Coração Valente escrita por Eu-Pamy


Capítulo 1
Prólogo.




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Lição de casa: Escreva a história da sua vida.

Aluno: Nick Young

Título: Um Jeito Diferente de Ser.

Av. Marcos Aranha, nº 377. Restaurante Dona Maria. 15/05/1997. Aproximadamente 20h da noite. A chuva cinza molha a cidade, as buzinas dos carros gritam em coro exaltadas, enquanto um belo casal de jovens advogados termina de pedir as entradas, sentados em uma mesa discreta perto das janelas. A mulher se senti quente e retira o casaco, olha para o seu noivo e faz, com um largo sorriso, um breve comentário sobre a decoração aconchegante do restaurante. Ele a fita com curiosidade por cima do cardápio e sorri, deliciado com a sua beleza loira e reluzente, e sente seu coração inchar por um instante, enfeitiçado e agradecido pela sorte que possui por tê-la perto.


As mãos pequenas, cujas unhas foram pintadas caprichosamente de vermelho vivo, acariciam a grande e redonda barriga de quase nove meses, ao que sente uma leve pontada, provocada provavelmente por gases, a incomodar outra vez. Respira fundo, tentando ignorar a dor.

–Se senti bem? - Questiona o advogado.

– D-defina bem. - Responde engasgada, ao que vê as roupas sendo molhadas pela bolsa que acabara de romper.

Não demora muito e já estão ambos dentro de um taxi, rumo ao hospital onde o médico já os aguarda para realizar o parto.

Ou pelo menos, é assim que eu imagino a noite do meu nascimento. Nada muito grandioso, porém tampouco medíocre.

Meu nome é Nick, o segundo e último filho do casal de advogados Young, também comumente reconhecido como irmão de Barbara Young, a estudante de Arquitetura mais arrogante e egoísta que a universidade R.Miller já conheceu. Tenho dezesseis anos, moro na Capital de São Paulo, numa das cidades mais feias do país, e mais poluídas também. Gosto de livros, círculos e odeio veículos de locomoção. Tenho uma coleção de latas, cento e quatro discos de vinil, dois peixes azuis e trezentos e sete fotos de elefantes. Odeio muitas coisas, como por exemplo: insetos, aviões, carros, pessoas cujos nomes começam com X ou Z, sapateiros, o som de um espirro, desorganização, coisas muito coloridas, festas, lugares abafados, filmes de terror, sons muitos altos, gente insistente, maus modos, televisão, vídeo game, pessoas que bocejam sem tampar a boca, pressão, luzes fortes, entre outros. Adoro cozinhar e fazer sobremesas, mas não como nada que eu faço.

Estudei quase toda a minha vida em casa, mas agora estou fazendo o ensino médio na escola, porque minha mãe quer que eu faça amigos. Não sou muito de falar, prefiro escrever. Tenho muita vontade de tocar violino, mas meu pai diz que eu tenho que melhorar mais um pouco antes de começar a aprender a tocar algum instrumento. Não estou doente, mas sou autista, o que me faz diferente. Não tenho muitos amigos por causa disso. Algumas pessoas se assustam comigo e não sabem como agir perto de mim, as vezes eu acho isso engraçado, mas na maior parte do tempo eu não gosto e prefiro ficar longe deles, assim ninguém fica constrangido, nem eu nem eles.

Ao contrário do que todo mundo pensa, eu não sou burro, nem retardado. Sou mais inteligente do que muitos adultos por ai. Apenas tenho um pouco de dificuldade de me encaixar e as vezes esqueço de responder as perguntas que os outros me fazem. Estou tentando controlar esse meu lado distraído, mas é difícil, porque eu faço sem perceber. Já tive muitos problemas por causa disso, pois quem não sabe que sou autista acha que sou mal-educado, e quando descobrem ficam com pena de mim. E obviamente, como todo mundo, eu odeio que tenham pena de mim.

Eu sofro de Síndrome de Asperger, uma espécie de Autismo. Fui diagnosticado aos três anos de idade graças a minha mãe, que por já ter tido um filho, percebeu que havia algo de diferente comigo. E não era para menos, aos três anos de idade eu fui uma criança estranha, que tinha sido considerada, até pouco tempo antes, como portadora de deficiência mental. Muito embora tivesse apresentado desenvolvimento motor normal, aminha fala e meu comportamento se mostravam muito alterados.

Minha mãe relata que eu havia ficado totalmente mudo até os 3, 4 anos de idade, quando, de um dia para outro, havia começado a ler manchetes dos jornais. Embora pudesse falar a partir de então, somente o fazia quando queria e quase nunca com a finalidade de me comunicar com os outros. Era isolado e parecia bastar-me, ignorando as pessoas que viviam à minha volta. Por outro lado, era muito inquieto e agitado, estando continuamente em movimento. Uma das poucas atividades que me deixavam mais tranquilo era ficar parado em uma das esquinas mais movimentadas de São Paulo observando os ônibus que passavam. Após uma hora de observação, demonstrava estar satisfeito. Chegando em casa, eu desenhava todos os ônibus que havia observado, com as cores e as placas corretas.

Aprendi a andar antes de engatinhar, e quando andava era apenas na ponta dos pés. Era capaz de ficar sentado durante horas olhando para um de meus brinquedos. E durante uma sessão de avaliação passei todo o tempo puxando os tufos do agasalho da psicóloga.

Hoje com dezesseis anos ainda faço terapia semanalmente, pratico natação, academia e tento me habituar a escola particular. Todo dia mato um leão para me adequar as rigorosas exigências da sociedade e isso quase me consome ao fim de cada dia, mas nem por isso eu vou deixar de lutar.

Quando uma pessoa me olha ela só vê que sou diferente, e acaba esquecendo de lembrar que no mundo não existem pessoas iguais. Todos somos únicos, cada um a sua maneira.


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