Acordei e vi Zeus e seu rosto e seu travesseiro estavam cheio de baba. Eca! Como as mulheres com quem ele dorme conseguem se sentir bem e satisfeita depois de acordar com um cara que baba a cama delas toda?

Revirei os olhos e levantei. Peguei meu robe e vesti-o. Entrei no closet e coloquei um vestido que eu nunca tinha usado. Era colorido e de uma seda fina, e era um pouco transparente. Por isso, usei um vestido branco simples por baixo. Coloquei um salto alto prateado e penteei meu cabelo num grande coque. Eu precisava parecer bonita, mas que não poderia ser tocada; inabalável e dura, mas com sentimentos. Eu precisava ser amada e adorada por todos, mas eles deveriam me obedecer.

E o jeito no qual eu me vestia e me arrumava teria que influenciar nisso. Eu deveria ser admirada pela minha personalidade, pela minha beleza, por bom-gosto, pela escolha e combinação de roupas e penteados... Eu precisava estar perfeita.

Pendurei o robe atrás da porta e saí do meu quarto e fui direto tomar café, porque eu estava com fome  esenti que aquele seria um dia cheio.

— Hera!... – disse Afrodite, num tom mais acentuado e fino que o normal. – Deméter veio te procurar. Disse que era importante.

Comecei a ficar nervosa.

— Er... Deméter? – falei, quase gaguejando. – Ela deixou algum recado?

— Sim! – Atena interrompeu. – Ela disse que era para você mandar uma mensagem de Íris quando tivesse recebido o recado de que ela passou aqui. – Sentei ao lado dela e ela chegou a cabeça perto do meu ouvido e sussurrou: - Não confio em Afrodite para dar recados. Aliás, acho que confio em Afrodite em muito poucas coisas...

Dei um gole no meu café com leite.

— Dê um exemplo.

— Eu com certeza confiaria em Afrodite para me dizer qual cor de batom combina mais com a minha pele.

— Isso seria bastante inteligente da sua parte, Atena.

— Eu sou a deusa da inteligência, Hera. – disse ela. – noventa e quatro por cento do meu dia é feito de decisões inteligentes.

— E os outros quatro por cento? – perguntei.

— Os outros quatro por cento é quando estou dormindo.

Ri.

— Nossa. Nem é convencida, você.

— Claro que não! – disse ela. – Estou apenas apresentando os fatos.

Terminei de comer meu waffle e levantei na mesa, justamente no momento em que Zeus entrou no salão.

— Hera... – diz ele, com um sorriso convencido e sarcástico no rosto. – Aonde vai?

— Estou saindo da mesa.

— E depois de sair da mesa você vai para...

— Não é da sua conta para onde eu vou! Eu não pergunto pra você aonde você vai, e provavelmente o lugar para onde você vai é um quarto de motel no qual você engravida as pobres garotas, e é assim há séculos, e eu nunca falei nada! Agora, pare de me controlar desse jeito.

Zeus abaixou a cabeça. Ele sentiu vergonha por eu ter falado aquilo em voz alta na frente de todos os outros deuses. Ele achava que deveria ser um exemplo para todos seguirem, mas ele está longe disso, e eu só estou mostrando isso a eles.

Agora que eu sabia que Zeus não iria se atrever a dizer uma única palavra, saí do salão e fui para o chafariz do lado de fora e joguei uma moeda para falar com Deméter.

         Alguns segundos depois de vê-la, Deméter me viu. Ela percebeu a minha presença bem mais rápido do que da última vez, não deixei de perceber.

         - Hera! Que bom que você me contatou. Suponho que alguém tenha contado sobre a minha visita, não é?

         - Sim. – respondi. – Afrodite e Atena. Foram elas que me contaram que você tinha passado aqui e mandaram seu recado. Mas agora, diga-me, que eu estou curiosa: o que você tem a me contar com tanta urgência que até mesmo veio aqui ao Olimpo?

         - Só queria saber se Benjamin contatou com você de novo. Não estava acontecendo muita coisa nos lugares, eu estava sem nada pra fazer, então resolvi fazer uma visita para saber como estão indo as coisas com ele.

         - Ah, sim. – respondi. – Já te falei do encontro hoje, e é a última notícia que tenho dele. Fui dormir logo depois disso e ele deve estar dando aula agora na Academia, se ele estiver tendo os mesmos horários de Quíron.

         - Ah, sim. Era isso que eu queria te falar. Você precisa de uma roupa para o encontro.

         - DEMÉTER! – exclamei. – Mas eu já não tenho roupas suficientes?!

         - Argh! – disse Deméter, revirando os olhos. – Eu estou indo para o Olimpo.

         - Tudo bem. Estou esperando bem aqui.

         Sentei em um banco em frente ao chafariz e observei a água cair dali. A água me lembrava de minha mágoa com Zeus. Durante os séculos, a minha mágoa só aumentou. O total de sofrimento que eu já tinha era toda a água que caía do chafariz, e cada traição que Zeus fazia, a cada mulher que ele dormia e a cada filho perdido dele que era encontrado era uma gota de água do chafariz.

         Mas agora eu havia fechado o ralo. As gotas de água não iriam mais entrar. Eu não seria mais afetada por Zeus.

         Eu não me daria mais ao luxo de fazer isso.

         Eu iria devolver na mesma moeda.