Herança escrita por Janus


Capítulo 46
Capítulo 46




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     Templo Hikawa. Um templo milenar, uma das mais antigas construções daquela cidade. Sobreviveu a guerras, incêndios, vandalismo e até mesmo a depredações. Um templo e um lar de uma família que muitos achavam que lá habitavam há gerações, mas poucos sabiam na verdade que esta era praticamente a segunda geração.
     Há poucos minutos, três homens subiram a escadas que davam acesso a ampla área do templo e do dojo que ficava ao lado, juntamente com a casa dos moradores. Árvores frondosas sussurravam levemente com a brisa suave, como que em sintonia com as três pessoas na sala de estar. Todas quietas e paradas, aguardando algo que provasse que o tempo não tinha parado.
     - Pai...
     Ele não respondeu. Continuou de braços cruzados, sentado no beiral da janela da varanda. Pouca coisa tinha dito desde que eles o encontraram na escola semi destruída junto com as outras sailors. Na verdade, só tinha dito duas coisas. A primeira foi para eles o seguirem, e a segunda foi logo depois que chegaram em casa, para que dissessem o que tinha ocorrido por lá.
     E eles contaram. Desde o começo quando souberam que Anne tinha sentido algo estranho na escola, até o ponto de terem visto sailor Vênus ser carregada por sailor Moon voando para longe, provavelmente para um hospital.
     Durante todo o relato ele permaneceu calado observando algo daquela posição. Talvez as flores, ou os gatos do jardim cuidado que eles tanto se dedicavam para isso. Mas para Herochi e Yokuto, ele não estava lá. Sua mente estava longe, talvez pensando na mãe deles, em uma reunião de emergência no palácio.
     Sailor Vênus não teve nenhuma chance. Nenhuma mesmo! E agora? O que iria ocorrer? O que fariam? Se ela foi tão facilmente derrotada, eles próprios não teriam chances.
     - Filhos... – começou ele subitamente, de tal forma que os assustou – lembram-se do que eu lhes disse sobre manter o controle total do que estão fazendo durante uma luta? Para que não ferissem alguém gravemente?
     - Sim sensei! – disseram ambos imediatamente.
     - Esqueçam que eu disse isso.
     Eles se entreolharam. Desde que começaram a praticar com ele era essa a primeira coisa que precisavam relembrar e marcar. Nunca, nunca mesmo usar tudo o que se tem contra um oponente de treino. E agora ele dizia para jogar isso fora?
     - Pai...?
     - Vocês me ouviram. Quando a mãe de vocês ou eu próprio os estiver treinando, quero que dêem o máximo de si. Sempre – ele se vira na direção deles, o rosto duro, sério e exigente – em outras palavras, nos derrubem com tudo o que tem. Sem misericórdia.
     - Mas...
     - SEM MISERICÓRIDIA, ENTENDERAM?
     - Sim...
     Mas o que deu nele? De uma hora para outra mudaram todas as regras?
     - E quanto ao nosso juramento... – começou Yokuto.
     - Ele não existe neste templo – retrucou ele ainda com o cenho franzido e saindo finalmente do peitoril da janela – nunca existiu – ele para diante deles e os encara – assim que começam a subir aquelas escadas – apontou na direção em que as mesmas ficavam – entram em outro reino, com outra governante e outras leis. Não se esqueçam disto. Amanhã cedo, logo após suas tarefas no jardim, eu lhes ensinarei outras coisas que já devia ter ensinado.
     Ele continua a andar agora, seguindo em direção ao seu quarto.
     - Sensei... – chamou Herochi não acreditando naquilo – porque...?
     - Porque? – ele para, mas não se vira – não podemos deixa-los de fora disto. Vocês pediram ajuda e a receberam. E esta não foi o suficiente. Não posso aceitar que meus filhos ao menos não sejam capazes de fazerem o impossível para sobreviverem.
     Ele faz uma pausa, ainda de costas para ele. Podiam imaginar que seu rosto devia estar triste ou agoniado para que não permitisse que o vissem.
     - E se ainda assim não for o bastante... – continuou ele erguendo a cabeça – eu e sua mãe iremos querer que ao menos possam ser enterrados como o que são. Guerreiros marcianos.
     Dito isto ele se afasta de vez, deixando os dois na sala com os olhos arregalados e sem entender absolutamente nada.
     - Enterrados como guerreiros?
     - Você ouviu Yokuto. Foi isso o que ele disse.
     - Mas porque?
     - Devia estar óbvio – Herochi se sentou no sofá e cruzou as pernas – sailor Vênus não pôde contra àquela mulher, e nós com certeza não teríamos nenhuma chance. Se for para morrer.. que seja como um guerreiro.
     - Que conversa mais derrotista – ele maneia a cabeça – seria bom um pequeno incentivo.
     - É a realidade – tornou o irmão – porque acha que agora ele também quer que demos o nosso melhor? Ele quer que aprendamos.
     - Até parece que é fácil! Já apanhamos todos os dias e ainda assim não tenho coragem de bater na mamãe.
     - Acha que eu tenho? Tenho pavor de machuca-la. Pavor mesmo. E não está sendo fácil se esquivar dela não. E com o pai assim, agora é que vamos precisar de mais faixas e gazes.
     - Como eu disse, é um papo muito derrotista. Pelo menos podemos aprender a bloquea-los. Não é tão dificil assim.
     Herochi abaixou a cabeça e fechou os olhos. Estava amargurado com tudo aquilo, mas também estava desapontado com o seu irmão.
     - Yoko... eles estão brincando conosco. Não percebeu ainda que eles estão se segurando quando nos enfrentam? Não percebeu como eles podem ser rápidos, eficientes e mortais se assim o desejassem? Não meu caro. Vai demorar muito para nós apenas bloquearmos seus golpes. Muito mesmo.
     Ambos ficaram em silêncio na sala. Ponderando sobre o ocorrido e as conseqüências disto. Certamente haveriam conseqüências. Muitas! A primeira foi esta decisão do pai deles, muito provavelmente a ser endossada pela mãe. Mas... e quanto as meninas? Os pais destas também iriam cuidar de aprimorar suas habilidades?
     Não sabiam. Era muito cedo para saber. A única certeza de que tinham foi que estiveram meio que a margem de uma guerra.
     Uma guerra que foi vencida pelo inimigo!
     Súbito, Herochi se levanta, chegando mesmo a assustar o seu irmão com aquela reação. Caminha lentamente para fora da casa e fica algum tempo observando as árvores do quintal. As folhas estavam verdes e as arvores demonstravam sua saúde. Haveria um serviço fácil de manhã cedo. Colocou as mãos no bolso e abaixou a cabeça. Tentando decidir o que fazer.
     Por fim, começou a andar lentamente seguindo a parede da casa. Uma pequena área sem árvores e com grama bem cuidada separava a casa do dojo. Ele enveredou por esta "viela" e seguiu em frente. A noite já estava fria, mas ele não sentia frio. Nem ele, nem seu irmão e muito menos sua mãe sentiam frio. Talvez por serem marcianos. Não sabia bem a resposta, mas não sentia frio, apesar de não ter dificuldades em saber se a temperatura estava baixa ou não.
     Deu quase trinta passos com as mãos nos bolsos e com a cabeça baixa, sem a erguer ou sequer observar o caminho que seguia. Era automático. Fazia este mesmo caminho ocasionalmente. Quando queria pensar um pouco. Após mais alguns passos ele para diante de um túmulo.
     O túmulo de seu bisavô.
     Ornamentado por uma escultura de uma cerejeira feita de metal, aquele era o local que ele costumava ir quando se sentia incomodado. O túmulo de alguém que nunca conheceu, que já tinha morrido cerca de duzentos anos antes dele nascer.
     Mas era o túmulo de alguém que sua mãe tinha um grande carinho. O avô desta. Joynah chegou a conhece-lo quando voltou no tempo e comentou algo a respeito com ele. Pouca coisa, se bem que ela o viu só por uns minutos. Viu a parte meio "sem-vergonha" dele. Uma pena que não conheceu a bondade e sabedoria que este tinha. Um grande mestre de artes marciais, o sensei de seu pai, aquele que ensinou a este praticamente tudo o que sabia, desde as artes da luta até a humildade e paciência necessárias para se viver dignamente.
     Nunca o viu. Não havia nenhuma imagem deste salva para tanto. Nada!
     Mas ele o respeitava. Ouviu sua mãe falar tanto sobre ele que era como se o conhecesse. Como se tivesse crescido com ele.
     Seu bisavô...
     Ficou parado ali em frente ao túmulo, com as mãos no bolso e observando a escultura. Foi por causa desta escultura que se interessou – na verdade, ele e o irmão se interessaram ao mesmo tempo – por esculturas de ferro. Porque não usar a habilidade que tinham de gerar fogo para esculpir metal com isso? Além de ser uma forma de treino extremamente eficiente, tinha a vantagem de gerar uma economia enorme pois não consumiam gás e nem eletricidade. Nada!
     Quase setecentos anos mexendo com esculturas de ferro. Claro que no começo, quando eram crianças, não vendiam isso. Apenas faziam e sua mãe as dava de presente para os amigos e visitantes do templo. Naquela época – pelo que seus pais lhe contaram, uma vez que lembravam-se de poucas coisas devido a infância longa que tiveram – ela também fazia esculturas. Talvez tenha sido ela quem os ensinou àquela arte. Talvez não. Bom, não importava... o fato era que eles praticavam aquilo há séculos. Tempo de sobra para serem mestres nisto. E agora fazendo estátuas e esculturas de vidro, o refinamento chegava as raias do absurdo. Podiam fazer uma estátua de uma pessoa cuidando detalhadamente de cada fio de cabelo – sua mãe nunca conseguiu tamanha riqueza de detalhes como eles – incluindo ai os cílios.
     Mesmo assim, achava que a escultura daquela árvore no túmulo superava tudo isto. Dava para ver as nervuras em cada folha. O escultor capturou bem a árvore e seus galhos sendo balançados por uma brisa levemente forte. Que inveja tinha da habilidade deste escultor.
     Um dia, ele faria uma obra assim. Perfeita! Captando a suavidade e a essência do objeto. Até lá, esta escultura seria sua eterna fonte de inspiração e de tranqüilidade. Um porto seguro todas as vezes em que ficava incomodado e com problemas perturbando a sua mente. Bastava observar a beleza, o cuidado e a paciência – podia até mesmo sentir que o escultor prestou uma certa reverência ali – empregadas pelo artista desconhecido para com o seu bisavô.
     E na verdade, ele já se sentia mais tranqüilo.
     - Obrigado vovô... – murmurou ele com um leve sorriso.
    

-x-

 

     Há quilômetros do templo, em um bairro conhecido como Distrito das Flores Amarelas, Três jovens adolescentes estavam com pensamentos também decorrentes do que tinha ocorrido na escola. Apesar de saberem que seus pais iriam demorar para voltar, as três estavam na sala de estar, sentadas uma ao lado da outra. Indecisas sobre o que falar e principalmente se deviam falar algo.
     Joynah estava com a perna por baixo do corpo, e usava a mão sob o queixo para apoiar a cabeça enquanto fitava a grande janela da sala. Dava para ver as estrelas por esta. As outras duas estavam no outro sofá que ficava em frente a holovisão. Mas nenhuma delas sentia vontade de ligar o aparelho.
     Elas estavam preocupadas. Preocupadas com a mãe de Rita. Joynah por sua vez estava mais preocupada com Palla-Palla. Suas pernas sofreram danos terríveis, e o risco de morte dela foi claro. Se não a tivesse levado ao hospital ela teria morrido.
     Morte...
     Nunca tinha pensado nisto antes, mas era algo que poderia ocorrer com elas, com os senshi. Com sua mãe, seu pai, suas irmãs, seu... namorado...
     Ela não queria pensar nisto. Não queria! Mas precisava encarar. Não era um jogo. Não era algo assim para ser levado na brincadeira – não que algum dia tenha realmente chegado a este ponto, mas os oponentes que estavam enfrentando até então eram tão fáceis que eles estavam começando a menosprezar os perigos.
     Hotaru retornou e avisou sobre os generais. Avisou a rainha, a Anne, a ela, a todos. E parece que todos subestimaram eles.
     Há dois dias atrás teve uma enorme surpresa quando sua mãe mostrou ser mais forte do que ela própria e Titã. E agora teve mais uma, ao saber que sailor Vênus – a líder das sailors – fora posta fora de combate aparentemente sem reação.
     Se reagiu, ninguém chegou a ver.
     Olhou para as irmãs. Para Marina que estava de braços cruzados e se concentrando em algo, e depois para Allete, que preferia ficar quase deitada no sofá observando o teto.
     Todas em silêncio.
     Um silêncio fúnebre.
     - GENTE, VAMOS PARAR COM ESSE CRISTAL SEM BRILHO!
     - AI! Que susto mana... – disse Allete pulando do sofá.
     - Desculpe – Joynah ficou levemente encabulada – é que isso aqui parece um enterro. Ninguém morreu, vamos parar com isso.
     - É... – disse Marina ainda na mesma posição – ainda não.
     - Otimista...
     - Não Joynah... realista. Iríamos ser feitos em pedaços se aquela mulher não estivesse com pressa. Isso sem contar o outro. Ele acabou com a fachada da escola facilmente... eu... – seus olhos ficaram mais firmes – eu cheguei a achar que era a mamãe que estava fazendo aquilo...
     Tinha que concordar com ela. Ninguém morreu, AINDA! Ela se julgava poderosa, mas frente ao que aqueles dois fizeram... não era nada. Apenas uma menina de dezesseis anos.
     - E agora?
     - Você ouviu a mamãe... como com certeza não haverá aula amanhã, é para nós irmos ao templo Hikawa. Mas não faço idéia do porque... e onde será que anda o papai?
     - Nem imagino. Ninguém se lembrou de perguntar, não é?
     As duas negaram com a cabeça. Um belo dia arruinado porque uma criatura poderosa resolveu dar em cima da Diana... e pelo que apuraram depois, nem Diana tinha percebido aquilo. Coitada... era a segunda vez que estava no meio da confusão.
     - Tem uma coisa que me incomoda...
     - O que, Allete?
     - Aquela criatura... o malviano... ele falou algo sobre os malvianos nunca estarem indefesos... eu não entendi.
     - Isso faz diferença?
     - Lógico que faz! Ele se referia a Diana. Será que era sobre ela morder o rabo dele?
     - Cauda – corrigiu Marina – malvianos tem cauda.
     - Não precisa ficar defendendo sua namoradinha...
     - Você acha é? – ela sorriu – ela já tem olhos para outra. Não se preocupe.
     Joynah e Allete observaram a caçula intrigadas. Não tanto por ela comentar que Diana estava meio que... bem... interessada em uma menina, mas por Marina saber disto. Ou será que estava fazendo uma piada?
     - Que coisa... – comentou Joynah para desviar um pouco o assunto – acaba de me ocorrer que a comemoração do meu aniversário vai ser cancelada.
     - Bom...
     Um som de comunicação foi ouvido. As três imediatamente ficaram de pé e se entreolharam.
     - Você é a mais velha – disse Allete
     - Certo... computador, atenda a ligação!
     Uma imagem holográfica surgiu no meio da sala. Era de Rita, e seu rosto estava claramente tomado por lágrimas. No mesmo instante as três pensaram no pior, mas uma nova olhada nela mostrava que estava feliz, e não triste. Isso, e o fato de poderem ver ao fundo imagem da figura de Mina sentada em uma cama com seu marido do lado as acalmou muito.
     "- Gente! – dizia ela ofegante – minha mãe está bem! Não precisam se preocupar. "
     Nenhuma delas falou nada. Todos os pensamentos tristes que tinham tentado evitar desapareceram por completo de suas mentes. Na verdade, não sabiam o que dizer.
     "- Vocês entenderam?"
     - Entendemos sim – começou Marina sorrindo – está tudo bem?
     "- Ela está ótima! Já vai para casa hoje mesmo. Ai que maravilha! Agora podemos comemorar um aniversário no sábado, e não um enterro."
     - RITA! - gritaram as três ao mesmo tempo.
     "- Desculpa... é que eu estou feliz!"
     - Nós também estamos Rita. Também estamos.
     "- Joynah – disse Mina sentada na cama e olhando por cima da filha que teimava em ficar na frente – reúna as juniores no templo Hikawa amanhã. Eu vou verificar como estão indo."
     - Hã... – ela não entendeu bem – assim de cara? Não é melhor descansar um pouco?
     "- Estou plenamente recuperada, não se preocupe. Seus pais já devem estar voltando para casa, portanto podem preparar um jantar para eles. Me informaram do resultado da reunião agora há pouco. E como não vão ter aula até o fim da semana que vem, vamos aproveitar para dar um treino extra a vocês."
     - Certo... hã... sabe onde papai estava?
     "- Estava fazendo um serviço para a rainha, mas ele já voltou. Boa noite a vocês. Rita, encerre a comunicação, por favor."
     Viram ela se afastar um pouco da imagem e logo em seguida a transmissão parou. Hum... ela disse mesmo que ainda iriam comemorar o seu aniversário? Mas ela logo precisou esquecer este pensamento pois sua irmã de cabelos de fogo a tinha agarrado em um abraço de felicidade, e com o outro braço segurava firme no pescoço de Marina. Era hora de comemorar afinal de contas, e nada como a "ruivinha elétrica" para tanto.


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