Herança escrita por Janus


Capítulo 17
Capítulo 17




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     Suzette se sentou no seu local favorito para o lanche do intervalo e esperou suas amigas chegarem. Pegou o seu visor de sailor, que já tinha previamente trazido consigo – e o colocou diante dos olhos. No momento, ela era a única que já estava usando aquele modelo mais avançado, a segunda geração – ou nova versão beta - como Orion o chamava. Ela foi a cobaia que aceitou testa-lo.
     Diferente dos outros, este era praticamente idêntico a um visor comum – ainda não estava personalizado – mas permitia acessos a faixas especiais do exército e de alguns satélites, bem como atendia comandos mentais. Ela queria verificar o que tinham lhe comentado durante a aula, de que os fantasmas tinham agido no megaparque na noite de sábado para domingo.
     - Oi Suzette – disse Diana sentando-se a sua frente – sabe onde Marina está?
     - Como é que vou saber? Ela está na sua classe, não na minha.
     - Eu me perdi dela. Mas que droga! A gente ia disputar corrida com os meninos. Eles andam muito folgados com a gente ultimamente.
     - Diana! – chamou ela antes que ficasse irritada de seu matraquear ficar atrapalhando a sua concentração para dar os comandos mentais para o seu visor – tente falar com a Anne. Ele sempre consegue saber onde nós estamos.
     - Acho que a Anne não vai estar em condições não...
     - Como?
     - Não soube? Ela... opa! olha Marina lá! tchau! Depois de ganhar a corrida eu volto.
     Ela se levantou em um pulo e saiu correndo, deixando-a confusa. Ai, ai... bom, onde ela estava? concentrou-se e efetuou os comandos para que surgisse o mapa da cidade no seu visor, mostrando uma teia de aranha muito confusa. Tentou focalizar o megaparque no mapa, e uma área grande desde ficou piscando.
     - Oi Suzette – disse Rita se sentando ao seu lado – puxa! Hoje você saiu em disparada. Nem esperou a gente para irmos juntos.
     - Desculpe Rita – disse ela ainda se concentrando – mas eu estou um pouco ocupada. Pode fazer um pouco de silêncio?
     - Tá bom. Mas pensei que só a Anne era a maluca que estudava no intervalo...
     Ela a ignorou e continuou se concentrando. O problema de um sistema assim, que tenta interpretar comandos mentais, é que ele pode ficar confuso quando muitos pensamentos surgem, especialmente durante uma conversa paralela. Orion garantiu que, com prática, ela se acostumaria. Só que ela estava usando o visor ainda há pouco tempo.
     O mapa começou a se ampliar em direção ao megaparque, o que a fez soltar um suspiro de alívio. Só que não era bem o que queria. Ela não queria um mapa cartográfico. Queria a mais recente imagem do satélite. Droga!
     - Posso me sentar? – perguntou Allete segurando o seu lanche com as duas mãos, com um sorriso encantador.
     - Claro que pode – respondeu Rita – soube da Anne?
     - Ainda não, mas sei que você já contou para todo mundo – riu ela – Suzette? Tudo bem?
     - Agora não, Allete...
     Ela mentalmente pediu a imagem do satélite, e conseguiu um canal de notícias. Não era isso o que queria.
     - Ela deve estar revisando as respostas que deu na prova de hoje. Mas eu não sei bem porque. Parecia tão calma durante a mesma...
     - Vai ver, ficou preocupada. O que você respondeu naquela questão de ribossomos?
     Na tela do visor de Suzette, surgiu repentinamente a imagem de uma célula, com várias setas apontando para os seus ribossomos, e textos explicativos. Foi só pensar que ele atendeu.
     - Dá para vocês falarem mais baixo? – pediu ela, um pouco nervosa preciso me concentrar!
     - Tá bom! Puxa vida. O que foi? Está naqueles dias?
     Agora apareceu a imagem de um óvulo humano, com explicações sobre períodos de fertilidade.
     - FIQUEM QUIETAS!
     As duas se assustaram um pouco, e ela novamente tentou pegar a foto do satélite do megaparque.
     - O que aconteceu com a Anne?
     - Com ela? – ela soltou uma risadinha – ela chegou bêbada em casa no sábado.
     - Sério? Como soube?
     Suzette tentou não pensar naquilo – bêbada? – tinha acabado de esbarrar em opções para imagens de satélites – sua irmã? Bêbada? – uma delas indicava fotos de alta resolução para defesa. Devia ser aquela – como Anne poderia ficar bêbada? Logo ela, tão certinha, aham , bem... não assim certinha, mas consciente das conseqüências? – mentalizou a escolha de opções e uma mapa mundi surgiu na tela.
     - Lembra que ela saiu com o Tony?
     - Sim.
     Ela focalizou o Japão, e este começou a ser ampliado na tela. Conforme ela reconhecia os contornos e alguns detalhes, ela forçou a se concentrar no local onde ficava Cristal Tóquio.
     - Pois bem, na madrugada de sábado ele ligou para mim, perguntando onde a Anne morava.
     - Hum... que rapaz apressado...
     Agora ela conseguia ver a forma de estrela da cidade. Continuou mentalizando em ampliar uma de suas bordas, onde começava o megaparque. Já dava para ver o grande lago deste.
     - Foi o que eu pensei, mas ele logo me esclareceu que ele queria levar a Anne para casa.
     - E porque não perguntou para ela?
     A imagem começou a oscilar, pois ela não conseguia deixar de prestar atenção na conversa. Afinal, era da sua irmã que elas estavam falando. Esforçou-se um pouco mais e a imagem se firmou novamente. Podia agora ver todo o megaparque diante de seus olhos, mas... não havia nada de excepcional.
     - Ele perguntou, mas ela não falava nada. Foi quando ela entrou no meio da conversa e eu vi como estava. Dei uma bronca nele por dar álcool para menores de idade.
     - Mas foi uma irresponsabilidade! – Allete estava impressionada – nunca iria esperar que Tony fizesse isso. Ainda bem que você terminou com ele.
     Espere! Aquilo ali a direita... parecem veículos. Ela ampliou a imagem deste lado e viu que eram flutuadores da guarda municipal. Hum.. o que será que estariam fazendo ali?
     - Não foi isso não. Foi um acidente. Ela confundiu um copo de batida de laranja com a laranjada que tinha pedido. Só que ai foi tarde.
     - E ela bebeu muito?
     "Guarda municipal solicitada para isolar a área" foi a resposta que ela ouviu pelo seu visor. Era uma voz robotizada e impessoal. Incrível! O computador do visor não só entendeu o que ela queria como já lhe forneceu a resposta. Orion... você está de parabéns
     - Se bebeu? Quase que dava para sentir o seu bafo na comunicação! Opa! ela está chegando.
     Droga! Apareceram um monte de dados sobre Orion. Ela se distraiu e perdeu tudo o que estava fazendo antes. Voltou a se concentrar, solicitando que a imagem antiga fosse mostrada novamente.
     - Boa tarde Rita, Allete... Suzette? O que está fazendo?
     - Shhh! Ela está querendo silêncio para se concentrar – disse Rita – e você? Como está?
     A imagem voltou, e ela a ampliou ainda mais, procurando o que eles estavam isolando. Um quadrado começou a piscar na imagem, como que em resposta a sua pergunta mental. Era... um buraco! Como todos os outros.
     - Estaria melhor se você já não tivesse fofocado meu incidente para metade da escola – disse ela se sentando, de cara amarrada. Cadê a princesa e Joynah?
     - Ora... elas estão na sua classe... você é quem devia saber!
     Só que... aquele buraco estava na região em que eles sempre ficavam aos sábados. Que coincidência! Do lado da quadra de vôlei.
     - Eu sou uma das últimas a sair – explicou ela abrindo o seu lanche em cima da mesa.
     - Espere um pouco! Você... não sabe onde elas estão?
     Ora, ora... lá estava sua mãe, um pouco do lado da imagem, analisando o buraco que tinham encontrado. Quando tinha sido feita aquela foto? Um texto apareceu abaixo do visor e ela viu que este estava lhe dando a resposta. A foto tinha sido feita no domingo, as oito da manhã.
     - Eu... estou com minhas capacidades um pouco reduzidas. Amy disse que devo estar de volta ao normal até amanhã. Não consigo perceber ninguém além de vinte metros.
     - Que ressaca você deve ter tido...
     - O pior não foi a ressaca, Allete... foi a cura que minhas mães me aprontaram – ela abriu o seu lanche e começou a comer – isso e descobrir a vergonha que andei aprontando. Puxa vida... nunca mais!
     Não havia mais nenhuma informação disponível. Tudo o que ela conseguia era "informação confidencial". Bem, já tinha conseguido o que queria. Ela retirou o visor e o encaixou meio para fora do laço de seu uniforme, para que ficasse firme, porém acessível se o desejasse de novo.
     - Então – começou ela, enquanto abria o seu lanche na mesa – a minha irmãzinha andou ficando mais adulta do que eu imaginava... hum... você e o Tony...
     - NÃO! NÃO ACONTECEU NADA! – gritou ela ficando de pé, em cima do banco. Logo depois, percebeu que todos no pátio estavam olhando para ela e, envergonhada, sentou-se novamente.
     - Eu só ia perguntar se vocês dois já estão namorando ou não, sua pervertida – fuzilou ela sorrindo maliciosamente.
     - Não – ela abaixou os olhos, envergonhada – não estamos. Apenas saímos juntos. Ele ainda precisa se esforçar mais se quiser me conquistar.
     - Anne.. eu não te entendo – começou Allete – agora que Joynah e Serena já estão firmes, a maioria dos rapazes acabam cantando ou você ou Diana, como primeira opção. Diana não quer nada com eles, e você... sei lá! Parece que nenhum deles te chama a atenção...
     - Chamar, chama, mas eu sou muito exigente. Não vou namorar por experiência ou aventura não. Quando for namorar, será com alguém que pretenda dividir a sua vida comigo – ela pos as duas mãos no coração e ficou olhando para o vazio, com os olhos brilhando – alguém para compartilhar, sorrir, chorar, divertir, enfrentar a vida... alguém que não precisa se preocupar em ser feliz, pois esta função será minha... eu é quem devo faze-lo feliz, e ele é quem irá cuidar de minha felicidade... alguém que seja minha metade... minha alma gêmea.
     Todas olharam abismadas para ela, sem disfarçar uma certa admiração, bem como uma certa inveja.
     - Anne... isso foi lindo! Você faz poesias também? - quis saber Rita.
     - Só no dia das mães – respondeu Suzette – mamãe guarda os poemas que ela fez em uma caixinha de vidro.
     - É... foi bonito, só que essa sua demora em pegar um está lhe dando uma reputação um tanto duvidosa – comentou Allete - a Kátia anda dizendo que...
     - EU SEI MUITO BEM O QUE ESSA INVEJOSA ANDA DIZENDO! E VOCÊS SABEM QUE É MENTIRA!
     As três deram um pulo de susto em seus bancos quando ela falou aquilo. Não esperavam que ela ficasse tão raivosa com aquele boato que Kátia andava espalhando.
     - O que ela anda falando? – perguntou Rita curiosa, e, ainda um pouco assustada.
     - Não soube? Puxa Rita... você anda muito em órbita ultimamente... A Kátia está na nossa classe e você jura que não ouviu ela falando nada ainda?
     - Para mim, não.
     - Ela anda dizendo que a Anne puxou mais para o lado da mãe...
     - Ora – ela ficou confusa – claro que puxou! Ela é a união genética de duas mulheres, lógico que vai puxar para o lado das mães. Só tem esse lado mesmo...
     - Ela diz isso em termos de personalidade, Rita – explicou Allete.
     - Mas ela está certa! – Anne a olhou com os olhos arregalados – tem a inteligência e o jeito amável de Michiru, a determinação e força de vontade de Haruka...
     - O que mais as minhas duas mães tem em comum? – interrompeu Anne.
     - São sailors? – Anne estreitou os olhos – hum... são um pouquinho fanáticas?
     - Rita! Para encurtar a história, Kátia anda espalhando que Anne andou puxando muita coisa de Haruka, incluindo os gostos... bem...
     Rita olhou arregalada para Anne, que apenas apertou os lábios e fez uma expressão de tristeza com os olhos.
     - Anne.. eu terminei com o Tony porque eu o achava muito adulto... não foi por nenhum problema em minha escolha de amores...
     Anne abriu a boca para dizer – ou melhor, gritar – algo, mas Rita se adiantou.
     - Brincadeirinha!
     - Tá... – ela ficou bem chateada – desta vez passa.
     - Hum... – Suzette estava pensativa - pensei que para o resto do mundo, Haruka era a sua tia...
     - E era... – disse Anne cabisbaixa, visivelmente irritada - até dois meses atrás, naquela excursão para a Itália... Lembram que um de nossos pais tinha que ir junto?
     - Lembro. A Haruka foi como sua responsável.
     - Pois é.. a besta que eu sou a chamou de mamãe um monte de vezes... E algumas na frente da Kátia. Ela não se fez de rogada e ficou perturbando minha mãe... perguntou coisas diretas, indiretas, insinuando, afirmando...
     - Deixa eu adivinhar! Haruka perdeu a paciência com ela.
     - E contou tudo Rita! Tudo mesmo. Quase deu um beijo forçado nela para provar. Até que foi divertido ver a cara dela, mas, agora, ela está se vingando muito bem... que droga!
     - Não acho que o pessoal realmente leve a sério o que ela diz não..
     - Não Allete? Eu também achava... até a Cinty ficar se engraçando para cima de mim. Teve uns dois garotos que também pararam de me convidar para sair.
     - A Cinty não está meio... err...
     - ...agarrada na Akitsu – Anne terminou a frase de Rita – é... ela joga no time de minhas mães sim. Mas eu não!
     - Vamos mudar de assunto? – pediu Rita, enfiando um bolinho na boca.
     - Tudo bem... eu soube que os fantasmas atacaram no megaparque no fim de semana. E bem onde nós estávamos.
     - Eu ouvi este boato também – disse Allete – mas de onde tirou isso de que foi onde estávamos?
     - Acabei de ver – ela tocou no seu visor que estava balançando um pouco preso ao laço de seu uniforme – esta versão aqui que ninguém quis ser cobaia, pode acessar os satélites do exército. Vi uma imagem feita ontem, provavelmente feita para estudar o que tinha acontecido. Foi bem do lado da quadra de vôlei que estávamos usando.
     - Hum... aquela presença...
     - Como, Anne?
     - No sábado, eu, Hotaru e até a Joynah, sentimos alguma coisa estranha que estava próxima. Mas foi por pouco tempo. Depois, sumiu sem deixar vestígios.
     - Qual o alcance destas suas habilidades? – quis saber Suzette.
     - Como assim?
     - Até que distância você consegue sentir essas presenças?
     - Bom - ela ficou pensativa antes de responder – não há uma regra clara. Depende da intensidade da presença. Por exemplo, eu estou sentindo você ao meu lado, e, quanto mais distante você fica, mais eu preciso me concentrar para detectar sua presença. É como estar em uma sala com muitas pessoas conversando. Você filtra as vozes de fundo, e praticamente não as ouve, até que alguém dá um grito. Opa! estou sentindo a presença de Joynah... e também de Diana e Marina... estão todas lá – apontou com o dedo para a área esportiva do pátio. Havia um grupo de alunos reunidos na pista de corrida.
     - Devem estar assistindo Diana correr contra um menino – explicou Suzette se lembrando da conversa que tinha tido com ela, um pouco antes delas chegarem – ela tinha comentado algo comigo, antes de vocês chegarem.
     - Do jeito que as meninas estão gritando – disse Rita sorrindo – acho que ela já o massacrou.
     Agora estavam vendo duas crianças serem lançadas para cima, como se estivessem em um trampolim. Pelos cabelos, uma delas poderia ser a Diana.
     - Ganharam sim! As duas... – Suzette deu uma risada – deve ter sido uma corrida de revezamento.
     - É... mas, voltando a nossa conversa, por que ninguém nos falou disto no domingo?
     - Como assim, Allete?
     - Rita... somos sailors também! Acho que só participamos de uns vinte desses incidentes. Sabemos que muitos outros ocorreram, mas ninguém comenta ou pede nossas idéias a respeito. Só da Anne, e isso apenas duas vezes.
     - É verdade. Só que ainda não somos oficiais. Não temos função ainda definida, só depois do torneio.
     - E qual vocês acham que seria esta função? – questionou Anne.
     - Hum... – Allete estava coçando o queixo - não sei. As inner cuidam de perigos que envolvem a população, as outer de ameaças externas, as asteroid protegem as princesas e, em um contexto mais amplo, todo o castelo de cristal. Os guardiões cuidam de qualquer coisa fora ou dentro disto... acho que vamos acabar sendo auxiliares deles.
     - Oba – comemorou Suzette - são os que mais atuam!
     - Também são os que mais fazem os trabalhos chatos – Anne cruzou os braços e ficou de cara amarrada – como manter pessoas afastadas, ou proteger os que estão próximos a zona de combate.
     - Melhor do que nada – insistiu Suzette – você não espera que tenhamos uma grande responsabilidade assim de cara, não é?
     - Lá vem elas...
     O resto da turma estava se aproximando. Diana e Marina estavam suadas e ofegantes – Diana ofegante? Foi uma corrida forte mesmo – Joynah e Serena agarradas em seus amores. Sentaram-se junto das outras e passaram o resto do intervalo comentando sobre a surra que deram na equipe dos meninos, que só completaram coisa de oito dos dez quilômetros da prova ao qual tinham sido desafiados. Nenhuma se lembrou de comentar do incidente do megaparque ou de suas possíveis funções como lunar senhi.


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