The World is Ours escrita por Jô Martini


Capítulo 2
Capítulo 1




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Melody Forbes

- Prontinho, senhora Lancaster. – anunciei enquanto atravessava a porta que separava a frente da clínica veterinária com a sala de lavatórios, trazendo nos braços o chiuaua peludo da mulher em frente ao balcão. – O Frederico já está de banho tomado e vacinado, como a senhora pediu.

Ramona Lancaster esticou as mãos para o cachorro molenga que eu segurava com relutância. Desde a primeira vez que precisei ser babá dele, a única maneira de impedi-lo de cravar os dentes em qualquer parte exposta do meu corpo era lhe dando uma bela dose de sedativos. Esse não era o protocolo da clínica, mas em alguns casos não havia outra solução. Frederico era um deles, o lindo e mimado chiuaua da maior perua da cidade.

- Senti tanta saudade, Fredinho! – ouvi a mulher exclamar, erguendo Fredinho até ele estar com seu focinho próximo ao nariz dela. Ramona o chacoalhou de um lado para o outro repetidas vezes, esfregando o rosto esticado de botox no pelo dourado do cachorro. – Quem é o queridinho da mamãe?

Tentei disfarçar a cara de nojo ao assistir Frederico respondê-la com uma bela lambida na boca. Acompanhei-a com os olhos enquanto saía da loja e bufei. Quem põe nome de Frederico em um cachorro? Não é a toa que o bicho é extremamente estressado. O coitado deve ser esmagado contra os peitos operados daquela mulher para cima e para baixo o dia inteiro! Pensando dessa forma, quase sinto pena.

Ergui os olhos para o relógio no alto da parede esquerda, logo acima da estante de brinquedos mastigáveis: marcava dez horas, hora de arrumar tudo e fechar a loja.

Não via a hora de chegar em casa e poder cair na cama. Mesmo estando do outro lado da cidade, parecia poder ouvir meu colchão chamando por mim. Este era um chamado que eu realmente pretendia atender o mais rápido possível.

- Dia cheio, não foi?

Virei-me para a porta que levava à sala dos lavatórios e assenti para Kyle, que já tirava seu jaleco de veterinário e o pendurava atrás da porta. Sei que não é nada justo, mas um lado meu obrigou-me a prender a respiração ao ver os músculos definidos de seus braços tencionarem-se no movimento. Odeio ter um chefe bonito!

- Aham. – tentei disfarçar, mas minha voz acabou saindo em um sussurro esganiçado, o fazendo rir. – Quer dizer, acabei de assistir à uma seção Raderico de beijos, então dá para dizer que tive um dia legal.

Kyle riu, trazendo a maleta para cima do balcão. “Raderico” era a maneira como chamávamos as trocas de carinho – ou deveria dizer de baba? – entre a dona que acabou de sair daqui e seu cachorro. Pode-se dizer que vê-la ser acariciada pela língua de seu chiuaua não era algo tão incomum assim. Ramona idolatrava Frederico como se ele fosse a coisa mais importante que já acontecera em sua vida e há rumores de que o ex-marido a largou por ciúmes do animalzinho. Se é verdade, não sei, mas nunca se sabe o que esperar de Ramona Lancaster.

- E então, Forbes. – Kyle começou, escorando-se no balcão e lançando-me um de seus sorrisos matadores. Odiava quando ele fazia isso, minhas pernas pareciam a ponto de ceder sob meu peso. – Quais os planos para essa noite?

- Tenho um encontro! – soltei, animada. – Fiquei de encontrar minha cama às onze e meia.

Kyle gargalhou em minha frente.

- Por que você nunca tem nada melhor para fazer além de dormir?

- É uma boa pergunta. – ponderei, seguindo-o até a vitrine dos filhotes e tirando um do espaço onde estava. Era uma miniatura de beagle, que encolheu-se contra meus braços assim que o peguei e acariciei suas orelhas, causando-lhe um bocejo preguiçoso. – Minha vida é tão badalada que mal tenho tempo para qualquer outro compromisso.

Novamente, meu chefe riu na minha cara.

- Você precisa urgentemente de um namorado, Forbes. – ele seguiu comigo até a sala onde mantínhamos as gaiolas dos filhotes, colocando o pequeno persa que segurava em um lugar separado de onde pus meu beagle. – Quem sabe assim ele consiga te tirar de casa. Você passa o dia aqui e aposto que passa o domingo inteiro na...

- Na cama. – interrompi, dando de ombros enquanto ia buscar outro filhote. – É meu hobby, Vincent. Quer algo melhor do que passar a tarde assistindo filmes com um pote de sorvete no colo?

- Você é magra de ruim, mesmo. Come igual a uma porca e ainda consegue ficar na casa dos quarenta e oito quilos.

- Que pessoa mais carinhosa! – exclamei, fuzilando-o com o olhar. – É realmente um elogio ter minha fome comparada a de um suíno!

Kyle riu e bagunçou meus cabelos, abraçando-me pelos ombros. Pode até parecer estranho para alguns, mas éramos como irmãos. Kyle Vincent era amigo da família e me conhece desde que nasci, então não foi surpresa conseguir um emprego com ele quando quis abrir a clínica. Logo que se formou na faculdade de medicina veterinária, Kyle precisava de ajuda para cuidar da loja, mas ainda não podia se dar ao luxo de pagar muito para cada funcionário e eu me contentava com meu salário, desde que pudesse ouvir música e brincar com os bichinhos em meu tempo livre.

Desde criança, música sempre foi minha paixão. Meus pais costumavam dizer que eu andava pela casa munida de qualquer coisa que se parecesse com um microfone e coitado do ser humano que tentasse me impedir. Já cantei em corais e peças de escola, mas conforme fui crescendo passei a reservar minha cantoria para meu chuveiro ou o espelho do apartamento. Nunca tive muita coragem de dar minha cara a tapa e ir fazer audições em programas de jovens talentos, meu medo de ser rejeitada conseguia ser maior do que o sonho de poder conquistar plateias inteiras e ver meu nome estampado na capa de um CD. Então, quando fiz dezoito anos e me mudei para Londres, troquei o sonho de ser cantora pelo de simplesmente conseguir me manter. Foi assim que acabei em um apartamento minúsculo em cima do Starbucks, tentando descobrir o que mais me interessaria para entrar em uma faculdade que não fosse de música.

- Você gosta mesmo desse cachorro, não gosta?

- Hã? - pisquei seguidas vezes sendo desperta do devaneio em que havia me metido. Olhei para meus braços e percebi que estava abraçada a um minúsculo poodle toy. Sorri bobamente para a pequena bola de pelos que dormia em meu colo, esfregando levemente atrás de suas orelhas macias. – Sei que não devemos dar nomes a eles, mas costumo chamá-lo de Flake.

- Flake? – repetiu Kyle debilmente. – “Floco”. – disse em seguida, dando-se um tapa na testa, como se fizesse sentido desde o início. – É claro, branco e felpudo desse jeito, parece um floco de neve.

Assenti para o moreno de vinte e cinco anos em minha frente e o segui até a gaiola ao lado do beagle já adormecido. Kyle vinha logo atrás e carregava um yorkshire que mordiscava seus dedos.

- Você não devia se apegar tanto a ele, Mel. O dia que for vendido, você vai ficar triste.

- Eu sei. – murmurei, dando de ombros. O poodle bocejou quando o coloquei na gaiola. Senti-o lamber meus dedos em agradecimento pelo carinho. Sorri. – Mas eu simplesmente não consigo evitar. Olha só que coisa mais fofa!

- Você está parecendo a Ramona. – Kyle ria atrás de mim. – Só não deixe-o lamber seu rosto, ou vou ser obrigado a te demitir.

- Porque poderei estar passando doenças pro cachorro?

- Por estar descontando sua carência de não ter namorado em um pobre animalzinho indefeso.

Tive vontade de socá-lo ali mesmo. Kyle gargalhava em minha frente e, se não fossem os quinze centímetros de diferença entre nossas alturas, eu o teria acertado com qualquer coisa sólida ao meu alcance, pelo simples fato dele ser tão irritante.

- Você é um desperdício de ar, sabia? – resmunguei, enquanto tinha meus cabelos bagunçados mais uma vez pelo homem ao meu lado. – Não sei como você conseguiu um casamento. Um lado meu ainda quer acreditar que Jill é uma boneca inflável.

Ouvi Kyle gargalhar e me puxar pela mão até a frente da loja, enquanto apagava as luzes e se certificava de trancar tudo. Eu simplesmente o segui até a porta, carregando a maleta com suas coisas e minha bolsa no outro ombro.

- Tem certeza de que não vai querer carona hoje, Mel? Posso te deixar em casa sem problemas.

Balancei negativamente a cabeça, entregando-lhe a pasta que tinha em mãos.

- Vou ficar bem, Kyle. – sorri para ele, tranquilizando-o. – O próximo ônibus sai em vinte minutos, então vou aproveitar e dar um pulo na loja de música enquanto isso.

Kyle me lançou um olhar desconfiado, mas deu de ombros e me acompanhou no caminho que levava à saída do shopping. Assim como a clínica de Kyle, as demais lojas também já estavam começando a dar fim ao expediente. Por esta razão foi tão estranho ver o shopping ainda tão movimentado como estava. O mais esquisito era a quantidade de garotas que tomavam o lugar.

- O que você acha que está acontecendo?

Kyle deu de ombros, pedindo licença para um grupo de meninas que bloqueavam a passagem. Quando passamos, ouvi uma delas murmurar algo como “quase tão lindo quanto Harry” e, mesmo não sabendo quem era esse tal Harry de que falavam, não podia deixar de concordar que Kyle era mesmo bonito.

- Deve ser alguma promoção esquisita, daquelas de “as primeiras setenta clientes levam um lindo sapato ilha”.

- Que diabos é um “sapato ilha”, Vincent?

- Essa coisa que você tá usando. – ele apontou para meus pés.

Olhei para o par de calçados que eu usava e não pude evitar de rir ao encarar Kyle outra vez.

- Uma sapatilha. – disse, ainda rindo. – Francamente, Vincent. Eu esperava mais de você.

Ouvi-o bufando ao meu lado.

- A mulher aqui é você, eu não preciso saber dessas coisas.

- Jill tem uma sooorte... – cantarolei, recebendo como resposta uma leve cotovelada nas costelas, o que me fez rir.

Segui-o pela praça de alimentação, passando novamente por grupinhos amontoados de meninas e não pude deixar de reparar que ouvi diversas vezes o mesmo nome “Harry” ser repetido. Quem quer que fosse, tive pena de pensar o que poderia lhe acontecer quando fosse encontrado.

Kyle parou em frente ao McDonald’s e me deu um beijo na testa.

- Qualquer coisa você me liga, ouviu? Mas qualquer coisa mesmo, é só ligar que eu venho correndo.

Assenti, batendo continência.

- Sim, senhor capitão!

Kyle riu, beijando o topo de minha cabeça outra vez antes de seguir até a escada que levava ao estacionamento. Observei-o sumir para o andar de baixo, então virei-me na direção oposta, dirigindo-me para a loja de música.

A multidão de meninas adolescentes parecia ter aumentado desde a última vez que olhei. Parei em um canto mais afastado, tentando encontrar um caminho menos aglomerado para atravessar. Tudo parecia estar tão cheio! O que essas pessoas estavam fazendo ali, afinal? São dez horas de uma terça feira, deveriam estar em casa, na cama. Eu deveria estar em casa, na cama!

- Melody.

Paralisei. Senti cada gota do sangue circulando em meu corpo congelar ao ouvir meu nome sendo pronunciado por aquela voz tão conhecida. Meu coração parecia ter avançado uma batida e me peguei arfando uma única vez.

- Melody. – insistiu o dono da voz, dessa vez de forma mais grave.

Girei nos calcanhares, tentando evitar ao máximo demonstrar qualquer tipo de emoção que estivesse tentando escapar por meus olhos assustados. Fazia quase dois anos que eu não via Ryan Oliver. No entanto, aqui estava ele, em Londres, encarando-me com um sorriso ridículo, sem apresentar a menor surpresa de ter me encontrado.

- O que você está fazendo aqui? – vociferei, fuzilando-o com os olhos. Não me dei nem ao trabalho de dizer “oi”.

Ryan riu, erguendo os braços em sinal de rendição.

- Calma, gatinha. – sua expressão ainda apresentava o mesmo sorriso besta de quando me olhara segundos atrás. – Não vai nem ao menos me dizer oi?

- Eu fiz uma pergunta, Ryan.

O verde de seus olhos dançou no castanho dos meus.

- Vim fazer uma surpresinha para minha namorada. – disse, tentando se aproximar. Como um reflexo, me afastei. Ele percebeu e vi seu sorriso sumir. – Qual é, Mel! Achei que iria gostar de saber que me mudei para Londres.

Ouvir aquelas palavras foi como levar um soco no estômago. O principal motivo que me fez deixar minha cidade natal foi criar uma bela distância física entre Ryan Oliver e eu. Agora aqui estava eu, cara a cara com o pesadelo que havia virado meu relacionamento.

Ryan e eu havíamos namorado por três anos e era tudo maravilhoso, até ele começar a ter crises sérias de ciúmes que estavam começando a me assustar. Até hoje eu não entendia o que havia acontecido, o que eu fiz para deixá-lo tão desconfiado ou até mesmo obcecado. Ryan simplesmente não era o mesmo que conheci aos quatro anos de idade.

- Namorada? – repeti, piscando seguidas vezes para ver se aquilo estava mesmo acontecendo. – Nós terminamos, Ryan. Não sou nada sua.

Isso pareceu não agradá-lo. Algo mudou em seus olhos e o sorriso sacana que havia voltado ao seu rosto, tornou a sumir. Um lado de meu cérebro me mandou correr.

- Eu vim até aqui pensando que poderíamos conversar. – Ryan murmurou, com uma calma assustadora. – Mas estou vendo que vou precisar te obrigar a me ouvir.

Antes que eu pudesse ouvir o conselho sobre sumir dali, Ryan agarrou meu braço e me puxou para perto em um aperto forte. Arfei, sentindo o choque bruto de seu corpo contra o meu.

- Ryan, me solta ou eu faço um escândalo. – ameacei, tentando manter a voz tão firme quanto o aperto em meu pulso. – Você está me machucando!

- Eu só quero matar a saudade, Mel. – murmurou, o sorriso doentio dançando em seus lábios mais uma vez. – Não sente saudades de mim?

O vi se aproximar e tentei puxar meu braço para longe, o que só resultou em um aperto ainda maior de sua parte. Senti meus dedos começarem a formigar. Seu rosto estava cada vez mais perto e senti meu estômago arder em resposta à proximidade indesejada e repentina.

A coisa mais inteligente que pude pensar em fazer foi dar-lhe um belo soco no rosto e correr o mais rápido que pudesse para longe dele. Deixei-o berrando meu nome em minhas costas, enquanto me afastava do ex-namorado horrível que deixara para trás.

Mergulhei no mar de garotas, que começaram a gritar e reclamar dos empurrões que eu distribuía enquanto abria passagem à força por entre as adolescentes amontoadas. Meu braço latejava e a mão que havia usado para lhe bater parecia ter ganhado vida e estar gritando por conta própria.

Eu só conseguia pensar em fugir.

- Melody, para de correr! – Ryan gritava, uma fúria impressionante na voz. – Eu só quero conversar!

Não lhe dei ouvidos. Parti para a primeira porta que encontrei e joguei-me contra ela, rezando para que ele tivesse me perdido de vista no meio de tantas meninas. Por alguma razão, o barulho lá fora começou a aumentar.

Quando senti a porta fechando-se atrás de mim, só consegui chorar. Estava tudo ótimo até aquele imbecil me encontrar. Como havia descoberto onde eu trabalhava? Aposto que até sabia onde eu morava. Maldita hora em que recusei a carona de Kyle.

Kyle!

Ignorei a dor em ambos os pulsos enquanto lutava contra minha bolsa atrás do celular. As conhecidas marcas roxas dos dedos de Ryan já haviam começado a surgir na pele branca de meu braço e empurrei este pensamento para longe enquanto discava o número de Kyle Vincent no telefone, rezando para que atendesse. A linha estava muda e a tela exibia a mensagem de “sem sinal”.

Praguejei, amaldiçoando as paredes daquele banheiro por bloquearem sinais telefônicos. Andei pelo local, tentando conseguir torres. De todas as situações em que eu poderia ficar sem sinal, precisava ser exatamente quando meu ex-namorado maluco estivesse do lado de fora? Eu não podia nem ir para casa!

Estava do outro lado do banheiro quando ouvi a porta abrir e fechar-se novamente. Peguei a primeira coisa que estivesse em meu alcance, mirei para a entrada e gritei:

- Sai de perto de mim!

Harry Styles

“Você deveria dar uma volta, Harry. É bom para arejar a cabeça.” Eu queria pegar Louis Tomlinson pelo pescoço e bater na cabeça dele até que aprendesse a cantar em chinês. Maldita a hora em que resolvi seguir seu conselho e sumir do estúdio sem que Paul - nosso segurança irlandês - se desse conta de que eu desapareci.

Agora aqui estou, encapuzado e tentando passar despercebido pelo meio dessa multidão de garotas que não faço ideia de como foi que vieram parar aqui. Sou obrigado a admitir que nossas fãs são boas em espalhar notícias, uma vez que eu só havia parado duas vezes para tirar fotos no caminho do estúdio para cá e agora me encontro fugindo de um mar de feromônios bem no meio de um shopping center.

Definitivamente, fugir de lá havia sido uma péssima ideia.

Parei à sombra de um quiosque um pouco afastado do grupo de fãs que só aumentava e tentei planejar uma rota de fuga. Não tinha jeito de chegar até a porta de saída sem atravessar aquela massa gigante de pessoas. Às vezes é um saco ser famoso. Mal consegui driblar os paparazzi na porta do estúdio, quem dirá toda essa gente!

Algo em meu bolso começou a vibrar. Meu telefone mostrava uma foto de Louis vesgo nos bastidores do último show e as opções “aceitar/recusar”. Apertei aceitar.

- Dude! Cadê você? – disse a voz do outro lado da linha. Estava difícil escutar pela barulheira em minha frente. – Paul voltou e está furioso.

- A ideia foi sua, seu panaca! – praguejei, espiando por trás do quiosque. O senhor atrás da caixa registradora me lançou um olhar desconfiado. – Estou no shopping perto do estúdio, mas está tão lotado de fãs que eu não tenho como sair.

- Simon disse que você vai estar realmente ferrado quando voltar.

- Pede se ele pode trazer comida! – alguém gritou ao fundo.

- Cala a boca, Niall.

Houve alguns sons de tapas e tive que segurar o riso.

- É bom você não reclamar quando eu estiver tão morto de fome a ponto de arrancar a sua orelha.

Mesmo sob protestos, Niall calou-se ao fundo da conversa. De todos os membros da banda, com certeza ele era o mais esfomeado e não era surpresa vê-lo implorando por comida. Acho que metade da mesa de doces que temos nos bastidores dos shows vai para o estômago dele, sem falar nas sobras que eu já o vi guardando para levar ao hotel e comer de madrugada.

Meu celular vibrou em minha orelha e mostrou-me um aviso de “bateria fraca” em sua tela. Chinguei, espiando outra vez para o grupo ainda maior de garotas a poucos metros de onde eu me encontrava. Estava ficando sem opções.

- Estou ficando sem bateria, Louis. – informei, ignorando o olhar suspeito que o dono do quiosque me direcionava. Acho que estava tentando decidir se eu era ou não um ladrão.

- Espera aí.

Obedeci, meio impaciente. Se essas garotas me vissem, eu estava ferrado. Sem um guarda-costas, era quase suicídio me lançar no meio daquele alvoroço de pessoas.

- Harry. – Louis chamou ao telefone, recuperando minha atenção. – Paul já está indo buscar você, tente ficar em um lugar visível.

- Visível? – cuspi. – Tem um bando de adolescentes me procurando em um shopping quase fechado e você quer que eu fique em um lugar visível?

É incrível como meu melhor amigo conseguia ser estúpido às vezes.

- Vou dar um jeito, certo? – assegurei-lhe, olhando para o alvoroço que havia tomado conta de uma das pontas mais afastadas da multidão. – Só venham...

- ELE ESTÁ ALI!

Gelei. Logo atrás de mim estava um grupo de garotas de mais ou menos doze anos, segurando cartazes coloridos e apontando um dedo inquisitivo para mim.

Foi como se o restante da cena tivesse saído de um filme maluco. No mesmo instante em que comecei a correr, o resto das garotas que ocupavam o corredor lotado partiram em disparada em meu encalço, gritando meu nome e coisas que eu não conseguia entender, misturados aos gritos de Louis no celular em minha mão.

Maldita a hora em que eu aceitei seu conselho, maldita!

- HARRY!

- CASA COMIGO, HARRY!

- ESTOU GRÁVIDA DE GÊMEOS!

- HARRY!

Eu só pensava em achar algum lugar para me esconder o mais rápido possível. Nossas fãs são extremamente amáveis, mas há uma grande diferença entre ficar no meio de um estouro de boiada desses ao lado de um segurança e estar desacompanhado. Praguejei, chingando cada dono de loja por já terem fechado seus comércios.

Em minha frente, um grupo maior ainda de garotas parecia estar vindo ao meu encontro, tão determinadas em arrancar um pedacinho de Harry Styles quanto a manada ensandecida atrás de mim.

Posso jurar que ouvi o velhinho do quiosque rindo pelas minhas costas.

Realmente, eu estava começando a me assustar. Seria uma bela hora para Paul aparecer correndo e me levar daqui. Juro que nem reclamaria se ele me jogasse nas costas e saísse em disparada para uma van que estivesse esperando na saída do shopping.

Mas, é claro, Paul não seria tão milagroso a ponto de aparecer assim tão rápido.

Foi por esta razão que, ao dobrar em uma bifurcação entre uma loja de departamento e um pet shop, me joguei contra uma porta à minha esquerda com a maior força possível, torcendo para que elas tivessem me perdido de vista quando fiz a curva momentos atrás. Tão rápido quanto a havia aberto, fechei a porta e escorei-me contra ela, tentando recuperar o fôlego. Meu peito subia e descia com velocidade, decorrente da correria anterior a que havia submetido minhas pernas.

Lancei um olhar ansioso para o telefone em minhas mãos, mas a tela escura e a ausência de resposta ao apertar o botão central me certificou de que a bateria já havia acabado. Mal tive tempo de praguejar a situação toda, quando uma voz ecoou no banheiro gritando para que me afastasse e quase me fez ter um ataque cardíaco.

Parada a poucos metros, em frente à pia, estava uma garota baixa de olhos assustados, vestindo uma camiseta escura com o desenho de um cachorro e a logomarca do pet shop pelo qual eu havia passado minutos atrás. Seus cabelos castanho-claros estavam presos por um laço vermelho em um rabo de cavalo, o que, combinado com suas feições suaves, a fazia parecer ainda mais nova. O que chamou minha atenção não foram as diversas marcas roxas em seu pulso levantado, mas sim o rolo de papel higiênico pendendo em sua mão erguida, quase em posição de ataque.

Demoramos alguns segundos em silêncio, ambos tentando entender em que situação havíamos nos metido, encarando um ao outro, inspecionando a expressão facial alheia. Ela manteve a “arma” – se é que algum dia papel higiênico pudesse ser usado como tal – preparada e me olhava com algo parecido com pavor.

Pensei em considerar a possibilidade de ela ser uma fã que deu um jeito de entrar pela janela do banheiro, mas não havia janela nenhuma à vista. Considerando que era impossível alguém surgir pela privada – embora Niall ainda morra de medo da Loira do Banheiro – e o fato de estar planejando me atacar com um mortífero papel para uso sanitário, resolvi dar o primeiro passo:

- Quem é você?

A menina de olhos castanhos lançou-me um olhar desconfiado.

- Quem é você? – indagou, ignorando completamente o que eu havia dito.

Achei a pergunta engraçada.

- Você não sabe quem eu sou? – perguntei, quase rindo. Não estava acostumado a esse tipo de situação, pelo menos não desde que a One Direction ganhou fama no X-Factor.

A garota em minha frente me olhou como se eu fosse um idiota.

- Acho que, se eu soubesse, não teria perguntado.

- Você é sempre tão educada? – cuspi, franzindo as sobrancelhas para ela, que respondeu-me com um revirar de olhos.

Resolvi mudar minha tática e tentar ser mais sociável. Respirei fundo.

– Desculpa.

Ao ouvir isso, ela pareceu se acalmar. Embora ainda mantivesse sobre mim o mesmo olhar suspeito, seus ombros haviam relaxado. Observei-a empurrar uma mecha de cabelo para trás de sua orelha e corar ao olhar novamente em minha direção.

- Na verdade, eu peço desculpas. – murmurou, com um sorriso desconcertado. – Foi um dia difícil.

- Eu imagino. Você está me ameaçando com um rolo de papel!

Por mais que eu houvesse me esforçado para manter escondida minha vontade de dar risada, não pude evitar de gargalhar ao ouvi-la fazer o mesmo enquanto largava o rolo sobre a pia de mármore.

- Bem ameaçador, não? – comentou, virando-se em minha direção e estendendo a mão para mim. – Sou Melody. Melody Forbes.

- Harry Styles.

Andei até onde ela estava e segurei sua mão estendida. Mesmo sendo britânico e tendo fama de fazer parte de um povo extremamente educado, ainda achava estranho fazer isso com pessoas da minha idade.

- Então é você o tal “Harry”.

Devo ter feito uma cara muito estúpida, porque ela riu de mim.

- Ouvi as garotas lá fora falando de alguém chamado Harry. – explicou. – Você parece estar encrencado.

- Algo do gênero. – murmurei, passando as mãos nervosamente por meus cabelos bagunçados.

Apoiei-me na pia e ergui meus olhos para a parede espelhada em minha frente. Meu reflexo me encarava com um olhar cansado e roupas amassadas, consequências do dia exaustivo no estúdio. As pessoas pensam que é fácil, mas eu e os outros estávamos trancados naquela sala de gravação desde as sete e meia da manhã, então não é surpresa que eu tenha decidido dar uma escapada inocente. Claro, até ser encurralado cinco minutos atrás.

- Você deve ter feito algo muito horrível para tanta gente estar aqui por sua causa.

Virei-me para Melody e abri um sorriso de canto.

- Realmente não sabe quem sou ou só está fazendo joguinho?

Obtive como resposta um aceno negativo de cabeça, juntamente com um sorriso de desculpas acompanhado de uma única covinha do lado esquerdo do rosto.

- Algo me diz que deveria saber. – disse, encolhendo os ombros ao falar. – E você realmente não me parece estranho, mas...

Antes que pudesse terminar a frase, a bagunça do lado de fora começou outra vez, só que mais alto. Cheguei a pensar que fosse Paul ou algum dos garotos vindo ao meu resgate, mas quando não ouvi gritos histéricos e sim reclamações, abandonei completamente minhas hipóteses.

- Eu já disse que não tem ninguém aqui. – falou uma voz desconhecida e masculina. – O shopping já está fechando e todas vocês precisam sair.

- Não vamos a lugar nenhum sem antes entrar aí! – gritou uma garota de voz estridente.

- É! – incentivou outra. – Queremos o Harry!

Em seguida começou um coro ainda mais alto, a multidão lá fora entoando meu nome a plenos pulmões. Nem havia percebido o olhar interrogativo que Melody me lançava até virar outra vez em sua direção.

- O que eu posso dizer? Elas me amam.

Ela revirou os olhos ao me ouvir.

- Você é sempre tão convencido?

Abri a boca para responder, mas a voz das garotas do outro lado da porta ameaçando invadir o banheiro me interrompeu. Observei estático enquanto a maçaneta da porta girava e engoli em seco.

Antes mesmo que eu pudesse ter um ataque de pânico, senti algo agarrar meu braço e me arrastar para dentro de uma das cabines com um único puxão. Vi Melody trancar a porta, no mesmo instante em que ouvia um estouro de garotas adentrarem no local.

Encarei a garota baixinha em minha frente, que mantinha um dos dedos sobre os lábios e pedindo silêncio. Nem me atrevi a desobedecer, ela era minha melhor chance de sair dali inteiro.

Aliás, onde está Paul?

- Harry, sabemos que você está aqui! – ouvi, pouco antes de uma das portas das cabines à nossa direita serem abertas.

- Essa aqui está trancada! – o berro veio bem à frente de onde estávamos.

O alvoroço pareceu aumentar com a afirmação anterior e pedidos para que eu saísse de meu esconderijo começaram a tomar conta da bagunça toda.

Melody parecia concentrada, mas acho que eu estava suando frio. Vou virar picadinho de Styles! Eu devia ter me despedido da minha mãe. Já posso até ver as matérias das revistas: Harry Styles, encontrado esquartejado em banheiro de shopping, com marcas de unhas e batom espalhadas pelo corpo todo. Trágico!

Uma descarga sendo puxada me despertou do meu devaneio e senti meu coração parando quando vi ser Melody quem mantinha a mão no aparelho embutido na parede. Meu queixo caiu.

- Eu pensei que estávamos no mesmo time! – foi necessário muito esforço para aquele sussurro não sair como um grito. Eu não estava acreditando que ela simplesmente entregava nossa posição assim, de mão beijada. Abri a boca para falar um palavrão, mas Melody já a tapava com uma das mãos. Tentei ignorar o fato de que esta havia acabado de sair da descarga.

- Elas já sabem que você está aqui, seu idiota. – murmurou, com os olhos semicerrados.

- Sério? – eu disse, mas com a boca tapada soou algo como “sénhuã”.

Apontei para a mão que ainda permanecia em meus lábios e fiz uma careta.

Melody revirou os olhos e baixou seu braço, destrancando a porta em seguida.

Meu queixo caiu outra vez. Ela estava me entregando para o inimigo! Bem que dizem que não se pode confiar em garotas conhecidas no banheiro. Niall iria concordar, principalmente quando o assunto são loiras suspeitas.

Permaneci imóvel e quase sem respirar enquanto ela puxava a porta lentamente em minha frente e encarava o grupo de garotas ali. Não posso descrever a cena direito, uma vez que eu estava escondido atrás da porta, executando um grau de contorcionismo nada confortável e que nem sabia ter, mas sei que por alguns segundos o local ficou em silêncio.

- O que é tudo isso? – ouvi-a perguntar.

Após mais alguns segundos de silêncio, alguém resolveu se pronunciar.

- Estamos procurando por Harry Styles. - era a mesma menina da voz esganiçada que havia ameaçado invadir minutos atrás. – O da One Direction.

- Não brinca! – pude ouvir uma surpresa real demais no tom de voz de Melody. Acho que ela realmente não me conhecia, apesar de tudo. – Aquele bonitinho de cabelos cacheados?

Aquele bonitinho”? Desde quando eu sou “bonitinho”?

- Ele não é só bonitinho! – alguém protestou, defendendo minha honra. Já disse que amo minhas fãs? – Mas sim, ele mesmo. Você o viu?

- Passou correndo para a praça de alimentação há uns dez minutos.

Houve um momento de alarde, antes de eu ouvir a porta abrindo-se e passos apressados se afastando, juntamente com a barulheira e as reclamações. Em poucos instantes, ouvi o som de água corrente e assumi ser uma das torneiras da pia.

- Já pode sair agora, Harry Styles da One Direction.

Saí da cabine apertada, não sem antes espiar pela porta entreaberta. Melody estava em pé e lavava as mãos, massageando um dos punhos delicadamente com a mão pertencente ao pulso arroxeado e fazia uma careta de dor. Aproximei-me devagar, observando-a por cima de um dos ombros.

- O que houve com seus braços? – sei que era muita intromissão, mas realmente não consegui segurar a língua.

Os ombros da pequena garota em minha frente balançaram-se uma única vez para cima e para baixo, como se não fosse nada de mais. Ergueu uma das mãos em direção às toalhas de papel, mas interceptei-as no meio do caminho e puxei seus braços para mim, analisando-os mais de perto.

O direito era o portador dos estranhos hematomas escuros, contornando-o como se algo o houvesse segurado firmemente. Já o esquerdo tinha a mão parcialmente inchada. Ambos pareciam bem recentes. Apalpei levemente seus dedos e ouvi Melody choramingar baixinho em resposta, tentando afastá-lo de mim em algo que deduzi ser instinto. O segurei firme com uma das mãos.

- Você consegue mexer?

Ela fez que sim com a cabeça e tencionou levemente os dedos da mão, fazendo uma careta de dor.

- Precisa dar uma olhada nisso aqui. – comentei sobre o machucado, enquanto puxava uma das pontas do laço vermelho que prendia seu cabelo e o usava como uma atadura improvisada na mão inchada. - Você por acaso socou uma parede?

- Quase. – disse, passando a mão livre nos cabelos agora soltos. – Meu ex-namorado babaca.

Não pude evitar a gargalhada que escapou de meus lábios ao ouvi-la. Era extremamente engraçada a ideia de uma pessoa desse tamanho ser capaz de causar algum dano físico em alguém, principalmente se tivesse uma cara tão inocentemente infantil quanto a de Melody.

- Foi ele que fez isso? - gesticulei para o braço com os hematomas, amarrando juntas as pontas da fita vermelha em seguida. - Não foi o melhor tipo de primeiros-socorros do mundo, mas é o que eu sei fazer.

- Está ótimo, obrigada. – disse com um sorriso no rosto. - E ele é um idiota.

- Não vou duvidar. Ele é o motivo de você ter se assustado tanto quando entrei. – não havia sido uma pergunta. Agora as coisas faziam mais sentido. – Pensou que fosse ele.

- Assim como aposto que você pensou que eu era mais uma fã maluca. – havia um sorriso brincalhão em seus lábios.

Não pude fazer nada senão retribuir.

- Elas são maravilhosas, mas sabem ser meio possessivas de vez em quando.

- Nem me fala! – exclamou, erguendo o braço com marcas roxas para mim e revirando os olhos. – É um saco.

- Totalmente.

Permanecemos alguns segundos nos encarando ainda com os mesmos sorrisos idiotas no rosto, sendo esta a única diferença da maneira como havíamos nos encarado da primeira vez que eu havia entrado nesse banheiro e dado de cara com a Assassina do Papel Higiênico. Reparando melhor agora, posso notar o quanto os olhos escuros a deixam bonita.

- Melody... – comecei. – Posso te chamar só de “Mels”?

- Mel. – corrigiu-me.

- Mels. – teimei.

- Só Mel.

- Mels. – tornei a insistir.

Ela abriu a boca para retrucar outra vez, mas pareceu ter percebido que aquilo poderia ir longe, então contentou-se em revirar os olhos e murmurar um “tanto faz” que me fez rir de seu jeitinho irritado.

- E então, Mels. – pronunciei seu mais novo apelido esboçando um sorriso sacana, declarando minha vitória. – Acha que já podemos sair?

- Só tem um jeito de saber.

Nos dirigimos juntos até a porta e encostamos a orelha à mesma, tentando ouvir qualquer sinal de tumulto do lado de fora. Estava tudo quieto... Até demais. Ficamos parados ali por alguns segundos, tentando decidir se era seguro ou não dar as caras ali fora. Finalmente, depois de cansarmos de tentar ouvir nada, Mels alcançou a maçaneta com a mão boa e a girou, puxando a porta em seguida.

Nada aconteceu.

Trocamos um olhar preocupado e ela tentou outra vez, puxando a porta com mais força.

- Eu acho que estamos trancados. – murmurei, merecendo o título de “Capitão Óbvio”.


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