Herança escrita por Janus


Capítulo 16
Capítulo 16




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     Abrir a porta da cerca branca, que contornava a sua casa, até que foi fácil. Nem precisava abri-la, pois podia-se saltar por ela com facilidade – se bem que, em seu atual estado, era mais fácil cair por cima dela. Era praticamente um enfeite que Michiru tinha feito uma vez, naquela época em que tinha uma mini ajudante – ela mesma, quando era mais nova – para suas tarefas diárias.
     Contudo, chegar até a porta de sua casa provou ser mais difícil, especialmente por suas pálpebras teimarem em se rebelar contra a sua vontade férrea de permanecer acordada – pelo menos, nos minutos que ainda antecediam a sua chegada em sua quente, macia, perfumada e, porque não afirmar, a sua querida amante, sua confortável cama – e do caminho feito por lajotas de ardósia estarem impregnados do espirito brincalhão da Terra, balançando e fazendo-a perder o seu equilíbrio, a cada passo – ou algo que vagamente lembrava isso – que dava.
     Ela praticamente cravou a testa na porta, apoiando-se nela para evitar de desmaiar de sono. Realmente não tinha imaginado que estava tão cansada assim. Estava muito disposta quando acompanhou Tony naquela discoteca, coisa rara para ela, que, por leis um tanto esquisitas, menores de dezoito anos não podiam freqüentar tais ambientes desacompanhadas. Que bom que ele parecia ser mais velho do que realmente era. Foi a primeira vez que entrou em uma discoteca, e adorou! Especialmente porque não se sentiu nem um pouco deslocada lá dentro. Praticamente todas as mulheres estavam usando roupas ousadas, como ela, e, facilmente aprendeu aqueles passos de dança e chegou mesmo, por alguns momentos, a ser a alma da festa.
     Pelo menos, até ser idiota o bastante para resolver beber aquilo que as suas novas conhecidas lhe ofereceram.
     Só um golinho... apenas um. Apenas uma colherada, na verdade. Tinha álcool, ela sabia, todos a avisaram daquilo, todos sabiam que ela era menor de idade e, por isso mesmo ficaram de olho, para evitar que ocorresse qualquer abuso.
     Apenas um golinho, só isso! Uma colher de sopa daquela batida de frutas. Nenhuma criança, mesmo as menores de cinco anos poderia ficar muito afetada com isso, talvez, no máximo, uma simples tontura temporária de uns cinco ou dez minutos, acompanhada logicamente do inseparável e constante enjôo, sem contar na súbita vontade de encontrar um banheiro, para manter o chão livre de asco...
     Unicamente um golinho. Isso, em qualquer parte do planeta, jamais poderia ser considerado como ameaça a capacidade de alguém discernir conscientemente sobre o mundo que o cerca. Não se pode ficar embriagado com tal dose. Talvez alguém com dois anos pudesse realmente sentir tal tipo de efeito, mas não quem tem um metro e cinqüenta e quatro de altura, e, ainda por cima, com o estômago forrado de vegetais, que ela tinha devorado pouco antes de receber a oferta costumeira tipo "quer experimentar?".
     Cerca de 25 CC. Um golinho. Uma pequena porção insignificante do conteúdo de um copo de um quarto de litro. Menos que a décima parte do todo. Um golinho. Podia fazer uma tese de doutorado a respeito, indicando, em pormenores, os aspectos científicos necessários para que uma certa quantidade de um liquido tivesse a classificação, rotulagem e eventual tolerância para ser chamado de golinho. O suficiente para poder ser manipulado pela língua, para se apreciar detalhadamente o seu sabor e identificar sua composição gustativa. Um golinho, menos que o suficiente para se fazer um bochecho, aquilo que cabe tranqüilamente na palma de sua mão.
     Não era para afeta-la. Não era para afetar ninguém, em todo o planeta. Nem mesmo suas mães, que, em uma situação um tanto constrangedora, demonstraram que possuíam uma fraca, ou, melhor dizendo, absoluta falta de tolerância a bebidas alcóolicas. Tinha sido em uma festa, uma festa em que ela conheceu todas as suas atuais inseparáveis amigas, as filhas das sailors. Bom, os filhos de Ray também estavam nela. Todas as famílias convidadas pela rainha para uma confraternização. Tinha sido divertido, até que, não se sabe exatamente como, suas mães conseguiram confundir o vinho com álcool com o vinho sem álcool. Deviam ter tomado coisa de meio copo daquilo... o bastante para ficarem sem nenhum pudor e anunciarem ao mundo a paixão que nutriam.
     Bom, ela não se incomodou nada. Estava tão acostumada a elas se beijarem em casa – mesmo escondidas, ela, sapeca desde a tenra infância, conseguia flagra-las - mas até que aquilo teve seus méritos. Pelo menos, Haruka ensinou Joynah a dançar, se bem que não foi exatamente da forma que ela esperava. Também teve alguma coisa que Michiru fez com Serena, mas ela não sabia, até hoje, o que tinha sido. Desde então, aquelas duas, sempre que podiam, aprontavam com suas mães. Aquilo que tinham feito no passado naquele churrasco, foi apenas a investida mais bem sucedida.
     Ela se lembrou de tudo isto quando o golinho ainda estava na fase de se espalhar pela língua, e lembrou-se que de ela era filha de ambas no momento em que sua garganta efetuava o seu trabalho ditado pela evolução, que seria o de colocar, esôfago abaixo, o que sua língua lhe enviava. Lembrou-se de que ela era, na verdade, a combinação genética de ambas, e que, se ambas tinham tão pouca resistência a bebidas alcóolicas, ela também tinha.
     Mas era apenas um golinho... só um golinho! Não podia tê-la afetado. E, ao menos no começo, não afetou. Ela ficou parada, observando suas reações logo após ingerir a – deliciosa – bebida. Nada! Nada mesmo. Nem uma tonturinha... agarrou o Tony e dançou com ele, com mais frenesi que nunca, satisfeita de, aparentemente, não ter o mesmo problema de suas mães.
     Foi preciso meia hora para ela perceber que estava errada. A sua súbita euforia tinha sido o primeiro efeito da bebida. Ela não se recordava dos outros, mas sabia, ainda que vagamente, que tinha ficado mal, zonza, falou coisas sem sentido – bom, até que isto não era problema, normalmente, o que ela dizia era sem sentido para a maioria das pessoas – e andou agarrando uns dois ou três senhores por lá.
     Por fim, Tony conseguiu arrasta-la de lá e, depois de um interrogatório nem um pouco sutil, descobriu quase tudo sobre ela – menos que era uma sailor e que estava gamada nele já fazia algum tempo - exceto onde morava. Mesmo agora, ainda não sabia como ele tinha descoberto. Ele e mais uns amigos a levaram de carro até diante de sua casa e a viram entrar – pelo menos, devem tê-la visto passar pelo portão, e, agora, lá estava ela, agindo como guarda de honra inglesa – profundamente desonrada – em pé, a cabeça encostada na porta, esperando para saber o que tinha de fazer para entrar.
     Tinha algo a ver com um cartão... Abriu a sua bolsa – por pouco não derrubou tudo no chão, pois ela estava de ponta cabeça – e começou a revirar tudo lá dentro. Tirou o seu visor, seu espelho, seu comunicador reserva, alguns memochips literários, até que, por uma obra do acaso, um cartão negro apareceu na palma de sua mão. Era aquilo que ela procurava. Deixou a bolsa dependurada na sua mão esquerda e, esforçando-se para vencer o sono, procurou pelo orifício no batente da porta para encaixar o cartão.
     Da primeira vez, errou o alvo.
     Da segunda, parecia que o cartão estava inchado, pois não queria entrar. Ela o forçou, mas ele apenas escapou da fenda e escorregou pela porta até parar no seu peito.
     Na terceira vez, ela não se lembrava de como tinha tentado da segunda. Era difícil ver com a cabeça colada na porta, e o sono acariciando sua consciência, chamando-a com sedutora voz para que esquecesse aquilo e dormisse ali mesmo, no ar fresco e agradável da noite.
     Tentou uma quarta vez e, finalmente, notou que estava do lado errado da porta. A fenda ficava do lado esquerdo. Depois de um longo tempo em que suas mãos se atrapalharam para trocar de tarefas, ela tentou novamente do lado certo, usando a mão esquerda. O cartão entrou na fenda sem problemas, mas, nada aconteceu.
     Ela o retirou e o inseriu novamente. E, novamente, nada aconteceu. Desistindo, ela decidiu abrir os olhos e reparou que o cartão estava ao contrário. Há quanto tempo ela já estava tentando? Dez? quinze minutos? Ela devia era andar por ai e encontrar um ladrão, para que este a ajudasse a entrar em casa.
     Respirando fundo, e finalmente ficando ereta, ela inseriu o cartão na fenda, da forma correta, e um timer se iluminou na porta. Ela ainda tinha consciência suficiente para saber que tinha que falar algo, mas não se lembrava exatamente o que.
     - É... – murmurou ela com a voz grogue – a linda da Michiru...
     A porta não se abriu, e ela teve que tentar de novo.
     - É a filha da Michiru...
     Novamente, a porta rejeitou a sua frase. Que ridículo! E agora? Decidiu tentar de novo, e o cartão escapou de suas mãos. De uma forma um tanto indecente, ela se curvou para pegar este no chão e, sem perceber, sua bolsa escorregou da mão direita. Inseriu o cartão novamente na abertura, e, meio sem perceber direito o que estava falando, tentou de novo.
     - É a favorita da Michiru.
     A porta se abriu, e, por uns meros segundos, meros mesmo, ela usou o pouco de capacidade intelectual que ainda não tinha sido vencida pelo sono. De quem era essa senha que ela mencionou? Como a porta se abriu, era uma senha válida. No entanto, ela sabia que não era dela. Mas os meros segundos se esgotaram, e ela, arrastando os pés com uma certa dificuldade, entrou na sua casa. A porta se fechou automaticamente atrás de si e, contando lentamente as suas pegadas, ela foi até o seu quarto. Pelo menos, ela achava que era o dela.
     Sem se incomodar muito em se despir ou por um pijama, muito menos com o estranho som de vozes distantes que ouvia – gozado... pareciam ser as vozes da maninha Hotaru e do lindinho Tony - ela ajoelhou-se em frente a cama e deitou o corpo e a cabeça nesta. Quando estava prestes a perder sua consciência de vez e abraçar o confortável esquecimento e tranqüilidade que o sono proporcionava, ela ainda foi capaz de perceber que não estava em uma posição lá muito delicada para sua postura feminina. Seu traseiro estava empinado assim, com os joelhos no chão do quarto e o resto do corpo na cama. Talvez fosse melhor jogar o resto do corpo nesta.
     Infelizmente, ela caiu no sono antes disto.
     Foi um sublime piscar de olhos. Em um instante, ela estava na cama, sua macia e confortável cama, pensando vagamente que, por um infeliz acaso, tinha descoberto da pior forma possível que só era capaz de enfrentar o álcool em suas mínimas quantidades naturais em frutas. No instante seguinte, foi como estar em um pesadelo.
     Ela estava gritando, suas mãos e pernas se debatiam em desespero, seu corpo estava em uma única dor. Era uma tortura, uma terrível tortura da qual ela jamais havia passado antes. Não havia antecedentes para aquilo. Tudo o que ela sabia era que estava gritando, seu corpo estava em convulsões e ela, estranhamente, estava toda arrepiada, tremendo de frio.
     Precisou de um tempo considerável para articular pensamentos coerentes. O som que ouvia – além dos gritos de pânico – era conhecido. Seria chuva? Não... não era isso. Ela também percebeu que algo a estava forçando a ficar de pé, e este mesmo algo impedia que ela pudesse mover o corpo para fora.
     Fora de onde?
     Isso, ela ainda não sabia. Momentos depois, percebeu que, seus braços, que faziam movimentos espasmódicos grotescos, estavam, na verdade, sendo imobilizados, seus dois braços estavam unidos na sua frente, e, agora, de uma forma um pouco mais consciente, começou a imaginar se não estava mesmo sendo torturada.
     Quase um minuto depois de sua piscada de olhos, de passar do sublime momento de tranqüilidade para despertar naquele seu atual estado assustador, sua mente despertou definitivamente, e ela reconheceu o rosto de sua mãe. Sua mamãe Haruka. Com a sua mão direita, ela prendia os seus pulsos, e, com a esquerda, segurava firmemente a sua nuca, debaixo da água mais gelada que já tinha enfrentado na vida. Anne era muito inteligente, praticamente uma Amy em miniatura – não era a toa que a sua maninha Hotaru a chamava de Chibi Amy quando criança – ela precisou de poucos décimos de segundos, depois que sua mente despertou, para saber exatamente o que estava acontecendo.
     Haruka a estava segurando embaixo do chuveiro frio para ajuda-la a enfrentar a sua ressaca – ou, quem sabe, castiga-la por isso.
     - TÁ BOM! - gritou ela – EU JÁ ACORDEI! PARA COM ISSO PELO AMOR DE DEUS!
     Ela sentiu que as mãos de sua mãe a libertaram, e, sem nenhuma cerimônia, ela desabou para o chão duro e liso do box. Suas pernas ficaram escancaradamente – e também embaraçosamente – abertas. Notou que ainda estava com sua roupa, e que sentia náuseas e uma terrível dor de cabeça. Além disso, o banheiro teimava em fazer estranhos movimentos psicodélicos. Ela fez menção de se mover para sair dali, mas a forte mão de Haruka a empurrou de volta para debaixo da água fria.
     - Você só sai daí quando seu bafo sumir – urrou ela em uma voz mansamente normal.
     Hum... ela estava de ressaca mesmo. Pelo menos, alguns de seus colegas tinham lhe comentado como era isso. Tonturas, as pessoas pareciam que gritavam, a cabeça doía – ou melhor, martelava – e, ficar debaixo do chuveiro frio era mesmo uma tortura.
     - Eu... só tomei um golinho! – disse ela em uma voz firme, mas sentindo dores rítmicas em seu cérebro ao articular cada palavra.
     - Sabemos disso – gritou ela em uma fala perfeitamente normal e aceitável em qualquer situação, menos naquela – um golinho na primeira meia hora. Depois fez a besteira de entornar um copo cheio de batida de laranja, que você pegou por engano pensando que era sua laranjada.
     - O... que? – desde quando sua mãe falava coisas tão difíceis de entender?
     - Calma que em mais cinco minutos você se sentirá mais desperta. Mas vai passar o dia inteiro sofrendo.
     Por que ela tinha que gritar tanto? Ai meu Deus... o que foi que tinha acontecido com ela? Como um mero golinho podia causar tudo aquilo? Fechou os olhos para pensar melhor no assunto. Quando os abriu, tudo tinha mudado de novo.
     Para ela, foi como dar outra piscada de olhos, mas, desta vez, ela tinha um sonho intercalado entre uma piscada e outra. Um sonho interessante dela toda molhada no chuveiro, com roupa e tudo, e sua mãe lhe dando banho. Hum... parece mais pesadelo, ou, quem sabe, um incentivo a deixar a mamãe Michiru com ciúmes. Não é normal dar banho em alguém tão grande quanto ela, ainda mais quando a pessoa que a lava é uma conhecida e bem sucedida "mãos de veludo... "
     Estava sentada na mesa da cozinha, aguardando... o que? Há sim! Que sua mamãe Michiru lhe traga algo forte para beber, para espantar seu mal estar de vez. Olhou para o seu corpo e notou que estava de roupão, desleixadamente posto em seu corpo. Será que ainda estava sonhando?
     - Bom dia, Anne. A noite foi bem divertida?
     - Hã? – o que Hotaru queria dizer com aquilo? – o que disse?
     - Nada não.. esquece – disse ela sorrindo e saindo da cozinha.
     Era impressão sua ou algo estava difícil de compreender naquele dia?
     - Tome! – disse sua mãe, aparecendo do nada e colocando um copo com algo preto, fumegante, diante dela – beba isso.
     - Beber?
     - É – disse ela a encarando – agora!
     - Hum... – ela pegou o copo e tomou um gole sem pensar muito a respeito. Logo depois, cuspiu o conteúdo em cima da mesa, horrorizada com o terrível gosto daquilo.
     - É para beber tudo! – disse ela a olhando com raiva – e você vai beber, nem que seja a força!
     Aquele seria um longo domingo...

 

-x-    

 

     - Estou com pena dela – comentou Hotaru para Haruka, sentada no sofá da sala de estar. Os gritos de Anne vindos da cozinha eram agonizantes. Como será que Michiru estava conseguindo forcá-la a beber aquilo? Café com mel e algumas ervas que possuíam forte teor de cafeína... devia ser horrível!
     - Eu não! – ela sorriu maliciosamente - Assim, ela aprende a tomar cuidado.
     - Haruka... aquele rapaz, como era mesmo o nome?
     - Tony...
     - Isso! O Tony avisou que foi um acidente. Ela não tinha a intenção de beber nada. Dê um desconto a ela.
     - Mas ela não precisava ficar até tarde da noite sem avisar aonde ia, concorda comigo?
     - Eu dei o recado de que ela ia chegar mais tarde – disse ela defendendo a sua "irmãzinha"
     - Mas não que esse "mais tarde" seria as três da madrugada – retribuiu de volta – muito menos que ela estaria imersa em odor de álcool. Puxa – ela fez uma careta – ainda estou sentindo enjôos...
     É... não ia ter jeito mesmo. Haruka ia apertar Anne por aquilo pelo resto do dia. Bom, talvez seja melhor tratar de outros assuntos.
     - Falou com o Afonso ontem?
     - Falei. Ele esperneou um pouco, mas acabou aceitando. Vai sair tudo conforme o planejado. Por falar nisso, ainda não disse nada sobre o que achou das crianças durante o treino ontem.
     Sorriu. Agora tinha certeza absoluta de que ela nunca tinha acompanhado elas. Não iria fazer este comentário de forma tão desinteressada se as tivesse visto. Devia estar achando que deviam ser como as inner, na época em que se conheceram. Iria ter uma bela surpresa.
     - Elas me venceram – comentou simplesmente – na verdade, arrasaram comigo. Joynah é mais resistente que você, e, quanto a Anne... eu diria que se equipara a mim.
     - Você lutou contra elas?
     - Eu não fiz nenhum juramento – soltou uma pequena risada – mas, agora, para minha própria proteção, eu quero ser incluída nesta ordem da rainha.
     Agora, Haruka ficou mais interessada. Ficou pensativa, com o polegar abaixo do queixo, matutando sobre o que tinha ouvido. Talvez agora, pela primeira vez, estivesse pensando que havia a possibilidade de ter subestimado as crianças.
     - Não faz diferença – disse ela depois de pensar bastante – mesmo que sejam bem mais capazes do que eu imaginei, se alguma delas estiver com o broche estelar, ira precisar dele para quando nossa surpresa no torneio ocorrer.
     - E se ele estiver com você?
     - Prefiro não pensar nisto ainda...
     As duas olharam novamente em direção a cozinha. Pelo som, Anne estava sujando o chão de novo...
     Na hora do almoço, Hotaru notou que ela estava bem melhor, pelo menos, seus olhos não pareciam mais uma teia escarlate de vasos sangüíneos inchados. Estava meio aérea, mas seu cheiro de álcool já tinha passado de vez, bem como sua vontade constante de ficar com os olhos arregalados. Mas ainda não estava normal. Apesar de ter voltado há poucos dias, já tinha reparado que Anne era muito faladora a mesa, especialmente com Michiru, com quem sempre comentava informações recentes que tinha obtido daquelas caixas de dados que estavam aos seus cuidados para estudar.
     Hoje, contudo, ela estava no mais absoluto silêncio, e apenas Haruka puxava conversa, mas apenas coisas triviais, nada do tipo dedicado a suas funções ou estudos ao qual já tinha se acostumado.
     - Alguém pode me dizer como foi que um simples gole de uma batida fez tudo isso comigo? – perguntou ela, finalmente saindo do seu voto de silêncio.
     Notou que tanto Haruka como Michiru apertaram os lábios, evitando de dar uma sonora gargalhada.
     - Você não se lembra?
     - Lembrar do que, maninha? – ela a olhou com uma certa súplica – a última coisa consciente de que me lembro é de experimentar um gole daquilo. Até que estava muito gostoso.
     - Que horas foi isso?
     - Acho que... umas dez horas. Eu já estava pensando mesmo em ir embora logo depois. Acho que só devo ter dançado por mais uns dez ou quinze minutos.
     - Você chegou aqui as três horas da madrugada – disse Haruka, socando aquilo nas suas orelhas – mais bêbada do que jamais vi alguém em toda a minha vida.
     - APENAS COM UM GOLINHO? – ela estava impressionada, e, também demonstrava certo medo na sua voz.
     - Não – disse Michiru – foi quase meio litro de vodka.
     - Como? – agora ela franziu o cenho, e ergueu o lábio superior direito.
     - Não se lembra de ter pedido depois um super suco de laranja?
     - Não, mãe... não lembro disso não. Espere! Acho que sim... era um copo enorme... sim! Eu pedi sim! Mas.. e daí?
     - Daí que, quando começou uma música que você adorava – explicou Hotaru – você ficou apressada para dança-la e, pegou o copo e bebeu tudo de uma só vez. Só que não era o seu. Você confundiu com outro igual de batida de vodka com laranja que os seus "novos" amigos tinham pedido para dividir. Cinco minutos depois fecharam a discoteca quando você ficou fora de controle. Não sabia que você era tão tarada assim! Agarrou uns cinco ou seis rapazes lá antes de te levarem embora.
     - Eu... – estava na cara que ela não estava acreditando – eu... ei! Esperem um pouco! Como sabem de tudo isso?
     - Rita ligou para a gente – disse Hotaru – avisando que Tony iria traze-la de volta para casa. Ele tentou saber onde você mora por horas, da meia noite até as duas. Você acabou falando de tudo a seu respeito, até de que gosta de saias de couro, menos onde morava. Ele ligou para a Rita para descobrir e ela me avisou depois. Ele a trouxe até em frente a casa. Não se lembra de que eu abri a porta para você?
     - Não... nem lembro de ter passado pela porta.
     - Mas nós soubemos a hora em que você chegou. O fedor de álcool se espalhou pela casa inteira. Da próxima vez em que for se embriagar, use uma frauda! Levamos a manhã inteira para lavar o tapete de seu quarto.
     Anne ficou vermelha de vergonha ao ouvir aquilo, ainda mais por ter sido a Michiru quem falou.
     - Pois é... foi isso o que aconteceu. Esperamos você dormir um pouco e, acho que o resto você se lembra... a propósito, você esqueceu sua bolsa lá fora, e os esquilos espalharam tudo pelo quintal. Eu peguei tudo e deixei no seu quarto.
     - Acho que vou ficar de castigo...
     - Isso nós vamos ver depois – Haruka já estava menos irritada com o incidente – agora, termine de comer, para ajudar seu corpo a se livrar desta ressaca.
     - O Tony é uma gracinha... – comentou Hotaru para ela – Até Haruka gostou dele.
     Ela a olhou com os olhos arregalados.
     - Não fique assim tão surpresa – disse Michiru com um sorriso – você não achou que tinha ido do portão até a porta da casa sozinha, não é?
     - Preciso falar com a mamãe Amy... – murmurou ela.
     - Para que? Não tem nada de errado com você. No fim do dia, essa sensação passa.
     - Não é isso... é que... já que esqueci tudo o que aconteceu ontem... eu... eu quero saber se...
     - Sim?
     - Deixa para lá – disse ela ficando muda novamente e voltando a comer o seu almoço.
     - Você ainda é virgem sim! – afirmou Haruka olhando diretamente para ela – não precisa se preocupar.
     Foi difícil não rir com a cara que ela fez...


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