Fomos até a sala onde a Rainha costumava jantar. Até aquele momento eu não tinha reparado, mas eu estava morrendo de fome.

Sentamos só nós três, a Rainha, Matthew e eu em uma mesa enorme que caberia umas 50 pessoas, com certeza.

– Sabe, até pouco tempo atrás a mesa não costumava ficar vazia deste jeito. - disse a Rainha. – Meu marido e eu, junto de meu filho, sempre sentávamos nessa mesa com todos os nossos servos e tínhamos um banquete agradável. Mas depois que meu marido faleceu...

– Eu não sabia que você tinha um filho, Majestade... – disse Matthew na esperança de ter uma companhia masculina.

– Ah sim, mas agora que já está mais moço, mais ou menos com a idade de vocês, ele quase nunca para em casa. Vive indo aos campeonatos de luta e de arco e flecha na Arquelândia. Agora mesmo ele está em um.

Matthew parecia desapontado.

Continuamos conversando durante um tempo. A Rainha nos contava dos dias de luta e dos dias de glória de Nárnia e eu ficava cada vez mais fascinada.

Até que, depois de passado algum tempo, quando eu já não aguentava mais de tanto que minha barriga roncava, um porco, que andava normalmente, como gente mesmo, veio trazendo travessas com sopa quente e pão ao lado e serviu para cada um de nós.

Era muito estranho. O porco andava sobre os dois pés, usava um terno e quando ele passara ao meu lado eu senti um cheiro bom vindo dele. Mas aquela altura do campeonato, um porco que cheirava a perfume não me surpreendia muito mais.

– A sopa está deliciosa, Senhor...

– Javen. –respondeu o porco.

Assim que terminamos a sopa, o porco, juntamente de um ser que parecia muito ser um elfo devido às suas orelhas pontudas, serviram a mesa fartamente com todos os tipos de comida boa que se possa imaginar. Carnes assadas, frutas frescas, doce de pêssego, pães quentes que tinham um cheiro delicioso, folhas verdes e bem lavadas, legumes de todos os tipos, pudins...

Comemos todos com muita fartura. Matthew comia feito um elefante. Fiquei impressionada em ver como um menino magro como ele poderia comer tanto.

Ao final da refeição, o elfo e o porco retiram os nossos pratos e nós nos levantamos da mesa.

– Crianças, porque não vamos um pouco ao jardim? Preciso conversar com vocês.

Seguimos até o jardim, quando reparei que não tinha visto o Bondino desde aquela manhã.

– Rainha Claire, onde o nosso amigo Bondino está? Ele não jantou conosco.

– Seu amigo pediu para comer um pouco de grama, como ele é parte bode... E depois ele foi até o quarto dele e adormeceu... Está lá até agora. Mas isso não é o que importa no momento. Vocês o verão amanhã. Mas eu os trouxe até aqui para conversarmos sobre como vieram parar aqui.

– Você conseguiu descobrir? – perguntou Matthew ansioso.

– Bom, crianças, eu não queria anunciar isso na frente das pessoas, por isso deixei para falar com vocês mais tarde. A questão é que, há muitos anos atrás, eu recebi uma profecia de Aslam, e esta dizia o seguinte:

“Teu bem mais precioso vos será retirado,

Por alguém que lhe possui o mesmo sangue será roubado,

Duas crianças de muito além vos aparecerão, sem nenhuma explicação.

Para ti, essas duas crianças como ouro serão, pois o teu tesouro resgatarão.”

– E você acha que nós somos essas crianças? – Matthew deu uma leve risada.

A rainha assentiu parecendo muito séria em sua resposta.

– Mas... Majestade, somos apenas duas crianças, não fazemos ideia de como poderíamos resgatar nada.

– Sim, eu supus isso. E é por isso que vocês deverão ficar no castelo comigo por um tempo e os prepararei para seguir sua jornada.

– Majestade – comecei dizendo – Nos sentimos muito honrados por isso, mas se é algo tão precioso assim, não seria melhor que manda-se seus melhores guerreiros?

– Você não entende minha pequena... Quando uma profecia é dada, ela se cumpre. Mesmo se mandasse meus melhores guerreiros, eles fracassariam porque não eram dignos da profecia.

Eu estava um pouco confusa. Primeiro, quer dizer então que eu e Matthew erámos melhores que seus guerreiros? Impossível. Eu nunca nem mesmo tinha tocado em uma arma antes. E... O que era esse tesouro? Se por então dizer que nos o resgataríamos, acho que seria conveniente que ao menos soubéssemos o que era.

– Mas, Rainha, o que seria então, o seu bem mais precioso? – disse Matthew parecendo ler meus pensamentos.

– Eu não sei ao certo se seria isto, mas para mim, o meu bem maior é o meu filho, Jonathan. Ele é a única lembrança que me resta do meu marido. Eu apenas não entendo porque alguém haveria de sequestrar meu filho. Talvez o Rei da Arquelândia, Garden, o irmão de meu marido, pode ter sequestrado Jonathan para que quando eu falecesse ele tomaria o meu lugar e assim teria um vasto império que poderia dominar os outros reinos. Mas ele é tão bom... Se bem que não podemos confiar em mais ninguém hoje em dia. Tenho que pensar mais sobre isto depois, mas o que me dizem? Vão me ajudar?

– Eu preciso... Perdão, majestade, mas eu preciso de um tempo para absorver isso tudo e pensar sobre o assunto. – eu disse isso e sai correndo pelo jardim, até que já estivesse longe o suficiente para que ninguém me encontrasse.

Sentei sobre a grama macia. Eu não queria ter que resgatar nada. Eu não confiava nem a minha própria vida em mim mesma, imagina a de outra pessoa. Eu estava amedrontada. O lugar encantado já não parecia tão mágico assim mais. Senti uma dor no peito. Claire esperava que eu fizesse algo para ajuda-la, mas como, se eu era apenas uma criança?

– Mikayla... – ouvi a voz de Matthew atrás de mim e me virei na direção dele.

– O que foi? – perguntei.

– O que foi pergunto eu! Porque saiu correndo daquele jeito? – disse ele sentando no chão ao meu lado.

– Eu precisava pensar.

– Sobre?

– Sobre tudo que está acontecendo. Não acha que o tempo está passando rápido demais? Um dia atrás nós estávamos na sua casa, tendo um jantar! E nossos pais? Devem estar nos procurando feito loucos. E agora nós somos heróis e temos que salvar um príncipe! Matthew, isso é loucura!

– Eu te disse isso desde o começo, não disse?

– Mas... Eu não entendo... Está tudo tão fora do normal. Isso tudo não parece como um livro pra você?

– Sim, tentei te fazer perceber isso antes! É só usar um pouco de lógica.

Eu suspirei.

– Vamos mesmo aceitar a proposta da Rainha?

– Não sei quanto à você, mas eu já aceitei!

– Mas e se morrermos aqui e...

– Relaxa. Você não pode mudar as coisas agora, então apenas deixe que elas aconteçam. Talvez isso tudo seja só um sonho ou nós estejamos ficando loucos, mas acho que nós devemos correr o risco.

Eu sorri para ele. Matthew parecia estar mudando. E eu parecia estar ficando como ele estava antes. Tudo parecia loucura, mas decidi seguir o conselho dele. Não podíamos voltar para casa então... O jeito era deixar que as coisas acontecessem e correr o risco.

– Vamos! – eu disse levantando do chão. – A Rainha Claire espera pela nossa resposta.