Connected Spirits escrita por MidnightDreamer


Capítulo 10
Aparição




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— Tem certeza de que essa carta foi escrita por sua mãe?

Assinto com a cabeça, ainda olhando para as palavras na carta.

— É a mesma caligrafia. Eu a reconheceria em qualquer circunstância, mamãe mandava algumas cartas para mim quando as viagens eram muito longas.

— Você acha que ela escreveu isso antes de... – Elliot pergunta, provavelmente tentando decifrar o que passava na minha cabeça.

— Não. - Sussurro. - Não faz o menor sentido.

Ele faz uma leve pausa.

— Olha, a rua Standford Holmes não é a poucas quadras daqui? - Elliot pega a carta de minhas mãos.

— É sim. Na verdade... é bem atrás do campus. - Coço a cabeça.

Minha mãe morreu. Cinco anos atrás, ela morreu. Minha mãe, Flora Bellucci, morreu quando eu tinha dezesseis. Isso... É verdade, não é?

Ela está morta sim, Vany.

— Jaden... - Falo suavemente. - Então isso significa...

— Que ela também precisava entregar algo a alguém para poder descansar? - Elliot chuta.

— Na mosca. - Engulo em seco. - Eu preciso de água.

Não dando nem tempo para Elliot se levantar, Jaden traz um copo flutuante até mim. Isso chega a ser esquisito, e tenho certeza que se alguém além de Elliot estivesse vendo isso, com certeza acharia que eu sou tipo uma Matilda da vida real e me entregaria para a CIA, ou para o FBI.

— Olha, eu não sei se vou me acostumar com essa invisibilidade dele. - Ele diz, passando a mão no ar a minha frente e tentando tocar algo que não pode ser tocado.

— Jaden, você não pode se mostrar para ele?

Não.

— Ok. - Digo, mas meu recém-namorado não entende. - Não, ele não pode.

— Tudo bem. - Ele suspira. - Mas voltando a essa carta... Você está planejando ir lá?

Nem chego a pensar duas vezes.

— Por que não? - Respondo.

Elliot parecia bastante surpreso com minha resposta.

— Por quê?! Por que essa carta pode ter sido escrita por um maluco, que pode acabar fazendo algum mal a você se você for lá, por isso.

— O que um maluco ganharia com isso, Elliot?

— Sua mãe era conhecida mundialmente, Vanessa. Vai que ele tem uma obsessão por ela, como um assassino passional tem! Vai ver que era o cara que te entregou isso! - Ele aponta para a carta.

Suspiro, passando minhas mãos por meu rosto.

— Elliot... Calma. Primeiro, minha mãe não era tão famosa assim a ponto de ter seu próprio serial killer. Segundo, se fosse aquele cara, ele podia ter me matado assim que atendi a porta. Terceiro: parece que você está se esquecendo de que eu mesma vou até a Inglaterra entregar uma carta da qual nem sei onde está para uma ilustre desconhecida chamada Alice. Então...

Ele suspira, parecendo derrotado.

— Bem... Se você quer ir mesmo. - Ele dá de ombros. - Mas eu vou com você. Para caso todas essas suas deduções derem errado.

Dou um leve soquinho em sou ombro, e o exagerando dá um grito. Acabo caindo na gargalhada com ele, deitando minha cabeça em seu ombro. Minha nossa, estou morrendo de fome.

— Quer pedir uma pizza? - Elliot deve ter escutado meu estômago roncar.

— Ótima ideia.

Quinze minutos e uma pizza de calabresa depois, aninho-me com ele na cama. Não que eu quisesse só ficar deitada (Já falei da minha estranha obsessão em fazer sexo com ele?), mas pelo visto o estoque de camisinha de alguém acabou.

— Foi mal. — Ele suspirou, parecendo irritado consigo mesmo. — Sabe, não pude comprar outras e as antigas estavam vencidas. Passei bastante tempo na seca.

— Garanto que não mais que eu! — Brinco. — Praticamente não faço nada sexual desde os dezoito.

— Porque quis, não por falta de opção como eu. — Elliot dá um leve beijo no meu pescoço, me arrepiando por inteiro. — Mas valeu a pena esperar por você do que fazer com qualquer uma. De qualquer maneira, foi mal.

— Não precisa ficar chateado... - Bocejo. - Pra ser sincera, essa carta da mamãe está me dando nos nervos.

Ele faz cafuné em mim.

— E se for verdade? - Ele começa. - Se ela estiver com o mesmo objetivo de Jaden? Se ela precisar do seu perdão para poder descansar?

Eu não havia pensado nisso. Sim, eu fiquei muito abalada quando ela morreu, até hoje fico ao me lembrar, mas perdoá-la eu nunca perdoei. Na verdade eu nem sei se sou capaz de fazer isso, por que só de pensar numa possibilidade dessas me dá ânsia de vômito.

— Se ela precisar disso, vai ficar a eternidade vagando.

As luzes do quarto começam a piscar, até que se apagam por completo. Olho para Elliot, que pegara seu telefone para iluminar um pouco o breu. Acho que tenho uma lanterna por aqui em algum lugar...

— Achei! - Exclamo, ligando-a.

Mas não preciso mais. A energia volta "misteriosamente".

— Eu preciso ir, Nessa. - Elliot me beija rapidamente. - Você vai para a confraternização de outono?

— Pelo visto... Isabel já me intimou a ir. - Levanto-me da cama e o acompanho até a porta. - Sem falar que eu posso aproveitar e ver se essa tal carta e tudo a seu respeito são de verdade

— Então eu te vejo lá, certo? - Ele me agarra mais uma vez, antes de eu abrir a porta.

— Certo. - Suspiro. - Descansa. Foi informação demais para uma pessoa só.

Elliot sorri, as rugas da testa já se formando.

— Foi sim. - Ele sorri. - Até amanhã.

— Tchau. - Sussurro, logo depois fechando a porta.

Meu Deus... Eu nem lembrava dessa confraternização! Se bem que agora eu tenho motivo de sobra para ir nessa baboseira... Vou até o banheiro para lavar o rosto.

— Você tem que perdoar ela.

Antes mesmo que eu pudesse molhar meus olhos, ouço Jaden andar por meu quarto. Ele parece estar nervoso. Não sabia que fantasmas eram tão... Humanos.

— Por quê? - Questiono. - Por que eu tenho que perdoá-la?

O homem dos olhos azuis me encara como se sua íris fosse uma kalashnikov.

— Eu sempre fui a favor de você detestá-la, tanto que eu nunca entendi seu luto quando ela morreu, mas... Ela está te procurando. E algo me diz que ela está sim querendo sossego, paz. Se ela precisa do seu perdão para ter isso, você não pode negar.

— E se eu negar, Jaden? - Olho também furiosa para ele. - Você não pode me obrigar a perdoa-la!

— Quando uma alma falha em sua tentativa de descansar... Ela é mandada direto para o inferno.

Engulo em seco. Então inferno existe?

— Como... Como assim? - Pisco os olhos três vezes até voltar a realidade.

— As almas que não conseguem ser boas em vida estão condenadas a viver eternamente no inferno, isso é básico em quase todas as religiões. Mas nos é dada a oportunidade de nos redimir, de tentar mais uma vez.

— Prossiga. - Peço quando ele faz uma pausa meio longa.

— Bem, há aqueles que já desistiram mesmo, então nem tentam. Esses daí, na minha opinião, são os mais fracos. Vão direto para o inferno. Há aqueles que tentam, mas falham, mas depende muito do que eles precisam fazer para isso. Acho que Hitler deve ter tentado fazer algo, mas sabe... - Ele revira os olhos. - A missão dele seria impossível de se realizar. Impossível ele não ir queimar lá embaixo. E há aqueles que precisam do perdão de alguém ou realizar algo, e caso eles falhem, bem... É o caso mais comum, pra ser sincero.

Seu semblante é triste. Aproximo-me dele e sento ao seu lado.

— Esse é seu caso? - Indago. - Você precisa do perdão da sua esposa?

Ele cerra os olhos, como se quisesse conter as lágrimas. Lágrimas que, por sinal, nunca viriam. Pela primeira vez na minha vida, me arrependo de ter perguntado alguma coisa a alguém.

— Eu ia, ia pedir perdão a ela em vida. - Ele cerra seus punhos. - Mas não deu tempo. Eu fui assassinado antes que pudesse ir até ela e...

— Shh, Jaden. - Ele volta a olhar para mim. - Nós vamos entregar a carta a ela, tudo bem? Não se preocupe.

— Mas e se ela não me perdoar? - Ele grita. - Por um erro besta eu vou estar condenado a passar o resto da minha eternidade junto com as piores pessoas que já existiram!

— Não sei o que você fez, mas ela vai te perdoar. - Sorrio em consideração a ele, que também dá um leve risinho.

A tristeza dele é visível, mesmo tentando escondê-la a todo custo.

— Sei que é pedir muito a você, mas tente perdoa-la. - Ele fita o chão. - Todos merecem uma chance.

— Vamos mudar de assunto. - Tento quebrar aquele clima pesado. - Como é a sua esposa?

— Ah, ela é linda... Tinha os cabelos loiros e cacheados que chegavam a metade das costas!

— ...Tinha?

Ele olha apreensivo para mim.

— Não sei se tem mais. As pessoas pintam o cabelo hoje em dia, fazem plástica. Mais parecem que estão trocando de roupa...

— Jaden. - Repreendo-o. Se ele falou no pretérito, deve ser por que...

— Certo. - Ele suspira. - Não sei se ela está viva ainda. Quer dizer, viva ela está, mas se ainda é a Alice ou não, não faço a mínima ideia. Quando uma pessoa morre e não tem pendência nenhuma, ela pode escolher recomeçar tudo. Mas isso não afeta em nada a missão de um espírito que precisa de algo desse outro espírito.

— E como você pretende pedir perdão a ela se ela for, por exemplo, um garoto de oito anos? - Resmungo. - E se ela não estiver na Inglaterra?

— Ela está na Inglaterra sim. Algo me diz isso. - Ele sorri. - Olha, estamos sendo muito pessimistas. Ela ainda pode estar viva.

— Tudo bem. - Concordo. - Então ela é bonita, hein?

— A mais bonita de Gayle. - Ele fala, para logo depois rir. - O nome dessa cidade é terrível.

— Com certeza. - Solto mais um bocejo.

— Vai descansar, Vany. - O loiro pisca um olho só. - Amanhã vai ser um longo dia.

— Vai sim, com certeza. - Deito-me na cama e ele me cobre.

Boa noite.

— Boa noite.

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— Uau, Nessa, seu vestido é maravilhoso! — Isabel exclama.

Nas poucas vezes que saio de casa para interagir com outros humanos, Isabel faz questão em me ajudar a me arrumar. Ela sempre foi melhor nessas coisas mesmo... Bem, escolhi um vestido rosa qualquer. Sim, rosa é a minha cor favorita, mas isso não significa que sou patricinha ou fútil ou a Barbie. Bem diferente disso, pra falar a verdade.

— Você tinha que ser modelo, assim como sua mãe. - Ela deixa escapar.

Viro-me para ela, tentando passar ao máximo o quanto fiquei desapontada com o comentário.

— Primeiro, nunca, mas nunca na minha vida eu escolheria ser modelo. Segundo, mesmo que eu quisesse, sou uma anã comparada as modelos de hoje, então nem pensar. Terceiro, porém mais importante: Você sabe que nunca deve entrar no assunto "mãe" comigo.

— Desculpe-me mesmo, Vanessa. - Sinto que ela realmente se arrependeu. - É que você é bonita demais para ser uma simples pintora.

— Eu gosto do que faço. - Limito-me a responder apenas isso.

Mas ela tem razão, Jaden sussurra.

— Bem, acho que devemos ir, então. - Ela se levanta da poltrona.

Anote essas palavras: eu preciso urgentemente comprar um carro. Isabel é do tipo que herda tudo que foi de seu pai, e ela precisa mesmo trocar seu Fusca 96 por algo mais... Da nossa década.

Não demora muito e já chegamos ao campus da Universidade Angelus Richmond. Já consigo avistar as pessoas do meu curso... Não que eu fale com eles, mas pelo menos vai ter pessoas com interesses em comum comigo. Também não demoro a ver Elliot rindo escandalosamente com seus amigos. Deus, ele fica muito gato em esporte fino...

Entramos no campus, onde a área aberta está totalmente coberta por universitários metidos a besta. Elliot finalmente me nota e se aproxima de mim.

— Boa tarde, quase noite. - Ele nos cumprimenta.

— Boa tarde. - Eu e Isabel respondemos. - Bem, o pessoal do jornalismo está me chamando ali. - Ela sai. Também, ninguém gosta de ser a vela.

Elliot sorri para mim. Não sei o que ele estava pensando, mas com certeza ele estava querendo saber o que se passa na minha cabeça. Dou um leve sorriso para ele.

— Trouxe a carta? - Ele pergunta para mim.

— Trouxe, está na bolsa. - Suspiro e ele me dá um selinho. - Eu estou nervosa.

— Não fique. - Ele abre um sorriso. - Anda, estão servindo uns coquetéis ali. Talvez seja melhor a gente tomar uns antes de fazer qualquer coisa.

Ele me guia até o barman. Copos e mais copos de uma bebida esquisita, porém deliciosa depois, o reitor chama a todos para irmos ao anfiteatro. Ele começa um longo discurso sobre valores e escolhas certas e, quando eu quase pego no sono, ele termina e sou acordada por uma salva de palmas que ainda não entendi bem o motivo.

Mentira, entendi sim. Babar os superiores, claro. Devia começar a fazer isso.

As pessoas vão indo embora, e provavelmente Isabel também já foi. Olho para Elliot, meio que dizendo que devíamos ir, e ele entende. Segura forte minha mão e vamos até seu carro.

— Qual é o endereço mesmo? - Ele pergunta ao ligar o carro.

— Na rua de trás, número 1843. - Respondo. - Deus, não é tão perto quanto eu pensava.

Ele acelera e depois de uns quinze minutos, chegamos em frente a um prédio abandonado. Suspiro, tentando arranjar coragem para enfrentar o que quer que seja que está lá dentro.

Elliot abre a porta para mim, e lentamente ando até a entrada do prédio. Procuro a mão dele no ar, e quando finalmente a acho, a agarro tão forte que sinto que poderia ter quebrado os ossos dele. Adentramos o prédio juntos.

— Aqui pode ter qualquer tipo de gente... - Ele sussurra. - Aqui pode ser ponto de encontro de usuários de drogas, ou...

— Fica quieto. - Peço. - Não me faz ficar mais nervosa.

Há um grande salão, onde não há completamente nada. Só não está totalmente escuro por que ainda existem algumas lâmpadas que resistiram, ou seja, esse prédio não está abandonado a muito tempo, se não a companhia elétrica já teria cortado a energia depois que pararam de pagar as contas.

Sim, eu raciocinei isso. Por que eu me recuso em acreditar que um prédio imundo desses não esteja abandonado. Ou pior, que algum fantasma esteja mantendo as luzes acesas.

— Tem alguém aí? - Exclamo. Sem resposta.

— A gente devia ir embora. - Elliot sugere.

— Parece que você está com mais medo que eu. - Resmungo, pegando novamente a carta do bolso. - Aqui diz sete e meia da noite. Que horas são?

— Sete e vinte e nove. - Ele engole em seco. - E não, eu não estou com medo.

— Sei.

Diz pra ele que eu estou aqui, de qualquer forma.

— Jaden está me dizendo que ele vai nos proteger.

— Mas ele é só um fantasma! - Elliot diz.

Ele já está me dando nos nervos...

— Chega, Jaden! - Exclamo, mas uma porta se abre bem à minha frente, rangendo como nem sei o quê.

Ela chegou.

Agarro-me no braço de Elliot, que faz de tudo para não demonstrar medo. Isso não me importa muito, por que pra mim medo não é sinal de fraqueza. Fecho os olhos, e um aroma adocicado de rosas invade minhas narinas.

Quando abro os olhos, eu a vejo.


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Notas finais do capítulo

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