Tales of the Bard escrita por diginyan


Capítulo 1
A Voice In The Dark


Notas iniciais do capítulo

Todas as palavras e frases utilizadas em língua élfica terão seu significado dito nas notas finais.



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A noite, ainda estrelada, preparava-se para o raiar da aurora. Ainda assim, uma jovem elfa, munida de sua algibeira, seu cajado, sua flauta e seu tomo de mitos antigos, atravessava a cidade calmamente. O vento soprava contra seu manto verde-esmeralda, e agitava seus cabelos roxos pelo ar. A cidade, a esta hora, permanecia silenciosa, com exceção de algumas típicas canções nas tabernas. Era uma das maiores cidades comerciais do norte do continente, onde diversas raças encontravam-se, fazendo com que Salassi fosse a capital dos viajantes. Era possível observar, caso você entrasse na taberna, ciclopes, minotauros, anões, gnomos, humanos, elfos e diversas outras criaturas, bebendo e festejando em conjunto, sem preocupar-se com qualquer outra coisa que não seja a próxima caneca de hidromel.

A elfa conhecia perfeitamente esta cidade, uma vez que havia crescido ali desde pequena. Nasceu em uma vila adjacente, não muito distante de Salassi, mas quando seu pai - um humano shaman - morreu em um combate contra mercenários que a atacavam, e também a sua mãe, ela a trouxe morar consigo em Salassi. Sua mãe, uma elfa, ensinou-a as artes, os mitos e os rituais druídicos, pois era uma das mais poderosas, e também uma das últimas druidesas da vila élfica em que havia nascido. A jovem elfa sentia falta de seu pai, e da vida calma que levara na infância, porém, também lhe agradava observar diferentes pessoas passeando por entre as ruas da capital.

Prosseguiu por entre as ruas, silenciosamente, parando apenas em frente à estrebaria. Tomou as rédeas de seu cavalo branco, e trotou em direção à um local bastante conhecido. Adentrou a floresta, seguindo a trilha bastante usada por viajantes, e logo depois, indo mais adentro da floresta densa. Ouvia a fauna local, e sentia a flora que a rodeava. O ar puro que inspirava ali lhe fazia muitíssimo bem, e tão rápido quanto saíra de casa, chegara à diminuta clareira. As estrelas ainda permeavam o firmamento, e a luz do luar lhe fazia companhia. A elfa desmontou do seu belo cavalo, e deixou-o a pastar livre pela floresta. Tirou de seu dorso a algibeira, e pôs-na sobre a grama macia, juntamente com sua flauta e seu cajado. Acostou-se no tronco de uma frondosa árvore, e tornou a ler seu tomo, enquanto a dança noturna das constelações deixava os céus, para dar lugar aos primeiros raios solares. Era o perfeito lugar para que pudesse concentrar-se na natureza, pois neste local, não se ouvia nada além da mesma. Quando pôde observar a luz solar a refletir-se nas águas cristalinas do pequeno lago a sua frente, tomou sua flauta em mãos, iniciando uma bela melodia. Os pássaros, que despertavam juntamente com a aurora, acompanhavam-na harmoniosamente com suas cantigas matutinas.

Passando pela estrada, um viajante ouviu, longínqua, uma música a entoar. Impressionou-se pela beleza daquela sinfonia, e seguiu para procurar de que flauta viria tão bela música. Observou, por entre as árvores, uma bela elfa, de cabelos violetas, um vestido marrom e verde, tocando despretensiosamente seu instrumento. Pensou em aproximar-se, mas hesitou. Assim que se virava para tornar a montar em seu cavalo, o mesmo relinchou, entregando sua presença.

Aiya?

O humano saiu, cautelosamente, das sombras. A elfa observou-o, mas com um olhar amigável. Notou a cota de malha que o mesmo utilizava, e a grande espada que trazia consigo em suas costas. Ainda assim, não teve medo.

–Desculpe-me interrompê-la. Eu apenas ouvi sua música... Ah, você não deve me entender.

A elfa sorriu, tentando acalmá-lo. Sua voz soara tranquila, e inspirava no humano esta sensação.

–Não tens do que se desculpar, guerreiro. E compreendo-a sim; cresci entre humanos, e meu pai também o era.

–Entendo. - Observou a triquetra que a elfa carregava em um colar, e sorriu-lhe de volta. - És uma druida. Das terras que venho, não os encontramos tão facilmente.

–E de onde vens, viajante? Suponho que venhas do noroeste, onde os ventos sopram gélidos. Isto explicaria sua armadura, de certa forma.

–Noto que és mais apercebida do que imaginava. Enquanto druida, também és uma barda. Tens conhecimento de mapas, além disto?

A elfa observou-o, com um olhar levemente desafiador.

–Tenho um tanto de conhecimento de todas as coisas que possas imaginar.

–Bem... - o humano sorriu, sem jeito. - Eu gostaria apenas de ter conhecimento de seu nome, donzela. Chamo-me Lanceloth.

Arrancou uma risada da jovem com sua astúcia.

–Danna. Chamo-me Danna.

–Tens o nome e a beleza de uma deusa. - aproximou-se da elfa, e tomou sua mão em um beijo respeitoso - É um prazer conhecer-lhe.

Antes que proferisse algo, a elfa fechou os olhos rapidamente, e levou as mãos à cabeça. Uma súbita expressão de dor atravessou sua delicada face, e, tão rapidamente quanto acontecera, levantara-se e juntara suas coisas.

–O que? - perguntara Lanceloth, estupefato.

–Desculpe-me! - gritou Danna, montando em seu cavalo e saindo à esmo. - Não tenho tempo para dizer-lhe!

E assim, o humano também subira em seu cavalo negro, seguindo-a, e tentando diminuir a distância que havia se formado. Não estava entendendo o que acontecia, mas pôde compreender quando vira Salassi, distante no horizonte. Diversos goblins bruxos, em sua maioria, canalizavam energia demoníaca para devastar a grande capital. A esta altura, o caos já havia se instalado, e muitos cidadãos jaziam mortos.

Danna, cavalgando o mais rapidamente que podia, atravessou as ruas da cidade, observando faces conhecidas tombadas. Propositadamente, esmagou alguns dos atacantes, ao mesmo tempo em que tentava desviar dos corpos no chão. Vira também, nas partes mais distantes da cidade, labaredas começando a tomar conta das casas. Ainda assim, não pensava nisto. Seguiu diretamente para sua casa, em procura de sua mãe. Avistara os belos cabelos azul-marinhos da elfa, combatendo duas daquelas criaturas. Danna desceu de seu cavalo, enquanto conjurava o poder do sol para fazê-los queimar. Mesmo com anos de treino, ainda não era poderosa o suficiente, mas com a raiva tomando conta de seu ser, tivera a bênção da natureza amplificada. Enquanto corria para deter os outros goblins que empunhavam espadas em mãos, vira apenas sua mãe, ainda distante, sendo empalada pela adaga de um ladino, que viera furtivo por trás. Ao ter nos olhos aquela visão, a elfa soltara um grito de dor, desespero e raiva. Juntamente com este grito, a fúria das estrelas seguira-se sobre os atacantes ainda sobreviventes, ferindo-os quase instantaneamente e fazendo grande parte das criaturas verdes tombarem. Juntara uma maça que encontrara pelo chão, provavelmente de algum soldado caído, e empunhara-a, atacando o assassino de sua mãe. Com um único golpe, esmagara o crânio daquele amaldiçoado goblin.

Deixara cair a maça por chão, enquanto ajoelhava-se para segurar sua mãe. Ainda consciente, sua mãe sorrira ao ver-lhe, embora a adaga, que cruzava a barriga de sua mãe, estava fazendo-lhe perder uma grande quantidade de sangue.

–Não, mãe! Não! Não você... nós podemos... Eu posso...

O olhar de Lúthiën, sua mãe, ainda era acalentador, embora ela esforçasse-se para proferir as palavras.

–F-filha... Ar-aranel... V-você de-deve segui... seguir...

Danna sentia seu rosto queimar com as lágrimas que percorriam furiosamente sua face. Logo, a raiva e o desejo de vingança esmaeciam-se e davam lugar à tristeza e ao vazio. A sensação de impotência, de ter a vida de sua mãe em seus braços, e não poder segurá-la, não poder salvá-la.

–P-pergaminho... B-busque... Triquetra... Melinyel, Namárië...

As últimas palavras, acompanhadas de lágrimas também preenchendo os olhos de Lúthiën, foram seguidas da respiração calma esvaindo-se nos braços de Danna. A vivacidade, que sua mãe sempre carregara, não importando as fatalidades, agora já não existiria mais. A jovem elfa proferira um último grito, com a desolação invadindo seus pensamentos e seus sentimentos nebulosos. Fitou o rosto sereno de sua mãe, e, delicadamente, retirou uma mecha de seus longos cabelos cacheados do seu rosto, colocando-a atrás de sua orelha. Lembrara de sua infância, quando esperava que seu pai retornasse para casa, o que nunca havia acontecido. Retomara, também, as memórias de sua mãe ensinando-lhe e contando-lhe as histórias dos deuses antigos, levando-na à clareira para que, juntas, cantassem melodias à natureza. Secou as lágrimas que haviam percorrido o rosto de Lúthiën, e também as suas, embora seus olhos permanecessem repletos das mesmas.

A haryä alassë Avalon.

Distante dali, Lanceloth observava a elfa que havia conhecido, tão tranquila e pacífica, tomada pela dor de perder alguém tão importante. Compartilhou de sua dor e compreendeu seus motivos, mas soube que não poderia ajudá-a, ao menos ainda. Prosseguiu ajudando os sobreviventes a deixarem a cidade, sabendo ser o certo a fazer neste momento.

A elfa levantou-se, seguindo para casa. Adentrou os cômodos, intocáveis, da mesma maneira que estavam quando saíra pela manhã. Não sabia exatamente o que procurar, mas tinha uma leve impressão de que sabia onde. Dirigiu-se ao quarto de sua mãe, e olhou em volta. Cada objeto ali disposto trazia-lhe uma boa lembrança, que lhe arrancava um tímido sorriso. Parecia tão errado sorrir a esta hora, mesmo que por lembrar-se dos bons momentos com Lúthiën. Baixou a cabeça, e fechou os olhos, tentando concentrar-se. Virou o rosto, e observou no chão, próximo a porta, uma pequena triquetra entalhada em metal, entre o assoalho amadeirado.

"Não é possível", pensou, enquanto tocava seu colar. Fora lhe dado há tanto tempo pela sua mãe, e nunca imaginaria algo assim. Encaixara o pingente na fechadura, e girou-a, puxando o tampo de uma entrada. Havia ali uma escada, dando acesso ao subterrâneo. Pegou uma lamparina em mãos, que encontrara na estante do quarto, e desceu cuidadosamente a escada. Era um lugar úmido e de tamanho diminuto. Apesar disso, não era um cômodo muito fundo; provavelmente, não muito usado, também, por ser bastante desconfortável. Iluminou em volta, vendo apenas uma pequena mesa, e um tapete estendido ao chão, repleto de livros. Sobre a mesa, havia uma pequena caixa, uma pena e tinta. Danna aproximou-se e abriu o baú, deixando a lamparina em sobre a mesa. No interior da mesma, haviam alguns pergaminhos enrolados e um orbe, juntamente com um amuleto. Fechou novamente a arca de madeira, e parou para observar os livros que disponham-se pelo chão. Não havia visto nenhum daqueles em posse de sua mãe, e pelo que observara rapidamente, falavam sobre antigos rituais. Pegou os três, juntamente com a caixa, deixando o cômodo e subindo novamente para a superfície.

Fechou o tampo do porão, e sentou-se ali mesmo. Desenrolou os pergaminhos que encontrara na arca, observando que um deles era um apurado mapa do continente. Haviam algumas anotações no mapa, e desenhos de monstros desconhecidos onde existia o oceano. Ignorou-os, recolocando-o na caixa. Retirou o segundo pergaminho, e notou que era uma carta, manuscrita na língua élfica que poucas pessoas além das druidesas e elfos nascidos em suas vilas entenderiam. As lágrimas tomaram conta do rosto da elfa novamente, enquanto ela lia o conteúdo da carta.

"Aranel

Se estiveres lendo isto, minha amada, creio que estejas sentindo-se desolada. Desculpe-me, minha filha, pois prometi lhe cuidar e amar em todas as circunstâncias. O destino provavelmente fora cruel conosco, e eu desejo de todo o coração que você tenha força. Em minha vida, fiz tudo o que pude para que você soubesse o quanto é especial, mas não lhe esclareci tudo. Seu pai, Danna, não apenas nos protegia de mercenários, mas sim de enviados de .

És, nesta terra, a última da linhagem de Danu, e deverás integrar o Tuatha de Danann, quando assim provar ser merecedora. Siga para o sul, e as estrelas lhe guiarão. Se precisares de uma luz na escuridão, yeldë, Avalon é minha morada agora. Você saberá como me procurar.

Nai anar caluva tielyanna,

Namárië!

–Lúthien."

Danna sorriu novamente, secando suas lágrimas. Entendia agora algumas coisas, mas as dúvidas permeavam ainda mais sua mente. Recolocou o pergaminho na arca, e a fechou, colocando-a em sua algibeira. Pegou, também, algumas vestes de guerra, os tomos, e alguns pergaminhos ritualísticos. Juntou suprimentos para a viagem em uma outra bolsa, e colocou-os no dorso de seu cavalo. Guardando seu cajado nas costas e sua flauta presa ao cinto, montara-o, deixando a cidade em chamas para trás. Perdia-se em pensamentos sobre aquele nome citado por sua mãe na língua antiga, que nunca havia lido ou ouvido anteriormente, quando ouvira uma voz levemente familiar.

–Danna!

Puxou as rédeas do cavalo, virando-se para a direção da voz.

–Acreditei que havia ido embora. - citou a elfa, em uma voz um pouco mais áspera do que gostaria.

–Eu sinto muito. Pela sua mãe...

Danna observou-o, com uma expressão levemente agradecida. O humano fitou a cidade, agora quase completamente tomada pelas chamas.

–Ajudei no que pude, mas poucos sobreviveram. Não entendo o porquê de um ataque tão repentino. E agora, não há como controlar este fogo.

–Pretendo seguir a sul, e procurar respostas. E sobre o fogo... haverá de chover, e as labaredas haverão de extinguir-se. O espírito da água sempre retorna para acalmar o furioso espírito do fogo, pois esta é a sua natureza.

O humano fitou-a, admirado.

–És forte, druidesa. Espero que aceite-me a acompanhar-lhe em sua viagem.

A elfa sorriu, puxando novamente as rédeas do cavalo e trotando em frente, ainda observando o humano logo atrás.

–Se assim o quiser, guerreiro...


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Notas finais do capítulo

A língua utilizada pelas elfas fora criada por J. R. R. Tolkien, e chama-se Quenya. Não possuo quaisquer domínios sobre ela, sendo apenas uma aprendiz desta língua tão singular.
Aiya - Saudações.
Aranel - Princesa.
Melinyel - Eu lhe amo.
Namárie - Adeus.
A harya alassë Avalon - Que você seja feliz nos salões de Avalon.
Yeldë - Filha.
Nai anar caluva tielyanna - Que o sol brilhe sobre seu caminho.