– Não se pode matar quem já está morto dona Marta. – Murmurou com lágrimas escorrendo de seus olhos, mas sem nenhuma expressão facial.

– Não diga uma coisa dessas! Você não está morta Éponine!

– Já destruíram a minha alma, eu não tenho mais alma. A senhora lembra o quanto eu rezei quando eu cheguei aqui, mas nada mudou na minha vida, só piorou! A minha mãe morreu da maneira mais vil que eu já vi. – Despejou se deixando chorar completamente. – O meu corpo dói e é a terceira vez que me tiram o direito de gerar uma vida que mesmo indesejada é uma vida! Eu sou usada como um objeto e sofro castigos todos os dias por tentar defender o que ainda restou de mim. Como a senhora quer que eu tenha fé?! Deus se esqueceu de mim!

– Essa é a coisa mais absurda que eu já ouvi de ti menina. Deus vê tudo o que se passa na tua vida!

– Então por que ele não faz nada pra me ajudar se eu já pedi tanto! O que eu fiz pra merecer isso? Eu era apenas uma menina de dez anos que não teve escolha! A senhora quer que eu acredite em quê? Que depois de tanto tempo Deus vai se compadecer de mim e dar um jeito de me tirar daqui? O que a senhora quer? Um milagre? Sabe de quê me serviram esses nove anos? De aprendizado, dona Marta, eu aprendi que quando se entra no inferno todas as portas se fecham e não tem mais como sair dele.

– Um dia tu ainda vai te arrepender dessas palavras, mas eu não vou discutir contigo agora. Vem, eu vou te ajudar com um banho e vou cuidar desses hematomas. Consegue se levantar sozinha?

– Consigo. – Sussurrou.

Dona Marta arrastou Éponine até um pequeno banheiro e a despiu de todas as suas roupas, levando junto com elas boa parte dos vestígios de sangue de um ato brutal. O corpo era de dar pena, todo roxo e esverdeado, além de magro por causa da péssima alimentação, as costas dona Marta já conhecia bem e sabia que essas sempre estariam com marcas recentes de chibatadas por tanta teimosia, mas o que mais cortava o coração da senhora que criara Éponine como mãe desde o falecimento da sua verdadeira eram os pulsos e os tornozelos da garota, parecia que tinham queimado em ambos a marca de correntes com ferro quente, mas as marcas eram devidas ao tempo em que ficava acorrentada nas salas de tortura, no troco ou até mesmo no próprio quarto que mais parecia uma cela.

Com todo cuidado derramou algumas gotas de água esquentada no fogão a lenha sobre a pele cortada da menina, a vontade de gritar era imensa, mas Éponine apenas emitiu um gemido de dor que logo tratou de abafar mordendo uma toalha.

Dona Marta ensaboou todo o corpo de Éponine e com muita delicadeza esfregou suas costas. Lavou os cabelos da garota com o sabão que tinha disponível e considerando a condição de ambas naquele lugar ele era praticamente escasso.

Depois de seca ‘Ponine foi levada a cama por Dona Marta que a deixou ali, pois teria que voltar com seus afazeres na cozinha que mais parecia uma masmorra.

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Enquanto tentava descansar o corpo e a alma Éponine ouviu um murmúrio perto da porta do seu quarto e muito curiosa se aproximou para continuar escutando.

– Estive fazendo uns “favorezinhos” para Bamabatois e ele me contou que um homem de excelentes status vem aqui pra falar com o Rupert.

– E o que um homem de ‘excelentes status’ como diz você tem pra falar com aquele brutamonte do Rupert? Por Deus ele compra e vende escravos pro reino!

– Parece que o Rupert capturou uma escrava dele e ele vem buscar P-E-S-S-O-A-L-M-E-N-T-E! Isso é que é dono dedicado...! Ou ela o serve muito bem de outras maneiras... Haha!

– Como ainda perco meu tempo com isso?! – Resmungou Éponine ao ver que era mais uma conversa sem conteúdo de Anna e Celina, meretrizes por vontade própria, fúteis e extremamente vulgares.

Deitou-se novamente e tentou dormir, pois sua vida não era fácil e mesmo depois de tudo que passou na noite anterior amanhã teria que estar de pé bem cedo para enfrentar mais um dia do seu inferno de vida.