–CARALHO LUCIANA! - Daniel gritou e eu recuei minha mão.

–PORRA DANIEL, PÁRA DE GRITAR! - Respondi nervosa. Nós dois nos encaramos nos olhos pela primeira vez na noite. Antes que eu pudesse falar alguma coisa, Daniel se levantou. - O que foi?

–Nada. - Ele disse com a voz ríspida.

Depois da briga dos dois, Daniel ficou jogado no chão como um corpo. Apesar de estar consciente, ele só sentia muita dor.

Assim que conseguiu se levantar, eu o ajudei a limpar o sangue e passar remédio, mas nao importava o quanto eu chorasse ou pedisse desculpas, Daniel evitava meu olhar e me respondia em monossílabas.

–Daniel... O que voce tem? - Eu insisti na esperança de que pudessemos voltar ao normal. Daniel se encostou na parede ao lado da geladeira e respirou fundo.

–Voce sabe bem o que foi...

–Nao, eu nao sei. - Falei começando a me irritar com aquela atitude.

Daniel abriu a boca pra falar, mas acho que sentiu o corte em seu lábio se reabrir e entao se calou em uma careta. Corri para passar remedio em sua boca mas ele evitou meu auxílio empurrando minha mão com um tapa.

–Por que ELE estava aqui? - Ele falou quase gritando.

–Eu nao sei, eu estava te esp... - Ele nao me deixou terminar.

–PARA DE MENTIR LUCIANA! - Ele gritou me dando um susto. O fato de duvidar da minha palavra me encheu de odio.

–DANIEL! - Eu disse irritada jogando o algodão e o remédio no chão, mas Daniel nao parou de falar.

–TUDO ISSO COMEÇOU POR QUE VOCE FOI FALAR COM ELE NA SALA DE AULA! - Uma veia saltou na testa de Daniel, e se eu nao estivesse tao irada, provavelmente teria rido.

–VOCE ACHA QUE EU ESTOU MENTINDO?! É ISSO?! - Eu falei dando um passo para frente.

–NAO TENTE MUDAR DE ASSUNTO!

–NAO ESTOU TENTANDO!

–ESTA SIM! - Ja estavamos virados cara a cara. Respirei fundo, gritar so chamaria a atençao dos vizinhos e faria minha mae voltar para casa mais cedo. E eu nao precisava de mais um problema para lidar.

–Quer saber Daniel, FODA-SE! Eu nao tenho culpa de nada, eu nao fiz nada!

–NADA?! VOCE?! RÁ! MUITO ENGRAÇADO!

–AH É! É MINHA CULPA SER ATACADA POR AQUELE MOLEQUE! EU ME DEIXEI SER ATACADA, A CULPA É TODA MINHA AFINAL! - Daniel me olhou por um segundo, depois virou colocou as maos nos quadris e encostou a testa na parede, ele ofegava. - EU DEVERIA ESTAR COM RAIVA DANIEL, EEU!

Ele se virou bruscamente, seus punhos fechados e os dentes cerrados, ele tremia de raiva. Ou de medo, eu nao sei.

–Voce?! - Ele falou em um tom grave, talvez para controlar a raiva que sentia. Seus olhos transbordavam de odio.

–VOCE QUE ANDA POR AI AGARRADO NA GABI! ACHA QUE EU NAO VEJO? E AINDA TEM AQUELA PRIMA IDIOTA! - Minhas pernas balançavam, e parecia que uma bola de boliche havia sido porta em minha garganta. Eu queria vomitar.

Nao era minha intenção jorrar todas minhas frustrações em cima dele como uma babaca, mas eu nao consegui evitar. Nao tinhamos um status de namorado/namorada para nos dar a segurança do monogamismo... Tudo o que tinhamos era a palavra um do outro, o que nao servia de porra nenhuma.

–Quer virar o jogo pro seu lado... Astuto, muito astuto. Voces nao sao diferentes afinal, nenhuma de voces, eu pensei que voce fosse, mas no fim das contas voce é so mais uma vadia tentando pegar o cara popular, voce ja estava comigo, ja tinha me pego, mas acho que nao era o suficiente... Seu padrasto é que está cer...

Ele nao terminou de falar. O som da minha mao acertando o rosto de Daniel foi alto e absoluto, interrompendo sua fala detestável. Eu nao deixaria ele falar aquilo de mim, de jeito nenhum. Uma lagrima escorreu o rosto de Daniel. E eu comecei a tremer, minhas pernas enfraqueceram e eu cai no chao.

–SEU BABACA! - Eu gritei em prantos. Ele tentou me ajudar mas eu o empurrei com a perna. Uma parte de mim se preocupou com os ferimentos, outra parte só queria ele morto. - SEU FILHO DA PUTA! SOME DA MINHA FRENTE! AGORA!

–Luciana... - Ele disse com a voz ainda grave e rouca. Mas eu nao o olhei nos olhos.

–Nao temos compromisso nenhum... - Eu falei enxugando as lágrimas. Entre soluços, levantei o olhar. - Voce é pior que Cameron.

Daniel se afastou. As palavras com certeza o machucaram mais que o tapa. Mas de certa forma, eu nao menti, naquele momento, eu o odiei mais que tudo.

Daniel se virou para a porta. E novamente eu tive a sensação de dejavú, contudo dessa vez foi diferente. Nao era a imagem dele saindo que me foi familiar, foi o sentimento de perdê-lo, o sentimento de vê-lo fugir, de vê-lo me afastar. Antes de atingir o jardim eu o chamei.

–E se eu fosse Lucinda? - Falei séria. Daniel se virou com uma expressão confusa. Mas acho que entendeu que eu nao pedia desculpas, nem daria espaço para que ele se aproximasse.

Daniel deu de ombros e piscou com força. Nao sei se para evitar as lágrimas.

–Eu acho que... - Ele olhou pra cima, pareceu cogitar uma idéia, saboreá-la e em seguida, descartá-la. Os olhos ficaram repletos de um violeta vazio e cinzento. - Eu esqueceria voce... Correção, eu ESQUECEREI voce.

–Se for capaz. - Eu disse me levantando. Daniel riu e se virou para a porta. Porém algo o impediu e ele se virou para mim o um sorriso maldoso.

–Adeus, LUCINDA. - Sua voz era repleta de ironia, mas ela bateu em minha mente como um raio. E como se um rio invadisse meu cérebro, eu me lembrei.

Eu era Lucinda. Eu era a estrela do anoitecer.