Verão - 2006

Querido diário,

Michael se foi.

E a culpa é toda minha, como sempre.

Mas quem eu quero enganar, meu destino sempre fora determinado, eu nunca ficaria com ele, então por que isso importava agora?

"Mia, não vai tomar café, querida?"

"Não."

E lá estava o J.P, doce como sempre, sentando ao meu lado com uma bandeja de torradas. Nem pense que vou comer só porque você trouxe, porque não vou.

"Poxa...", seu olhar era triste e pensativo, como se estivesse decidindo contar ou não alguma coisa, "Eu mesmo que fiz pra você, Mia"

Levantei meus olhos cansados e o estudei. Embora estivesse longe do espelho, tinha certeza de que eu tinha olheiras e uma expressão de poucos amigos.

"Escuta, eu vou pegar só uma, tá legal? Satisfeito?"

"Que aconteceu ontem, Mia?", ele parecia sério.

"J.P, por favor, eu não dormi direito, me deixa des..."

"CLARO QUE NÃO DORMIU, PASSOU A NOITE AÍ NA VARANDA, NÉ"

"DESCULPA SE EU TIVE INSÔNIA!"

"Bom descanso, Mia", ele largou a bandeja no meu colo e saiu sem dizer mais nada.

Por que isso sempre acontece?

Mas antes que meus pensamentos se concluíssem, ninguém menos do que Clarisse Reinaldi, mais conhecida como minha vó, apareceu para piorar ainda mais o meu humor.

"Desculpa interromper a discussão de vocês, mas..."

"Diga logo,vovó..."

"Temos um almoço beneficente em duas horas, portanto, adoraria que se aprontassem logo e, principalmente, que se comportem"

Com 'adoraria' ela quis dizer 'é uma ordem'. Eu a conheço bem demais para entendê-la nas entrelinhas. Assentimos e nos apressamos para fazer o que ela pediu.

Sentamos numa mesinha ornamentada, longe o suficiente para que eu não precisasse "ser educada" com o resto da realeza.

"Mia", meu pai apareceu de repente, sussurrando em meu ouvido. Conservava um sorriso congelado nos lábios, provavelmente para evitar chamar atenção. Típico dele, "Preciso da sua ajuda. Espero que pelo menos dessa vez aja como uma princesa educada e gentil que sei que você é"

"Se for pra fazer sala pra mais um de seus..."

"Pensei ter dito 'educada e gentil' ", eu respirei fundo e deixei que prosseguisse, "Em todo caso, preciso que tome conta das crianças daqui. A baby-sitter real teve que se ausentar"

Eu o olhei como se estivesse ficando maluco. Só existe uma baby-sitter aqui? Meu pai do jeito que é deve ter milhares na agenda do celular!

"Mas, pai..."

"Estamos entendidos?", ele levantou, mas não sem antes completar: "Ah, e leve o J.P com você"

"Cala. A boca!", exclamei, levantando-me num pulo.

"Cala o quê, Mia?"

"ARG, esquece!"

Peguei a mão do J.P e levei-o junto comigo ao lugar onde as crianças estavam brincando. Fala sério, que tipo de príncipe não tem telefone de babás no celular, hein?

"Princesa Mia!", um menininho puxou a barra do meu vestido, sorrindo, "Quer brincar com a gente?"

"Claro que quer, não é, amor?", J.P me lançou aquele olhar furtivo, como se tivesse feito um mix de vingança e gentileza para com as criancinhas.

Eu realmente não sei o que deu em mim, mas parece que a brincadeira era mesmo divertida. Eles estavam escorregando em cima de um colchão pelo toboágua dos jardins; meus olhos se abriram em surpresa.

"Anda, princesa, não vai descer?"

Eu já tinha subido a escadinha do toboágua, meio incerta se desceria ou não. Eu sou uma princesa agora, não posso ficar por aí caindo em toboáguas. E depois, quem iria levar horas de sermão da vovó era eu. Que deselegante! Parece um moleque...

"DESCE LOGO, CRIATURA!", ouvi J.P gritar, segundos antes de me empurrar tubo a baixo, caindo logo depois de mim. Agarrei-me ao colchão como se fosse a minha vida.

Quando achei que era seguro, comecei a tentar ficar em pé. Não deu muito certo. Meio segundo depois já estava caindo de novo; o colchão rodou e bateu no de J.P, fazendo com que caíssemos juntos na água.

Apesar de tudo, rimos pra caramba. O pessoal bateu palmas e toda a atenção foi desviada para a gente, o que me fez voltar à antiga Mia. A Mia que fica vermelha e vomita nos outros.

"Hey... Mia. Mia, você tá legal?"

Saí correndo da piscina, encharcada, à procura de um lugar isolado para passar mal em paz. Quando pensei que já tinha desviado o suficiente da minha 'platéia', coloquei tudo pra fora.

"Mia, você tá..?"

Então tudo foi muito rápido: J.P segurou meus ombros, numa tentativa de me ajudar - ou talvez consolar -, e pude ouvir flashes disparando em minha direção. É, papai... Juro que tentei. Mas realmente não nasci para essa vida de holofotes.

Na manhã seguinte, acordo com um masso de papel sendo jogado na minha cara:

"Esqueceu de me contar alguma coisa, Amélia?"

Esfrego os olhos e abro o jornal que a vovó delicadamente jogou na minha cara. E com 'delicadamente' eu quero dizer 'bem no estilo de Clarisse Reinaldi'.

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* Gazeta Genoviana *

Herdeira do trono pode apressar sua coroação

Na tarde de ontem, 4 de julho, durante um evento beneficente, a princesa Amélia Reinaldi foi vista tendo mais um dos seus costumeiros efeitos da "secreta" gravidez. Apesar da tentativa de mascarar a novidade com o casamento com data marcada para próxima semana, Amélia põe tudo a perder.

Está claro que a cerimônia foi organizada às pressas exatamente para esconder esse fato. Estamos aqui com Ginevra Reinaldi, prima direta da princesa, a qual confirmou a suspeita:

'É por isso que ela anda tão instável e rabugenta. Só pode ser isso! E como somos muito amigas, tenho certeza de que serei a madrinha do bebê'

Na próxima página, temos em mãos a prova do acontecido. Da direita pra esquerda, John Paul Reynold - futuro rei de Genóvia - e Amélia Reinaldi, em frente à fonte municipal.

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Joguei o jornal com violência para longe de mim; encarei a vovó com meus olhos arregalados. Minha boca não conseguia emitir som algum. Foi a vibração do meu celular que finalmente desviou minha atenção:

Michael Moskovitz is calling

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