A Última Vez escrita por Miyuki Yagami


Capítulo 1
Capítulo 1


Notas iniciais do capítulo

Eu estou postando essa estória aqui também porque vou acabar The Raven daqui a três capítulos, então tudo bem (eu acho).
Espero que gostem!!!!!! *--------*!
Boa leitura o/



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A primeira vez que eu o matei nós tínhamos apenas onze anos. Foi minha primeira vida. Não fazia ideia do que eu era, ou do que ele era. Éramos apenas crianças alienadas sobre o que acontecia de verdade.

Nossa própria origem era ocultada sem ao menos o porquê.

Somos apenas peças feitas por Deus para sermos jogados por eles. Digo, eu era uma peça. Não sou mais.

Não depois daquele dia.

Há seres que tentam argumentar afirmando que a culpa não foi minha. Eu não o matei com minhas mãos. Eu fui o alvo e o matei indiretamente.

Talvez eles tenham a razão. Foi culpa da maldição que lançaram em meus pais. Não que eu os conheça, mas todos falam que minha família foi amaldiçoada. Por isso eu nasci.

Eu não estava nos planos do mundo.

Ele sim.

É por isso que até hoje ele não me matou. É sempre a mesma coisa. Eu o encontro. Sua aparência é a mesma. Sua personalidade aos poucos muda, porém a essência continua igual.

Ele se apaixona por mim. E eu por ele.

E então ele morre.

O ciclo continua se repetindo monotonamente. Eu o mato. Ele morre sem saber o motivo.

Eu sei que vai continuar com isso por muito tempo ainda. Até porque eu já o matei 76 vezes.

Agora estou indo matá-lo pela septuagésima sétima vez, antes que eles o achem. Antes que destruam o mundo. Antes que me destruam.

Capítulo 1.

Meiko afunda o rosto na poltrona do trem. Ela tenta se aconchegar e fecha os olhos por um instante. Seu uniforme é um pouco apertado para ela, e escuto-a reclamar sobre isso. Viro a página de meu livro e tento ignorá-la como sempre faço.

Logo ela está dormindo e eu estou no clímax. Acho interessante a ideia de seres humanos normais tratarem os temas “sobrenaturais” como algo bom, e ainda mais interessante o fato de quererem se envolver com isso.

Se eles soubessem...

Meiko ronca. A cabine é aberta e Rin entra. Rin é a que mais chega perto de ser uma humana normal, apesar de ser uma angelious. Ou, se quiser simplificar, um anjo caído. Ao contrário do que está escrito nos livros, a imagem mais próxima que eles passam de um angelious é um ser obscuro.

Rin é a garota mais radiante de nosso clã. Completamente diferente de seu irmão, um anjo normal. Diferentemente de anjos normais, Rin não possui asas. Ela apenas é como uma humana qualquer.

Por isso chamamos pessoas como a Rin de anjos caídos. Pois eles não podem voltar para seu lugar de origem.

Ela pega sua bolsa e tira uma grande caneta permanente. Não faço a menor ideia de como ela conseguiu isso, e na realidade nem me importo. Rin olha para mim procurando qualquer sinal de desaprovação ou incentivo.

Viro outra página.

Rin destampa a caneta e chega perto de Meiko. Meiko ronca algumas vezes. Ela se assemelha muito a porcos quando dorme. E quando está bêbada também. Desvio minha atenção e volto para o livro. Consigo observar tudo o que acontece pelo canto do olho.

A loira se aproxima cada vez mais, e começa a desenhar um risco no buço. Meiko nem se move. Rin termina de desenhar o pior bigode que já vi em todo esse tempo. Ela sorri satisfeita.

Finjo que não prestei atenção.

- Tcharan! – Ela começa a rir. Dou um pequeno sorriso. Ela continua em pé esperando que eu olhe para ela. Não o faço, mas ela permanece. Que teimosa.

O trem dá um solavanco e Rin é jogada no chão. Meiko desperta e é jogada para o chão também. Eu suspiro. Que azar. Meiko não se levanta e fica esmagando Rin.

- Tira... esses... daqui!! – Rin gritou.

Meiko percebe que está esmagando Rin e se levanta.

- Por que estava aí? – pergunta. Rin tenta não rir por causa do bigode e consegue se segurar.

- Não se pergunta uma coisa dessas! Será que você tem problemas? – Rin desvia o olhar e tapa a boca com uma das mãos. Meiko dá de ombros e volta a sentar na poltrona.

- Vocês sempre tem que fazer escândalo? – briga Len, entrando. Ele sim possui asas. É incrível como Len e Rin podem ser tão diferentes, mas ao mesmo tempo, tão iguais.

- Eu não estou fazendo escândalo! Você é que está! Aliás, onde é que estava? – Rin pergunta um pouco curiosa.

Len respira fundo para não se irritar.

- Eu estava com o Gakupo! Lembra que nos separamos? – Fomos divididos em dois. Precisamos localizar Kaito e protegê-lo dos outros. – Agora vocês me fazem vir até aqui para relembrar vocês que estamos em uma missão.

- Olha, a única pessoa escandalosa aqui é você. – Meiko fala.

- Do que você está falando, sua bigoduda? – Len estira a língua.

- Bigoduda? – Meiko procura um espelho na sua bolsa até que acha um. Ela olha o rosto. Rin tenta sair furtivamente, mas Len a segura. Quando olhamos para Meiko, tudo que vemos é trevas. – SUA MALDITA!

Meiko pula para cima de Len na tentativa de pegar Rin. Rin se esquiva e corre no espaço minúsculo que temos. Fecho o livro e o guardo na minha bolsa. Eles não conseguiam ser discretos. Seria melhor não ser vista com eles.

Levanto e passo por cima dos três que estão em uma luta sem fim. Abro a porta da cabine e saio. Não há ninguém além de mim nos corredores. O trem continua parado, por isso é um tanto estranho ninguém querer saber porque estamos parados.

Olho para o pequeno relógio em meu pulso. Estamos de madrugada. Deve ser por isso.

Ando até o próximo vagão e sento em um dos bancos do restaurante. Não há ninguém ali e não estou com fome. No momento, tudo o que eu preciso é investigar. Apesar de todos os pretextos, alguma coisa age fora do normal.

Escuto barulhos de passos vindos do penúltimo vagão do trem. Pulo em cima da bancada e me encolho embaixo da mesma. Espero qualquer sinal. Os passos são rápidos, como se o dono almejasse escapar de algo.

Ou de alguém.

Prendo a respiração quando chega até o vagão do restaurante. Escuto farejadas e sei, quase no mesmo instante, que o alvo não é humano, ou até mesmo um ser parecido com humano. A coisa continua tentando me rastrear e aperto meu estômago. O cheiro que isso tem é nojento, me lembra de todas as coisas ruins que Meiko tentara cozinhar e fracassara incrivelmente.

Fico sem saber o que fazer. Tento me encolher mais, mas não consigo diminuir. Copos e garrafas são quebradas. Talheres são pisoteados. Olho para cima e tudo o que eu vejo é... uma fuinha.

Levanto e aperto meu cinto. Puxo minha espada de prata e encaro a fuinha.

Ichneumon. Uma fuinha que era inimiga natural dos dragões em tempos antigos. Obviamente, se há fuinhas, há dragões por perto.

“Droga” penso “Precisamos sair daqui antes que um deles nos ache. Levanto a minha espada e espero o primeiro passo da fuinha. Ela pula para me alcançar e eu desvio, desferindo minha espada contra ela. Como o esperado de uma fuinha, ela desvia facilmente e corre para longe do meu alcance. Apesar de “derrotar” dragões, Ichneumons são, naturalmente, monstros.

E eu preciso derrotar cada um deles.

Dou um salto e paro na frente da fuinha. Ela freia e corre para o outro lado.

- Nada disso, mocinha. – murmuro. Tento novamente golpeá-la com a espada, mas ela pula. Já sei uma maneira de pegá-la de surpresa.

A fuinha corre para a porta do vagão e eu faço de conta que a atacarei. Como de esperado, ela pula. Eu enfio a espada no seu corpo. O Ichneumon guincha e se desfaz na minha frente.

Guardo a espada no cinto e o aperto. Magicamente ela some. Bato as mãos para me livrar do pó de Ichneumon. Dragões e fuinhas esquisitas não estavam no catálogo da Crypton School. Espero que tenham uma boa explicação para o ocorrido.

Decido deixar as coisas como estão e apagar a memória de quem fizer algum alarde sobre os estragos no restaurante.

Tenho que voltar ao meu vagão e contar para os outros o que aconteceu.

Deparo-me com uma garota de cabelo rosa olhando para o pó de Ichneumon. Ela observa aterrorizada. Como não pude percebê-la? Sou tão inútil assim?

Com dificuldade, ela ergue a cabeça para me encarar. Seus olhos azuis estão arregalados e eu tento agir naturalmente. O mais naturalmente possível para alguém que acabou de matar uma fuinha com uma espada que desaparece magicamente.

Ela abre a boca para falar uma coisa, e desaba. Suspiro. Eu a pego pelos pés e começo a arrastá-la pelo corredor. No seu crachá de novata está escrito vagão 7 cabine 9. Eu continuo a puxá-la. Apesar de não ser pesada, ainda me sinto cansada. Tenho lutado sem parar com monstros desde que fiquei na antiga cidade, só para pegar o trem para ir à Crypton School, o internato para o qual Kaito Shion fora transferido. Junto com vários outros dele.

Não durmo há três dias. Abro a porta do vagão oito para o sete e continuo a arrastando. Seu cabelo rosa poderia deixar rastros se ela fosse um monstro pegajoso. A minha sorte é que ela parece ser normal. Paro em frente à cabine 9 e a abro. As outras três pessoas de lá estão dormindo profundamente.

Eu levanto a garota e a coloco na poltrona vaga. Saio da cabine e fecho a porta atrás de mim.

- Você sabe o que está acontecendo? – pergunta uma voz que conheço melhor do que tudo. Dou uma olhadela e vejo que é ele. Os mesmos cabelos azuis, a mesma pele branca como leite, os mesmos olhos perfurantes.

Nego. Preciso manter a distância. Ele não pode se apaixonar por mim. Não dessa vez. Não.

Ele olha preocupado ao redor, procurando por algo. Depois se volta a mim.

- Tem certeza que não sabe de nada? – Nego outra vez. Ele morde os lábios. – Já faz um tempo que o trem parou, e eu só encontrei você aqui. – Ele para, tentando escutar algo além. Eu sei o que ele está achando. Achando aquilo tudo estranho demais. Ele já suspeitava sobre algo anormal. Astuto como sempre, como esperado dele. – Não acha que... não acha que algo está errado?

Assinto apenas uma vez.

Ele suspira aliviado.

- Que ótimo! Achei que estava ficando maluco! – Ele sorri. Seu sorriso também continua o mesmo. – E também achei que estivesse sozinho.

Dou um pequeno sorriso para que ele não se sinta deslocado. Naturalmente se espera que perguntem porque você não fala ou porque está acordada quando todos estão dormindo, ou ao menos que lhe questionem porque matou uma fuinha “indefesa” que só tem poder o suficiente para matar um dragão, coisa que muitos não conseguem.

Mas Kaito não perguntaria nada disso. Ele apenas te acolheria e faria você se sentir em casa, independentemente do que tivesse feito, ou planejado fazer, ou mesmo o que você é, ou o que deixou de ser. Ele não deveria se apaixonar por uma pessoa como eu.

Uma pessoa que o matou trinta e seis vezes.

E que o mataria logo.

Seguro meu cinto um pouco nervosa. Seria o momento perfeito para acabar com ele. Só precisaria fazer isso de novo daqui a dezesseis anos e estaria mais ou menos livre nesse meio período.

Decido não fazê-lo, mas não solto o cinto. Se eu tivesse coragem, o mataria no mesmo instante. Mas sou fraca e covarde, nunca deixei de ser. E era por isso que dependia dele, por isso que dependia dos outros, por isso que dependia de armas ao invés de simplesmente liberar todo o poder mágico que vem se acumulando em meu corpo durante todo esse tempo que vivi.

Eu tenho medo de ele parar de existir. Tenho medo de ficar sozinha. Tenho medo de liberar meu verdadeiro poder e acabar eliminando todos a minha volta sem querer, tudo porque eu não consigo me controlar. Porque eu não deveria ter nascido.

Kaito espreme os olhos para conseguir ler meu crachá.

- Vagão um – murmura ele. – Cabine três.

Tenho certeza que Kaito murmurou para ele mesmo, mas consigo ouvir. Finjo que não ouvi nada para que Kaito não fique constrangido. Eu o olho de cima abaixo. Ele veste o uniforme comum para meninos da Crypton, calça preta, camisa branca, uma gravata azul e um blazer da mesma cor com um enorme C dourado do lado esquerdo simbolizando a Crypton.

Em meus pensamentos eu perfuro aquele C com minha espada e vejo o sangue cair rapidamente. Ele não teria tempo nem de dizer alguma coisa, como mandar que eu queimasse no inferno.

Eu não poderia queimar no inferno nem se quisesse.

Balanço a cabeça um pouco tonta por causa da visão. Eu tinha que manter o controle. Não acabaria com Kaito.

Pelo menos, não ainda.

Eu tinha que decidir o que fazer, como fazer e quando fazer, não podia ser induzida por imagens como aquela. Segurei mais forte o cinto. Se fosse possível, minha espada roncaria. Era por isso que a chamavam de Sedenta por Sangue.

- Com você, são quatros na sua cabine, não é mesmo? – pergunta.

Minto e assinto. Éramos apenas três. Em outra cabine havia ainda Gakupo e Len.

- Ah, que coisa. Parece que só a minha cabine tem só um passageiro. – reclama. Prendo a respiração por um momento. Parecia até um plano para...

O trem volta a se mover e Kaito cai em cima de mim, me derrubando. Ele dá um pulo e fica corado. Estende sua mão enquanto me pede desculpas.

Porém, eu não presto atenção.

No seu crachá está: Vagão Sete, Cabine Sete.

Um passageiro.

Estão o encaminhando para morte.

Deixo o para trás e não me despeço.

Como o esperado, ele não me segue.


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