Do or Die escrita por LadyThyssa, Dr Hannibal Lecter


Capítulo 24
Capitulo 24 - Chora a terra, sangra os céus


Notas iniciais do capítulo

Ultimo capitulo! Meu deus, que emoção! kkk Espero que gostem, e que pelo menos nesse cap nossos leitores fantasmas se manifestem nos comentários, pfvr?!



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O estrago que atravessar um bosque em chamas pode causar é avassalador. Meu corpo todo parecia ter sido aquecido e ardia com muita intensidade. Algumas queimaduras surgiram nos meus braços no lugar onde meu casaco havia sido rasgado, que deixava minha pele com a tonalidade cor de rosa bem forte e sensível ao toque.

Eu segurava o machado com força em uma mão, enquanto a luz vermelha escarlate dos céus iluminava o caminho. A respiração de todos era rápida e constante, ficamos um bom tempo nos encarando calados enquanto Alaric estudava as possibilidades do que fazer a seguir. Primeiro, voltamos para nossa instalação inicial, o refeitório, e depois, corremos como se não houvesse amanhã para a cidade.

Eu ainda não havia me recuperado de nenhum dos ferimentos que ganhei nesse jogo até agora. O tiro no braço e a facada na perna eram os que davam lembretes que ainda estavam lá com mais frequência. Depois de tudo o que havia acontecido, eu precisava parar por um tempo para organizar meus pensamentos. Eu precisava de um tempo para absorver tudo o que havia acontecido, desde a morte de Tommy até a morte de Voraz e Theo. Minha mente girava em mil voltas, eu não conseguia me concentrar em nada. A imagem que vinha sempre que eu pensava em Theo era a do garoto fraco que Voraz sempre precisava cuidar e proteger, eu não conseguia associar Theo como um assassino – não como o assassino de Voraz. A ideia parecia ridícula, impossível.

Mas a verdade era que eu não conseguia associar nada á morte de Voraz. Eu não queria admitir que ele tivesse sido empurrado em um penhasco, isso era quase tão absurdo quanto acreditar que Theo o havia empurrado.

Ou talvez eu estivesse com medo de admitir que ele realmente estivesse morto. Morto e inalcançável, para sempre.

E apesar de tudo, eu precisava continuar, mas como superar a morte de alguém que você não acredita que tenha mesmo partido?

Eu me sentia estranha em meu próprio corpo, quase como incomodada com algo. Tudo o que eu fazia era manter a cabeça erguida com um esforço extra do meu pescoço e seguir os movimentos familiares das cabeças e das silhuetas conhecidas que me guiavam pelo caminho. Meu corpo conseguia se cuidar bem sozinho: eu corria de forma mecânica, me preocupando hora ou outra apenas em me certificar que meu machado continuava ali.

Quando avistei os primeiros prédios da cidade, uma chama de esperança me consumiu. A cidade em si era um amontoado de prédios e casas em condições precárias. O maior prédio da cidade ficava bem no fundo da cidade, no último quarteirão, e depois dele não havia mais nada além de um imenso muro que delimitava o final da fase. Aquele muro era como qualquer outro nas fases anteriores: servia para dizer que essa fase ia até aquele prédio e pronto. O muro era tão alto e artificial que se encontrava com o suposto céu escarlate, e a rachadura que se abriu no céu havia se alastrado para o muro também, criando uma trinca de rachaduras que desciam pelo muro e seguiam até o maior prédio da fase.

Foi naquele prédio, o último da cidade, que havíamos acordado nessa fase, ao que pareciam anos atrás, mas foi há apenas algumas horas. Foi naquele prédio que Maysa havia nos contado seu passado. Que eu havia descoberto sobre seu pássaro. E era naquele prédio que tinha que terminar. Havia algo sobre ele ser o último da fase que me intrigou. Algo que me atraiu para ele: a sirene no topo do prédio que brilhava com o mesmo brilho que meus olhos: a cor de âmbar.

Já estávamos tão próximos. Tudo o que tínhamos que fazer era atravessar os quarteirões da cidade, uma simples caminhada. E foi então que Pan gritou ao meu lado, apavorada com o que estava vendo logo á frente. Não era apenas uma simples caminhada: o mundo todo estava desmoronando sobre minhas costas.

Ventos tão frios como gelo e selvagens nos empurravam para trás, nos afastando da cidade. Mas lutamos com força para conseguir avançar, há medida em que os prédios ficavam mais próximos. Conseguimos nos familiarizar com os ventos, mas o chão ainda tremia intensamente. Corremos para a calçada quando avistamos as primeiras casas, mas foi então, há medida em que os prédios e as árvores e tudo ao redor começou tremer e se desfazer aos poucos: era como se cada prédio estivesse se autodestruindo.

Eu observei a tempo de ver que tudo começava com uma rachadura na construção e depois se espalhava por toda a estrutura derrubando parede por parede e fazendo pedras de concreto voarem para todos os lados. As ruas asfaltadas começaram a ser igualmente trincadas, ainda não estavam se desfazendo, porém tremiam e impediam que conseguíssemos correr muito sem cair.

Os ventos selvagens esvoaçavam meus cabelos, enquanto eu lutava a cada passo. As pessoas surgiam desesperadas de dentro de seus esconderijos: os outros jogadores saiam de dentro de prédios como formigas saindo de um formigueiro que estava sendo atacado.

Nicolle se desequilibrou e caiu quando o tremor do chão aumentou. Eu a levantei com um puxão rápido com meu braço bom, e depois disso segurei-a com força e corremos juntas pelas ruas. Os outros jogadores continuavam a aparecer do nada, preocupados e gritando assustados. Eu via vários deles resmungando algo sobre quantos chips faltavam.

Mas não consegui reparar em nenhuma daquelas pessoas que surgiam e começavam a gritar coisas sobre o fim. Eles estavam perdidos. Foi só quando depois de ouvir algumas palavras rápidas e desesperadas de Alaric que os outros jogadores começaram a correr a nosso favor em direção ao prédio. Eu não me soltei de Nicolle, que seguia correndo na minha frente e logo atrás de Alaric. Quem não soubesse diria que estávamos fugindo de algo – e realmente estávamos. Por mais que eu lute para me lembrar, tudo aconteceu como flashes de luzes de tamanhos diferentes na minha memória.

E isso era porque minha mente estava distante. Eu corria de forma mecânica, e só conseguia pensar em Voraz. E em Tommy. E em Maysa. E talvez até no Theo. Os pesos de todas essas mortes era esmagador. Era como se eu estivesse me desfazendo aos poucos enquanto lágrimas quentes ainda escorriam pelo meu rosto e eram secas pelos ventos frios. Lágrimas de medo, de dúvida, de raiva e de tristeza.

Pela primeira vez, vários grupos conseguiram correr juntos atrás de um lugar seguro: o único lugar que parecia não estar sendo afetado pelo pandemônio: o prédio com a luz de âmbar. Conseguiram colaborar sem o instinto assassino que esse jogo havia criado neles.

Eu via os quarteirões passando como flashes e borrões ao meu redor, enquanto Nicolle, que precisava me puxar na maioria das vezes quando o cansaço ameaçava vencer, corria na frente com uma expressão séria e determinada – diferente da minha, que era uma expressão esmagadora de culpa, tristeza e confusão.

Mas as pessoas continuaram a morrer ao meu redor.

As pessoas corriam, mas coisas as atingiam enquanto fugiam: pedras das construções, tiros vindos de mecanismos de defesa de algum lugar, armadilhas que prenderam muitos para trás. Era assustador. Era como se a própria cidade não quisesse que saíssemos dali.

Os tiros acertavam as pessoas em pleno ar, as armadilhas as prendiam contra o chão. Alguns jogadores baleados apenas cambaleavam para trás um pouco antes do corpo cair sem vida no chão e algum amigo gritar seu nome para os ventos. Cada um que caia no chão de cansaço, morto ou ferido ao meu redor, eu não me importava. Cada um que parava para ajudar o outro a se levantar e a continuar e acabava levando um tiro na cabeça no processo, eu não me importava.

Eu encarei os corpos sendo deixados para trás, abandonados. As pessoas simplesmente morriam, caiam no chão e morriam. E não havia nada que eu pudesse fazer a não ser desviar o olhar ou fingir que não era alguém importante. Ninguém importante para mim.

Nenhum deles é Voraz, e por isso nenhum deles importa.

Eu olhei para trás: o céu escarlate continuava iluminando a terra com a sua luz sanguinária. Pessoas choravam e gritavam por todos os lados. E então algo começou a se aproximar.

Lá longe, onde corremos muito antes, onde Voraz morrera em um penhasco, havia uma nuvem de poeira e névoa da magnitude dos céus. Era uma nuvem tão espectral que chegava a ser assustadoramente negra e sinistra. Ela apagava o brilho escarlate dos céus conforme se aproximava e engolia tudo o que tocava transformando o que ainda estava vivo e de pé em parte da sua escuridão, engolindo tudo no caminho para suas trevas.

– Isso vai engolir todo mundo e fazer a gente desmaiar! Eles não querem que a gente saia, Alaric! – um jogador loiro, alto, que vestia uma jaqueta de couro e segurava um arco com flechas com firmeza nas mãos gritou para Alaric. Eles corriam no mesmo ritmo e o nosso líder parecia conhecê-lo, e gritou em resposta: - ENTÃO CORRAM COMO SE SUAS VIDAS DEPENDESSEM DISSO, PORQUE DEPENDEM!

O rapaz loiro me encarou com um olhar pensativo quando olhou para trás. E ao seu lado uma garota e um garoto surgiram, parte do seu grupo. O outro garoto era moreno e tinha o tipo físico de um urso. Eu já o conhecia da fase das minas, onde a amiga de Pan tinha morrido – há outros milhões de anos atrás. Ele me olhou impressionado enquanto Nicolle me puxava e me obrigava a continuar. O moreno sorriu, gritando alguma coisa como ‘você conseguiu até agora, continue’, mas eu não consegui entender direito. Havia um mundo sendo destruído ao meu redor, desculpe.

Atravessamos vários quarteirões enquanto corríamos como eu nunca tinha pensado que pessoas poderiam correr. Outras poucas silhuetas humanas de outros jogadores corriam em uníssono ao nosso redor. Tive vislumbres de ver um ou outro garoto passar pela minha frente e algo dentro de mim gritava feliz achando que era Voraz. Primeiros sinais de uma insanidade, talvez?

Alcançamos o prédio aos tropeços. A porta ainda estava arrombada de quando Maysa a havia aberto. Esbarramos uns com os outros conforme entramos na recepção do prédio, nos apertando para passar pela estreita porta. O último a entrar, o rapaz moreno e forte como um urso fechou a porta atrás de si. E todos ficaram em silêncio.

A recepção do prédio estava empoeirada e velha. Tudo estava exatamente como eu me lembrava: era ampla, com três extensos sofás e uma grande mesa com um computador em cima. As paredes eram brancas cheias de teia de aranha, no chão tinha somente um extenso tapete colorido. Eu corri para as escadas assim que elas entraram na minha visão. Eu não sabia ao certo que estava fazendo, mas era melhor procurar a saída dali o mais rápido possível;

Eu subi as escadas com passos forçados. O machado pendia em minha mão esquerda. Alaric e mais alguém me seguia por trás, eu podia ouvir os passos. Todos estavam ansiosos.

E eu não sabia o que fazer.

Foi quando algo se ascendeu. Não uma luz, mas flashes. Flashes de imagens, sons, cores e tamanhos diferentes. Eu ouvi vozes dentro da minha mente, vozes que eu julgava familiar mesmo que nunca as tivesse ouvido antes. A voz estranha na minha mente, que era minha própria voz com uma tonalidade diferente, começou a sussurrar impaciente o número 3. Havia algo naquelas imagens. Algo tão familiar e tão... Simples.

Lembranças.

Eu não recuperei minha memória naquele instante, mas o que se ascendeu na minha mente foi o bastante para clarear as coisas. Eu respirei fundo agora, e apertei os passos pelas escadas até chegar ao 3º andar.

“- Você vai para lá para salvá-los” – A voz grave de meu pai sussurrava. “Vai tirar eles de lá e parar com essa loucura”.

Rostos familiares brilharam em memórias tão vivas que eu poderia tocá-las se não estivessem presas em pensamentos. Um pai. Um rosto rústico e duro de um pai. Uma mãe. O rosto familiar e bondoso de uma mulher, com os mesmos olhos cor de âmbar que os meus. Uma tarde, quando eu ainda era pequena, sentada em um balanço do parquinho ao lado de um imenso hospital esperando meu pai sair do serviço. Um hospital. Uma cidade. Ordem e caos. Realidade.

Verdade.

Uma das salas do hospital. Uma ala onde se encontravam as pessoas com doenças terminais. Pessoas magras e moribundas. Pessoas que estavam vivas apenas por máquinas, por fios. Pessoas que foram abandonadas pela vida há muito tempo, mas se recusavam a aceitar isso. E meu pai caminhando impaciente entre as macas, indo ao meu encontro com um olhar sério no rosto. Eu matei aquelas pessoas, pensei com amargura e dúvida.

Uma onda de dúvida percorreu meu corpo no instante em que me aproximei de um painel dourado no 3º andar. Eu não sei como cheguei ali, não sei que caminho me levou ali. Mas havia lágrimas incessáveis e incontroláveis escorrendo, quentes e vivas, pelo meu rosto. Havia uma onda de raiva e pressão se espalhando meu corpo. Minhas mãos começaram a tremer quando encarei o painel dourado logo á frente.

Ele ficava na mesma altura que uma janela em um cômodo. Era bem grande e emoldurado em aço, com o painel sendo feito de vidro, vidro colorido que como a luz da sirene do prédio estava dourado e cintilante. Mas não estava dourado porque sua cor era dourada. Havia uma luz irregular atrás do painel, que poderia ser uma lâmpada ou algo assim e refletia a cor dourada no vidro.

Se aquilo era uma janela, um painel ou até mesmo uma porta eu não sabia. Mas todos os músculos do meu corpo gritavam para que eu destruísse aquilo.

– Layla? – A voz de Alaric soava vacilante, conforme outros vários passos alcançavam a entrada do terceiro andar. Eu o ignorei, mesmo percebendo o tom de preocupação em sua voz.

Quando alcancei o cabo do machado com ambas as mãos e o ergui para a frente, ouvi vozes e sussurros assustados logo atrás. Não conseguia segurar o machado com firmeza sem que meus dedos tremessem, mas eu precisava fazer aquilo.

Uma pontada aguda de dor surgiu quando ergui o machado e corri em direção a janela dourada. Eu golpeei o vidro dourado com o machado repetidas vezes, e ele cedeu nas primeiras tentativas.

Cacos de vidro dourados voavam para todos os lados. Brilhantes e resplandecentes como uma chuva dourada voaram sobre nossas cabeças. Alguns pequenos, outros maiores, alguns mortais, caiam no chão aos meus pés criando uma camada de cacos de vidro cintilantes que lembravam muito areia. O painel todo não foi despedaçado, mas foi trincado e grande parte dele havia caído no chão em pedaços insubstituíveis, criando uma passagem grande o bastante para duas pessoas com folga atravessarem.

O vidro dourado caído brilhava e refletia a luz no chão. A luz de lá de fora. De além da parede.

Com frustração, demorei um bom tempo para me livrar dos pequenos pedaços de vidro que haviam caído em cima de mim, e percebi cortes nenhum pouco bonitos em minhas mãos e braços.

– O que é isso? – perguntou Pan surgindo ao meu lado e apontando vacilante para a parede atrás do painel.

Havia uma parede de metal bem reforçada por trás do painel. Havia uma fenda profunda que cortava a parede de metal ao meio. A mesma fenda que havia cortado os céus ao meio havia partido essa parede do prédio. E nesse instante eu percebi o que isso significava.

Pelo buraco aberto com a ajuda do machado, eu podia ver a fenda entre os ferrugens e os pedaços de metal velho. Era uma grande trinca, grande e larga o bastante para uma pessoa atravessar para o outro lado.

Adiante daquela trinca, que parecia perfurar a espessura do muro por completo, havia uma luz passando pelo buraco da parede de metal de forma tímida. A luz que iluminava o vidro quebrado.

A luz do sol. A verdadeira luz do sol.

A realidade me atingiu como um soco e então eu percebi

Parece que o jogo foi só o começo.


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Notas finais do capítulo

Bom, é isso! Quero agradecer a quem acompanhou a fic até aqui, por que isso significa muito para mim! Sério, essa fic ficou muito legal, e como é o último cap ~ou não~ espero que tenha ficado bom. Tem um épilogo vindo ai pra vcs entenderem, bjs e até a próxima fic ~talvez, né?



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