Seeking Shelter escrita por MrsHepburn, loliveira


Capítulo 1
De Volta Ao Passado


Notas iniciais do capítulo

oi?



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Minha nova casa agora é um apartamento. Um meio meia boca, pequeno, mas que dá para Connor e eu nos virarmos, se a gente... não entrar nele ao mesmo tempo. Nunca.

-Tenta de novo. -Ele diz, carregando uma caixa de coisas da mudança, já dentro do lugar. Minha caixa, um pouco maior, ainda não passou pela porta minuscula e eu tenho que ficar achando poses ridículas pra conseguir passar com as caixas. Não é meu melhor momento. Eusolto uma expiração calmamente, antes de xingar Connor.

-Quanto você pagou por essa caixa de fósforo?

-Três mil, um ano. Agora cale essa boquinha e tenta de novo. -Abaixo meu corpo, flexionando minhas pernas e consigo espremer a caixa para dentro, jogando a mesma com força no chão, deixando claro para meu irmão mais velho que eu estou muito decepcionada com as suas escolhas.

Esse é o olhar que estou dando desde que voltamos para a cidade, e antes mesmo: desde que ele disse que voltaríamos. E, tudo bem, ele já viu tanto esse olhar que deve estar imune, mas o uso como se fosse letal. Vou pro que agora é meu quarto. Maior que a sala, o corredor e todo o resto, então esse é um quesito na qual não posso levantar um dedo contra. Ele está vazio, e é como uma onda me atingindo. E tem aquela voz, a voz que eu tenho escutado bastante nos últimos tempos, a voz familiar... e irreconhecível.

Você voltou pra casa.

Eu voltei pra minha antiga cidade. Minha casa, porém, é outra história. Minha casa, querida voz, morreu. Que nem minha família. E a antiga Carter. Pensar na última frase é o que me impede de me afundar na saudade e arrependimento -junto com a culpa. Eu estou feliz que a antiga Carter morreu, apenas queria que ela tivesse sido exumada um pouco mais cedo, antes de foder com tudo.

As paredes são insuportavelmente brancas e eu quero gritar só de olhar para elas.

-Connor?

-Oi? -Ele grita de volta, de algum lugar.

-Podemos comprar tinta? Logo?

-Que cor? -Penso um pouco.

-Azul. Mas não azul-feio. Um azul... bonito.

-Eu te levo lá e você escolhe seu azul bonito.

-Obrigada. -Ele não responde, então saio do quarto para pegar minhas caixas, me sentindo entorpecida como sempre. Essa é minha vida agora. Ou pelo menos, o que se resume dela. Um apartamento minusculo, na antiga cidade onde até meus quinze anos, vivi. Poderia dizer que foram lembranças lindas que assombram minha mente, mas para ser sincera, a única lembrança daqui foi da penúltima noite em que passei na cidade, a noite do acidente. E, o mais engraçado, é que minha memória bêbada é muito mais realista que tudo o que tentaram arrancar da minha cabeça em seguida. A última noite, foi um pouco melhor e mais dolorosa.

A ideia de que meus pais haviam sofrido um acidente já havia entrado na minha mente, assim como a ideia de que meu irmão de quatro anos estava junto e todos tiveram o mesmo destino: um caixão. A ideia de que eu fui a única a sobreviver o acidente já havia entrado na minha cabeça. A ideia de que agora, só restava eu e Connor para contarmos história também já estava sendo guardada na minha mente. A ideia de que eu era a culpada de tudo, que se eu não estivesse bêbada demais, não precisaria ter ligado para meus pais virem me buscar, não precisaria ter ouvido suas últimas palavras "Você nos decepcionou, mocinha" e não precisaria obrigá-los a me pegar naquele clube horrível, nem dirigir na estrada movimentada, nem ficarem distraídos com o choro de Chaz, nem olharem para trás nem morrerem.

Mas aconteceu. E por causa disso e de tudo que aconteceu nos dois anos seguintes, aqui estou. No mesmo lugar onde tudo começou, uma pessoa diferente.

Meu nome é Catherine. Mas eu realmente gosto de Carter, porque era como Chaz costumava me chamar, já que ele não conseguia falar direito. Eu queria muito suportar ser chamada de Catherine, já que no momento, não aguento ninguém além do meu irmão me chamando de Carter, mas ambos doem e Carter é o mais curto e mais rápido, o que significa que as pessoas vão parar de falar mais rápido e eu não quero conversar com ninguém daqui, nunca.

Sento na cama.

Connor aparece na porta.

-Ei, mana, Ashley perguntou se eu queria comer cupcakes, porque queremos celebrar nossa volta. Você topa? -Ashley é a razão secreta para termos voltado para cá. Antes do acidente e da nossa ida, ela era namorada de Connor, no ensino médio. Quando fomos embora, pelo bem da minha sanidade, descobri que eles vinham conversando e nunca pararam o relacionamento. Connor viajava de vez em quanto para vê-la, mas acho que o relacionamento deles está um passo adiante, e facilitaria se voltássemos pra cá e eles pudessem viver felizes para sempre.

-Tenho escolha? -Digo, porque ele iria me obrigar a ir do mesmo jeito. Mas também, não confio em mim mesma sozinha. A tortura mental que eu faria.

-Não.

-Então, já vai. Vou me trocar. -Ele analisa minhas roupas. Calça jeans, regata pintada com tinta spray preta. Chuck Taylors.

-O que tem de errado com as suas roupas? -Essas roupas pertencem a antiga Carter. Que usava calça colada e top. Sem mencionar salto alto.

Mando meu irmão embora e troco minhas roupas por moletons e tênis, depois prendo meu cabelo -agora natural, cacheado e para todos os lados -diferente de como era quando eu tinha dezesseis anos (eu alisava ele) e olho no espelho. Minha visão agora é de Carter Hallaway (domesticada), não de Carter Hallaway (vaca 24 horas) como antes era. E eu sinto uma faca no meu estômago reagindo a dor que meu coração sente, porque parte dele gostaria de voltar a ser Carter Hallaway, vaca vinte e quatro horas, apenas para ter sua família de volta brigando por ela beber e ficar fora até tarde. Mas como virar uma vadia não vai trazer minha família de volta, pelo menos posso homenageá-los me tornando a filha que eles queriam que eu fosse.

-Tá pronta? -Connor aparece na porta, vestindo um casaco grosso. Estamos em fevereiro, e parece dezembro de tão frio.

-Sim. -Pego o que resta da minha força emocional e saio do apartamento depois de Connor, já que nós já ficamos entalados umas três vezes tentando sair pela mesma porta na mesma hora.

Ainda não temos um carro, então temos que andar até a doceria do Ted, que era onde costumávamos ir sempre que eu terminava alguma competição regional ou estadual de canto. Passamos pelo Teatro Heath, onde minha última apresentação com o clube de música da escola aconteceu e minha garganta fecha.

-Está tudo bem? -Decido contar a verdade para meu irmão, porque ele é o único que me escuta.

-Quero sair daqui. -Continuamos a andar, sérios, e ele não olha para mim.

-Não podemos mais. Já assinei contratos e...

-Você pode ficar, eu não quero. -Dou de ombros, fazendo parecer que sair daqui não é grande coisa. Mas ultimamente, desde que soube que voltaríamos, sair daqui é a única coisa que pode fazer o aperto constante do meu coração acabar, e só estamos aqui há três dias.

-Você não entende, Carter. Eu já paguei o apartamento, te matriculei na escola e no curso de preparação pro SAT. Tenho um emprego aqui. Não podemos fugir desse lugar pra sempre.

-Eu sei... -Tudo que ele falou aumenta meu horror. Principalmente voltar para a escola. Faltam apenas quatro meses para os SATs, e para eu me formar, mas preferia ter um professor particular a ver de perto todas as pessoas que um dia pude chamar de amigos e perceber como todas estão melhores sem mim.

Isso parece um teste. Daqueles onde botam um bêbado na frente de um copo de cerveja e observam para ver sua reação. No meu caso, eles me botaram de volta onde eu era a garota ferrada para ver se eu vou voltar a ser a garota ferrada.

Mas eu não vou. Nunca. -Não posso... estudar em casa?

-Não. A escola deu um grande, enorme desconto para você.

-Por que?

-Eles vão conversar contigo quando sua aula começar. Agora, estamos quase chegando. Consegue ficar feliz pela Ashley?

Nada consegue me deixar feliz nos últimos anos, mas claro. Boto um sorriso no rosto e digo para Connor:

-Estoutãofeliz por você estar aqui! -Ele revira os olhos, abrindo a porta da doceria e encontrando Ashley, a loira magricela e, é claro, linda com quem namora há cinco anos.

-Diminui o sorriso, porque não estamos em uma propaganda de pasta de dente. -Rio. -Mas mantenha a felicidade. Ela vai ficar triste se te ver triste. -Porque Ashley é legal desse jeito. Chegamos na mesa dela e eles se beijam, depois uma Ashley corada arruma o cabelo e a compostura e me dá um abraço forte, causando espasmos internos, já que ninguém me abraça exceto meu irmão, há muito tempo.

-Carter. Você não fazideiade como estou feliz por você estar aqui.

-Como você está, Ashley? -Ela pisca, como se estivesse surpresa por ouvir minha voz, mas sorri.

-Ótima. Temos muita coisa pra botar em dia! E eu vou te ajudar com as coisas da escola, já que trabalho no programa de tutores de lá. -Ashley, assim como meu irmão, se formou há dois anos. Nenhum deles até agora foi para faculdade, mas entendo os motivos de Connor: ele estava com nosso tio, perto da clínica onde eu passava a semana, trabalhando para conseguir dinheiro e fazendo tratamento terapeuta, assim como eu, porque fomos obrigados pelo juiz e pelo nosso tio a tratarmos do luto e da perda, e consequentemente dos outros problemas emocionais que o acidente acarretou. Quando meu tratamento acabou, e o dele também, Connor conseguiu minha guarda legal, então foi aí que decidiu voltar para a cidade, e acho que só agora está começando a pensar em faculdade, embora nós não tenhamos muito dinheiro. Os motivos de Ashley são desconhecidos para mim.

-Que bom. Muito obrigada, Ashley. -Ela olha para meu irmão, orgulhosa de ter estabelecido um relacionamento amigável comigo de novo. Sentamos na mesa, e pedimos cupcakes. Peço o red velvet, meu preferido e Connor pede o de amendoim. Ashley está comendo sorvete... em fevereiro. Eles conversam aquelas coisas que um casal geralmente conversa, família, amigos em comum, eventos, etc e eu fico quieta, no lugar, comendo e olhando pela janela. Espero para ver se consigo reconhecer alguém, mas não consigo. Apenas o lugar que é dolorosamente familiar. Do outro lado da rua, o parque onde comemoramos o quarto aniversário de Chaz está exatamente do mesmo jeito e esse é o problema. Estátudodo mesmo jeito. Exatamente como antes. E não sei o que dói mais: que tudo aqui esteja a mesma coisa, ou que eu tenha mudado completamente.


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