumpra com a sua parte. Faça um discurso emocionante. E eu me encarrego do resto. E você terá a senhorita Everdeen ao seu lado, mais uma vez, como tem sonhado.

Finalmente, Peeta é levado para os laboratórios onde mais tratamentos de beleza serão feitos até que ele fique polido o suficiente para parecer ter sido bem tratado por todo esse tempo. Ele é incomparável com palavras e está determinado a salvar a pele de Katniss. Isso parece ser o suficiente para mim, e quando ele deixa meu gabinete, eu ainda estou sorrindo.

Aí está. Algo que surpreenderá os furões do Distrito Treze. Peeta Mellark acaba de se tornar meu mais novo aliado.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!




Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "A Areia Vermelha" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.