Orleans escrita por MarianaCamara


Capítulo 1
Capítulo 1 - This Never Happened to Me Before




Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/430081/chapter/1

Faziam apenas quinze minutos que aquele domingo havia se tornado oficialmente o dia do meu aniversário e eu já o odiava com todas das forças do meu profundo ser. Não que houvesse alguma culpa no pobre domingo, não me entendam mal, realmente não havia. Mas de uma forma completamente diferente de todas as que eu já havia imaginado na minha vida, aquele não era um bom jeito de se começar um aniversário, menos ainda um que começava em um domingo chuvoso como aquele.

Eu me lembro da última vez que tive um aniversário memorável em um domingo. Estava fazendo exatamente doze anos e tinha passado a madrugada toda acordada e pulando na minha cama de cima do beliche – já que minha irmã sempre esteve dormindo na cama debaixo pelo motivo de suas pernas serem lindamente mais longas do que as minhas e claramente, ela ser a irmã mais velha e por isso, ter seus direitos. Minha mãe havia prometido diversas vezes que eu ganharia um castigo ao invés de um presente se não me comportasse, mas estava excitada demais com a ideia de que em algumas horas eu seria uma moça ao invés de uma criança como todas as outras que moravam no final da rua.
Na época morávamos em um sobrado branco no fim da Rua Baltimore, um condomínio mediano em que as pessoas podiam aguar seus jardins e conversar, mostrar sorrisos falsos e acenar como se todos se conhecessem há séculos e amassem uns aos outros. Mas ninguém se conhecia tão bem, nem mesmo gostavam uns dos outros, afinal gostar de alguém era uma coisa que apenas nós – as crianças – poderíamos ter.

Exatamente. As crianças da Rua Baltimore podiam gostar umas das outras e rolar na lama quando chovia. Também podíamos subir em árvores e fazer limonada azeda esperando que algum vizinho tonto comprasse por moedas de vinte e cinco centavos, roubar os gatos premiados da vizinha de cima e claro – nosso maior prazer – atazanar as crianças da rua de baixo. Mas isso mudaria no exato momento em que o dia do meu aniversário começasse.

Veja só, eu era uma vareta. Não, isso é um exagero, eu estava mais para um fio de cabelo ambulante com alguns fios de cabelo escuros como uma cabeleira desarrumada. Enquanto Adria era uma moça perfeita em todos os aspectos, eu em oposto sempre fui um projeto de alguma coisa. Nem era muito difícil de perceber que enquanto minha irmã era a arte final eu passava bem longe de ser um esboço. Era a ideia dentro da cabeça do desenhista, isso para dizer o mínimo.

Sonhava em um dia crescer e ter peitos. Peitos. Peitos!

Sim, a motivação de minha vida de quase adolescente era muito maior do que sonhar em ser médica, veterinária, aeromoça ou qualquer dessas outras coisas clichés que as crianças teimam em ser durante a eternidade. Eu só queria ter um par respeitável de seios. Não aquelas duas pintinhas que encarava no espelho do banheiro.

Tudo bem admito que isso fosse uma obsessão. Mas seria sua obsessão também se Adria Melissa Dalton fosse sua irmã mais velha.

Adria desfilava pela casa. Era como um gato persa que tem aquelas almofadas macias no lugar dos pés e aquele rebolado gentil das cadeiras, atraindo os olhares por onde passava. Ela tinha apenas cinco anos a mais e era popular, respeitada e invejada por todas as pessoas que eu pudesse nomear ou me lembrar. Aquela cabeleira escura, os olhos azuis. Ela mandava no mundo e seus diplomatas eram simplesmente chamados de Seio direito e Seio esquerdo, respectivamente.

“Você ainda vai crescer um bocado. Pare de invejar sua irmã!”, minha mãe insistia em dizer toda a vez que eu atormentava com perguntas sobre meus hormônios. Mas ela não sabia muito sobre hormônios e menos ainda sobre neuras na cabeça de uma garotinha como eu. Então eu decidi que deveria ter um plano B para o caso de crescer e meus peitos não crescerem como os de Adria, afinal sempre havia uma chance de a genética me negar algo tão básico quanto um respeitável par de mamas.

Eu seria escritora. Mas minha mãe não sabia do plano B. Se ela soubesse realmente não teria sobrevivido ao meu aniversário de doze anos, nem o de treze e os consequentes; com certeza teria sido ceifada em meu sono pelas adoráveis mãos maternas que me embalaram por todos aqueles anos.

Sempre gostei de escrever, de montar palavras estranhas na minha mente e criar estórias fantásticas para bonecos de plástico que normalmente vinham com um nome na caixa e que eu sabiamente achava que não condiziam com o material colorido que estava dentro. Quando aprendi que livros eram bem melhores do que a tevê, passei a pedi-los compulsivamente em todas as datas especiais. Minhas amigas tinham Barbies com motocicleta, cozinha e família perfeita. Eu tinha uma coleção completa de enciclopédia para jovens.

Mas enquanto a minha predisposição para leitora frenética poderia encher de orgulho as famílias mais comuns de todo o país, a matriarca dos Dalton não via a minha paixão com bons olhos.

Aida Anderson Dalton, conhecida supostamente como “Mãe”, não era e ainda não é, a pessoa mais compreensiva do mundo. Para ela bastava que estivéssemos humanamente aceitáveis, bem vestidas e com as costas retas e não deixássemos de comer nossos brócolis quando ela se sentava para jantar conosco – coisa raríssima de acontecer conforme os anos passavam – e isso já a deixava mais do que orgulhosa. Ela seria capaz de contratar um matador de aluguel se alguém incomodasse sua princesa, que não era o meu cargo caso perguntem, mas achava que eu sabia claramente me pentear e vestir sozinha, o que já servia de explicação suficiente para o meu modo maltrapilho de ser naquela idade.

O resultado de todo esse amor materno tão bem distribuído é que enquanto Adria sonhava em ser uma executiva de sucesso, eu desejava peitos e um livro publicado. Ou em resumo e utilizando as sábias palavras de uma amiga de colégio: “Eu usaria os peitos pra sobreviver antes que alguém conhecesse meu nome por uma vitrine de livraria”. Quanta sensibilidade.

O fato é que antes do relógio bater seis da manhã daquele domingo, eu já estava de pé e procurando minha melhor combinação de roupas que não me fizessem parecer com Punky Brewster ou Pipi Longstockings. Me esforcei para fechar um vestido rodado que minha avó tinha costurado pra mim alguns anos antes mas que ainda cabia muito bem, já que eu não engordava nenhuma grama sequer nos anos que haviam passado. Prendi meus cabelos numa trança e saltei para fora do quarto com meu sorriso enorme, correndo pelos cômodos como uma louca e cantandoparabéns pra vocêem plenos pulmões.

Foi nesse momento que meu aniversário se tornou memorável.

Desci as escadas pelo corrimão, coisa que não devia fazer, mas adorava e pulei pro carpete sem dar importância pra minha trança já desfeita. Entrei pela cozinha com uma pressa tremenda e nem me atentei pros ruídos.

Se eu fosse um pouco menos idiota e mais atenta, talvez eu tivesse notado os gemidos – ou melhor, ignorado e corrido de volta para o meu quarto – mas eu não fiz isso. Fiz uma entrada triunfal pela porta ao lado da despensa de latas e dei de cara com a mais linda imagem da minha pré-adolescência: as pernas abertas da minha mãe apertando as costas de um homem que conhecíamos como senhor Cadillac.

O Senhor Cadillac era o vizinho da frente, morador do sobrado azul-claro que tinha hortênsias plantadas em arbustos até perto da porta. Ele tinha dois filhos que estavam na faculdade naquela época e sua esposa era uma senhora redonda e simpática que sempre enchia nossas bolsas com balas de caramelo que grudavam nos dentes, em todo o halloween. Era o orgulhoso dono de um bigode engraçado e de um Cadillac branco que nunca saia de sua garagem, e passava as tardes de final de semana lavando e encerrando a lataria até que brilhasse como um espelho.

Adorávamos jogar coisas naquele carro limpinho. Bolas de lama era com certeza a munição mais adequada, mas só estavam disponíveis em dias de chuva na primavera, então nos contentávamos em encher os bancos com folhas quando os vidros ficavam abertos ou usar guache quando conseguíamos roubar alguns potes da escola.

Meus amigos e parceiros no crime eram Edward e Elisa Whiterun, os gêmeos mais endiabrados que conheci nesta existência. Mas eu duvido que eles digam alguma coisa quando eu contasse que o senhor Cadillac estava grudado com a minha mãe sobre o balcão da cozinha exatamente como os cachorros da senhora Benedict faziam – e ela criava poodles. Parecia bem mais engraçado quando eram poodles e não a minha mãe.

Mas vejam bem, mesmo com meus doze anos de idade aquela cena me chocou o suficiente para meu grito acordar o restante da casa toda. E hoje em dia eu me pego pensando não na ideia de que minha mãe era uma infiel ao seu casamento, mas sim em como ela era uma mulher disposta para acordar tão cedo apenas para transar com o vizinho.

No final daquele domingo lindo do meu aniversário de doze anos meus pais decidiram se divorciar, minha irmã tomou seu primeiro e memorável porre com um brandy que meu pai guardava para ocasiões especiais e o meu presente nunca chegou, já que estava completamente fora de questão chamar meus amigos e a vizinhança para uma amigável festa depois de tudo que aconteceu pela manhã.

Mudamos da Rua Baltimore naquele verão e eu nunca mais ouvi falar dos gêmeos Whiterun ou do Senhor Cadillac. Também nunca soube qual era o meu presente de aniversário, nem recebi nenhuma felicitação por ter oficialmente meus doze anos e poder frequentar todas aquelas reuniões de senhoras de que minha mãe tanto falava e sempre levava Adria com ela. E mesmo morando com elas durante grande parte da minha vida, nunca conheci nenhuma reunião de senhoras.

Agora com meus oficiais quase vinte minutos de 28 anos podia dizer com certeza que meus aniversários nunca seriam tão bons quanto prometiam. E que deveria parar de acreditar quando as pessoas dizem que alguma coisa maravilhosa e incrível vai me acontecer porque estou ficando mais velha e mais próxima da minha morte.

As pessoas sempre se esquecem destes detalhes: aniversários comemoram o quanto você está ficando velho e nunca o inverso. Ninguém ficará mais jovem quando sopra as velinhas do bolo, nem mais rápido ou bonito. A tendência é sempre inversa: você vai ganhar rugas, problemas nas articulações e com muita sorte vai se lembrar do seu nome do meio depois de alguns aniversários acumulados.

Veja só, eu tenho meus motivos para odiar aniversários e ficar velha. Já estou beirando os trinta e meus peitos não cresceram tanto quanto eu queria, descobri que a genética nunca me ajudaria de qualquer forma já que as mulheres da minha família ganham implantes de silicone assim que completam a maioridade – eu neguei os meus, obrigada. Para completar o quadro todo, eu não me tornei uma escritora. O mais próximo que cheguei disso foi frequentar a faculdade de Letras e ficar bem feliz com um diploma no topo da minha cama, sempre me lembrando de que o tempo estava passando e eu continuaria um zero a esquerda por anos.

Não tenho nenhuma carreira dos sonhos, nem faço minha mãe orgulhosa como ela normalmente parece estar com tudo que minha irmã faz. A propósito, Adria se tornou modelo alguns anos depois do meu desastroso aniversário de doze anos e depois se aposentou, feliz com a pensão astronômica que seu primeiro marido teve que pagar por ter mantido dois casamentos por três longos anos. Claro que ele foi preso por isso, mas depois de pagar uma fiança com mais dígitos do que minha conta bancária poderia calcular, ele foi morar em uma cidadezinha distante e se casou pela terceira vez. Agora ela comanda uma agência de modelos bem cotada no mundo fashion e que eu sequer consigo pronunciar o nome corretamente. Mas ela está feliz e me liga todo o sábado por volta das oito da noite, desde que não chova em Manhattan ou o mundo glamoroso da moda peça pela sua presença.

Agora eu estou aqui, sentada na minha própria mesa de dois lugares coberta com uma toalha de mesa que comprei em uma loja de atacados e que dizia imitar perfeitamente um tecido qualquer muito famoso em uma cidade desconhecida da França. O mais próximo de um bolo e velinhas é um cupcake de brigadeiro junto de um copo grande de Mochaccino e o único presente nesta data tão especial, é Tabby, meu gato.

Há exatamente um ano atrás, no meu aniversário de 27, meu pai me telefonou. O honorável senhor Kennedy James Dalton sempre foi muito ocupado com seu alto cargo como CEO da empresa da família, trabalhando em prol da felicidade de sua prole e do mundo, como gostava de discursar. Mesmo assim ele sempre foi mais presente do que minha mãe e adorava me surpreender com livros novos a cada viagem que fazia, aumentando minha coleção particular que agora se espalhava pelo meu pequeno canto alugado no porão da casa da senhora Fighbright.

Com o divórcio, ele tinha que se contentar em nos ver em horários programados religiosamente pela agenda de minha mãe enquanto éramos crianças e depois de adultas, brigava pela nossa atenção nos feriados de fim de ano e aniversários. Eu sempre soube que ele se sentia culpado por tudo que havia acontecido, pela infidelidade da esposa e distância da filha mais velha e minha irremediável vidinha sem graça. Mas nunca conversamos sobre isso. Eu gostava de vê-lo sorrir com seus presentes de criança em cada aniversário, insistindo que eu nunca deveria crescer, como Peter Pan e alimentando minhas poucas paixões pela vida.

Naquele aniversário em particular eu fui surpreendida pela voz dele do outro lado daquela ligação. Comumente ele aparecia pela casa mesmo que minha mãe torcesse o nariz e mesmo sendo uma adulta ainda morava com ela, fingindo me comover quando ela dramatizava que acabaria sua vida sozinha e abandonada se a filha mais nova também a deixasse.

Pura ladainha. Eu passava mais dias sozinha naquele apartamento do que na companhia dela e já estava bem acostumada a monotonia do meu emprego como professora assistente no colégio Petersburg, próximo a nossa casa. O que Aria gostava era da flexibilidade dos meus horários serem uma ótima desculpa para ela evitar em contratar uma empregada ou cozinheira, afinal eu estava morando embaixo daquele teto e tinha de fazer alguma coisa que compensasse sua enorme bondade. Me parir não era suficiente para ela.

- Você está livre esta noite, Ratinha? – era como ele costumava me chamar, desde os meus cinco anos. Eu adorava como a voz dele sempre soava doce com aquela palavrinha entre nós.

-Estava pensando em alugar alguns filmes e convidar algumas colegas para uma noite de pijama e sorvete à vontade. Livre de culpa na dieta.

- Oh, parece um bom programa. – notei de longe uma leve decepção naquela afirmação.

- O senhor ia me convidar para alguma coisa?

- Jantar comigo. Mas podemos marcar para outro dia, no outro final de semana se você estiver livre...

- Eu topo pai.

- Mesmo? Eu tenho uma surpresa pra você. – a animação estava em todos os tons da voz dele.

- Que não seja um pônei, por favor.

- Não, eu não te daria um pônei, Ratinha. A casa da sua mãe não tem espaço pra nenhuma criatura viva que necessite de amor. Eu ainda não entendo porque você não aceita vir morar aqui.

Aquela era a nossa única discussão durante todos os anos desde que completei meus 16: aceitar morar com meu pai, em sua casa chique, num bairro chique, com empregados chiques, com nomes chiques e que usavam roupas chiques como todo o restante das inúmeras coisas que eu poderia colocar com a palavra chique adjetivando.

Os Dalton sempre foram uma família tradicional. Meus bisavôs eram barões do algodão além do rio Mississipi e meu pai sempre tinha uma história ou duas para contar sobre a vida difícil que eles levavam naquela época para ilustrar como éramos abençoados por vivermos tão bem agora graças aos nossos antepassados. Por mais que ele consagrasse o matrimônio e tivesse feito de tudo para que o seu não acabasse num triste divórcio - o que incluía ter vivido uma vida modesta e distante das tradições familiares que ele tanto prezava em nome do casamento - sejamos francos: meu pai era péssimo em relacionamentos e eu poderia agradecê-lo por ter herdado esta veia de família.

Mas não me entenda mal. Minha mãe sempre foi uma amante do dinheiro e de todos os luxos que ele compreendia, mas como uma legítima workaholic nascida em Houston, ela não permitiria que um homem a amarrasse a tradições sulistas banais e enfiasse sua vida em um casarão histórico cheirando a história e poeiracreole. Ela sempre gostou de exibir seus ganhos como uma leoa que mostra as presas depois de derrubar uma zebra na savana. E o que ela mais sabia exibir eram os feitos de seus esteticistas e cirurgiões plásticos como seu nariz perfeito, bunda rígida e pernas torneadas. Seu maior prazer era me acompanhar pela rua e receber algum olhar masculino apenas para ficar se gabando do quanto ela parecia mais minha irmã do que minha mãe.

Sim, eu a detesto, mas ainda dependia dela.

Morávamos em um apartamento modesto bem perto do centro comercial e do complexo empresarial em que mamãe trabalhava há treze anos. Claro que foi uma coincidência ela ter conseguido o emprego logo após meu desastroso aniversário dos doze e anunciar que não precisava mais das riquezas do meu pai. Pobre Kennedy, ainda me pergunto o que ele viu numa mulher como minha mãe.

- Quem sabe um dia, pai. – suspirei, respondendo com uma esquiva como sempre fazia para aquele assunto de me mudar do apartamento.

- Um dia. – escutei nitidamente o muxoxo que ele soltou do outro lado e disfarçou com um pigarro seco – Bem, posso te apanhar as oito? Reservei uma mesa no La Fontaine paranós.

- Nós? Está se referindo a mim e você, certo?

- Claro. – ele alargou a palavra para tentar deixar bem claro mesmo. – E a minha surpresa, obviamente.

- Obviamente.

- Então te pego as oito. Por favor, não se atrase, está bem?

- Pode deixar. – Mentira. Ele sempre soube que eu não funcionava com relógios e minha única utilidade para eles era enfeitar o quarto e ter alguma coisa com ruído para me avisar que o dia nasceu. Mas sempre adorei marcar os horários exatos de coisas que me aconteciam, tudo muito bem documentado em meus diários, como por exemplo, o momento em que minha mãe gritou “vá se foder!” pela primeira vez: eram 5 horas e 14 minutos do dia 12 de junho do maldito ano do meu aniversário de doze anos.

Naquela noite dos meus 27 anos eu não teria ninguém para convidar para minha sessão de dvds e sorvete mesmo se eu desejasse do fundo do meu coração e fizesse um pedido para a fada azul que morava naquela estrela bonita no livro do Pinóquio. Primeiro porque fadas não existem – e se existem acabo de matar uma -, e segundo por que não havia colegas que me aturassem suficientemente bem para aceitarem um convite meu para qualquer coisa. Eu tinha dificuldades até em me relacionar com meus alunos, imagine como eram os meus relacionamentos com pessoas fluentemente falantes e adultas? Um completo fiasco.

Lembro-me de ter remexido meu guarda roupa por algumas horas até me decidir por um vestido decente e que não tivesse nenhuma estampa de livros, bichinhos ou personagens da Disney. Era algo simples, com alças finas e um bordado discreto no decote reto – lembre-se de que eu não tenho peitos grandes pra ficar usando decotes por aí – numa cor escura que não se decidia entre marinho ou preta, mas que combinava perfeitamente com aqueles sapatos fechados e baixos, completamente sem graça alguma. Exatamente como eu.

Não encontrei minha mãe para avisar da minha saída triunfal da noite, então colei um post-it na geladeira contando que ela chegasse com fome ou sede e fosse para frente do utensílio com um pouco mais de atenção que o normal. Rotineiramente ela atravessava a sala conjugada e batia a porta do quarto, saindo de lá apenas depois de um longo banho, horas ao telefone e imaculadamente vestida.

Se eu tivesse um terço do bom gosto que minha mãe tinha para roupas e afins, talvez não estivesse me sentindo uma completa idiota, enrolando uma mecha dos cabelos com o dedo enquanto esperava meu pai. Eu poderia estar num bistrô em Paris, tomando café e aguardando um francês gostoso com o nome de Pierre.

Mas ali era o mundo real e meu pai parou o carro perto demais da calçada, como sempre e ficou agitando o braço com aquela mania de achar que o vidro fumê não permitia que eu enxergasse dentro do veículo.

- Você está linda, Ratinha! – piscou para mim assim que entrei no carro e puxei o cinto. As pernas de fora me deixavam incomodada, mas sorri mesmo assim e dei um beijo em seu rosto.

- Obrigada, pai. Então, vai me adiantar sobre a surpresa? – esfreguei as mãos. Estava mesmo ansiosa, mas alguma coisa dentro de mim ficava falando baixinho e imitando aquele tom de grilo falante: “Não crie expectativas”.

- Quando sua irmã completou 25 anos, eu fiz essa mesma surpresa para ela. Mas por alguns motivos, ela não pode aceitar. Então – ele parecia animado – espero que você goste e aceite, Kate.

- Tudo bem, mas quais motivos impediram Adria de aceitar? Ela sempre gostou de surpresas E eu estou fazendo 27, pai. – um mero detalhe.

- Sim, 27. Coisas do destino. – foi o que ele disse antes de dar outra piscadela e nosso assunto terminar.

Ele até comentou mais algumas coisas, fez perguntas sobre minha coleção de livros e perguntou quando eu planejava começar a escrever o meu. Demos algumas risadas até por fim estacionarmos em frente ao La Fontaine, já que meus planejamentos para escrever eram tão vagos quanto as minhas ideias de futuro.

O manobrista ficou com o carro e o maitre se aproximou para indicar nossa mesa. Meu pai havia feito uma reserva especial na varanda do restaurante, que ficava voltado para uma bonita vista da avenida da cidade e suas luzes. Eu sempre gostei do La Fontaine, primeiro por seu nome e depois pela deliciosa macarronada ao sugo que eles serviam.

Sentamo-nos e Kennedy ficou ocupado escolhendo um bom vinho e explicando sobre como o tinto ficava maravilhoso com algumas coisas e estragava outras. Tudo indicava que seria o meu primeiro aniversário normal desde aquela fatídica manhã, mas como de praxe, eu estava redondamente enganada.

- Estou atrasada? – vi aquela mão sobre o ombro do meu pai e ergui meus olhos. Estava um pouco distraída com as opções de carnes e saladas e só percebi de quem se tratava quando aqueles olhos passaram pelos meus e uma boca pintada de vermelho beijou o topo da minha cabeça.

- Parabéns querida. Tudo de bom para você.

- Mãe? – minha cara de surpresa era tão grande que meu pai empurrou discretamente a taça de água para perto da minha mão.

- Surpresa? Seu pai me convidou.

Imagine. Só estava prestes a ter uma síncope.

- Vocês... – era terrível demais para ser verdade. Não o jantar, nem a presença de Aria no La Fontaine, mas a ideia completa do motivo dela ter aceitado um convite de Kennedy para jantar fazia o meu estômago dar uma volta tão grande quanto uma montanha russa radical do Bush Gardens. Deus, não permita que ela diga...

- Estamos conversando há algum tempo e seu pai tem sido um cavalheiro. - me contive para não vomitar quando ela apertou a bochecha dele com um sorrisinho bobo no canto da boca.

- Era essa a surpresa de aniversário? – porque eu já tinha no mínimo vinte violações do meu próprio código de moral e bons costumes violados e prontinhos para serem cuspidos na mesa bem em frente deles.

Tudo bem, eles são adultos, já foram casados e têm todo o direito de tentarem se resolver. Mas não nessa encarnação!

- Não, Ratinha. Sua surpresa de aniversário...

- É me dizer que a mamãe está pobre por algum motivo e por isso ela vai reatar com o senhor?

Meu pai engasgou com sua água e minha mãe, em sua impenetrável carapaça de sarcasmo, deu algumas risadas.

- Não, tolinha. Ainda não há nada oficial entre nós, mesmo que seu pai continue o mesmo homem encantador de sempre.

- Você o traiu. – fuzilei Aria com os olhos – E o senhor é um tonto. – suspirei o mais profundamente que meus pulmões podiam para tentar esboçar uma pequena parcela da minha enorme insatisfação com meu pai e aquela cena toda.

- Águas passadas, tudo são águas passadas. E todos sabem que as águas que já passaram não podem mover moinhos. - ela apanhou uma taça com água e ergueu no ar como um brinde, bebendo um largo gole logo em seguida. Dava pra notar aquela veia saltada no meio da testa dela, um indício de que estava fazendo seu teatro maravilhoso de faz de conta que éramos todos felizes – quando não éramos.

- Vamos pedir a bebida? – Kennedy pigarreou e chamou o garçom.

Pedimos um vinho tinto com um nome complicado demais para prender minha atenção naquele momento. Realmente a única coisa capaz de segurar qualquer gota da minha atenção ali era o quanto os dentes do garfo sobre a mesa pareciam incrivelmente interessantes e isso abriu meu apetite por aquela macarronada ao sugo que eu tanto gostava, mas não queria pedir apenas para não ter que aturar qualquer piadinha da minha mãe que envolvesse duas palavras na mesma frase: comida e criança.

Aquele silêncio desconfortável ficou pairando sobre a mesa até o vinho chegar e o odor etílico preencher a mesa numa tentativa de reacender alguma faísca de conversa

Depois de uma centena de murmúrios estranhos entre nós, apenas para decidir o que seria o jantar, achei que mais um gole do vinho gelado seria bem vindo, mesmo com a queimação exagerada que sentia na boca do estômago para cada gotícula de uvas fermentadas que entrava no meu aparelho digestivo. Foi àquela altura do jantar, com pratos quase vazios, que meu pai recomeçou a conversa.

- Vinte e sete anos, hein? Como o tempo passa. Parece que foi há alguns dias atrás que você estava começando a andar e falar.

- E esbarrar em tudo e babar pela casa toda – minha mãe adicionou com um sorriso cruel no canto da boca.

- Pois é. Logo vou precisar de fraldas geriátricas e um andador. Conto com vocês para me internarem em um bom asilo perto de casa.

- Não exagere – papai tentou rir, mas o que fez foi soltar um ruído desagradável com a garganta. – É uma idade importante e tradicional.

- Muito tradicional.

O simples fato de minha mãe estar concordando com qualquer discurso amável que meu pai começasse a fazer, já era assustador. Se eu fosse um pouco mais esperta teria lido em seus olhos o que estava me aguardando, mas eu já tinha tomado duas taças de vinho e me enchido de camarão e macarronada. Não estava na minha melhor forma culta.

-Ora, vamos parar de dar voltas sem propósito, não é? – papai piscou pra mim e enfiou a mão no fundo de um de seus bolsos do blazer, tirando um molho de chaves. Não era nada de especial, cinco chaves unidas por uma argola e um chaveiro simpático com o formato da cabeça de Sir Edgar Alan Poe, com um balão cômico preso em sua boca com o famoso dizer “Nunca Mais!”.

- São suas. Parabéns, Kate.

- Hm... O.K. – era impossível descrever a minha animação com a falta de explicações, mas mesmo assim analisei as chaves. Três delas eram douradas e idênticas, numeradas organizadamente com as outras duas prateadas e recobertas por protetores coloridos. Esbocei um sorrisinho apenas para não deixar aqueles dois com mais cara de bobos enquanto esperavam alguma reação astronômica da minha parte.

- Você se lembra daquele apartamento perto da 5ª avenida, o que você poderia mobiliar sozinha e que vimos há o que... Cinco anos atrás?

- Oh. Meu. Deus! – Pronto. Estava apertando as chaves entre as mãos e fazendo aquela cara de boba que eles queriam. Tudo bem, eu estava radiante. Aquele apartamento era um sonho e quando o vi com meu pai, enquanto ainda estava na faculdade, era um devaneio tão distante que nunca imaginei que ele faria algo tão fofo como aquilo.

Debrucei sobre a mesa e beijei o rosto dele muitas vezes enquanto minha mãe fazia sinais de que devia me controlar um pouco mais antes que a mesa toda viesse abaixo.

- Obrigada obrigada obrigada obrigada obrigada!

- Você merece Ratinha.

Estava eletrizada, dando gritinhos baixinhos e trincando os dentes para conter a minha vontade insana de sair rodopiando pelo La Fontaine com o primeiro garçom que aparecesse pela frente. Aquilo era um milagre e dos grandes! Finalmente teria o meu canto, a minha vida tomaria um rumo completamente diferente quando se distanciasse da rotina da minha mãe e daquela dependência doentia, mas como tudo na minha vida, havia um truque, uma pegadinha por trás daquela tamanha felicidade que simplesmente não combinava com nada. Ainda era meu aniversário e meus aniversários sofriam de uma maldição desde os doze anos, lembra?

- Parabém querida você vai ser muito feliz por lá. Ainda mais depois do noivado.

Não disse?

- Noivado? Quem vai noivar? Adria? De novo? – fiquei passando os olhos pelos dois e esperando uma resposta, mas pelo jeito era a vez deles acharem os talheres muito interessantes. – Pai. Quem vai noivar?

- Bem, como eu estava dizendo, Ratinha... A idade dos 25 é muito importante e tradicional para a família dos Dalton...

- Vinte e sete. – minha mãe corrigiu, limpando a boca no guardanapo de tecido que ficou mais vermelho do que sua boca toda.

- Exatamente, 27. E todas as mulheres da família sempre mantiveram essa tradição durante todos estes anos... Na verdade a tradição se aplica as filhas mais velhas, mas como eu disse mais cedo sua irmã não podia seguir a tradição de família por que ela estava...

- Casada. – minha mãe completou sem muita emoção, exatamente como se podia esperar dela. – Então as obrigações de seguir com toda a tradição da família do seu pai passaram automaticamente para você.

-Eu vou ficar noiva? – a mesa ficou imediatamente difícil de focalizar. Era culpa do vinho?

- Na verdade, você já está noiva. Parabéns, querida. – ela bateu palmas com as pontas dos dedos, muito irônica.

- Noiva de quem? Como eu posso estar noiva de alguém que eu não conheço? – já estava falando alto o suficiente para uma boa parte dos clientes do restaurante estar acompanhando a conversa toda com o mesmo interesse de um último capítulo de novela.

- Acalme-se Kate, não é o fim do mundo. Sua bisavó, sua avó e até a sua tia May se casou desta forma e é muito feliz. – papai tentava transformar aquilo numa coisa banal, mas não é todo mundo que ganha de presente de aniversário um apartamento e um marido. Aquilo era tão bizarro que mais parecia uma daquelas promoções de boneca em que você compra a casa e recebe toda a família no conjunto.

- Você está brincando, não é? Não é possível que vocês tenham arranjado isso pra mim como se eu fosse algum cachorrinho de raça que vocês têm que cruzar para dar lucro.

- Não dificulte as coisas, docinho. E, além disso, você pode se divorciar depois. Não é nada demais. Você nunca teve um namorado realmente sério e já está chegando perto dos 30, logo vai acabar solteirona e sozinha, pense nisso como uma maravilhosa oportunidade da vida para você.

- Mas é o meu futuro, mãe!

- Ora, Katerina - ela sempre foi a única a me chamar pelo nome inteiro. – Seja um pouco mais agradecida por tudo que nós lhe damos. Você sempre teve um teto sob a sua cabeça, comida, educação. Todos seus caprichos foram realizados e a única coisa que lhe pedimos em retorno é que aceite o noivo que escolhemos para você e seja feliz.

- Vocês escolheram? O senhor estava presente, pai? – Sabia que podia esperar uma loucura daquelas vindas da minha mãe, mas meu pai estar metido nisso me magoava profundamente.

- Os Campbell vem de uma família tradicional como a nossa, Ratinha. O rapaz parece educado, bonito e disposto a aceitar sua mão.

- Eu não posso acreditar! O senhor, metido com uma loucura dessas? Em que século nós estamos? Vocês não podem me casar contra a minha vontade, eu já sou maior de idade, sabiam disso? – empurrei a cadeira com os pés e cambaleei para ficam em pé. O restaurante deu uma volta completa diante dos meus olhos e tive que me segurar.

Papai passava os dedos pela testa e encarava o resto de molho dentro do prato com uma mistura da vergonha e passividade. Tive a impressão de que ele estava com as mãos atadas naquela história.

- Estamos pensando no seu bem estar, mocinha. Abaixe essa voz e volte a se sentar. – minha mãe rangia os dentes, como costumava fazer desde que éramos pequenas, mas não ia funcionar agora. Estava convencida de que o caminho da porta era o único que me aguardava.

- Eu vou pra casa. – joguei as chaves do apartamento sobre a mesa e dei as costas para eles.

- Se você sair por aquela porta, Katerina Emily Dalton, pode procurar outra casa para voltar, está me entendendo? Sem esse casamento você não tem direito a nada da sua família. Nem um tostão, nem um teto, nada!

- Aria... – Kennedy tentou interromper, mas ela ergueu a mão no ar com um gesto de silêncio.

- Você me entendeu, mocinha?

Parei perto de uma mesa próxima onde um casal estava boquiaberto com aquela cena ridícula. Sorri para eles e olhei para a minha mãe mais uma vez, só uma, concentrando toda a minha raiva por mais um aniversário estragado, mais uma palhaçada maternal para adicionar à lista interminável.

- Não sou mais uma mocinha. Passar bem.

E assim quase terminava mais uma noite perfeita. Claro que ainda havia alguns detalhes para coroar e honrar a data como mais uma das minhas felicitações por estar mais perto da morte, por exemplo: choveu e eu estava a pé. Meus pés encharcaram e algum engraçadinho achou muito gozado passar com o carro voando por uma poça de água quando atravessei a rua em frente ao prédio do apartamento da minha mãe.

Quando entrei em casa era apenas uma completa perdedora molhada até os ossos, infeliz, manipulada por uma família tradicionalista cheia de babaquices e que nunca teve um aniversário decente. Estava chorando aos soluços assim que me joguei na cama e abracei meu travesseiro. A surrealidade da minha vida estava tomando proporções gigantescas e não tinha controle algum sobre aquilo.

Imaginei como seria quando minha mãe entrasse pelo apartamento como uma banda marcial, estrondos por todos os lados, gritando e gesticulando. Com certeza ela falaria absurdos do meu comportamento, explicaria sobre a riqueza das tradições do sul do país e o quanto significavam para o meu pai, no melhor estilo pressão psicológica – sua marca registrada. Depois finalizaria com lágrimas de fazer inveja a qualquer atriz de Hollywood, me abraçaria e passaria as próximas horas dizendo o quanto me amava e precisava de mim perto dela.

Minha mãe era caos e destruição, entulhados dentro de um corpo.

Mas aquilo tinha que mudar. E se os Dalton não mudariam, eu mudaria no lugar deles. Já tinha idade suficiente para sair dali, na verdade idade para fazer o que eu bem entendesse.

Passei a hora seguinte fazendo minhas malas e ligando para algumas pessoas que poderiam me ajudar naquela situação. Avisei a coordenadora do colégio (que me atendeu no meio de um jantar de bodas de prata, muito importante) e deixei bem claro (entre soluços e assoadas de nariz) que não voltaria ao trabalho no começo da semana.

Ninguém foi muito solícito em conseguir um lugar em que eu pudesse ficar temporariamente, apenas Martha Davison, a professora do primário, disse com a voz sonolenta que um primo de segundo grau tinha uma quitinete em Nova York e estava alugando. Consegui anotar o celular do rapaz depois de três bocejos dela e um resmungo.

Não ia ligar àquela hora, mas também não ia passar mais nenhuma noite naquele apartamento.

Coloquei minha bolsa no ombro, ergui minhas duas malas com coragem e após um pouco de contorcionismo para conseguir chegar ao elevador, dei adeus para a minha dependência – e aquele noivado maluco.

Passei a noite toda em um hotel caindo aos pedaços perto da rodoviária e consultando meu celular a todo minuto. Havia trinta e duas ligações somando as de Kennedy e Aria, como eles eram pais preocupados agora. Mas mesmo sendo uma rebelde e me sentindo muito orgulhosa por isso, digitei uma mensagem para meu pai assim que entrei no ônibus e me acomodei em uma das poltronas do fundo vendo o sol nascer por trás das casas:

“A Grande Maçã está a minha espera. Torça pela Ratinha”.

A resposta veio depois de alguns minutos.

“Espero que faça a escolha certa. Te amo de qualquer forma. Beijos, Papai”.

Liguei para o primo de segundo grau da Martha Davison em uma parada na estrada. O nome do cara era Maxwell e ele me explicou que a quitinete era na verdade o porão da casa da sua avó materna, onde ele morava poucos meses antes e havia reformado o lugar para se tornar completamente habitável. Tudo era independente da casa acima e o valor não era dos melhores, mas com certeza parecia uma boa pechincha para ter um teto sobre a cabeça – ou o assoalho de alguém, neste caso.

Combinamos de nos encontrar na rodoviária assim que eu desembarcasse e não foi nada complicado encontrar Maxwell entre aquele apinhado de gente que entrava e saía do terminal.

Max, como ele insistia em ser chamado, era um homem jovem e alto, sorriso carismático e um lindo cabelo Pink. Exatamente, o cabelo dele era pintado de Pink. As unhas também, mas não demonstrei notar o detalhe. Seus sapatos tinham um salto discreto e eram envernizados em vermelho, combinando com sua camisa e os suspensórios listrados.

Durante o caminho até um taxi, Maxwell falou pelos cotovelos, mas não era irritante. Contou que era filho único e o desgosto da família, então se apiedou rapidamente de mim quando contei a história do casamento arranjado e toda aquela loucura do aniversário. “Ovelhas negras ficam juntas, lindinha”.

Conforme o taxi rodava pelas ruas e a cidade ia ganhando forma diante de mim, seria muita hipocrisia da minha parte dizer que não fiquei apaixonada por ela. Seus prédios, a vida em suas veias, o trânsito caótico, o vai e vem das pessoas, o vapor dos bueiros e as luzes que mesmo durante o dia conseguiam ofuscar os olhos.

Nova Iorque estava viva como um organismo, respirando ao meu redor e me embalando quando abri a janela. Era definitivo, ali seria a minha casa.

Não ali na rua, claro.

A quitinete de Maxwell ficava em um bairro um pouco afastado do centro movimentado da cidade. Um bairro mais antigo, com casas que eram quase todas parecidas ou idênticas, diferenciadas por seus números e cores, com árvores pelas ruas e mais de dois andares.

O táxi parou em frente ao número onze, uma agradável casa de três andares, pintada recentemente de um amarelo claro agradável e que dava um aspecto de marshmellows pro quarteirão todo. Paguei a corrida do motorista, tirei minhas malas de dentro do carro e fiquei observando da calçada o cabelo Pink abrir caminho à frente.

Para se alcançar a porta da frente da casa havia quatro degraus e para chegar ao porão, três. Uma grade de ferro separava a casa da calçada e dois portões distintos permitiam perfeitamente que o morador debaixo tivesse sua privacidade preservada.

Maxwell abria o portão com dificuldade e algumas caretas.

“Precisa de óleo”, ficava repetindo enquanto eu notava a senhora que nos espiava de uma de suas janelas compridas e retangulares da casa de cima. Ela parecia bem curiosa ao meu respeito, mas tão logo nossos olhos se encontraram, ela puxou as cortinas e só pude notar que estava com o cabelo enrolado numa toalha e usando um roupão azul.

“Vem lindinha. Seu refúgio está aberto”.

Segui com o Maxwell para dentro do porão. Era maior do que eu imaginava e bem menor do que eu queria, mas serviria perfeitamente. Já estava quase todo mobiliado e havia o básico: cama, fogão, geladeira, sofá e uma estante vazia. Meus livros nunca caberiam ali, mas eu daria um jeito.

A sala, que fazia vezes de quarto e cozinha, podia ser atravessada com alguns passos e sua divisão só ficava clara devido a pia em uma das paredes e uma única bancada que servia como um limite final da sala – começo da cozinha. O banheiro ficava em uma porta à direita e a única janela que dava para fora estava logo acima da cama.

Negociei os valores com Maxwell por algum tempo. Eu precisava de um emprego para poder pagar o aluguel em dia e ele acabou me dando algumas boas dicas de por onde começar. Acertamos metade do pagamento do primeiro mês e Voi-la, estava finalmente na minha casa.

Antes de ir, ele me indicou uma faxineira para ajudar com a limpeza de boas vindas – porque ele jurava que isso fazia bem para ofeng shuida casa – e falou um pouco sobre sua avó, Dolores Fighbright.

A senhora Fighbright era uma espécie de eremita moderno. Não gostava de visitas, parentes ou coisas novas. Maxwell disse que ela era professora de clarinete aposentada e que se eu tivesse sorte, a escutaria tocar alguma coisa em raras ocasiões.

Dolores não permitia som alto, crianças e muito menos festas. Se eu fosse um fantasma, seria a melhor inquilina que a senhora Fighbright já teria em sua vida, mas eu ainda tinha um pouco de sangue nas veias.

***

No meu primeiro mês em Nova Iorque meus dias se resumiam em chorar, comer e arrumar a casa. Minha mãe enviou algumas caixas com as minhas coisas: livros, cadernos, pastas, roupas de frio e fotografias, mas nunca mais nos falamos ou sequer trocamos mensagens. Ela gostava de ignorar que tinha uma filha que ia contra as leis perfeitamente aceitáveis em uma sociedade patriarcal medieval.

Meu pai ligava constantemente e cobrava um telefone fixo para as ligações ficarem mais baratas. Ás vezes me mandava um pouco de dinheiro e tentava me convencer a voltar para casa e conversarmos com calma, que tudo tinha sido muito surpreendente para mim, mas essas conversas nunca acabavam muito bem e se passavam dias até que ele ligasse de novo, preocupado.

Minha irmã estava em Milão quando soube da minha mudança de planos na vida e me mandou um postal com um número de telefone de um ex-colega de trabalho na agência. Segundo as informações dela, ele poderia me arrumar um bom trabalho se eu citasse o nome dela. Pelo visto muita gente devia favores para Adria.

Fiquei bem surpresa quando o tal amigo de Adria atendeu o telefonema.

-Barnes & Nobles, bom dia. Posso ajudar?

- Por favor, eu gostaria de falar com Lex. – nunca me acostumaria a um nome como Lex. Ficaria sempre esperando alguém surgir inesperadamente e completar em um grito “Luthor!”.

- Está falando com ele.

- Oh, que bom. – dei um risinho pra tentar relaxar – Bem, meu nome é Katerina, sou irmã da Adria Dals...

Lex não me deu tempo de completar.

- Ela me avisou que você ligaria! Como você está? Se adaptando bem à NY?

- Com as minhas dificuldades, mas acho que estou sobrevivendo. – que mentira horrível. Mais alguns dias e estaria pedindo esmolas pelas ruas, dormindo com uma caixa de papelão e comendo restos do Burger King.

- Todo mundo passa por isso. – foi a vez de ele dar um riso desorientado para camuflar a falta de intimidade no telefone. – Sua irmã disse que você precisa de um emprego. Eu tenho a coisa certa pra você.

- Estou aceitando qualquer coisa. – soei completamente desesperada, o que era a realidade. Não sabia lidar com minha vida solitária e se continuasse comendo fast food e passando meus dias assistindo reprises de I Love Lucy, logo precisariam estourar o porão pra me tirar de dentro dele no despejo.

- Temos qualquer coisa aqui. Adria disse que você gosta de livros e é formada em Letras, ela foi muito específica sobre sua paixão por livros pra ser sincero.

- Ela exagerou muito?

- Um pouco.

- Então ela não chegou nem perto do que eu sinto por livros, Lex, acredite.

Nos minutos seguintes, Lex me passou o endereço da loja – a mais tradicional Barnes & Nobles na quinta avenida – e o horário que gostaria de me ver. Seria ainda naquela tarde e pensar naquilo me tomou mais tempo e ansiedade do que eu costumava.

Sempre fui uma pessoa muito ansiosa, mas além de estar adquirindo a mania de falar sozinha pela casa, também estava aprendendo a roer minhas unhas para me distrair.

Não vesti nada extravagante para sair, apenas jeans, uma blusa estampada e um cardigã azul claro já que não confiava no clima da cidade. Uma bolsa de ombro e sapatilhas para não me cansar muito e logo estava acenando para um taxi na frente do portão da senhora Fighbright e indicando para o motorista seguir direto para a loja.

Incrível como os taxistas de Nova Iorque conhecem tudo tão bem. Nem meu gps do celular conseguiria ser tão rápido para fazer curvas e cortar caminhos quanto aqueles caras dos carros amarelos. O preço não era dos mais baratos, mas valia pela comodidade pelo menos até aprender a andar sozinha por aí e usar o metrô.

A primeira vez que entrei na Barnes & Nobles foi com meu pai quando eu tinha dez anos. A primeira vez que entrei na Barnes & Nobles e me senti com dez anos, foi naquele dia.

Fazia tanto tempo que não entrava em uma livraria como aquela que senti meus dedos coçarem e meu estômago girar de excitação. Aposto que meus olhos estavam brilhando, meus pés batendo enquanto atravessava pelas prateleiras enormes, displays arrumados, estantes organizadas e repletas de pessoas por todos os lados. A loja toda cheirava ao mais maravilhoso e espetacular cheiro do mundo: livros.

Conseguir o emprego foi bem mais fácil do que imaginei. Lex não era careca – para a sorte dele e do mundo – na verdade ele tinha um cabelo repleto de dreadlocks e um piercing no lábio inferior que ficava brincando com a língua enquanto falava. Nem devia ter mais do que vinte anos e já era um dos gerentes da loja, educado, divertido e com a estranha mania de contar os finais dos livros quando se perguntava por algum título.

Talvez por isso tenham afastado ele do cargo de atendente.

Agora eu estava oficialmente empregada e tinha um horário rígido para cumprir. Mas meu trabalho não era tão maravilhoso e trabalhar com leitores tão ávidos quanto eu podia ser algo bom ou algo muito ruim. Clientes vinham em todos os tamanhos, cores e gêneros, era complicado aprender a satisfazer todos os gostos estranhos e diferentes que frequentavam aquela loja.

Na minha primeira semana ganhei uma camiseta de uniforme e um crachá com meu nome e um aviso: Em Treinamento.

Minha treinadora oficial era Samantha Russel, a bicampeã da disputa anual entre empregados do mês. Eu não sabia o que isso significava, mas deveria ser alguma coisa boa.

Samantha se apresentou para mim no primeiro dia de trabalho com um abraço tão grande e tão apertado (coisa que eu realmente não estava acostumada a receber), que minha cabeça quase ficou presa entre seus peitos.

Aliás, Samantha era a rainha dos peitos. Tudo nela parecia grande, braços, bunda, boca. Mas aqueles seios eram descomunais e só deixavam ainda mais claro que os meus estavam escondidos por trás do crachá, em algum lugar entre a primeira e a última letra do meu nome.

Ela falava gesticulando e tinha um sotaque arranhado que afirmava ser do gueto onde estavam suas raízes. Mas sua dicção era boa demais para que eu imaginasse Samantha andando com um grupo de cantores de rap ou coisa assim.

- Ei Branquela, vem aqui. – era como ela me chamava. – Esse é o seu setor, está bem? Literatura Inglesa, estantes 30 até 40. Não é difícil, só memorizar os autores, as ordens e você tem que levar ao menos um livro por semana para ler,Cappicce?

Esqueci de mencionar. Samantha sempre citava o Poderoso Chefão. Sempre. Se houvesse uma bíblia para Samantha Russel, ela começava com Marlon Brando e terminava com Al Paccino.

A sessão dela ficava ao lado da minha: Literatura Internacional, e tinha estantes bem maiores do que onde eu estava e mesmo assim ela sabia exatamente onde procurar cada autor e título estranho que viessem lhe perguntar. Ela era um prodígio.

Com o passar das semanas, começamos a conversar um pouco mais. Quando meu treinamento terminou já saíamos do expediente juntas e tomávamos café no Starbucks anexo à livraria, dando risada das coisas que aconteciam durante o dia, dos clientes problemáticos e pérolas que valiam a pena ser divididas entre alguns goles de café quente e muffins de queijo.

Samantha tinha um cliente que ela apelidou de “Carma”.

Tratava-se de um moleque magricelo e comprido, de cabelo ensebado e óculos com lentes tão grossas que seus olhos lembravam um peixe telescópico. Andava pela loja arrastando os sneakers pelo piso e sempre abraçado com um laptop decorado com caveiras mexicanas. Sua obsessão eram livros de autores indianos que falavam especificamente sobre reencarnação e por mais grossos que fossem os volumes que Samantha indicava para ele, toda a semana o garoto estava na loja novamente, abrindo aquele sorriso metálico por causa do aparelho dental e falando freneticamente com aquele som de língua presa conforme seguia a pobre Sam pelos corredores.

- Da próxima vez, eu perco meu emprego, mas empurro uma versão do Kama Sutra pra esse garoto. Cara, ele precisa aliviar aquela tensão e viver a vida! – dávamos gargalhadas. – E o seu “Carma”?

- Ainda é segunda-feira, Sam.

- Verdade. Eu me esqueço de que você tem a sorte do seu esquisito só aparecer em um dia da semana. Branquela sortuda.

Talvez eu fosse mesmo sortuda levando em consideração de que agora eu devia um rim inteiro para a minha irmã para agradecer pelo empurrãozinho no trabalho e outro rim para o pobre Maxwell que era tão paciente em esperar pelo pagamento do aluguel quando atrasava. Além de que estava sobrevivendo em Nova Iorque, ainda com medo dos metrôs, mas seguramente reconhecendo o caminho até o porão da senhora Fighbright e o trabalho, fazendo algumas excursões turísticas nos dias de folga para ver a cidade e aos poucos, conforme os meses iam e vinham, me adaptando ao ambiente – como todo bom mamífero.

Mas Samantha estava se referindo especificamente a outro tipo de sorte: o meu cliente “Carma” não era um chiclete com manias de hinduísmo como o dela. E sobre isso eu realmente não sabia se tinha alguma sorte.

Não demorou muito para reconhecer quem seria o cliente especial da sessão de Literatura Inglesa. Muita gente gosta dos clássicos ingleses, mas aquele cara era completamente diferente. Ele possuía uma fissura inconcebível por Shakespeare.

Toda a semana. Toda quarta-feira, pontualmente as duas e quarenta e cinco da tarde, ele entrava pela livraria. Era impossível não reconhece-lo com seu casaco de tweed e os passos firmes até a prateleira 36.

Ele não precisava se esticar para pegar os volumes mais altos porque já era alto o suficiente e o modo com que ele apertava os olhos para ler os títulos miúdos, era realmente um dos momentos que eu mais gostava de assistir. Seus olhos eram claros, azuis como os meus, mas completamente diferentes e criavam um vinco engraçado no canto perto do final das sobrancelhas.

Admito, ele era realmente atraente.

Ele mordia o canto da boca quando parecia indeciso com qual título ou edição levar e sempre tamborilava os dedos na perna direita quando a indecisão parecia enorme demais ou passava a mão esquerda pelos cabelos loiros e curtos, que ficavam com um topete arrepiado para trás.

Eu nunca o atendi. Nem precisava. Ele nunca levava mais do que cinco minutos na prateleira e depois sumia para o caixa, tão firme e presente quanto apareceu. Ele não era meu “Carma”.

- “Próspero”.

- Claro, ele é o seu “Próspero”! – Samantha adorava repetir o nome, só pra escutar estalar na língua junto com o final de seu expresso. – Qual será a compra dessa semana?

- Não sei. Mas se você oferecer o Kama-Sutra para o “Carma”, talvez eu atenda o “Próspero”. O que você acha? – estávamos dando risinhos como garotas bobas do colegial.

- Acho que vou deixar um currículo aqui na Starbucks e que você tem uma chance em mil de não ser ignorada. O cara parece um idiota, daqueles que tem o nariz empinado.

- Ele pode ser ator.

- Nariz empinado.

- Ele pode estar fazendo um trabalho sobre Shakespeare para a faculdade.

- Nariz. Empinado. – Sam terminava seu muffin com uma dentada e limpava a boca num pedaço de guardanapo de papel. Levantamos juntas, saindo da cafeteria direto para a rua.

- Então, grandes planos pro aniversário de 28?

- Sim, grandes planos. Uhu! – agitei os braços, mas a animação não era lá aquelas coisas.

- Vamos combinar algo pro final de semana, Branquela. Eu e você. Hoje não dá, você sabe que o turno da noite é puxado e não posso faltar, nem mesmo por você.

- Eu sei. Fica tranquila. – jamais cobraria que Samantha aparecesse. Ela trabalhava durante a noite na lanchonete dos pais para ajudar com as despesas da irmãzinha dela, Jenny. Só tinha visto a pequena uma vez, mas ela havia sofrido um acidente feio envolvendo uma moto e acabou perdendo metade da perna esquerda com isso. A família se desdobrava agora para pagar pela prótese, mas ia se adequando com uma cadeira de rodas emprestada.

Sam me deu um enorme abraço de parabéns, nos despedimos no ponto de ônibus e logo estava indo pra casa, para curtir meu aniversário comigo mesma. Era uma opção bem melhor do que surpresas doidas de família.

Suspirei bem aliviada quando me soltei na cama e senti meus pés respirando cansados pelo dia de trabalho andando de um lado para o outro sem parar. Tudo que eu precisava agora era um banho quente, um bom filme da tevê e dormir por mais de oito horas sem ser interrompida – coisa que raramente acontecia.

Estava prestes a apanhar uma toalha limpa quando bateram na porta.

Depois de anos com aniversários horríveis a gente aprende a torcer para que não seja ninguém vindo dar os parabéns. Espiei pela fresta da porta antes de abrir. Era o Lex e Samantha.

- Você disse que precisava ir trabalhar! – a repreendi antes de cumprimentar qualquer um.

- Ei, eu ainda vou trabalhar. Mas hoje é seu aniversário!

- Não tinha bolo, Kate, mas eu trouxe cupcake. – Lex entrou pela quitinete sem reparar na bagunça de livros pelo chão e pelos pés da cama ou talvez já estivesse tão acostumado com livros que sua mente ignorava a presença automaticamente.

- E aqui está o seu presente. Mas pelo amor de Deus Glorioso, não sacode a caixa!

Sam esticou uma caixa do tamanho de uma daquelas de sapato, amarrada com uma fita brilhante e vermelha com um adesivo de “Felicidades”. Assim que segurei o presente, olhei firme pra ela. Ela sabia que eu não gostava de surpresas.

- Abre logo! – Lex riu, voltando pra perto da porta depois de arrumar o cupcake de brigadeiro do Starbucks com uma velinha em cima da mesa e o copo grande de Mochaccino que tinham comprado pra mim.

Desfiz o laço da caixa e a tampa se soltou um pouco sozinha e o peso lá dentro se moveu. Deduzi logo que lá dentro tinha a) algo vivo ou b)algo vivo e que eu não gostaria nada.

- Parabéns Branquela! – Sam puxou a tampa e revelou aquele par de olhos verdes olhando pra mim, um pouco sonolentos e perdidos. Um lindinho filhote de gato, um tom de cinza bem claro com listras escuras e um jeitinho curioso de me encarar.

Aquele era o presente mais inesperado que havia ganhado.

- Oh, é uma belezinha! Macho ou fêmea?

- Macho. Ele se chama Tabby. – Samantha anunciou com muita pompa o nome do gatinho. – Foi a Jenny que deu o nome para ele.

- Oh, então é Tabby mesmo. Oi Tabby. – o gato deu um miado fraquinho, assustado com tudo ao redor dele. – Obrigada, vocês foram demais.

- Não dá pra compensar anos de aniversários de araque, mas vamos com calma, é só seu primeiro ano por aqui. – a grande Sam me deu mais um abraço e tive que tirar Tabby da frente para os peitos descomunais dela não acabarem amassando o pobrezinho. Depois Lex me deu um abraço também e os dois se despediram. Era a melhor visita curta com presente, bolo e parabéns de toda a minha história.

Mesmo assim, não estava feliz. Mas isso já era uma máxima das minhas datas de aniversário: Katerina Dalton nunca fica feliz em aniversários.

Sentei na minha mesa e fiquei olhando pro cupcake e o copo de Mochaccino que soltava aquela fumacinha perfumada, o gatinho Tabby saindo da caixa para explorar seu novo mundo do porão enquanto inconscientemente me fazia a única companhia naquela noite.

Acendi a velinha do cucpcake e soprei com força. Pensei em fazer um pedido, mas esse tipo de coisa nunca dá certo e se depois de tanto tempo pedindo não tinham me realizado nada, porque realizariam agora?

- Boa sorte, Kate – desejei pra mim mesma e antes de morder o bolinho, meu celular tocou.

O número no identificador era estranho, mas o prefixo era conhecido, da minha cidade natal, minha outra casa. Talvez fosse algum número novo que meu pai tinha comprado apenas para fazer interurbanos caros com sua filha ovelha negra.

- Alô.

- Katerina? – era uma voz masculina que não reconheci.

- Sim...

- Parabéns. Feliz aniversário! – parecia um desejo sincero e eu ri, já imaginando se seria Max ou mais alguém da loja.

- Obrigada... Mas... Quem fala?

- Desculpe, eu sou muito desligado – riu do outro lado, era uma voz macia e um riso gostoso de ouvir. – Sua mãe me passou seu número há algum tempo... Sou Bruce. Campbell... Seu noivo.

A partir daquele aniversário eu adicionaria mais um item na minha lista de dias de aniversário: não atender ao telefone em hipótese alguma.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!