As Aparências Enganam escrita por PriMedeia


Capítulo 2
Parte II




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Entrou em silêncio, sentindo o cheiro suave do incenso invadir-lhe os sentidos. Encontrou-o numa espécie de ante-sala, organizando alguns objetos e imagens de Buda sobre a estante.

- Levantou cedo, primo. Os amiguinhos sentiram sua falta.

- Estava esperando que viesse.

O virginiano sorriu ao virar-se na direção da garota, apontando-lhe o sofá. Luna retirou os óculos e seguiu na direção das imagens, analisando-as com os dedos.

- Hm. Você sempre sabe de tudo, não?

Shaka colocou a mão sobre o ombro da prima ao responder em tom de tranqüilidade:

- Se eu realmente soubesse tudo, não gastaria tanto tempo em meditação ou concentrações, Luna.

- Sei. – Correu os dedos por outra peça e a segurou, analisando-a de perto. Um Buda em posição de lótus, trabalhado em uma pedra esverdeada e translúcida que assemelhava-se a Jade, chamou-lhe atenção. – Sabe, haviam outros cavaleiros lá em cima hoje. Mas tinham um cosmo tão fracote que me fez pensar... Vocês dourados são uma espécie de elite, não? Essa coisa de “ouro” tem um quê de “nobre”, pelo que me pareceu. Ouvi uma das amazonas os chamarem até de “Santos”. Foi bastante esquisito.

Shaka afastou-se pensativo.

Então ela já encontrou aqueles dizeres...

- O conhecimento de certas técnicas nos diferencia vagamente, mas somos todos iguais para Athena. Aceita um chá?

- Chá? – Luna meneou a cabeça e riu-se, indignada. - Será que você não tem alguma coisa menos atrasada no tempo? Do tipo vinho... – encarou melhor o primo e repensou. - Capuccino?!

O loiro riu-se e seguiu em silêncio para a cozinha. Luna recolocou o objeto sobre o móvel, satisfeita com a resposta que recebera.

Guardado entre os nobres Santos... Então você sabe onde está, não é, Shaka?!

Sentou-se preguiçosamente no sofá e fechou os olhos por um momento. Respirou profundamente. Finalmente sentia alguma esperança de ter sucesso em sua missão. Ficou ali apreciando aquele silêncio por algum tempo ainda, esperando pelo retorno de seu anfitrião.

De repente, a imagem do enfermo Cesare lhe veio à mente, roubando-lhe a tranqüilidade momentânea e uma lágrima teimosa escorreu por seus olhos. Seria tarde demais? Enxugou-a rapidamente com as costas da mão.

Accidenti!”

Não há mais forma de se aquecer

Não há mais tempo de se esquentar

Com o rosto entre as mãos, despertou daquele torpor com o cheiro forte do café na bebida fumegante que Shaka lhe trazia.

- As coisas vão mal na Itália, não?

- Estás a ler meus pensamentos.

Shaka sentou-se em frente a ela, com uma xícara de chá em suas mãos. Engoliu parte da bebida e suspirou pausadamente.

- A inconstância de seu cosmo deixa o seu estado de espírito muito claro, nada mais.

Tomando também um gole de sua bebida quente, Luna inclinou-se e segurou a mão do primo.

- Precisa vir comigo, Shaka.

- Não posso mais me ligar a laços sangüíneos, Luna. Tenho obrigações a cumprir.

- Como meditar o tempo todo?! Olhar para as estrelas da sua constelação?! Fofocar com os outros douradinhos sobre o tempo?! Isso é ridículo, Shaka! Nosso tio-avô está morrendo!

- Ele encontrará o destino de todos nós, no fim da jornada, prestando contas de suas ações.

A mulher encostou-se novamente no móvel, respirando indignação.

- E ainda por cima o julga?! Que tipo de coisa você se tornou, hein? Uma ferramenta da tal deusa?!

- Não estou a julgar ninguém, Luna, e nem a você. Embora possamos concordar que somos bastante semelhantes.

A guerreira ficou séria. Ele sabia tocar em uma ferida com a habilidade de fazer soar casual e inofensivo. Sem falar naquele controle absoluto de seus atos, que sempre a irritava tanto.

- Está sendo injusto com tio Cesare.

- E você, com as estrelas, Luna.

A garota suspirou tristemente.

Não há mais nada pra se fazer,

Se não chorar sob o cobertor

Segundos depois, teve um sobressalto e procurou disfarçar, sorvendo sua xícara de capuccino.

“Centrada em uma estrela... Mas é óbvio! As constelações que os regem... Mas então...

- Hm. Shaka, não estamos chegando a lugar nenhum com esta discussão, então... Apenas pense sobre o que eu disse. – levantou-se depositando a xícara sobre uma mesinha. – Obrigada pelo capuccino. Scusi, mas eu preciso ir.

- Está certo. Depois nos falamos.

Saiu às pressas, escadarias acima, com a cabeça a mil. Ofegava de nervosismo pela descoberta. Chegara muito perto da resposta na conversa com o primo, como se ele quisesse que ela matasse a charada de uma vez. Mas não podia ser!

- Não é uma coisa. É uma pessoa! E provavelmente um dos dourados!

Sentiu um solavanco. Acabara de ser jogada contra uma pilastra por uma força externa. Olhou ao redor. Ninguém por perto. Tentou mover-se, fazendo uma careta de dor. Foi quando o viu aproximar-se com aquele olhar gélido.

- E então, eu devo parabenizá-la pelo quê?

Luna sorveu o ar, limpando o sangue que corria no canto de sua boca.

- Este é o tipo de tratamento que os cavaleiros dão a emissários enviados em tempos de paz?

Kâmus deu mais alguns passos para frente, ainda encarando-a.

- Não precisa perder seu tempo com este tipo de discurso. A quem você quer enganar, com esta história de tio doente?

- Meus assuntos particulares não lhe dizem respeito.

Tentou dar um passo à frente, quando o braço do cavaleiro pousou sobre a pilastra, acima de seus ombros.

- Oui, realmente nada tenho com seus problemas. Mas há algo mais, non?

Luna engoliu em seco. Seu coração estava na garganta e o ar lhe faltava. Mas aquela sensação não era medo, definitivamente.

- Sei Pazzo! E não precisa gastar esse seu idioma afeminado comigo. Desapareça da minha frente.

Tentou desvencilhar-se em vão. O francês a segurava pelo ombro e as respirações estavam cada vez mais próximas e arfantes.

- Diga de uma vez, qual foi a encomenda da Ártemis. Ou será que você ainda não sabe o que é?

- Achei que houvesse alguma diplomacia entre os tais “Santos de ouro”. Mas o que eu poderia esperar de um francese maledetto?!

- Hm. – Kâmus esboçou um sorriso que iluminou seu olhar. – Insistance.

Luna entreabriu a boca para responder impetuosa, mas estagnou. Estava próxima demais daqueles lábios atrevidos e perdeu o raciocínio. Sua mente e corpo estavam em desordem e sentiu o coração parar por um momento. O francês baixou o olhar para os lábios avermelhados da italiana. Sentindo a própria razão desordenar-se, não sabia exatamente o que o levava a fazer aquilo. Aproximou-se sorrateiramente como se estivesse sob efeito de hipnose e finalmente, tocou sua boca com urgência e desejo, pressionando os lábios contra os dela com intensidade suficiente para fazê-la ceder à invasão de sua língua, aprofundando o beijo. Kâmus apertava-lhe os ombros sobre a pilastra, quando a sentiu desfalecer sob sua força, entregando-se ao gesto com um gemido contido. Provou do sabor audacioso daquela mulher, sentindo a adrenalina correr por suas veias como uma descarga elétrica.

Um solavanco separou os dois de modo brusco. Luna empurrara o cavaleiro, procurando voltar a respirar normalmente. Não conseguia encará-lo. Aquela era a loucura mais absurda que já lhe tinha acontecido e estava completamente desnorteada.

- Perdonami...

Foi a única palavra que conseguiu pronunciar e ainda assim, em um sussurro quase inaudível. Seguiu as pressas para seus aposentos, temendo que ele ainda pudesse impedí-la de prosseguir.

Kâmus encostou a testa sobre a pilastra, retomando o fôlego e o raciocínio. Seguira a italiana para dar um ponto final naquela história e, no entanto, quem terminara em cheque-mate fôra ele.

- Merde!

O que acontecera para que chegassem naquele ponto, assim tão de repente? Que tipo de sentimento era aquele?

Após criticar tanto os demais companheiros, fôra ele quem perdera o controle, deixando-se levar pela beleza de Luna. Sentiu-se um completo idiota. Não podia ter deixado acontecer. Era uma atitude completamente inversa a de seu compromisso de proteger e vigiar.

Praguejou mentalmente, mas deteve-se por um momento. De súbito, deu-se conta da última frase da contestável visitante, o que o levou a fazer uma careta.

- Perdonami?!

Passou a mão pelos cabelos.

- Aquela arrogante me pediu... Desculpas?!

As aparências enganam,

Aos que gelam e aos que inflamam

- Maledizion! Que tipo de resposta foi aquela, Luna! Pedindo perdão a um stronzo!

Sentou-se na cama, ainda com o peito arfante. - Agora que estou tão perto, não posso... – tocou a própria boca com os dedos e fechou os olhos, sentindo ainda o sabor agradável dos lábios de Kâmus. –Francese maledetto!

Eram muitas informações de uma vez. Um primo que não a ouvia, o tio-avô doente, uma missão praticamente impossível e aquele francês em seu encalço agora agira abusivamente, confundindo-lhe ainda mais o raciocínio e os sentimentos.

Deitou-se na cama, cerrando os olhos com força. Precisava controlar-se e concentrar-se novamente nos enigmas que lera.

Guardada em segredo entre os nobres Santos, estaria centrada em uma estrela e proclamada pelo silêncio celestial.

Nobres Santos, eram os cavaleiros de ouro. A estrela central, um cavaleiro específico, que guardaria o documento, se é que ele existia. Estava praticamente certa de que não era um texto, mas uma pessoa, dotada de poder protetor, que centralizaria a tal Conjuração.

Mas quem dos doze estúpidos poderia ser?! A resposta deveria estar na última frase: “Proclamada pelo silêncio celestial ”.

Silêncio celestial, poderia referir-se ao segredo guardado pela estrela. Ou ainda, que a conjuração fosse realmente proclamada sem o uso de palavras. Mas como poderia, o silêncio, afastar o mal? Que estranha magia ou oração seria esta?

Uma oração silenciosa...

Se eu realmente soubesse tudo, não gastaria tanto tempo em meditação ou concentrações, Luna.”

Luna levantou-se bruscamente, com a mão sobre os lábios em sinal de espanto e horror.

- Shaka!

Teria sua deusa encomendado-lhe a morte de seu próprio primo?! Seria uma prova de fogo para testar sua lealdade?

Seus olhos foram tomados por um brilho lacrimoso que inundou-lhe a alma de total desespero.

- Deusa... Não podes ser tão cruel!

Andou de um lado para o outro sem parar, por horas a fio. Pensou e repensou diversas vezes. Tentou formular outras hipóteses, gerar novos suspeitos. Mas a imagem do primo era sempre a favorita, dando mais sentido aos enigmas lidos.

A sentença estava dada: era a vida dela, ou a de Shaka. Traição ou morte.

Tinha de tomar sua decisão e teria de ser em breve.

E se realmente fosse trair o cavaleiro, ainda havia um novo problema: Shaka era muito mais poderoso que ela e não seria nada fácil dar cabo de um dourado de Athena em seu próprio território.

Shaka não demonstrara em um único instante que ajudaria o tio, mas em seus modos recatados, ela via ainda alguns resquícios de carinho e sentimento que a deixavam mais confusa.

Entrou em um banho frio, para não ter um colapso nervoso. Não queria morrer, nem matar o próprio primo. Mas provavelmente morreria também, se o tentasse.

A água fria correu por seu corpo devagar, anestesiando-lhe aos poucos, todas as sensações. Precisava ser fria.

Trair Ártemis trazia um castigo terrível a sua alma, que seria eternamente perseguida. Parecia não ter outra saída se não cumprir suas ordens. Iria ao menos tentar cumprir a sua tarefa. Se morresse tentando, ao menos aliviaria sua aflição de algum modo.

Vestiu-se com seus trajes de amazona, calando as lágrimas que insistiam em cair sobre a face gelada. Prendeu seus cabelos com sua arma venenosa de outrora e guardou mais do veneno em um compartimento de seu anel. Era sua única chance de sucesso, evitando o derramamento de sangue que seria incapaz de iniciar.

Vestida assim e determinada em cumprir as ordens da deusa que servia a qualquer custo, passou o resto da tarde em silêncio, diante da porta. Anestesiada pelo seu ímpeto de humanidade e laços de sangüíneos que a acovardavam, não fez refeição alguma e não moveu um único músculo até o anoitecer. Mas era chegada sua hora...

- Shaka Kamadewa Fuyu. Perdonami.

Porque o fogo e o gelo

Se irmanam no outono das paixões

A escuridão tomava conta das belas construções gregas mais uma vez. O silêncio era cortado por uma ventania fúnebre, que parecia alertar sobre o que viria à seguir com um assovio forte. Luna descia as longas escadarias rumo a seu destino, sem preocupar-se em esconder o cosmo, evitando grandes suspeitas ou curiosos. Estava apenas indo falar com o primo. E pela última vez.

Entrou sem dizer palavra. Na mesma ante-sala, encontrou-o em sua concentração profunda. Com as mãos em atitude devocional, impostas sobre o peito emangeli mudra. Parecia distante de todas as coisas externas e superficiais, espalhando serenidade e calor ao ambiente. Luna não pretendia interrompê-lo, pois seria um pecado imperdoável.

Respirou fundo e fechou os olhos. Em um gesto extremamente veloz, retirou a madeira fina que prendia-lhe os cabelos e arremessou-a na direção da garganta do dourado.

- Namahte.

Abriu os olhos. Shaka abaixou a cabeça respeitosamente. A peça parara no ar, milímetros antes de atingir o alvo e ali permaneceu.

A amazona estava perplexa, mas nem de longe surpresa com a habilidade e percepção do cavaleiro de Virgem e apenas suspirou.

- Os reflexos de um dourado são ainda melhores do que imaginava.

O objeto de madeira tilintou sobre o chão de pedra e Shaka, que outrora flutuava, desceu ao chão.

- Sabe o que este cumprimento significa?

- Ganhei uma aula grátis de meditação, que ótimo.

Virou-se de costas irritada, procurando uma nova idéia nos aposentos dele.

- Que o divino em mim, saúda o divino que há em você.

- Muito poético. O divino em mim está muito interessado e com sede.

O cavaleiro levantou-se devagar com um meio sorriso, aproximando-se da moça.

- Todo o mudra carrega um significado especial. Para os indianos, a mão esquerda significa o seu destino, sua missão; já a direita, seu livre arbítrio. E no centro do peito, a alma, que diferentemente do espírito é a nossa parte desencarnada e conhecedora das outras vidas enquanto espírito.

- Shaka, isto está ficando maçante.

O rapaz pegou uma jarra sobre a mesa de centro, sorvendo dois copos com um líquido fresco.

- O que quero lhe contar, Luna, é que o angeli mudra significa entregar a sua missão e seu livre arbítrio para que sua alma escolha o caminho a seguir.

Luna engoliu em seco. Ele sabia de tudo.

- Muito gentil de sua parte compartilhar deste conhecimento filosófico.

- Por que tem tanta raiva?

Luna virou-se de frente com ele tentando parecer centrada.

- Por que você não se importa. O que lhe custa, uma minúscula parte de seu tempo para visitar um parente adoecido pela tristeza?

- Já lhe expliquei que não posso.

Pegou o copo da mesinha de centro e tomou um gole, enquanto circulava pelo local. Aproveitando estar de costas, abriu furtivamente o compartimento do anel com os dentes, despejando o fino pó que ali jazia sobre o chá frio que tinha em mãos.

- Você não quer!

Alterou a voz, furiosa e depositou novamente o copo sobre a mesa.

- Está sendo injusta, Luna.

- O único injusto aqui é você, Shaka!

- Tente se acalmar, discutir não trará a solução.

Antes que ele alcançasse a própria bebida, a mulher deteve-se para pegar o segundo copo da mesa e o sorveu, desta feita, sem largá-lo sobre o móvel.

- Por quê não pode?! Não faz sentido pra mim.

- De nada serviria ir ou não, você sabe melhor do que eu.

Shaka aproximou o copo dos lábios, pensativo, enquanto a prima virava-lhe as costas. Não seria capaz de encará-lo.

- Não faça isso!!!

Um grito rouco ecoou sobre o templo. Shaka estagnou sem demonstrar qualquer surpresa e vislumbrou o companheiro de Aquário, que rapidamente tomou-lhe o copo das mãos.

- Esta louca, está com sua morte sob encomenda, Shaka!

- Hm. Luna, acha mesmo que sou a Conjuração de Athena?

- Conjuração? Então é isto que procurava...

A amazona, ainda de costas, permanecia imóvel e sua voz saiu mecanicamente.

- E quem mais teria um poder de proteção? Uma oração silenciosa, que não a sua? Ártemis me pôs à prova. Perdonami,Shaka...

Com aquelas palavras, ambos compreenderam, pálidos, qual era a decisão da amazona, mesmo antes da louça cair ao chão desfazendo-se em estilhaços.

- Luna... O que foi que fez?! (Shaka)

Os corações cortam lenha e, depois, se preparam pra outro inverno

Mas o verão ainda vive e transpira ali

Foi como em câmera lenta, que a jovem amazona tombou para o lado sob os olhos dos dois. Ambos aproximaram-se em tempo de Kâmus sustentar-lhe a cabeça, enquanto Shaka segurava-lhe uma das mãos com pesar. Ela tinha os olhos vidrados e um filete de sangue escorria por sua boca. O peito arfante demonstrava sua crescente dificuldade em respirar.

- Stronzo... Não percebe que não pude... – Luna engasgou-se e fechou os olhos para retomar fôlego. – Italianos protegem a família a qualquer custo...

Estavam os dois sem saber o que fazer diante do que parecia ser o triste destino de Luna Charlote Fuyu. Kâmus afastou-lhe os cabelos dos olhos, esquecido de todas as desavenças. O gesto da amazona falava mais alto agora.

- Aquela deusa ameaçou-a. Tenha certeza, Shaka.

O dourado concordou, apertando a mão da prima com mais força.

Os demais acabavam de chegar à casa de Virgem, sentindo a confusão de cosmos, a tempo de vislumbrar a tragédia. Kâmus tinha lágrimas presas aos olhos e tremia de nervosismo, sentindo uma dor lascinante invadir-lhe o corpo todo e Shaka, igualmente sentido, perdia o controle do próprio cosmo.

- Namastê, Shaka...

Os olhos azuis fecharam-se fracos. Os cavaleiros, juntamente da deusa Athena, vislumbraram, assombrados, uma lágrima solitária rolar pela face do Indiano ao soltar a mão da mulher. Aquário desesperou-se, tentando fazê-la voltar com respiração boca à boca.

- Italien stupide!

Prosseguiu por mais algumas vezes, desacreditado do que testemunhava. Finalmente Luna tossiu e suspirou mais uma vez, abrindo os olhos por um instante.

- Francese maledetto...

As lágrimas caíram livres pelo rosto do cavaleiro de gelo enquanto ele tocava-lhe os lábios delineados e já pálidos, relembrando o sabor cálido de antes numa declaração silenciosa, que enfim a deixou partir.

O Cupido havia cumprido seu joguete, unindo aquelas duas raças inusitadamente, num misto de guerra e de paz. Mas também as Parcas tinham tecido o último desenho da vida de Luna, cortando-lhe o fio da vida sem pudor algum.

O silêncio e as lágrimas tomavam conta do templo grego. O perdão merecido. Com o tempo, aquela silenciosa oração, foi reconstruindo uma certa paz ao ambiente.

O enterro ficou repleto de corações solidários, cientes da indiscutível honra da amazona de Ártemis. Shaka e Kâmus não mais derramaram lágrimas, pois sabiam que a alma de Luna escolhera o que julgara correto. Ficava somente a saudade e aquela vontade imensa de poder ter feito mais por ela enquanto em vida.

Também foi em silêncio que todos concordaram que Shaka se ausentasse para uma breve visita à Itália, a tempo de despedir-se do tio-avô com o merecido perdão e gesto de amor, independente de laços sangüíneos ou divergência de crenças.

Mal sabia Luna, que teria seu fim honrado com a Conjuração de Athena e o perdão do primo que tanto buscara. Ao contrário do que concluíra, não era ele que centralizava a oração, mas um espírito igualmente tranqüilo e de poucas palavras, regido pela constelação de Áries. E o centro da Conjuração, a Parede de Kristal.

O que jamais Luna ou outro curioso qualquer poderia intuir, porém, era que não havia como destruir tal poder.

A verdadeira Conjuração de Athena era criada pela própria vontade, não só de um, mas de todos os nobres Santos de Athena - iguais em ideal e honra, - de manter a paz e a proteção à Ela e à todos os humanos. Um poder que jamais desapareceria enquanto houvesse um único protetor da deusa da Sabedoria que desejasse a paz. E o que o coração destes nobres corajosos produz, não se traduz em palavras. É proclamado pelo silêncio dos céus...

Nos corpos juntos na lareira, na reticente primavera

No insistente perfume de alguma coisa chamada amor


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Notas finais do capítulo

Snif... enxugando as lágrimas

Luna, amiga... Espero do fundo do meu coração que você não tenha mudado de idéia a respeito do presente! Até os últimos parágrafos eu ainda não sabia que a Luna iria morrer, eu juro! Minha alma é que não resiste a um fim trágico e heróico, cheio de poesias e corações partidos! Perdonami, scusi tutti!

Eu sou uma carrasca, mas uma carrasca com coração! Matei sua heroína, mas foi uma linda morte, não acha? XD

Por favor, não me jure de morte, é só uma versão dos fatos! Foi o final mais bonito que encontrei para tua italiana... Ficou bonito, vai confessa? XP

Abaixo, seguem minhas já famosas explicações:

Kawadewa: sobrenome que emprestei a Shaka, é o nome de uma divindade hindu, correspondente a Zeus.
Mudras: Os mudras são os gestos simbólicos que são associados aos buddhas. São muito utilizados na iconografia hindu e buddhista. Mudra, uma palavra com muitos significados, é caracterizada como gesto, posicionamento místico das mãos, como selo, ou também como símbolo. Estas posturas simbólicas dos dedos ou do corpo podem representar plasticamente determinados estados ou processos da consciência. Mas as posturas determinadas podem também, ao contrário, levar aos estados de consciência que simbolizam. Parece que os mudras originaram-se na dança indiana, que é considerada expressão da mais elevada religiosidade. Os mudras também estão fortemente presentes na yôga e na meditação.
Angeli mudra: Neste gesto, as mãos são mantidas perto do peito, em atitude devocional com a palmas e dedos aderidos. Exatamente como nós ocidentais prostramos as mãos para rezar.
Namastê: ou Namaskar em Hindi, do Sânscrito sandhi (pronuncia-se “shanti”), é uma saudação usada no sul asiático, da mesma forma como "olá" ou "adeus" são usados em português, mas com outro significado:
Em sânscrito, na reflete uma simples negação. Mam17; refere-se ao ego. Portanto, namam17; significa obediência, saudação reverencial, adoração ao seu eu interior, mas não ao seu ego. Te é o dativo do pronome pessoal tvam, "tu".
A tradução mais próxima de namahte, é "uma saudação reverencial ao seu eu interior", ou "o deus que há em mim saúda o deus que há em ti". Esta saudação é normalmente acompanhada por um gesto de reverência, com as palmas das mãos se tocando, na frente do peito.



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