Dare To Dream escrita por Amy Ellie


Capítulo 3
O Recital


Notas iniciais do capítulo

Obrigada a todos que estão lendo, que comentaram, elogiaram, favoritaram. Vocês me motivam a continuar escrevendo. Obrigada mesmo e boa leitura!
*Capítulo modificado, tirei trechos que agora estão no capítulo 4 ainda em itálico, mais explicações nas notas finais.



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Todos estão parados em pé no jardim da praça central, separados por idade, os mais novos primeiro, adultos em volta da área, virados para um palco à frente. Os grupos conversam em voz baixa, os sussurros juntos transformam-se em um barulho irritante para mim, causando uma dor latente em minha cabeça. Logo, um senhor de meia idade com cabelos tingidos em um terno, com a cara fechada salientando suas rugas, resmunga ao microfone para pedir silêncio e ter toda a atenção voltada para si. Em questão de segundos todos se calam e endireitam a postura.

– Podemos começar – o presidente avisa a alguém ao longe, na sala de controles. E uma música começa a tocar. O Hino de Quod.

O Recital é um evento semanal, em que é lido o Manifesto. Não é como um recital de poesia, mas para os fanáticos, o Manifesto é como o mais belo dos poemas.

A música para aos 30 segundos. Eles não gostam de perder seu precioso tempo, e além disso já sabemos de cor todas as palavras sobre lealdade ao país, ao estado, a sociedade e tudo mais. Talvez também não considerem que o dia seja de tanta importância, só mais um dia seguindo a rotina. Então vão direto ao ponto.

O Manifesto

"Nos reunimos aqui novamente, como sempre iremos…"

"Infelizmente", é o que diz a face do orador, como se dissesse "poderia fazer algo de mais utilidade ao invés de ler esse texto toda a semana, se soubessem agir direito."

"…para ler o documento que revela as intenções do país e do Estado diante do comportamento da sociedade.

A diferença entre o ser humano e os animais é a capacidade do pensamento. Como seres racionais, podemos e devemos pensar antes de agir. Como um dom, devemos saber controlar nossos pensamentos diante de nossas ações. Devemos ser lógicos e racionais.

Se agíssemos pela emoção iríamos causar discórdia. E a guerra do passado voltaria para destruir tudo o que acreditamos. Se houvessem emoções como tristeza e felicidade ou amor e ódio, estaríamos uns contra os outros. Porque isso são as emoções, elas se contradizem. Enquanto uns estariam amando ou felizes, outros estariam odiando ou tristes. Isso geraria inveja, e outros tantos sentimentos que devemos agradecer não ter.

A mente deve sempre estar acima da emoção, não devemos agir por instinto ou intuição, devemos ser realistas e racionais. E assim viveremos em paz.

E aqueles que não concordam em viver nessas condições devem ser punidos e exilados."

E então entram os homens de preto da patrulha com umas quinze pessoas. Entre elas estão crianças a partir de treze anos, algumas da minha idade, outras mais velhas. Adultos frágeis, rebeldes e idosos com doenças mentais. Todos estão vestidos com um macacão branco, a roupa dos condenados.

"Desde o nascimento até os cinco anos a criança deve ser livre, para aprender com os seus erros mais tarde.

Com seis anos a criança deve passar pelo processo de crescimento, tendo o conhecimento das consequências de seus atos inconscientes da primeira infância."

Lembro de estar numa ampla sala no instituto. Na verdade não tem como esquecer. Sentada numa cadeira com aparelhos em minha cabeça. Visualizava imagens de quando eu chorava, brincava, brigava com meu irmão. Depois foi quando percebi sua mudança, ele fez seis anos e eu tinha quatro, e não agia mais diante das minhas ações. Ele ficava com uma expressão paralisada, olhando para mim como se olhasse para o nada, sério e sem dizer uma palavra até que eu parasse de gritar e de chorar. Agora entendo porque ele agia daquela forma, ele já tinha passado pelo o que eu teria que passar depois disso.

Choques, e avisos dolorosos, como lição para não cometer os mesmos erros. Para não agir com emoção. Então foi quando fiquei mais sensível e passei pelos piores dias da minha vida, pelo menos era o que eu pensava que eram na época. Não sei mais diferenciar os piores e os melhores. Me afastaram de meus pais por uma semana que pareceram meses e isso me fez ficar mais e mais dolorida emocionalmente. Pensava que nunca voltaria a ver minha família. Fizeram diversos testes em mim, testes que me deixaram em estado de choque. Fui mandada de volta para casa, pensaram que tinham me concertado, que não poderia nunca mais sentir emoção.

Estavam errados. Eu posso sentir, mas o poder e as consequências sobre mim me fazem enterrar todas as emoções ao fundo. Nunca sei quando elas vêm à tona, só que virão em grandes proporções. Como na noite do pesadelo, foi a única vez.

Tremo diante da imagem das pessoas em branco, poderia ser eu ali. Uma caixa preta é colocada diante do palco enquanto o orador continua o discurso.

"Dos sete aos treze anos a criança deve aprender a controlar suas emoções e reprimi-las totalmente. Dos treze aos dezessete anos são treinados a lutar e então ao se formarem devem passar pelo teste que definirá seu papel na sociedade, são treinados por meio de estágios na área. Enfim aos vinte anos são considerados cidadãos racionais de Quod."

Somente adulto, quando servem para o país que são considerados cidadãos, antes disso é algo como treinamento para se tornar um cidadão. Somos como máquinas que eles acham que podem dizer o que fazer, dizer como agir. Mas eles tem a certeza que podem, o governo nunca "acha" coisa alguma.

Os idosos, quando não podem mais se defender, se tiverem uma doença incurável ou por não serem mais úteis, são submetidos à morte, um sacrifício que assinaram quando jovens.

O flash branco no centro da caixa preta acende.

"Aqueles que não aprenderam a viver de acordo com as leis devem aceitar as consequências e aceitar o seu destino."

Há quatro destinos: três para os infratores e um para os que dão o passo à frente.

– Dê um passo a frente se você é corajoso o suficiente para enfrentar o desconhecido, se é corajoso o suficiente para querer mudar de distrito. Se quer se mudar para Animus dê um passo a frente.

O presidente diz as palavras como um desafio. Ninguém mexe um músculo. Fecho minhas mãos com tanta força que minhas unhas cravam machucando a palma da mão. “Eu tenho coragem, eu tenho!” Quero gritar, quero mover a minha perna. A parte de "enfrentar o desconhecido" transmite adrenalina ao meu corpo. Eu enfrentaria o que fosse, só que uma parte de mim é insegura demais para dar o passo a frente.

– Como sempre, como esperado – ele continua com um sorriso vitorioso.

Nunca ninguém deu o passo a frente. Seria uma forma das pessoas se salvarem de seus destinos como condenadas. Apesar que nunca revelaram o que teríamos de enfrentar para passar pro outro lado do muro, não há como saber qual o melhor destino. Talvez nenhum seja.

Um por um dos condenados são direcionados à frente da caixa preta. O flash durante 5 segundos muda de cor rapidamente, a cor que paralisa queima o rosto do condenado como uma tatuagem. O rosto é colocado num suporte para não mexer enquanto queima, nada impede com que gritem de dor. A tatuagem é uma estrela de cinco pontas de três centímetros abaixo do olho esquerdo, na parte funda onde os olhos estão marcados naturalmente por olheiras.

Com o flash à minha frente, mesmo a metros de distância, meu rosto parece queimar. Ao ver o primeiro condenado sair em direção a um edifício de poucos andares cinza, com a estrela vermelha tatuada, sinto uma espécie de medo, o tremor a percorrer meu corpo. Firmo meus pés no chão, já fui muitas vezes àquele prédio, é horrível. Algo me diz que hoje será pior, minha cabeça lateja com mais força. Vermelho é tortura.

Cinco pessoas são selecionadas com a cor azul para lutarem até a morte uns contra os outros até que sobre apenas um vencedor. O vencedor é perdoado de seus erros e é convidado a voltar a viver uma vida normal. Nunca existiu um vencedor, sempre quem sobra fica louco, culpado por seus atos, e recusa o prêmio. Todos preferem morrer.

A outra cor é laranja. Define os servos da cidade, aqueles que trabalharão em funções que ninguém quer trabalhar. Trabalho escravo.

Todos os condenados se direcionam ao edifício respectivo a seu novo futuro. Nenhum futuro, péssimos futuros.

Os idosos são transportados para um edifício diferente, uma espécie de hospital. Para alguns a morte é digna, já para outros, mesmo que não estejam se debatendo, se recusando a ir, percebe-se arrependimento em suas expressões.

E nós, adolescentes em treinamento, temos que passar por mais um processo de choque. É como o quando tínhamos seis anos, mas agora é real e envolve outras pessoas.


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Notas finais do capítulo

*Antes da alteração, os trechos estavam neste capítulo para transmitir a sensação de desconforto de Liz a aquele dia e o prédio das torturas. - Lembrem-se cada palavra é importante!
Me contem o que acharam! Críticas, elogios e sugestões são sempre bem-vindos! Beijos Xx



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