A Feiticeira escrita por rkaoril


Capítulo 29
Memórias


Notas iniciais do capítulo

"Memórias
Não são só memórias
São fantasmas que me sopram aos ouvidos
Coisas que eu
Nem quero saber"

Sei lá eu acho que vou começar a por uma música pra cada capítulo.



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XXIX

ELIZABETH

O LUGAR ERA ESCURO, frio e desconfortável. Elizabeth ainda estava com sono. Ela cogitou morrer ali no chão, só para descansar de vez e não ter mais que se preocupar com situações de vida ou morte. Johnathan não permitiu. Ele ficou reclamando por uma hora com sua vozinha irritante e não a deixou dormir/morrer. Ela revirou os olhos e se levantou, aproveitando a visão noturna para analisar o lugar.

Não havia nada para analisar, era apenas um corredor escuro. Ela bocejou e olhou ao redor, não parecia haver qualquer ameaça.
– Podemos dormir? – ela perguntou a Johnathan.
– Não? – ele disse como se fosse óbvio. Ela revirou os olhos de novo.
– Cabeça de Vento. – resmungou.
– Ossuda – replicou ele.

Ela piscou de novo, esse lugar era realmente escuro mesmo para ela. Olhou ao redor, e então para trás, o que não tinha feito antes. Viu o que parecia uma linha azul brilhante, um pouco sutil, assim como o delta.
– Você vê aquilo? – ela perguntou, apontando para a linha. Johnathan fez uma careta.
– Aquilo o que?
– A linha azul, fina como um fio de cabelo.
– Eu não vejo nada.

Ela franziu o cenho – estava vendo coisas? Piscou os olhos e então os esfregou. A linha continuava ali.
– Vamos por esse lado – sugeriu ela, apontando para o corredor da linha – ver no que vai dar.
– Por que não o outro?
– Intuição. – ela disse – Sou filha de Hades e estamos no subterrâneo. Posso sentir o caminho desse lugar. – ele concordou.

Isso não era exatamente mentira – em seus pés, sentia todas as elevações do lugar: uma espécie de labirinto que circuncisava infinitamente várias paredes e becos sem saída. Tinha uma ideia ótima de como funcionava seu GPS subterrâneo, mas o GPS sobrenatural apitava tanto que ela achava mais seguro confiar na linha azul no chão. Caminhou por algum momento seguindo a linha até que percebeu o que acabou de perceber.
– Estamos no Labirinto.
– O que? Você quer dizer O labirinto?
– É, aquele do Dédalo. – Johnathan franziu o cenho.
– Você tem certeza? – ela assentiu – Bem, que droga.

Isso apenas mudou sua situação o suficiente para que desembainhassem as armas – mesmo que não estivessem no Labirinto, a missão inteira tinha sido uma situação de vida e morte após a outra. Ela continuou seguindo a linha, até que ela seguia pelo lado direito de uma bifurcação. Continuou seguindo, apenas dizendo ‘minha intuição disse isso’ quando Johnathan fazia alguma pergunta.

A linha os levou até o que pareceu a Câmara Secreta do Harry Potter. O lugar era um imenso corredor de pedra, que levava até uma estátua enorme do que poderia ser tanto Poseidon quanto Netuno (Elizabeth não via qualquer diferença relevante). A câmara era extensa, então o que não seguia o caminho de pedra estava completamente encharcado de água aparentemente salgada. Aos lados, havia emaranhados de túneis que traziam a água do mar. Aos pés do imenso Poseidon, havia o que parecia um altar vazio.
– Isso parece um templo. – disse Johnathan.
– Ah, você acha? Quem pode ser o deus desse templo, talvez Poseidon?
– Olá. – disse uma voz vinda de trás da estátua. Tanto Elizabeth quanto Johnathan deram um grito e apontaram as lâminas na direção de quem saiu de trás dela, uma mulher loira. Ela parecia pálida como um morto (acredite, Elizabeth já tinha visto vários) e usava um vestido roxo escuro que parecia mais um lençol amarrado em seus ombros – como aqueles de cigana. Seus cabelos estavam atados em um rabo de cavalo e os olhos eram negros como ônix. Ela olhou para as espadas e levantou as sobrancelhas – Não precisam se assustar assim – disse ela – eu não tenho intensão de machuca-los, por hora.
– Por hora? – disse Elizabeth.
– Você! Você é a mãe da Catherine! – reconheceu Johnathan. A mulher sorriu.
– Fico feliz que me reconheça, Johnathan. Pelo menos desta vez estamos em condições melhores. Embora... pouco melhores.
– Você é Hécate? – disse Elizabeth. A mulher assentiu.
– Sim. Eu vim falar com você, Elizabeth. – ela então abriu os braços e o lugar todo pareceu ficar borrado. Elizabeth se sentiu flutuando, como se tivesse mudado para o estado gasoso. Atrás dela, Johnathan gritava algo incompreensível, cada vez mais baixo até completamente desaparecer.

Elizabeth então tocou o chão novamente, o lugar era muito diferente – parecia uma construção grega com várias colunas brancas em um corredor enorme que nunca acabava. A sua frente, Hécate jazia segurando uma tocha.
– Este não é o seu momento de enfrentar uma encruzilhada – ela disse – mas ele logo chegará. Eu vim portanto, fazer outro tipo de oferta a você.
– Catherine me disse que eu tenho sua bênção. – disse Elizabeth – É a respeito disso?
– Sim. – respondeu Hécate – Você pode controlar a névoa tão bem quanto Catherine. Você tem esse potencial. A diferença é que o seu poder se manifesta de maneiras diferentes.
– Como assim?
– Catherine nasceu para controlar a névoa, como minha filha. Os resultados do progresso dela são medidos por quanto eu descido dar a ela do meu poder, embora ela possa levianamente melhorar isso aprendendo seus truques e macetes. Você não, o quanto você avança na prática depende de você, não da minha bondade. Seus poderes vão depender de muito sacrifício e dedicação.
– Eu achava que você havia me abençoado com esses poderes. – resmungou Elizabeth. Hécate suspirou irritada.
– Você vai ter que fazer por merecer – disse Hécate – Este labirinto é controlado pela magia de uma feiticeira muito antiga, uma imortal que aperfeiçoou seus poderes com a minha bênção. Entenda, eu só posso te dar a possibilidade de aprender isso, o resto é com você.
– Ótimo. – disse Elizabeth – Por que eu? Sabrina iria se dar muito melhor com isso, e Suzana sabe o que as pessoas querem e faria um uso muito melhor.
– Esse é o problema. – ela disse – Eu até considerei, mas Suzana é muito inocente: ela saberia como agradar os outros mas hesitaria em usar seus poderes. Sabrina é outra história, ela não é criativa. Sim, é realmente inteligente a ponto de ganhar da maioria dos deuses se necessário, mas sua inteligência não é do tipo espacial.
– Você quer dizer que trata seus abençoados de acordo com os modelos de Gardner*?
– Ele era um ótimo médico, filho de Atena. – comentou Hécate – Mas isso nos leva a você. Você desenha, não desenha?
– Bem – ela disse – eu tenho esse costume. Mas era apenas uma maneira de desviar o meu TDAH para eu poder me dar bem nas provas.
– Talvez. – disse Hécate – Mas isso exercitou a sua criatividade. Você poder criar um mundo novo se quiser, talvez até escreva um livro. Adicione isso a ser filha de Hades e entender naturalmente os conceitos de alma, mente e corpo e o véu que separa os vivos dos mortos e você tem todo um potencial para manipular a névoa.
– A Feiticeira – ela disse – era filha de Nix, e tinha a mesma compreensão, não é? – Hécate pareceu sombria (mais do que de costume) por um segundo.
– Sim, Nix já foi a rainha do Submundo antes de Hades. Você se parece muito com ela, antes do que aconteceu.
– O que foi que aconteceu? – Elizabeth respondeu – Zeus matou o namorado dela?
– Foi exatamente isso – disse Hécate, surpresa – Como você sabia? – Elizabeth fez uma cara de ‘o que diabos?’.
– Inferno, eu não sabia! – Hécate riu.
– Bem, aqui está uma prova de sua criatividade. Trabalhe duro Elizabeth, e eu te recompensarei. – Hécate se levantou, e então começou a tremeluzir como todo o lugar ao redor – A nossa próxima conversa não será tão agradável, Elizabeth Lalonde. Você encontrará o mais leal seguidor da Feiticeira, é melhor provar o seu valor.
– Espere! – ela chamou – O que eu devo fazer?!
– Seguir a dica de Catherine.

Então Hécate desapareceu e Elizabeth abriu os olhos no templo de Poseidon novamente.
– Ei – disse Johnathan – o que aconteceu? Ela simplesmente desapareceu!
– TPM. – disse Elizabeth – Vamos continuar.

Os ouvidos de Elizabeth zumbiam com as palavras de Hécate. Você encontrará o mais leal seguidor da Feiticeira. Tinha ouvido por Sabrina que o mais leal seguidor da Feiticeira se refez no tártaro por eons antes de poder tentar despertá-la novamente, mas desde a última vez não ouve qualquer indício de que ele tinha morrido novamente.

Elizabeth continuou guiando Johnathan pelo caminho que a linha mostrava. Desta vez ele não fez qualquer perguntas. Ela então parou, sentindo a sua frente um grande cômodo que fez seu GPS sobrenatural disparar ainda mais.
– Johnathan. – ela disse – Nós enfrentaremos um oponente perigoso. Ele é o mais leal seguidor do nosso inimigo.
– Cat me falou sobre o ‘nosso inimigo’ – disse Johnathan – é uma feiticeira não é?
A Feiticeira. – disse Elizabeth – O carinha na sala ao lado pode ser um monstro dos piores. Esteja preparado.

Elizabeth brandiu a espada do jeito certo e prosseguiu, adentrando o cômodo. Era como um daqueles cômodos de cemitérios onde as paredes eram repletas de gavetas com os caixões dentro, mas enorme como uma catedral. Elizabeth olhou ao redor, nomes gravados em grego e latim identificavam os mortos nas paredes. Seu GPS sobrenatural a informava – cerca de 1000 mortos em todo o cômodo. O teto era – que surpresa! – em abóboda. Mostrava uma cena em vidraças translúcidas do que parecia uma mulher com a pele feita de estrelas e com capuz e asas negros. Seus olhos eram de um azul muito escuro e a pele era branca como as de Hades e Hécate eram. No centro do cômodo, havia um homem de cerca de 25 anos sentado em uma espécie de poltrona. Ele tinha cabelos castanhos e olhos dourados que deixavam Elizabeth agoniada, tinha uma estatura mediana e algumas sardas. Uma piscadela ou duas fizeram Elizabeth ver outra pessoa sentada na poltrona, como uma imagem semitransparente sobre outra sólida – esse outro cara tinha cabelos tão loiros que eram brancos, uma pele tão pálida quanto as de Hades ou Hécate e usava uma chiton grega negra. Seu cabelo era puxado para trás, como o de Loki do filme Vingadores.

Loki sorriu para ela.
– Eu esperava por você, Elizabeth. Ouvi rumores a respeito da bruxa filha de Hades. – Elizabeth estreitou os olhos.
– Você é o seguidor fiel da Feiticeira? – o cara assentiu.
– Sim. Eu sou Samuel, mas em vida me chamavam de Sam. Um nome muito antigo, você vê. Necessitava de um apelido. – Elizabeth olhou ao redor, o lugar não parecia ter qualquer armadilhas ou monstros escondidos atrás das paredes, mas ela sabia o bastante sobre o labirinto para saber que era melhor não confiar. Ela olhou novamente para Sam.
– Você vai nos impedir de atravessar o Labirinto? – ele sorriu novamente (ela estava começando a ficar irritada com os sorrisos do homem, fazia ela se sentir estranha, como se tivesse um feijão no dente ou coisa parecida).
– Talvez. Eu estou disposto a deixar um de vocês prosseguir, o outro – ele abriu os braços novamente – Bem, a Feiticeira não quer um filho de Júpiter a disposição de seu pai, melhor cortar os riscos.
– Eles parecem muito simpatizados com você, esse pessoal – disse Johnathan para ela – alguma razão em especial?
– Você não sabe, semideus? – perguntou Sam – Ela está destinada a acordar a Feiticeira.
– O que...?
– Mentiras. – mentiu Elizabeth calmamente – Não confie nele.
– Ele está em uma situação que confiar em qualquer um dos presentes não será algo viável – decidiu Sam – por outro lado... este corpo não me é muito útil. Apenas um mortal comum que teve o desprazer de andar na rua errada. Eu preciso de sangue de semideus, você vê. Sangue do submundo surtiria mais efeito, mas de um deus poderoso também serve.
– Você é um espirito – adivinhou Elizabeth, tentando recorrer à mente – aqueles caras que iam para o tártaro e possuíam corpos... qual o nome mesmo?
– Demônios? – sugeriu Johnathan.
Eidolons. – disse Sam sem paciência – Você é uma novata, não é?
– Bem... – ela deu de ombros – Não sou a melhor no requisito memória. – Sam sorriu, parecendo mais maldoso desta vez.
– Ah, mais você se lembra, não é? – nesse momento o cara moreno caiu no chão, completamente inconsciente. Já Sam, a versão espírito de cabelo branco, pareceu virar vapor e preencher toda a sala, estando em todo o lugar. De alguma forma Elizabeth percebeu o que ele estava fazendo – estava usando seus poderes de eidolon para possuir todo o ambiente, estando capaz de manipula-los.

Quando percebeu, estava novamente no Jardim de Infância. Se lembrava perfeitamente daquele dia, era o dia anterior ao de que sua mãe tinha morrido. Ela estava sentada no meio fio do parquinho, observando as crianças pularem de um lado para o outro do parque. Alguns iam nos balanços, outros no gira-gira e outros no escorregador. Elizabeth olhava para as crianças no gira-gira tristemente – era seu brinquedo preferido mas os meninos não deixavam ela brincar.

Ela se levantou, então caminhou alguns passos na direção do gira-gira decidida a brincar lá – e dar alguns socos se necessário – até que um pé na sua frente fez ela cair com tudo na areia. Risos inundaram o parquinho.
– Ei, ossuda. – disse uma voz atrás dela – Levante-se. – então o dono da voz explodiu em gargalhadas. Elizabeth se levantou, tentando limpar a areia dos joelhos e peito.
– Me deixe em paz. – ela disse, então tentou sair dali. Uma mão segurou seu braço.
– Para onde está indo? Vai chorar para o seu pai? Ossuda. – ela olhou para o dono do braço. Segurando ela, Johnathan sorria maldosamente. Os cabelos cor de areia estavam bagunçados, as bochechas vermelhas com a última brincadeira.
– Pelo menos eu tenho um pai. – Johnathan parou de sorrir.
– Vou te ensinar a ser educada. – ele gritou. O soco veio de lugar nenhum. Elizabeth não era tão forte e ágil na época, então cambaleou para trás e arfou por ar. Se apoiou no brinquedo mais próximo, ouviu as crianças ao redor gritarem por briga, sentiu os olhos lacrimejarem. Procurou por Johnathan, onde ele estava?

Alguém puxou seu cabelo. Na época, era uma longa maçaroca negra. Ela caiu para trás, sentindo uma forte dor na cabeça e começou a chorar.
– Me larga! – ela se puxou para frente, sentindo a cabeça doer a inda mais. Deu um grito de dor, mas não se deixou ser arrastada. Ela então foi empurrada, caiu de boca no chão e alguém começou a chutar ela.
– Falou do meu pai, né? Você ao menos tem uma mãe? Eu sei que você tem, uma mulher louca que grita o tempo todo não é? Nunca veio na escola, não importava o que você fizesse. Eu sei que você tem uma mãe, mas ela não te ama!
– Para com isso! – gritou – Para!

Ela abriu os olhos, na sua frente Johnathan – o Johnathan atual de 16 – encarava ela com os olhos vermelhos de raiva, as bochechas também. Seus punhos estavam cerrados, um deles apontava a espada para ela.
– Você – ele disse.

Ela deu um passo para trás. Ele continuou encarar ela com tanto ódio que era como se ela tivesse batido na avó dele – tentou recorrer à memória, não se lembrava de ter feito isso.

Uma risada ecoou pelo lugar, ela ainda sentia a presença de Sam. Olhou para Johnathan novamente, ele ainda parecia prestes a querer mata-la. Raios trovoaram acima dela, ela ouviu pedras de gelo baterem contra a abóboda de vidro.

Entendeu rapidamente tudo o que estava para acontecer – ou acalmava Johnathan, ou sua luta não seria contra Sam, seria contra ele.
– Pare com isso Sam! – ela gritou, sendo tão autoritária e urgente quanto possível. Carregou a voz tanto quanto pudesse, tentando juntar todo o seu poder de filha de Hades – Volte para o Sub... ouch! – Johnathan a atacou fazendo com que ela tivesse que desviar de última.

Uma gargalhada ecoou pelo lugar.
Como vai poder me mandar de volta para o Submundo, se está ocupada de mais lutando com seu primo?

Elizabeth gritou com Johnathan, desviou tanto quanto possível e tentou fazer ele enxergar e voltar para a razão. Nada funcionou.
Você vê, como disse antes eu preciso de sangue de semideus, sangue poderoso para acordar a minha Senhora. Um sangue infernal faria o ritual mais poético, mas um sangue poderoso do deus que ela mais odeia também serviria. Me diga, Elizabeth, qual dos dois dará o sangue para que a minha Senhora possa se reerguer? Ela ascenderá pelo seu sangue ou pelo sangue de quem vai te matar?

Inferno – pensou Elizabeth – eu estou tão fudida.


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