A Página Virada escrita por Nicole Baioretto


Capítulo 1
Laís


Notas iniciais do capítulo

Quem acompanha a história deve ter achado que morri ou algo assim, mas na verdade estava com grandes problemas de acesso ao site. Agora que resolvi, vou reescrever os capítulos e mudar algumas coisas. Aliás, eu deletei os outros capítulos porque vou mudar um pouco a história.

Boa leitura! (Obs: Não tenho mais problemas de tendinite, amém.)



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Uma garota caminhava apressadamente até a escola onde cursa o segundo ano do ensino médio. Em um dia especialmente mais quente, uma inesperada brisa morna do inverno esbarra em seu rosto e leva alguns fios para trás e ela pisca, tentando tirar um pequeno cisco que entrou. Seus olhos, uma escuridão de azul marinho, fitavam profundamente o caminho que seus pés percorriam. E com seu ar altivo, analisava tudo ao redor. Sua cabeça estava levantada disciplinarmente como se enfrentasse um superior de alta patente. Assim é a Laís.


Na verdade, não há motivo para ela estar agindo assim. Mas, na sua cabeça, gosta de imaginar que está enfrentando uma situação séria e importante. Inspirada a pensar assim por causa do filme incrivelmente épico que assistiu de madrugada. Provavelmente a coisa mais séria e importante que ela terá que enfrentar agora será inventar uma desculpa por chegar atrasada a aula porque o cansaço fê-la dormir demais e ficar com olheiras.


A escola aparece, a quarenta metros a sua frente, no meio de alguns prédios comerciais mais baixos que permitiam que a grande construção da escola se impusesse, como se fosse um palácio moderno no meio da cidade. A construção parecia empurrar os prédios vizinhos para longe e deixá-los amontoados, perto demais uns aos outros. Ela chegou a frente à fachada da escola e levantou mais o rosto para ver o grande letreiro, em palavras elegantes e douradas: Cheval D’Or. Laís suspirou. Até hoje, desde o primeiro dia que pôs os pés naquele lugar, não conseguia evitar sentir-se levemente impressionada pela magnitude da construção. Mas ainda assim, ela dá um bufo, desanimada, ao ver que andaria mais cem metros até chegar a escadaria que a levaria para a sala de aula. Tinha que começar a correr um pouco.


Ela passou pelo letreiro apressadamente e foi até a portaria, passando seu cartão de acesso no leitor da catraca. Porém não sem antes reparar em um garoto de costas que falava com o porteiro, imaginando que o rapaz não deva ser aluno, já que usava roupas de marca e não tinha uma mochila.


Ela não sabia ainda, mas o garoto por quem passou é superdotado. Ele foi admitido na escola após pegar uma bolsa integral ao fazer uma prova de admissão e está entrando no meio do ano porque seu pai tinha sido transferido por causa do emprego. Talvez, se ela soubesse que ele é superdotado, teria prestado um pouco mais de atenção. Mas não naquele dia.


Sua mochila jeans saltitava em suas costas enquanto corria, e olhava para as escadas em espirais que teria que pegar para chegar a sua sala de aula, no segundo andar. Sorte que ela usava calças masculinas, que pra ela eram mais largas e confortáveis. Nunca se sentiu bem naquelas calças femininas, que pareciam ser leggings de tão justas ficavam no corpo. A junção da calça masculina, calças de um tom azul acinzentado, com a blusa branca com o emblema dourado do colégio costurado no peito lhe caiam muito bem. Não no sentido estético, mas a pequena transgressão do código de vestimenta vestia seu corpo da mesma forma que seu comportamento moldava as feições de sua personalidade.


Os corredores eram lindamente brancos, com chão de mármore e paredes pintadas com tons claros de amarelo e preenchidos com numerosas janelas baixas e largas, que tinham grades de proteção delicadas, mas isso contribuía para ficar extremamente frio no inverno. Ela sentiu os pelos dos seus braços se eriçarem e praguejou baixinho quando lembrou que nem pensou em trazer um casaco de tanto sono que sentia quando saiu apressadamente de casa. Chegou a frente da porta da sua sala de aula, número 14, e fez uma pequena pausa para tomar coragem enquanto encarava a porta azul. A voz da professora Sônia era claramente audível no corredor e tão evidente quanto o azar de Laís de ter que lidar justamente com essa professora. Sua mão tomou a maçaneta da porta, hesitante, e ela girou e entrou de uma vez na sala de aula. Encontrou a professora encarando-a no meio da aula, claramente interrompendo sua explicação sobre os ossos de aves, e todos da sala viraram-se para encará-la também.

— O que você está fazendo? – Professora Sônia perguntou, fazendo—a sentir um frio na espinha.

— Desculpa, cheguei atrasada. – Foi tudo que conseguiu dizer, sendo direta e sincera. Quase não tinha coragem, mas conseguiu se manter firme e olhar a professora nos olhos.

— É a terceira vez que chega atrasada e as aulas mal começaram, Laís. – Ela começou a falar, severa. – Você sabe que os dois primeiros atrasos foram causados pela empresa da minha mãe. – Ela interrompeu, sentindo um pouco de adrenalina.


Ambas sabiam que ela tinha se atrasado as duas primeiras vezes porque sua mãe lhe avisou de última hora que não poderia levá-la para escola e que teria que ir a pé. Sua mãe estava mudando a agenda de trabalho por exigências do chefe e a reorganização do departamento deixava as coisas meio caóticas, então não era culpa dela.

— Eu sei, mas você está indo mal em biologia e pelo que descobri, em muitas outras matérias também. – Laís olhava incrédula. A professora estava dando sermão na frente da sala? Sério? – Você vive se atrasando na minha aula, não é de surpreender que seja uma atrasada na escola.


As pessoas começaram a rir, alguns com mais deboche que outros. Outros não riam, apenas observavam a cena se desenrolando. Ela sentiu-se indignada com a atitude da professora, mas seu nervosismo fez as palavras evaporarem. Ela apenas encarava a professora com o olhar de “você disse mesmo isso?” e ela replicou, após um momento:


— O gato comeu sua língua? – algumas pessoas riram de novo. Agora ela ficou brava, passou dos limites. De repente, uma ardilosa vontade de recuperar a moral se apoderou dela e abriu a boca para responder, seu olhar fulminante se preparando, quando uma voz de um adulto a interrompeu:

— Laís, venha esperar no corredor até o sinal tocar. – Era o coordenador Júlio. Ela virou o corpo para encontrá-lo olhando-a de modo sério. Um papel estava em suas mãos, provavelmente um comunicado que ele ia dar para a sala de aula. Ela bufou, brava com a interrupção, sentindo toda aquela energia se dissipando.

— Vamos lá, Júlio, foi só um atraso. – Ela disse, tentando manter a calma na voz. – você sabe que este foi meu primeiro atraso de verdade.

— Foi por causa da sua mãe? – ele disse, levantando uma sobrancelha.

— Não. – A expressão de Laís se fechou, sabendo aonde ele queria chegar.

— Então vem comigo.
Ela estava sentada em um banco do corredor, no cenário daquela manhã frio e solitário com alguns raios de sol passando e tocando o chão pela fresta que tinha na janela e pelas folhas das árvores que ficam na frente da escola. Ela estava abismada com o que a professora tinha dito. Inevitavelmente, repassou os momentos de conflito que ela teve com a professora e nunca imaginou que chegaria onde estava agora: sendo exposta na frente da sala. E em um momento inoportuno, o coordenador apareceu a interrompendo porque ele provavelmente sabia que ela não ia dizer algo exatamente agradável para Sônia. Queria esganar a professora.


Não foi justo ela ter tocado na sua ferida. Tirava péssimas notas em várias matérias apesar de ela tentar estudar. E ninguém acredita quando ela diz estudar de verdade e provavelmente tomaria uma pequena bronca da mãe, quando visse no boletim que faltou uma manhã. Ela fez uma cara brava e balançou as pernas na frente, quase sem conseguir prestar atenção ao redor de tão pesado era seu cansaço. Queria ir pra casa. Queria estar dormindo.

Vozes ecoavam ao longe, vindas da sala do diretor que estava longe do banco que Laís estava no final do corredor. O diretor e um garoto transferido conversavam e o homem estava bastante feliz com a vinda daquele aluno, explicando empolgadamente sobre as instalações e entregando-lhe o mapa da escola. Quando ele pegou o mapa, notou que tinha alguém em um banco ao longe. “Uma garota atrasada, hm?” ele deduziu, espiando melhor uma loira de calças frouxas que estava obviamente muito brava com alguma coisa e balançava os pés como se fosse alguma criança que ficou de castigo. Ele achou aquilo engraçado, e se divertindo enquanto o diretor falava com ele e lia em voz alta um caderno com as informações sobre o horário e a nova sala dele.


E então, Laís teve um momento estupendo. Talvez por causa da privação de sono ou por causa da dignidade ferida, ou ainda, por causa da frustração. Talvez essas três coisas juntas. Decidiu que ia virar dona do seu tempo pelo menos naquela manhã, só enquanto durar a aula de biologia e fazer um gesto de livre e espontânea vontade: Ia embora! Era um impulso puro, genuíno e simples, que se apoderou de sua mente. Por que ficaria pra ouvir desaforo da professora? Pra que ia olhar pra cara feia da sua inimiga de sala? Pra que estudar biologia, matemática e filosofia? Sua rotina tinha estagnado em sua vida como se o mesmo dia repassasse várias vezes. Ela não queria esperar as férias para poder sentir-se livre de novo.


Pegou sua mochila e saiu animadamente de onde estava. Ela se sentiu umpouco tonta porque estava fazendo algo extremamente incomum em sua rotina e porque se levantou rápido demais, mas fora isso estava firme e forte. Sabia que a escola não poderia prendê-la lá, mas tinha certeza que o porteiro ligaria pros seus pais se ela tentasse fugir. Era quase sufocante a maneira de como a escola queria controlar os alunos.


Desceu apressadamente as escadas e caminhou até o jardim da escola, olhando pros lados e conferindo que nenhuma câmera estava pegando seu ângulo e esperou o momento certo, meio escondida, para que não houvesse ninguém por perto. Sentia o silêncio ao redor, aquela devia ser sua deixa. Correu curvada pela grama baixa e perfeitamente aparada, sentindo o cheiro de mato molhado nas suas narinas. O muro da escola estava em sua frente com uma grade de proteção no topo pequena o suficiente para passar por cima dela. Ficou ereta, e encaixou seu pé direito no muro e usou as duas mãos para agarrar a base da grade, sentindo o concreto áspero de encontro a sua bochecha a medida que forçava os músculos da perna para subir. Sua respiração estava pesada e seus dedos raspavam na superfície do muro, deixando em suas mãos uma fina camada de poeira e pó branco. Na verdade, ela escalava um muro baixo e fácil de passar, mas o seu forte valor simbólico era a verdadeira dificuldade daquela barreira.


O novo estudante ainda conversava com o diretor, agora na sala dele. Observava sem muito interesse a foto dos filhos dele quando pensou "Saco, mudar de escola no meio do ano. E nem gosto da nova casa”. Um desânimo pegou-o de surpresa e sentiu-se um pouco sem vontade de conhecer o novo ambiente quando inesperadamente percebeu, ao olhar pela janela atrás do diretor, a garota do corredor escalando o muro da escola! Ele queria rir, mas sabia que não podia. Tinha que manter a fisionomia séria e estava se controlando muito. Mas quando o diretor disse, querendo dar ênfase na excelência de ensino, nossa rede de ensino é muito boa para disciplinar os alunos, ele quase perdeu o controle. O diretor estranhou o silêncio do aluno prodígio e preferiu não comentar, porém levantou-se da sua poltrona de couro e foi se virar para a janela quando Laís estava quase triunfantemente escapando da escola. Nesse momento, o garoto transferido disse:

— Eu não vou entrar na escola! - O diretor olhou pra ele, surpreso. Tão surpreso quanto o garoto estava porque as palavras simplesmente escaparam de sua boca.

— Como assim você "não vai entrar na escola"? Aconteceu algum problema?

— Meu pai... Disse que não daria para atualizar meu cadastro na escola devido ao atraso na emissão dos documentos. – Suava frio. Estava lutando pra soar natural.

— Ah, mas isso não tem problema algum. Já resolvi com seu pai quando eu disse que estava tudo bem se levasse um pouco de tempo!

— Ah, claro, que bom que você resolveu com meu pai... Fico sastifeito em ouvir isso.
O garoto quase fez uma careta. Tinha dito a palavra “sastifeito”? Quem era ele, um velho burocrático pra soar tão minucioso? Olhou para o diretor. O homem estava atônito pelo quase mini ataque do coração, pelo súbito desespero que sentiu quando pensou que ele estava desistindo de entrar. Sentou-se na poltrona de couro para recuperar-se do susto, sentindo o alívio e estranhou um pouco ele se preocupar com um detalhe tão leviano. Mas vai entender um garoto superdotado, ouviu dizer que eram assim: silenciosos demais e metódicos em excesso.


O garoto se esparramou na cadeira, sentindo-se um pouco extasiado pelo nervosismo de ter que mentir. A adrenalina corria em suas veias e fazia seu coração pulsar em batidas fortes como não fazia há semanas. E foi então que percebeu que foi naquele dia que ele viveu os momentos mais cômicos da sua vida, sendo inexplicavelmente o cúmplice da fuga de uma garota que sequer conhecia. “De repente”, pensou, “entrar nessa escola poderia ser divertido”.


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Notas finais do capítulo

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