Asas das sombras escrita por Wonderwall


Capítulo 2
Noite fria...




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- Então, como foi o dia? - perguntou minha mãe ao me ver chegar em casa.

- Foi muito boa mãe. - falei esbarrando na mesa de centro que não havia percebido.

- Me conte tudo, como seu pai está?

- Está bem, com uma namorada, com um  novo empreendimento, ele queria que eu trabalhasse com ele, mas achei melhor terminar os estudos primeiro sabe?

- Sim, sim, eu entendo. Fico orgulhosa por pensar assim. - ela sorriu. - Mas e a escola, muito chata?

- Na verdade isso eu prefiro deixar em meio termo. 

- Conte-me mais sobre isso. Dando ênfase nas partes boas, é claro.

Minha mãe era bem extrovertida, eu gostava disso nela, sabe? Sinto como se ela não fosse minha mãe, e sim uma amiga. Pessoas deficientes geralmente entram em depressão, ou até ficam com ódio do resto do mundo, por simplesmente ser normal e você não. Quem se torna deficiente, ou nasce assim, não tem culpa, mas quanto as outras pessoas? Elas devem levar a culpa por simplesmente você não ser igual a ela? Tolice.

- Conheci uma garota. - falei. - essa foi a parte boa do meu dia.

Senti que minha mãe parou imediatamente de fazer o que estava fazendo e me olhou como se eu fosse uma daquelas patricinhas metidas que gostam do capitão do time de futebol da escola, que bosta cara e que gay. Era por isso que eu não gostava de conversar com minha mãe sobre isso, me sentia gay, sabe? Bleh. Não, espera, nada contra gays, apenas não sou um. Mas não tenho nada contra quem é, apenas deixando claro.

- Ah, serio? - senti um  pouco de receio em sua voz, talvez ela pensasse que essa garota queria só brincar comigo, e talvez realmente fosse isso, qual é, quem eu quero enganar? Mas, uma possibilidade é que ela poderia se tornar minha amiga, nunca devemos negar os amigos, certo?

- Sim, ela se chama Anne. Ficou comigo na hora do intervalo, adorou Philip e tudo mais. 

- Olha, Dylan, eu sei que...- cortei-a.

- Mãe, eu posso sentir quando querem me fazer mal, O.K? E ela nem ficou me perguntando sobre como era ser cego, apenas se sentou e conversou comigo como se eu fosse um cara normal..

- Mas você não é, Dylan. Você não é. - Minha mãe me cortou dessa vez. - Você pode até querer ser normal, é bonito, atlético, tem boas notas, mas quem vai querer alguém assim se pode ter um alguém normal?

- Normal? De que me chamou?! - Me levantei empurrando os pratos da mesa num excesso de fúria. 

Como é que ela podia ter dito isso? Como? Minha própria mãe me dizendo coisas deste tipo, como assim? A única pessoa que eu pensei que não ligava para o estúpido fato de eu não poder enxergar fala essas coisas. Gritei de raiva e subi as escadas em direção ao meu quarto. Tranquei a porta e fechei a cortina da janela. Tirei as roupas e fui ao banheiro, esfriei aquela água quente e passei um bom tempo ali, apenas em baixo do chuveiro, deixando minha cabeça esfriar um pouco, ou ao menos tentar esfriar, já que era um pouco impossível. Tudo estava se tornando difícil para mim, novamente e tudo por causa que conversei com uma garota na hora do intervalo, se quer saber, fora uma das melhores conversas que eu já tive, mesmo na época que eu conseguia ver. 

A raiva me possuía ainda, mas a ignorei e me enxugando caminhei até o quarto. Peguei uma roupa qualquer e abri a janela, caminhei até o criado mudo e dali retirei um caderno e um lápis. Voltei a janela e por ali saí para sentar-me no telhado. Era meu lugar preferido naquela casa, eu sentia que as estrelas estavam tão perto de mim que praticamente poderia toca-las. o ar também era tão sereno e puro, me relaxava e tranquilizava. 

Apalpei o caderno em minhas mãos, ali estavam gravadas as minhas maiores obras de arte, meus desenhos. O que mais me doía não era não conseguir enxergar e sim, não poder desenhar como antes. Eu ainda desenhava, claro, mas não conseguia ver minhas criações depois de prontas, isso era extremamente frustante. Apalpei o lápis e na folha que eu sabia que estava em branco, comecei a desferir um desenho, linhas curvas, retas, alongadas, profundas ou finas, o lápis dançava de encontro com o papel, enquanto os meus olhos, permaneciam fechados, apenas apreciando a inexistente música que o fazia dançar.

Eu podia sentir que já era tarde, o vento soprava de forma diferente, mais fria que antes, sabia que era hora de dormir. Estava melhor, bem melhor, é incrível o que alguém consegue fazer com uma folha e um lápis, apenas imaginando as formas e enfim elas surgem, ou pelo menos é isso que eu penso. 

Voltei ao quarto pela janela e resolvi por meu caderno dentro da mochila, não tenho a miníma ideia de por que fiz isso, apenas fiz. Alguma coisa me dizia para fazer e, quando isso acontecia era melhor eu obedecer, já tive provas suficientes de uma vida aflita que não deu certo com meus erros do passado, isso havia custado uma vida com cores e imagens. Não, isso não era estranho de se ouvir, apenas a verdade. O acidente havia mudado minha vida, sem sombra de dúvidas, mas eu permanecia com os fantasmas do passado a cada dia que passava. Eles me atormentavam e não me deixavam ser o que eu mais queria: feliz.

Deitei em minha cama procurando o travesseiro e o lençol, eles eram meu refúgio e meu principal confidente, pode parecer estranho ou sem lógica mas, era verdade. As vezes eu cheguei  a me sentir um idiota, uma criança, mas aprendi que são aqueles idiotas que vivem como crianças que acham o caminho para a felicidade. 

Já estava quase dormindo quando meu celular tocou. Sim, cegos podem ter celulares, eles são ativados pelo comando de voz, um aplicativo bem bacana quando não se pode digitar o touch screem. Atendi com o comando de voz e uma voz feminina respondeu do outro lado, de imediato:

- Alô?! Dylan? - Era Anne, mas como ela havia conseguido meu número?

- Ar, oi. - falei meio sonolento e sem entender por que uma garota que eu mal conhecia havia me ligado, e aquela hora da noite. Que na verdade poderia ser cedo para ela, mas que eu geralmente estava dormindo.

- Te acordei, não foi? - ela falara com uma voz um pouco preocupada. 

- Não, eu não estava fazendo nada. 

- Ah sim, liguei apenas para te desejar boa noite. - ela riu.

- Ah, obrigado, boa noite para ti também.

Ela desligou na hora que eu iria perguntar como havia conseguido o meu número. Na maioria das vezes, se alguém te liga de noite sem que você tenha dado o número a pessoa, você fica preocupado, eu por vez, fiquei feliz e sorridente.

Pus o celular em cima do criado mudo e quando menos esperei, já havia pegado no sono.


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