Dama da Noite escrita por Camille M P Machado


Capítulo 3
As Engrenagens do Destino


Notas iniciais do capítulo

Yupie, finalmente consegui terminar o capítulo. Quem estiver acompanhando, espero que goste. Boa leitura.



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Ao chegar à sala de jantar, encontraram a mesa arrumada e Amanda sentada, pronta para começar a comer, uma copeira lhes serviam a bebida e duas outras a comida. Amanda se restringiu apenas a observar as duas se sentarem à mesa e depois começou a refeição. As empregadas serviram comida para Calyoth e Aglaur.

Foram longos minutos de silêncio durante todo o jantar, Aglaur tremia sempre que Amanda a fitava com seus estranhos olhos esbranquiçados. Com Calyoth era diferente, ela encarava de volta sem medo. Nos momentos em que a governanta não a observava, ela apenas fitava sua comida no prato de louça e os talheres de prata, meio aérea. Jantava porque seu estômago resmungava de fome, porém não tinha vontade, perdera-a no momento em que vira Amanda.

─ Neliel, poderia levar minha sobremesa até meu quarto, por favor? – pediu Calyoth ao terminar de jantar e se levantou.

Neliel anuiu e Amanda apenas a observou novamente.

─ Espere, Caly, não me deixe aqui sozinha – disse Aglaur. Ela se levantou correndo e foi até a irmã, que já se dirigia para a porta. – Eu não quero nada não, Neliel.

─ Você me parece cansada demais para quem passou o dia inteiro no quarto sem fazer nada e um tanto avoada – comentou Amanda.

Calyoth parou no limiar da pesada porta dupla de carvalho, de costas a Amanda, quando esta começou a falar. Aglaur parou poucos centímetros da irmã, seus olhos inquietos olhavam de uma para a outra constantemente, uma aflição percorreu por todo seu corpo magrelo e a faz estremecer.

─ Engano seu, apenas estou cansada dessa sua cara feia e do ar contaminado com sua presença.

─ Sua mãe nunca te ensinou a ter educação?

─ Claro, ela levanta todos os dias de seu túmulo só para me ensinar – ironizou.

Após terminar de falar, ela cruzou a porta que a levava para o corredor e se encaminhou para seu quarto, no segundo andar, seguida por sua irmã mais nova. A governanta empurrou sua cadeira um pouco para trás enquanto girou seu corpo em direção à porta em que as duas passaram, uma raiva descontrolada tomava posse de seu corpo.

─ Volte aqui, mocinha, eu não terminei de falar com você – berrou.

─ Mas eu já – respondeu aos berros enquanto subia as escadas.

Aglaur agarrou o braço de Caly, assustada.

─ Está tudo bem em a afrontarmos desse jeito? – perguntou fitando os olhos lilases de sua irmã mais velha. – Ela me dá arrepios.

─ Do que é que você tem medo, irmã?

─ Sei lá... Talvez seja aqueles olhos de defuntos ou a presença imponente dela... Eu não sei, só sei que me dá arrepios. Ela é perigosa, mana.

Calyoth parou de anda, virou-se para a irmã e lhe afagou a cabeça, então voltou a falar em tom sereno.

─ Ela não pode nos fazer nada, ninguém pode, são ordens expressas do rei. Não se preocupe, sua bobinha, enquanto estivermos nesta casa e não fizermos nada de errado, nenhum deles poderá nos fazer nada de mal.

─ Mas...

Antes que Aglaur pudesse continuar sua frase, Calyoth a silenciou colocando seus dedos na boca dela. Ela a olhou com ternura por alguns instantes antes de lhe acalmar com ternas palavras.

─ Quando mamãe te entregou a mim, você era apenas um bebê de poucos meses e eu não mais do que uma criança, mas percebi em seu olhar melancólico que eu nunca a veria novamente e que você cresceria sem jamais conhecer nossa mãe. Naquele momento eu entendi que a responsabilidade de te criar seria minha, por isso prometi a ela que nunca deixaria nada de ruim acontecer a você nem ninguém te machucar. Você é tudo o que me resta, minha única família, eu não permitirei que se vá também, tampouco que alguém fira minha amada irmãzinha. Então não tenha medo, eu sempre estarei ao seu lado, aconteça o que acontecer.

─ Boa noite, irmã – disse Aglaur com um singelo sorriso no rosto e lhe dando um rápido abraço, depois a soltou e caminhou até seu quarto.

─ Boa noite.

Calyoth assistiu a sua irmã caminhar sorridente para o quarto e entrar. Em seguida, ela entrou no seu, na primeira porta a sua direita, e foi para a sacada onde apoiou os braços na grade e observou o mar. As fortes águas se chocavam inúmeras vezes contra as resistentes pedras do precipício, fazendo muita água subir e molhar toda a grama entre a varanda do primeiro andar e o barranco. Poucos metros separavam a casa daquele abismo.

─ Eu te invejo, você é forte e livre para ir aonde quiser – pensou alto, olhando o mar.

─ Você não tem medo dela?

Aquela pergunta a tirou de seus devaneios, ela olhou para trás sem nem prestar atenção na pergunta, como que por instinto, e procurou por Freesia, a dona daquela voz. Encontrou-a não muito distante de si, cruzando a porta da sacada e andando em sua direção.

─ Eu ouvi a conversa que teve com sua irmã no corredor. Você não tem medo deles?

Quando Freesia se aproximou, Caly estendeu sua mão no chão para que a fada pudesse subir, depois voltou a ficar de pé e a colocou em cima do corrimão da grade. Era um espaço relativamente largo para um ser tão pequeno.

─ Que mal poderiam me fazer? Tudo o que eles sabem fazer é me aprisionar neste lugar afastado de toda a vida e me proibir de falar a língua que aprendi quando era bem pequena ou sobre a cultura do meu povo. Não posso cultuar nossos deuses, mas também pouco sei sobre eles, o que no final das contas não faz diferença. Eu não sei porque não nos mataram, seria mais sensato, porém também pouco me importo com os motivos deles, a única coisa que eu desejo é liberdade, mas estou fadada a ficar presa nesta casa – ela observava a resistência da água, que mesmo estando cercada por terra e rocha não desistia de ser livre e se chocava inúmeras vezes contra aquele rochedo, obrigando-o a recuar de pouco em pouco. – Às vezes sinto falta daqueles tempos em que eu era livre para me esgueirar pelos corredores do castelo e pelas ruas da cidade.

─ Um dia terá toda a liberdade que deseja. O fim desses anos de trevas já foi profetizado, agora é só questão de tempo - Freesia sorriu e fitou a imensidão azul marinho do horizonte.

─ Só espero que esse fim chegue logo – respondeu, voltando a fitar a vista de sua sacada e perdendo-se a novos devaneios.

Os minutos em que estivera absorta não foram longos, não demorou muito para as duas ouvirem alguém batendo na porta e a fria voz de Neliel que viera trazer a sobremesa.

─ Entre.

─ Senhora, aqui está sua sobremesa.

Ela caminhou até a empregada e pegou o prato.

─ Licença, Senhora.

Neliel se retirou, batendo a porta com cuidado atrás de si. Freesia assistiu à cena escondida na varanda até Calyoth voltar com um prato de bolo de chocolate para entregar a ela. A jovem princesa se debruçou na grade para olhar aquelas impiedosas águas novamente, e permaneceu calada segurando o prato enquanto a fada comia.

─ O que será que aconteceu com as outras de vocês? – indagou um pouco preocupada.

─ Eu não sei. Elas devem ter se escondido, espero que estejam bem – respondeu a fada de boca cheia. – Este bolo é maravilhoso, elfa.

Ela apenas sorriu e deixou que a fada o comesse todo. Apesar de ter passado maior parte do dia sem comer, ela não estava mais com forme, perdera-a durante o jantar no momento em que se lembrara das outras fadas que fugiram. Não sabia onde estavam, tampouco as conhecia direito, só sabia que elas eram mais fracas que os humanos e que se Heitor as capturassem, este poderia ser o fim delas.

Um ruído vindo dos arbustos a direita dela a despertou de seus pensamentos. Ela franziu o cenho tentando enxergar o que era, contudo foi somente quando saíram do meio das plantas que conseguira ver o quem eram.

Andres corria em direção a sua sacada tentando fazer o mínimo de barulho possível, embora de forma bem desastrosa. Certo momento enquanto corria, ele tropeçou em uma raiz gigante de uma árvore bem alta, que estava um pouco mais afastada da floresta e mais perto da casa, e caiu de joelhos no chão. Teria sido de cara se ele não tivesse posto as mãos na frente.

─ Andres, o que faz aqui? – sussurrou ela, surpresa.

Antes que ele pudesse responder àquela pergunta, uma fadinha que Calyoth não reconhecera àquela distância saiu dos cachos desgrenhados do rapaz e voou com pressa na direção de Freesia. Uma trilha luminosa se formou no ar por onde passou, da mesma forma que Caly vira no mercado.

─ Fee – choramingou ao pular em cima e a abraçá-la.

─ Hana, pare. Nós vamos cair assim – seu tom de voz demonstrava preocupação e raiva ao mesmo tempo. – E não me chame assim!

Freesia estava na beirada do corrimão, tentando se equilibrar para não cair. Porém estava cada vez mais difícil, Hana colocara seu peso todo em cima da outra, forçando-a ir cada vez mais para trás.

─ Eu estava com tanto medo – disse entre soluços.

Tudo aconteceu muito rápido, a fada negra perdeu o equilíbrio com a outra abraçada a ela e caiu. A grande altura, o fato de estar com as asas rasgadas e completamente esgotada magicamente só aumentou seu desespero. Ela gritou pela princesa para que a ajudasse, mas dela só recebeu o silêncio, estava ocupada demais dando atenção ao amigo para escutá-la. Hana era outra que parecia estar ocupada demais com seus choros e soluções para enxergar o que estava acontecendo.

O tempo passava e o desespero de Freesia aumentava. Somente nos últimos segundos, para sua sorte, é que seu desespero cessou, Hana percebeu que estavam caindo. Ela bateu suas asas com força, provocando uma desaceleração até pararem de cair e voltarem a subir. A subida levou mais tempo que a queda, a pequena fada de feições infantis foi obrigada a fazer muito esforço para subir as duas até a altura do corrimão novamente, suas pequenas asas mal aguentavam o peso das duas.

Freesia olhou para baixo e suspirou.

─ Isso foi perigoso. Não faça mais isso – ordenou ainda fitando o chão, a outra continuava chorando e soluçando. – E pare de chorar.

─ Hana me pediu que a trouxesse aqui, por isso eu vim – ouviram as duas, Andres se explicava à elfa.

A pequeníssima fada colocou a amiga em cima do corrimão rapidamente e voou para perto do rapaz quando ouviu falar dela.

─ Quando todas voaram para longe e se esconderam, eu também voei e me escondi na cabeleira desgrenhada dele – contou Hana orgulhosa de si mesma. – Depois que vocês se despediram, vi que Freesia havia ficado presa no seu cabelo, então pedi a Andis que me trouxesse aqui – mais orgulho transbordava de seu rosto.

─ Andis? – Caly olhou de um ao outro, confusa. O rapaz nada disse, apenas suspirou desanimado enquanto Hana lhe respondia.

─ Sim, Andis, aquele homem ali – apontou.

Caly arqueou a sobrancelha, mas nada falou. Seu amigo já parecia ter desistido de corrigi-la.

─ O que veio fazer aqui, Hana? – perguntou Freesia.

─ Antes da confusão que começamos, quando ainda estávamos em nossas celas, nossa Senhora me contou sobre uma antiga profecia... – hesitou. Ela tentava se lembrar do que lhe fora dito, mas sem sucesso.

─ Que profecia? – perguntou Freesia.

Hesitou mais uma vez, receava que brigassem com ela por não se lembrar. Ela olhou para cada um deles bem devagar, tentava encontrar a melhor maneira de dizer. Porém, quanto mais tempo passava em silêncio, mais pressão sentia transpassar pelos olhares de todos, o que a deixava ainda mais nervosa.

─ Fale logo, Hana. A elfa aqui é confiável e se este humano não te entregou às autoridades, deve ser também.

─ Andres não concorda com as atrocidades que sua espécie comete – argumentou Calyoth. – Acredito que há mais alguns poucos como ele.

─ Hana! – gritou Freesia.

Ela pulou, assustada, quando a outra fada gritou e então começou a chorar, vomitando palavras incompreensíveis. Desta vez seu pranto era maior que o anterior, os olhos não paravam de transbordar lágrimas e suas asas batiam cada vez mais devagar, de modo que ela descia lentamente até parar sentada no ombro esquerdo de Andres. Ela se calou, as lágrimas desceram em silêncio enquanto ela esfregava os olhos sem parar.

─ Pare de chorar e fale algo que possamos compreender – disse sem paciência a outra fada.

─ Eu não lembro – respondeu entre soluços e lágrimas −, só lembro que falava sobre um herói capaz de derrotar a maldade.

─ Como pode se esquecer de algo tão importante? – indagou Freesia – A sobrevivência de nossa espécie depende disso.

─ Eu sinto muito – lamentou, e depois se encolheu atrás de seus joelhos.

─ Você sempre será uma inútil mesmo – Freesia correu pelo corrimão até chegar à parede onde estava preso, então pulou nas folhas de uma pequena planta de vaso que estava ao lado do corrimão. De folha em folha, ela chegou ao chão completamente ilesa, então correu para dentro do quarto e se escondeu atrás de algum objeto onde decidira passar a noite.

Ela ouviu Hana chorar descontroladamente, mas não se importou, apenas permaneceu onde estava e fechou os olhos para dormir, adormecendo rapidamente. Estava muito cansada por tudo o que aconteceu naquele dia, além disso, estava também farta da infantilidade da outra fada que, mesmo em uma situação crítica, nada fazia para ajudar. Para ela, Hana nada mais era do que um fardo que atrasava todo mundo com sua lerdeza e o jeito de criança.

Quando Calyoth acordou, no dia seguinte, ainda estava bem cedo, tênues raios apontavam no horizonte promovendo uma pequeníssima iluminação, mas não o suficiente para ofuscar o brilho da lua que reluzia intensamente no céu estrelado. Com muito cuidado e fazendo o maior silêncio possível, ela correu até o baú maior que estava perto da parede e o revirou até encontrar um vestido velho e remendado que escondia bem lá no fundo. Era uma roupa nada sofisticada, usado apenas por camponesas, porém era perfeito para a ocasião, poderia se misturar à multidão da cidade sem ser reconhecida como uma princesa. Vestiu rapidamente junto com uma capa já ruça que amarrara no pescoço.

Ela se olhou demoradamente em frente ao espelho de corpo inteiro que estava ao lado da escrivaninha, depois para Hana embaixo de seu travesseiro e para Freesia na estante, ambas dormiam tranquilamente. A calmaria lhe dera segurança para continuar, esticou a mão para perto do espelho e abriu o punho. Uma luz prateada irradiou de sua mão e inundou todo o quarto com incríveis e brilhantes feixes.

Hana acordou e voou até a estante, onde Freesia se encontrava, enquanto esfregava freneticamente os olhos e bocejava. A claridade a cegou por completo, por um minuto Hana não conseguiu abrir os olhos.

─ Quem trouxe a lua para dentro do quarto? – perguntou com os olhos franzidos.

─ Ninguém, sua idiota – respondeu Freesia. – É a elfa.

─ A elfa virou a lua?

Freesia suspirou fundo, sem paciência, então a puxou para perto.

─ Fique quieta e observe.

As duas viram, aos poucos, todo o cabelo loiro-avermelhado da jovem princesa se tornando castanho escuro, da raiz às pontas. Depois foi a vez dos olhos, de profundos lilases ao preto fosco, quase sem vida, como o da maior parte das pessoas do reino. Por último, as orelhas, a ponta delas regressou até atingirem o tamanho e a forma de uma orelha humana. Ela se parecia como qualquer outra humana.

Está feito, disse a si mesma mentalmente após respirar fundo. Escondeu o rosto sob a penumbra do capaz. As duas fadas a observaram sair pela varanda, escutaram seu corpo bater de leve na grama no andar debaixo e depois seus passos apressados. Só não sabiam dizer como ela havia feito isso.

Calyoth correu para a floresta e se embrenhou até a pequena clareira que ela conhecia bem. Retirou a terra e pequenos tufos de grama de cima, então abriu o alçapão. Uma corrente de ar frio e úmido açoitou seu rosto e braços descobertos e obrigou-a apertar seu corpo esguio dentro da capa. Os poucos raios de sol que despontavam no horizonte ainda não eram suficientes para aquecer o frio da noite.

Ela fitou a escuridão do túnel que se seguia abaixo do alçapão. Estava decidida em fugir temporariamente de seu cativeiro para procurar pelas outras fadas, mas se esgueirar por aquela galeria nunca fora fácil, era impossível enxergar lá dentro e o inebriante cheiro forte da maresia a torturava, chamando intensamente por seu nome. Era preciso se concentrar muito no que queria fazer para não perder o controle de si mesma e cair na tentação de se juntar ao mar.

─ Este é um caminho sem volta, minha cara – uma voz rouca e fraca a assustou.

Olhou ao redor atrás da dona da voz com aflição, porém ao seu redor havia apenas árvores e mais árvores, além da pouca luz da alvorada e o silêncio. O sol subia timidamente pelo céu e poucos feixes conseguiam ultrapassar a copa das árvores e chegar até o chão.

Uma brisa passou por entre as árvores e, novamente, açoitou-a. Ela precisou segurar o capuz para que este não caísse. A atmosfera fria a encorajou a prosseguir.

─ Eu preciso ajudar aquelas fadas – gritou, mais para si do que para quem quer que estivesse a observando em silêncio, e depois pulou túnel adentro, fechando a portinhola atrás de si.

A dona da misteriosa voz gargalhou com toda a pouca energia que dispunha.

─ As engrenagens do destino começaram a se mover – concluiu a mesma fraca e rouca voz de antes. Uma estranha movimentação de ar empurrou a terra e folhas para cima daquela porta de madeira, escondendo-a. – O fim se aproxima.


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Notas finais do capítulo

E ai? O que acharam?



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