Joseph arranca o terceiro papel das minhas mãos. Ele encara aquelas palavras que declaram a morte de sua filha e vejo que suas mãos começam a tremer. Quero confortá-lo, dizer que aquilo vai passar. Mas como mentir para ele? Aquela dor nunca vai passar. Ele irá se acostumar, um dia, ela pode atenuar, mas deixar de existir... Não. Esta dor nunca deixará de existir.

– Joseph... – tento dizer.

Ele não diz nada, apenas dá as costas e se senta no sofá empoeirado. Aproximo-me dele e o abraço. Sei que não preciso dizer nada, sei que apenas a minha presença basta para ele. Às vezes um gesto é mais valoroso do que palavras. E, neste momento, Joseph não precisa de palavras. Ele só precisa de alguém que esteja ao seu lado, mostrando que a vida ainda vale a pena.

Vejo algumas lágrimas caindo. Aquilo me surpreende porque eu nunca vi o Joseph chorar. Mas não digo nada, apenas o abraço mais forte e ele retribui.

Depois do que pareceram horas, ele finalmente fala:

– Liv, eu não entendo. Perdi todas as pessoas que amo. Por quê?

– Eu não sei, Joseph... Deus traça caminhos que os homens não podem entender.

– Primeiro Antônia. Depois Marcus. E agora descubro que também Estrela está...

– O que quer fazer? – pergunto.

Ele levanta o rosto para me encarar. Sua mão acaricia minha bochecha e meu coração salta no peito. Seu olhar fixa-se ao meu. Aquela sensação tão amiga de que eu já tinha encarado aqueles olhos tão azuis várias vezes reaparece. Sinto a minha alma sorrir. Quero dizer o que eu sinto, mas sei que não posso fazer isso.

Como se pudesse ler meus pensamentos, Joseph sorri.

– Ainda hoje de manhã, você estava me xingando mentalmente, lembra? – pergunta.

Eu rio. Aqui está um pequeno resquício do Joseph que eu amo. Um Joseph alegre, provocador e irritante.

– Você é uma mulher incrível, Liv. Qualquer homem terá sorte em ter seu amor.

Agora tenho vontade de gargalhar. Olha só que irônico. Aqui está o homem que realmente tem o meu amor. Dizendo-me isto.

Contenho-me e apenas aceno afirmativamente com a cabeça.

– Obrigado por tudo. Você é... a pessoa mais incrível que eu poderia conhecer – diz. E por um instante, vejo seus olhos pararem na minha boca.

Mas isto não pode acontecer. Quero dizer, é claro que eu desejo este beijo. Desejo mais do que tudo. No entanto, não quero que ele me beije pensando em outra pessoa. Não quero saber que ele está me beijando, e ama outra. Conviver com isto é pior do que conviver com a certeza de que eu jamais o terei.

Por isso, afasto-me um pouco e olho para o relógio. Já são sete horas da noite. Sim, realmente ficamos horas nesta casa, sem dizer uma palavra. Afinal, Joseph só precisava de silêncio. E eu concedi isto a ele. Pergunto:

– O que quer fazer?

– Não posso te pedir mais isto, Liv. Já é noite. Você se alimentou muito mal hoje. Não há mais nada que possamos fazer.

– Tem certeza de que é isto que você quer?

– Sim – diz.

Fico em silêncio um momento, olhando para ele.

– Não irei mais vê-lo, não é?

Joseph respira fundo antes de responder:

– Não.

– Para onde você vai?

– Eu não sei. Não sei o que há depois disso. Irei para onde Deus me enviar.

– Irá se lembrar de mim? – pergunto, baixinho.

Joseph se levanta e me puxa para que eu me levante também. Olha em meus olhos e diz:

– Sempre, Liv. Você é uma parte de mim. Minha alma sempre se lembrará de você.

Agora sou eu que estou chorando. Esta despedida me machuca mais do que posso imaginar.

– Ah, Joseph! – exclamo, abraçando-o.

Ele me aperta forte até as minhas lágrimas secarem.

– Liv – murmura –, quero te pedir uma última coisa.

– Pode pedir.

– Quero ir ao cemitério. Ver...

– Eu entendo. Vamos.

Pego a chave do carro e saímos pela estrada escura.

***

Estamos no cemitério. Há apenas nós dois e as lápides. Estamos parados em frente à lápide de Antônia e Estrela, que foram enterradas juntas. Pelas datas, deu para perceber que Estrela viveu apenas poucos dias. Eu jamais iria entender o porquê da pequena não ter sobrevivido.

Uma lágrima escorre no meu rosto ao pensar em Estrela. Ela era tão pequena, merecia conhecer o mundo. Merecia ver o nascer do sol, ver a lua surgindo no horizonte. Merecia escutar o canto dos pássaros, ouvir uma música que a fizesse se emocionar. Merecia crescer, se tornar uma moça, ter seu primeiro amor. Ela merecia a vida. Porque tudo o que ela tinha feito foi ser fruto do amor mais lindo que eu já conheci.

Joseph se ajoelha e toca nas lápides. Ele não chora. Penso que todas as suas lágrimas secaram na casa de Marcus. Toco em seu ombro.

– Joseph, está ficando tarde... – digo.

– Eu sei, mas... Eu vou ficar, Liv.

Eu meio que já esperava por isto, então apenas digo:

– Tudo bem.

Um peso no meu bolso me incomoda. Pego e vejo que é o anel de Antônia. Tenho que devolvê-lo a Joseph, então me ajoelho e estendo a mão.

Joseph me encara. Nossos olhares estão fixos um no outro. Estou me controlando para não chorar, mas meus olhos estão marejados. A partir de hoje, eu não verei mais Joseph. O meu melhor amigo, o meu primeiro amor. Uma lágrima escorre por minha face.

Ele aproxima seu rosto do meu e sei que não poderei lutar contra. Fecho os olhos quando Joseph encosta seus lábios nos meus, e outra lágrima corre por meu rosto.

Então ele finalmente se separa de mim, e ainda ambos de olhos fechados, ele coloca sua mão sobre a minha para pegar o anel.

Uma corrente estranha passa por meu corpo. Sinto como se eu finalmente tivesse me libertado. Como se eu finalmente soubesse quem eu sou, e estivesse onde eu devesse realmente estar. Eu me reconheço. Mas não como Liv.

Abro os olhos e encaro a imensidão azul do olhar de Joseph. Um olhar que eu vi durante anos. Um olhar com o qual eu sonhei durante todos os dias da minha curta existência.

Eu sorrio quando Joseph pronuncia a única palavra que sei que é verdade em mim:

– Antônia.

E então ele me beija.