Você teria ficado?

Eu te segurei muito apertado?

Eu não deixei luz suficiente?

the xx – chained

Quando ainda havia um resquício de inocência na alma de Hades, lutando para manter-se ali mesmo quando tudo ao seu redor era escuridão e rancor, ele costumava surrupiar as flores vivas – e belas – que mantinham-se vivas, mesmo no Mundo Inferior. “Elas são fortes e belas”, ele dizia para ninguém em especial, “e, sendo elas raras, merecem serem assim tratadas”.

(Pouco mais de uma década depois, as flores que sobreviveram não foram sequer tocadas, não foram levadas para dentro do castelo, e Hades sequer lançou-as um olhar de soslaio, elas morreram em uma semana)

X

– Você é tão terrivelmente frio que se recusa a enxergar o gelo do próprio coração, Hades. E isso seria irônico se não fosse tão triste.

X

Perséfone se recusou a olhá-lo – a comer, a arrumar-se, a falar, se recusou a viver, e passou a apenas existir –. Sentia que o jardim de sua mãe definhava – sentia, sentia, sentia – e mesmo sem certeza, a certeza que ela possuía era a certeza da dúvida, e ela lhe era suficiente.

(Exceto em um pequeno dia, onde arriscou mordiscar uma romã, porém a fruta lhe parecera demasiada viva e doce quando o gosto explodiu em sua língua para algo vindo do mundo amargo habitado por pessoas cuja transparência ocupava o que outrora fora pele e perpétua dor e temor ocupava o que outrora fora sonhos – e em um universo distante, esperanças)

X

– Não vou comer, nada daqui, não vou, não vou!

– Pode ser uma Deusa, mas não é saudável que passe tanto tempo sem comer.

– Não vou!

– E por quê?

– Porque tudo aqui é tão morto quanto você.

X

Quando ela partia para estar com a mãe, o Mundo Inferior tornava-se mais mórbido e triste do que o mesmo já era por si só. Duzentos e trinta e sete anos¹ após seu “casamento” – ele não soube o motivo que levou a data a fixar-se em sua cabeça, mas ela se fixou –, enquanto Perséfone não despojava do castelo do Submundo, ele olhou as rosas – e não soube o motivo, mas recolheu, furtivamente, todas aquelas que ainda possuíam vida.

(Uma estação e meia depois, quando Perséfone voltou, a única coisa que conseguiu fazer após sair do estado descrente em que entrara ao ver uma série de jarros de flores em um corredor, foi tocar pétala por pétala de cada uma, esperando que a pequena tom amarronzada que sobrepunha as cores vívidas das flores se dissipasse)

X

– Você realmente amou essa mulher? Maria, digo. Por que se recusa a admitir tal coisa? É quase lindo, Hades.

– A amei quase tanto quanto amo você. E me recuso a admitir ambos na mesma medida.

X

Um dia qualquer – dessa vez, nenhum deles saberia dizer qual –, ele olhava para os mortos, e ela olhava para ele – não que houvesse grande diferença aos olhos da Deusa – e ela se sentara no trono que a ela pertencia, mas ela se recusava a lembrar-se disso mais vezes que o necessário. “Está procurando por alguém, ou algo?” perguntara apenas para cortar o silêncio do local, mas o homem – deus? – fez questão de o prolongar por muito tempo até lhe conceder uma resposta, sem correr os olhos para ela, sem sequer se mover “Vida”.

(Perséfone podia jurar que o vira reprimir uma lágrima enquanto observava as almas vagando ali – talvez sentisse piedade delas, mas ela achou que apenas desejasse morrer, e ela pegou-se desejando o mesmo, o que é morrer? passou a se perguntar por longo período até conscientizar-se que jamais iria saber, mas não sabia se isso era bom ou ruim)

X

Porque apenas um Deus morto poderia reinar submerso em dor e desespero e apenas uma Deusa viva poderia reinar dentre as flores da primavera.