Inútil. Eu tinha sido inútil. Ela puxou o maldito gatilho enquanto eu apenas observava, numa tentativa falha de fazê-la desistir. Fiquei ali, encarando o corpo à minha frente, um berro travado na garganta fechada com tanta agonia.

O cabelo ruivo, claro, colando ao sangue em sua cabeça. O rastro de uma lágrima passava pelo seu rosto, começando no olho cinza, agora apagado, sem o brilho habitual. Ela costumava ser tão linda.

A arma tinha caído ao seu lado. O quarto já sujo de sangue ganhou uma nova mancha, que se espalhava pela parede e pelo chão atrás dela. Meus joelhos fraquejaram.

Não me importei com o sangue que já estava naquele lugar. O que me deixou enjoado foi o dela. Desviei meu olhar dela, tentando me levantar. Ela dissera algo sobre uma caixa. No quarto dela. 

Me forcei a ficar de pé e cambaleei até seu quarto. Estava impecável, como sempre. A cama arrumada, as roupas dobradas no guarda-roupa, os livros empilhados com todo cuidado no canto. Como a garota que se esforçava tanto tinha desistido daquele jeito? 

Me ajoelhei ao lado da cama antes de me deitar. Lá estava a caixa, de madeira, com entalhes delicados na tampa. Tinha um cadeado, mas a chave já estava nele. Apenas esperando para revelar o segredo. Abri.

Cartas. Estava repleto de cartas. Em cada uma tinha um nome. Alguns objetos estavam misturados às cartas, mas eram poucos. Peguei algumas das cartas e olhei os nomes.

Joan Cooper, Nicholas Cooper, Keane Hopkins, Michael Jehra, Carlotta Heath, Kramisha Morgan, e o meu. Derek MacQueen. Peguei o papel lentamente e o abri. Não olhei a outra, mas acho que tinha um nome com L.

Você me ajudou muito tempo, Derek. Mas sua força não foi suficiente.

Me perdoa, por favor...

Claire.

Como ela podia dizer que eu a ajudara se naquele momento ela se matou do mesmo jeito? Eu não consegui convencê-la. Parece até que eu nem tentei. E eu não tentei mesmo. Palavras eram fúteis contra uma arma de verdade. 

Passei novamente pelas cartas, checando os nomes. Os pais e colegas de escola.O meu nome não apareceu de novo. Nem entre os objetos, que estavam etiquetados.

Ao ver as etiquetas, fiquei chocado. Chocado não. Horrorizado. Ela já estava planejando tudo aquilo. Não sei quando começou, mas ela não teria tempo de ter escrito tantas cartas tão cuidadosamente em apenas algumas horas. Separar aqueles objetos e etiquetá-los. Não se a ideia já não estivesse lá antes. 

E os pais dela. Tinha cartas até para eles. Mesmo ela os odiando. E aquele sangue no outro quarto, seria deles? Tinha que ser. Não tinha rastro deles em lugar nenhum da casa. A ideia de que ela pudesse ter feito aquilo fez meu estômago embrulhar.

Peguei a caixa e coloquei na minha mochila. Minha carta eu dobrei e coloquei no bolso da calça jeans. A letra dela estava tão bonita, apesar da tristeza por trás das palavras.

Peguei o telefone da casa, ao lado do corpo dela e disquei o número da polícia, evitando olhar a garota estirada ao meu lado. A voz de uma moça atendeu do outro lado da linha.

— Como posso ajudá-lo, senhor?

— A casa 27, da Westfalia Street. Ela matou os pais e se matou. – Solucei e desliguei, sem esperar a reação da mulher.

Eu ainda não acreditava que ela tinha feito aquilo, mas não podia ficar ali, me torturando. Sai da casa, encostando a porta atrás de mim. Não sei porque, mas meus pés começaram a me levar pelo caminho da escola.

Talvez a maior parte dos donos das cartas estivessem lá. Paralisei enquanto atravessava a praça. A sirene de uma viatura policial me fez desviar o olhar.

Ela tinha amarrado os próprios pais, mortos, na praça. A mãe numa árvore, o pai em um poste. O que acontecera com Claire? Agarrei a alça da mochila e saí correndo, na direção da escola.

Tinha que acabar com isso, por ela. Por Claire.