"Poderia viver encerrado numa casca de noz e julgar-me o rei do espaço infinito…" Shakespeare

Barbie acorda gritando para que Lucas corra antes que a escuridão o alcance.

Dia dezoito.

Eu ainda não tinha identificado onde eu havia parado no final das contas, não me importava. O fato é que eu estava me arrastando por aí, esperando para ver se Hades não correria atrás de mim e engoliria minha vida e de quebra meu sofrimento, nada.

Agora já escurecera, porém eu não encontrara nenhuma paisagem além daquela em que deixei Lucas. Grama alta, algumas árvores altas de tronco retorcido, e muitos arbustos floridos. Seria um lugar maravilhoso, se eu não tivesse deixado meu amigo morto nele.

Depois de um tempo as lágrimas se esgotaram, mas obviamente comecei a chorar sangue. Estava cansada. Que tipo de pessoa não consegue nem ao menos chorar sem derramar sangue? Lembro de um sonho que tive a muito tempo, no qual Nêmesis me instigava a me vingar de todos que me fizeram algum mal antes que esses se vingassem de mim.

Quem sequestrou Percy, isso era tudo culpa de quem o fez. Ódio toma conta de mim, não sabia que eu poderia sentir tanta fúria. Eu vou me vingar de quem sequestrou meu irmão, penso.

E então ela mostrou as caras.

– Finalmente, já estava cansada de esperar que seu espírito de heroína caísse - diz Nêmesis fazendo beicinho -. Essa história toda de vamos salvar o mundo é meio chata, não acha?

Nêmesis lembrava tudo que se imaginaria de uma pessoa vingativa. Era pequena, de forma a passar despercebida caso assim quisesse, tinha olhos negros profundos como se jamais fosse revelar todas as suas histórias. Suas feições eram finas e bem marcadas e seus cabelos eram tão negros como a escuridão. Enxugo as lágrimas deixando minha mão melada de sangue, não me importo.

– Suponho que você esteja aqui para me ajudar com minha vingança - pergunto.

– Na verdade não - ela solta uma risada quando não escondo a confusão que toma conta de mim -, vim te contar de quem você irá se vingar.

– O quê? - arqueio as sobrancelhas esperando uma resposta satisfatória.

– Está vendo isso? - ela ergue um biscoito da sorte na altura do meu olhar -, faça uma pergunta que tenha relação com sua missão e você será atendida, mas em troca terá de me dar um favor - ela exibe um sorriso tão largo e satisfatório que não posso deixar de temer o tal pedido.

– E caso eu não cumpra o pedido? - pergunto com medo da resposta.

– Caso você não cumpra - diz ela pausadamente - digamos que nem Hades você vai encontrar. Apenas sumirá sua alma você, tudo. Pela eternidade -. Engulo em seco. A deusa lança o biscoito na minha direção e quase caio no chão para conseguir agarrá-lo.

Quando volto o olhar para sua direção, ela não estava mais lá.

***

Sentei no chão ainda melada de sangue e comecei a analisar o que tinha me restado.

Não esqueci Lucas, claro que não, mas eu o honraria, vingando-o, já estava decidido e precisava de estar forte para alcançar meu objetivo. Não tinha muita coisa, a mochila que carrego comigo desde o primeiro dia estava muito desgastada e rasgada em alguns pontos, mas ainda era utilizável. Em seu interior havia um pouco de ambrosia enrolada em um pano cor de rosa e um suprimento satisfatório de néctar, uma garrafa inteira. Havia uma muda de roupa guardada no fundo, de forma com que decido que logo depois encontraria um lago ou algum lugar onde pudesse me lavar e trocaria de roupa. Além disso só me restou as armas. O escudo pude perceber, era feito inteiramente de ferro estagio, agradeço silenciosamente por ter o trago comigo, será muito útil. No centro do escudo uma imagem de uma fúria se erguia imponente, não posso dizer que odiei, mas também não deixei de gostar, os detalhes do desenho eram tão precisos, que não deixavam de exibir uma certa beleza. E tinha a espada, pelo menos não sai daquele lugar sem nada. Agora em plena luz do dia, ela assumira uma aparência comum de bronze celestial, porém quando eu a empunhava, sua verdadeira forma era assumida, revelando a tão famosa Imortalitites.

Levanto, organizando minha cabeça, me dando instruções simples. Ande Barbie, agora você irá encontrar água. Ando sob um Sol rachando por mais tempo do que gostaria, mas sou recompensada com um pequeno lago que encontro perto de o que parecia o início de um pequeno bosque. Me lavo, mudo minhas roupas pretas imundas por um short jeans e uma blusa laranja do acampamento meio sangue, aquilo me acalmou, me fez lembrar de casa.

A quanto tempo eu estava longe de casa? Onde sequer eu estava? O meu destino era ficar solitária para a eternidade? Lágrimas brotam em meus olhos e deixo que escorram e o líquido vermelho se junte a transparência do lago. Não consigo nem chorar direito. Observo o vermelho sangue se fundir com a água e se misturar a imensidão do lago em êxtase. Eu não sei como fazer isso, não sei como reagir a perdas, não sei ser uma heroína acima de tudo. Não consigo olhar para o sangue que escorre por mim sem sentir repulsa, sem me perguntar porque comigo, não sei simplesmente aceitar tudo que me ocorreu, não sei fazer dar certo, não sei ser uma heroína de todas as histórias. Tudo que eu sei é que sinto um aperto no meu peito, sinto como se fosse explodir, sinto como se tudo que eu fizesse só resultasse em destruição, sinto como se eu estivesse sufocando, sinto como se o sangue estivesse preso em minha garganta, sinto que me falta ar, sinto que é tudo culpa minha, sinto que poderia ter feito mais sinto que poderia ter feito mais, sinto o que não sinto. Sinto o que não deveria sentir, não sinto nada, sinto o que não é sentir.

Tento parar de chorar, porque não quero ser assim, quero saber não pisar em falso, não deixar ninguém morrer. Quero sentir gosto salgado de mar quando choro, quero sangrar quando ralo o joelho. Mas me deixo sufocar em agonia, porque tudo o que sinto, tudo o que tenho é o sangue que escorre ralo como minhas esperanças de um futuro melhor.