Cruzei meus braços e encarei as pessoas na praça. Ainda lembrava-me o que acontecera, embora agora tudo já tivesse sido consertado. Temesia havia sido reconstruída em pouco tempo, aquilo era fato, embora as perdas daquele dia...

Mexi minha cabeça, tudo já se ajeitara, não adiantaria lembrar novamente.

Olhei ao redor, podia ver a silhueta vestindo uma espécie de colete preto e detalhes e vermelho, com o capuz cobrindo o rosto, também carregava uma mochila.

É Benjamin. — Arcano proferiu.

De fato.

Não demorou muito para que ele se aproximasse. Não retirava o capuz, embora pudesse ver parte dos fios de cabelos vermelhos caírem para fora.

— Você demorou.

— Randy me ignorou, pelo menos. — Por fim retirou o capuz, havia prendido os cabelos em uma cola – afinal, era uma raridade ele cortar –, mas alguns fios lhe caiam sobre o rosto.

— Ninguém o viu?

— Não que eu tenha percebido.

Suspirei, e segui caminhando, Benjamin fez o mesmo. Saímos rapidamente da praça, seguindo por algumas ruas, até poder enxergar parte da construção do Templo das Anciãs. Era uma edificação grande, constituída por um prédio principal ao centro. Era alto e com teto arredondado, as cores de fora em um tom de areia, com detalhes ocres. Era ligado, porém, por pontes a outras quatro construções. Que eram constituídas por prédios menores, mais baixos e quadrados, enquanto o principal era arredondado. Rodeado por um pátio sem muros e com grama e trilhos de pedra, apenas os guardas ficavam em cada canto. Era preciso ser um domador habilidoso para ir trabalhar no templo.

— Nunca havia vindo a esse lado da cidade... — Benjamin ajeitava os óculos enquanto analisava o templo.

Temesia é uma cidade relativamente grande, afinal.

Não tanto quanto dizem sobre Eternal.

Você nunca colocou os pés lá, não pode dizer muita coisa. — Retrucou.

Está bem, Arcano.

— Para ser sincera, faz tempo deste a última vez que vim para esse lado da cidade.

— Mora alguém aí?

— No templo? Até onde sei, os domadores que são guardas, criadas provavelmente e as anciãs.

— Então, elas são bem importantes, ao que parece.

— Realmente. — Suspirei, o local onde ficava a estrebaria se encontrava mais a frente, precisaríamos apenas dobrar mais uma esquina e estaríamos lá. Embora, ainda teria a vista do templo.

— Nas Trevas, existem os sacerdotes, eles meio que comandam a religião principal por lá. Mas vejo que aqui em Temesia não há nenhuma religião praticante.

— Temesia é emancipada, das regiões, dos continentes, então, não se segue nenhum tipo de religião, mas também, não proíbe — fiz uma pausa, estava conversando com Benjamin sobre religião? Eu não estava bem... —, as Anciãs servem mais como uma espécie de apoio, muitas pessoas vem atrás delas, de todos os lugares em busca de alguma resposta para algo. A fortaleza, porém, serve para proteger.

Benjamin se calou por um instante, diminuindo o passo e ficando para trás, ele parecia pensar em algo e por fim parou. Acabei fazendo o mesmo e encarei-o.

— Sacra... Sacrum... Sacrae! — Ele praticamente exclamou, observei-o com uma sobrancelha erguida, mas que droga Benjamin falava?! — O nome da religião é Sacrae, mas é conhecido por esses outros nomes em outros lugares. Eles praticam o Sacraeismo.

— Então essa é a sua religião?

— Na verdade, nunca cheguei a praticar, mas a minha família era o contrário.

Dobramos uma esquina e seguimos caminhando, deixando o templo das anciãs para trás. A rua era cercada por casas e ao final dela não havia saída. Apenas o que de fora parecia ser uma espécie de depósito, com paredes altas e de madeira, uma porta grande estava aberta. Reconheci aquele lugar como sendo o estabulo que Terence e Arcádio falavam.

Era bem obvio, um lugar perto do templo das anciãs. Era como se quisessem que passássemos por ali.

— Faça o favor e não comente nada do que você fez a ninguém, depois iremos resolver isso.

Benjamin assentiu, provavelmente, iria falar mais alguma coisa, contudo, logo nos aproximamos da entrada do local e ele preferiu se manter calado.

Não era muito escuro por dentro, a claridade da rua entrava pela porta e por janelas fechadas apenas com grades. O teto era alto, e dentro o local tinha ligeiro cheiro de... Esterco de cavalos. Se bem que, embora aquilo não fosse nada convidativo, era mais do que esperado, já que haviam vários cavalos ali dentro – que sequer pareciam se importar com a nossa presença, não havia feito nenhum alarme e aquilo era bom –, separados por espécies baias de madeira.

Quase que instintivamente segurei a respiração, o cheiro era desagradável. Olhei para Benjamin, ele estava em uma situação não muito diferente, embora fosse menos discreto.

O que é preciso para o Benjamin aprender a se portar melhor?

Não me faça perguntas difíceis, Sora.

— Sora! — Vi Yoru correr na nossa direção. Ah, sim, haviam mencionado que Denzel e os outros elementos haviam chegado mais cedo. — Você precisa ver isso! — Ela se aproximou e me puxou pela espécie de corredor que havia entre as baias dos cavalos, Benjamin nos seguiu, enquanto Yoru dobrava para a esquerda em outro corredor.

— Vocês estão aqui há quanto tempo? — Benjamin perguntou.

— No máximo uma meia hora. Ben, por que você só chegou agora?

— Me atrasei.

— Mas o Yume disse que não viu você de manhã... E vocês dividem o quarto...

— Yanni queria falar comigo, então me chamou mais cedo e acabei me atrasando. — Observei-o, Benjamin mentia, sabia daquilo. No entanto, Yoru pareceu ficar satisfeita com aquela resposta.

Ela me puxou mais a frente, onde Denzel, Yume e Fallen estavam. Havia em frente a eles, uma baia aberta, de onde outro homem saiu segurando um potro no colo. Ele deveria ter uns cinquenta anos, não era muito alto, vestia um macacão e era meio moreno, embora tivesse alguns fios grisalhos no cabelo.

— Veja só, isso é uma pena. — Yoru se aproximava do homem que colocava o potro no chão, fiquei parada alguns passos mais distante, junto de Benjamin. — A mãe dela faleceu logo após dar a luz

— E, aliás, não sabemos qual dos cavalos é o pai. Acho que irei vendê-la. — O homem completou, enquanto o viam o filhote dar alguns passos desajeitados.

Contudo, bastou aquele comentário para Yoru encarar o homem com os olhos brilhantes.

— Yoru, só não me diga que você vai querer comprar... — Denzel disse, observando-os enquanto cruzava os braços e escorava-se em um pilar de madeira. Parecia estar lendo os pensamentos dela.

— E por que não? O Senhor Kingdom disse que se conseguíssemos completar a missão com sucesso, as anciãs iriam nos pagar... E bem.

— E você pensa em usar todo o dinheiro para comprar um cavalo? — Yume franziu o cenho.

— E por que não? O dinheiro seria meu no fim das contas... E não é cavalo, é uma égua e ainda é um filhote.

— Por que vocês são resolvem isso depois que voltarmos? — Fallen dava uma sugestão.

Fallen tem razão... — Arcano comentou e eu precisava concordar.

Benjamin coçou a garganta, chamando a atenção, só então percebi que nossa chegada fora quase que ignorada, embora Yoru tivesse feito um alvoroço.

— Nossa, me desculpe. Estava tão entretido com esse filhote que mal notei a presença de vocês. — o homem caminhava na nossa direção. — Você deve ser Sora a domadora que foi escolhida para buscar os elementos da profecia, certo? Seu nome é bem conhecido, mas nem todos já a viram pessoalmente. Meu nome é Joe Freyalaf. — Assenti e cumprimentamo-nos. Aquela notícia era nova, meu nome era conhecido? Se bem que, com o que fiz quando o dragão apareceu na cidade... Era de se esperar que se tornasse explanado. — E você é Benjamin, o tão comentado elemento fogo, certo?

— Tão comentado? Parece que sou bem conhecido então. — Benjamin vangloriava-se enquanto se cumprimentavam.

— Não se gabe Benjamin. — Fallen disse e Benjamin encarou-a. Naquele momento, pude jurar que iriam discutir para manter a tradição. Mas não. Ele na verdade ficou com o rosto da mesma cor que os cabelos? Eu estava vendo coisas...

— Ei, Sora, — Denzel me chamou — Yume e eu acabamos aproveitando o tempo e dividimos o dinheiro que as anciãs mandaram. — Ele se aproximou de algumas sacolas de pano e pegou duas bolças pequenas, sacudiu-as e pude ouvir o barulho de moedas se batendo. — Essas são a parte de vocês. — Ele entregou-me uma e outra a Benjamin. Guardei a minha dentro da bolça que carregava minhas coisas.

— E olha só o que elas mandaram de presente. — Yoru me puxou novamente, passamos em frente à baia aberta e ela pegou outra sacola que estava escorada na parede. — Acho que essa dourada pertence a você. — Era a bainha de uma espada, com isso também pude constatar que havia outras dentro da mesma sacola.

Peguei-a e desembainhei a espada. Era de lâmina prateada, porém, os detalhes eram em dourado e vermelho. Fiz movimentos no ar com ela, era leve e fácil de manusear. Além de ser uma peça muito bonita, a lâmina também parecia ser bem afiada. Por fim, embainhei-a novamente.

— Elas enviaram duas adagas para mim e outras duas para o Yume. Mas acabei fazendo uma troca com Denzel e peguei a espada que elas enviaram a ele. — Yoru parecia animada enquanto revirava a sacola.

— E os cavalos? — Perguntei. — Precisaremos pagar algo por pegar eles emprestado?

— Não, senhorita. Já está tudo pago. — Joe me respondeu enquanto levava o potro novamente para dentro da baia.

— Então acho que deveríamos começar a aprontar tudo, não? — Fallen aproximou-se e Yoru retirou outras duas bainhas de dentro da sacola.

— Acho que essa deve ser para você. — A bainha era azul claro, com detalhes em preto. Fallen a pegou e transpassou a alça nas costas. Em seguida, Yoru dirigiu-se até Benjamin. — E essa é para você. — A bainha era de cor vermelho vinho com detalhes em prata. Benjamin a desembainhou, a lâmina também era de cor prateada.

— Até que essas anciãs são bem legais... — Ele comentou.

— Tenho que concordar com você, Benjamin. — Yoru pegou a última espada e desembainhou, a bainha era de cor marrom com detalhes em verde. Ela analisou a lâmina, porém, pude facilmente notar que lhe faltava certo equilíbrio, já que a lamina da espada tremia enquanto ela segurava. Tentou fazer alguns movimentos no ar, porém, quase acertou Benjamin. — Desculpa.

— Você quer me matar?! — Ele arregalou os olhos, vi Denzel e Yume rirem.

Suspirei, não seria uma boa ideia Yoru andar com uma espada sem saber usa-la. Teria de aprender alguma coisa antes.

— Isso, por enquanto, vai ter que ficar comigo. — Peguei a bainha da espada que ganhara e a transpassei em minhas costas, em seguida, fiz o mesmo com a de Yoru.

— Mas por que eu não posso ficar?

— Você poderia ter machucado Benjamin, poderia ter ficado com as adagas. — Ela suspirou visivelmente aborrecida.

— Mas eu não vou fazer isso de novo...

— Então, aprenda. Posso tentar ensinar algo até chegarmos a Eternal.

Benjamin também pode ensinar algo, já que ele se gaba tanto ao conjurar sua Arma da Missão... — Arcano comentou.

— Está bem. — Desta vez ela sorriu.

— Eu separei mais cedo seis cavalos — Joe nos chamou enquanto caminhava pelo corredor que as baias formavam. Denzel e Benjamin pegaram as outras sacolas que as anciãs haviam deixado e seguimos para a entrada do local. Ele apontou para as seis primeiras baias que havia perto da porta de entrada. — Os dois mais fortes, podem ficar com vocês, aproveitem e já coloquem as coisas nele.

Joe abriu as portas das baias, retirou os cavalos e os levou para rua, um era de cor marrom e o outro era cinza. Denzel e Benjamin o seguiram enquanto carregavam as sacolas, em seguida, Joe voltou e abriu mais duas baias, levou os outros dois cavalos para a rua e Yoru puxou Yume para fora – ela estava realmente bem animada.

— Tem alguma ideia do que pode se tratar o quinto elemento? — Fallen me perguntou.

Ajeitei a bolça que carregava e observei-a.

— Passei a noite pensando nisso. Mas não tenho ideia ainda.

— As anciãs nos mandaram bastante coisa, eles devem saber de algo... — Fallen comentou séria, parecia pensativa, calculava algo. Porém, não pude decifrar seus pensamentos. — Vamos ir para fora?

Assenti e saímos, vendo Joe ajudar Yoru a montar no cavalo. Denzel e Benjamin já haviam subido, assim como Yume.

— E você ainda quer comprar um cavalo? — Ben caçoou enquanto dava alguns passos com o cavalo, ele andou até metade da rua e voltou troteando, enquanto parava colocou novamente o capuz do colete que usava. Provavelmente, ainda bem que ele estava ciente de que não era para que ninguém da fortaleza o visse.

— Você deve colocar o pé no estribo e ter cuidado para não se desequilibrar. Seja confiante e vai passar confiança a ele. — Yoru assentiu e fez o que Joe dizia. Conseguiu facilmente montar. — Viu só, você conseguiu.

— Obrigada, Senhor Freyalaf.

— Agora irei buscar os dois últimos. — Joe entrou novamente para o estábulo.

Sabe que vai demorar, até chegar a Eternal, não sabe?

Olhei o mapa antes de sair, é mais longe do que imaginava.

As anciãs lhe deram espadas e adagas como presente. Acha que isso tenha a ver com algo que vai acontecer?

Não faço a menor ideia, Arcano.

— Bom, esses dois devem ficar com vocês. — Joe voltava enquanto trazia outros dois cavalos, um era preto e o outro cinzento, quase branco. Fallen aproximou-se do preto e montou com facilidade. Fiz o mesmo com o de cor mais clara, observando em seguida à rua frente.

— Acho que devemos ir, não é? — Benjamin passou por mim, troteando pela rua.

Acabei assentindo e o seguindo.

***

Vislumbrei o que havia mais a frente, estávamos nos aproximando dos portões de entrada de Temesia. O passo dos cavalos não eram muito rápido, e Denzel e Benjamin seguiam mais a frente. Suspirei e olhei para o céu, precisávamos nos apressar, as nuvens indicavam que a tarde seria chuva certa.

— Ei, Sora — Benjamin deu meia volta e troteou até a minha direção. Ele cavalgava muito bem, precisava admitir. — No caminho para Eternal, é preciso dar a volta ao redor dos muros da cidade, certo?

— Sim.

O que ele pretende?

Não faço a menor ideia, Arcano.

— Denzel! — Ele galopou até mais a frente, apenas segui-o com o olhar. — Tá a fim de ver quem dá a volta na cidade primeiro? — Pelos deuses...

— Se você me alcançar... — A não...

— Até o outro lado da cidade então. — Benjamin sorriu crápula.

Realmente, naquele momento queria poder ter tido tempo de falar alguma coisa. Contudo, Benjamin e Denzel correram, galoparam com velocidade e rapidamente saíram da cidade.

— Ben anda muito bem a cavalo. — Yoru comentou.

— Ele me disse uma vez que seu avô tinha um haras, talvez seja por isso... — Yume respondeu. — Nesse momento eles já devem estar se preparando para fazer a curva fora das muralhas. Vamos segui-los?

— E por que não? — Desta fez, quem passou correndo por nós foi Fallen. Realmente, não esperava que ela fosse fazer aquilo. Yume imediatamente a seguiu e sobrara apenas eu e Yoru.

— Tem medo? — Perguntei e ela me observou.

— Joe disse que preciso passar confiança. — Ela parou para pensar por um instante. — Não, eu não tenho medo.

E após isso Yoru correu, vislumbrei-a se afastar e galopei rapidamente na sua direção, até alcança-la e atravessarmos o portão de entrada. Era uma sensação interessante, sentia o ar incisivo. Continuamos a seguir mais a frente, alcançamos a campina e rapidamente Fallen e Yume. Porém, resolvi ir mais além. Passei a frente a eles e fui em direção a Denzel e Benjamin. Sentia que minha capa levantava-se no ar à medida que acelerava na direção deles, via apenas a paisagem passar ao redor.

Quando foi que já fez alguma coisa assim, Sora?

Já faz tempo, Arcano.

Não demorou muito para poder me aproximar de Denzel e Benjamin, eles estavam um pouco mais a frente, perto de dar a volta completamente nas muralhas. Alcancei-os e Denzel observou-me com os olhos de dragão, ele riu e voltou a olhar para frente. Benjamin notou a minha aproximação e resolveu ir mais a dianteira. Seguimo-lo enquanto fazíamos uma curva ao redor das muralhas. A cerca de uns duzentos metros era o local onde deveríamos parar e, mais a além, era possível ver a floresta que deveria ser o nosso próximo caminho.