POV Michael

Eu só tinha falado com Derek uma vez na minha vida, logo depois que Claire me contara da morte da sua gata. Eu o procurei depois que ela foi embora.

Foi a conversa mais estranha que eu já tinha tido. Ele ficou me olhando, desconfortável. Acho que a ideia de não ser o único amigo de Claire o incomodava um pouco.

– Posso falar com você? – Ele estava conversando com um grupo de amigos.

– Ah, claro. – Ele pediu licença ao grupo e se afastou comigo, até o lado oposto do pátio.

– Acho que você já sabe do gato de Claire, certo? – Ele concordou com a cabeça. – Eu tive uma ideia, mas vou precisar da sua ajuda. Acha que ela pode ter outra gata?

– Eu não sei. Se o pai dela fez o que ela diz, acho difícil, mas... – Ele sacudiu a cabeça, dando de ombros. – Por que?

– Perto de onde eu moro tem uma senhora doando uns filhotes de gatinho. Eu poderia pegar um pra ela, mas achei que talvez você gostaria de participar da ideia.

– Eu posso ir até essa senhora enquanto você a leva até minha casa. – Ele deu de ombros. – Ai ela vê se quer ou não o filhote.

– Uma das fêmeas. Eu te passo o endereço. – Peguei uma caneta e meu caderno dentro da mochila. Passei várias folhas escritas, parando em uma em especial.

Minha primeira carta pro meu pai. A que eu tinha certeza de que nunca seria lida, mas que eu insistia em escrever. Derek pareceu perceber meu olhar sobre a página, pois se mexeu. Pisquei, e virei a página.

Peguei uma folha e escrevi o endereço da senhora. Coloquei o nome da dona e o telefone dela também. O entreguei o papel, sério.

– Ligue pra ela se precisar de algo. – Ele concordou, lendo o endereço. – Pode pegar o ônibus da linha B se precisar.

– Tudo bem. – Ficamos em silêncio por alguns segundos, encarando o chão. – Até, então.

Murmurei um “até” em resposta e saí da escola, indo até o ponto de ônibus. Dois dias depois Derek tinha faltado a aula, indo buscar o filhote. A levei para a casa dele depois disso.

Respirei fundo e entrei na escola, procurando o garoto loiro da mecha rosa. Ele estava perto dos armários. Apertei a alça da mochila e caminhei em sua direção.

– Derek. – Ele se virou, quase me acertando com a mochila. Ele se desculpou com um gesto. – Ah, aquela carta de Claire, ela...

Travei. Era algo muito simples de se dizer, mas eu não conseguia. Ele me encarava, esperando a continuação. As palavras saíram exprimidas por minha garganta, apertada.

– Ela me pediu para te explicar, porque sua carta é tão curta. – Ele sequer piscou, me encarando. Engoli em seco. – Ela disse que não conseguiu. Que tentou, mas que ela não conseguiu.

Ele ficou em silêncio, encarando meu rosto sem vê-lo. A porta do seu armário bateu com o murro que ele deu no metal. Não consegui me mover.

– Valeu. – Ele se foi, passando por mim como uma brisa. Continuei olhando o ponto onde ele estivera apenas um segundo atrás.

De todas as reações que eu esperara, aquela foi a que mais me chocou. Ele pareceu até ter raiva de Claire. Ou de mim. O sinal bateu, me despertando. Meu primeiro horário era inglês.

Comecei a subir as escadas, indo para minha sala, mas desisti da ideia no meio do caminho. Dei meia volta e fui até o banheiro masculino, tirando o caderno e a caneta da mochila.

POV Claire

~Flashback On

Parei assim que vi para onde Michael estava indo. Ele se virou, alguns passos mais à frente, me esperando.

– Por que estamos indo até a casa de Derek? – Indiquei o portão, familiar, mas ele não respondeu.

Segui-o, sem entender nada. Ele tocou a campainha, apoiando um braço no muro e encarando o chão. O loiro, que faltara a escola naquele dia, colocou a cabeça pra fora.

– Podem se explicar? – Cruzei meus braços, alternando meu olhar entre Jehra e MacQueen.

– Temos um pequeno presente pra você. – Michael deu um sorriso, daquele jeito calmo dele.

– Pequeno mesmo. – Derek revirou os olhos e abriu o portão. – Entrem.

Entrei primeiro, procurando algum presente na sala de estar. Derek passou o braço sobre meu ombro, bloqueando todo meu campo de visão de um dos lados da sala.

– Se você não quiser... – Michael parou na minha frente com um cobertor nos braços. Me aproximei e encontrei um gatinho, de no máximo uns 3 meses.

– Oh, meu Deus. – Sorri e peguei o gatinho dentro do cobertor. Era uma gatinha. – Onde a conseguiram?

– Perto da casa de Jehra. Por isso faltei, a moça falou que só estaria em casa durante a manhã. O nome é Breeze.

– Que gracinha. Vocês são loucos. – Coloquei a felina no chão e dei um abraço nos dois. – Claro que vou querer. Meu pai não vai fazer nada com essa.

Dei uma risada, chamando a gatinha várias vezes, ouvindo um miado baixinho em resposta. Dei um sorriso.

~ Flashback Off

POV Derek

Fui até a biblioteca, tremendo. Eu sentia uma raiva incontrolável, só não sabia de quem. A bibliotecária me olhou de um jeito estranho, mas não disse nada. O que eu estava fazendo ali?

Fui para o canto mais afastado da biblioteca, correndo do olhar da funcionária. Naquele horário, eu era o único ali. Coloquei minha mochila em cima de uma das mesas e me sentei, encarando uma das estantes.

Ela não conseguiu? Era por isso? Dei uma risada sem graça, sentindo meus olhos arderem. Era uma justificativa tão imbecil, mas que ainda assim me fazia querer correr portão afora e me jogar na frente de um ônibus.

Suspirei, sem conseguir reagir de outro jeito. Peguei meu celular, simplesmente tentando encontrar alguma distração. Abri minhas mensagens, me arrependendo no instante seguinte.

A única conversa registrada era com Claire. Abri as mensagens, tremendo. Parei em uma que ela me enviara, de uma foto dela com Breeze, a gatinha que eu e Michael demos de presente pra ela.

Nunca soube o que acontecera com a gatinha. A vi algumas vezes depois que Claire a levou embora, mas naquele instante, não consegui pensar no destino da gata.

O iPhone caiu por cima da minha mochila quando meus dedos não conseguiram mais segurá-lo. Doía. Tudo que eu sentia era como se alguma coisa que estivesse me matando tivesse sido arrancada de mim, mas substituída por uma mais letal ainda.

A mecha rosa caiu por cima dos meus olhos, me fazendo chorar. Eu queria berrar, mas simplesmente não conseguia. Ergui o rosto, vendo Kramisha parada na minha frente, com um livro na mão. Ela não me olhou com pena, mas com compreensão.

Ela saiu, sem dizer uma palavra. Mordi minha língua, simplesmente tentando parar de chorar. Doeu, mas funcionou. Bem, ao menos parei de soluçar e de tremer.

Olhei as horas no celular, secando o rosto. Eu teria que esperar 40 minutos pelo próximo horário. Peguei meu fone no bolso e o liguei ao celular, ligando o player no aleatório.

Lana Del Rey. “Perfeito”pensei ironicamente. Nada melhor que Lana Del Rey para levantar o astral. Young and Beautiful ainda por cima. Sinceramente, o mundo conspirava contra mim.

Claire me mostrou aquela música um dia. Foi numa das tardes que ela parecia que quebraria a qualquer segundo. Naquelas tardes, eu temia perdê-la. Devia ter confiado mais naquele medo meu.

Will you still love me when I’m no longer young and beautiful?

Acho que ela realmente esperava uma resposta. Ela sempre seria linda pra mim. Jovem ou não, não me importava. Eu sempre imaginei em envelhecer ao lado dela, nem que fosse como vizinho.

Will you still love me when I got nothing but my aching soul?

E pensar que ela já estava nesse estado. Minha vontade de rir sumiu quando novas lágrimas cobriram meu rosto. Era daquele jeito que eu imaginava nossas vidas: Keane e Carlotta nos visitando sempre, Kramisha famosa com seus quadros, Lily fazendo alguma turnê com suas músicas, eu como vizinho de Claire, e ela casada com Michael.

Sacudi a cabeça de leve, sorrindo. A ideia de que Michael gostava dela nunca saiu da minha mente, mesmo que ela sempre tenha negado. Me levantei, pegando minha mochila e secando meu rosto.

“Se eu ainda te amaria, Claire?”pensei colocando o celular no bolso. “Do mesmo jeito de sempre.”

Deixei a biblioteca, caminhando calmamente até a porta da sala do próximo horário. De onde eu estava, podia ver Kramisha pela janela da sala. Sorri para ela.

Ela sorriu de volta antes de passar a encarar o quadro de um jeito vazio. Vi Michael saindo do banheiro masculino, guardando um caderno. Conhecendo-o, mesmo que pouco, sabia que não era nenhum dever. Dei um outro suspiro e fiquei o observando subir as escadas.

Talvez, algum dia, eu pudesse ser amigo dele. Mas não hoje. Hoje eu simplesmente me isolaria e sofreria em silêncio, como um verdadeiro emo. Claire teria rido. Eu provavelmente riria também.

Um dia para sofrer. Só isso.