Cowboy Bebop - Depois Do Folk Blues escrita por Jensen


Capítulo 1
Session 27 - Disco Inferno




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– Bang!

Com uma onomatopeia e uma arma improvisada com o indicador, Spike acabava de terminar a história dos seus problemas, mas, não era um ponto final, apenas uma exclamação. Sua última batalha com Vicious arrancou dele partes importantes de quem ele considerava ser. Júlia estava morta. Vicious estava morto. Spike estava morto por dentro e ferido o suficiente para morrer de verdade, então era isso, a resposta que ele estava procurando, ele estava vivo de verdade até entrar no prédio do Sindicato, depois começou a morrer a cada disparo de sua pistola. Lá embaixo, esperando no final da escadaria estavam os membros remanescentes do Clã, espantados e aparentemente em choque. Spike achava isso engraçado.

Enquanto caia sem forças, lembrou-se de quando conheceu Vicious, era o ano de 2060, os dois estavam estudando na mesma escola em Marte. Spike era o típico garoto problema, mas nessa época ainda mantinha um cabelo mais curto do que o atual, Vicious, por outro lado, não era do tipo que gostava de arranjar confusão, sempre calmo, com os longos cabelos acinzentados caindo por sobre os olhos, sabia impor respeito com o olhar. Spike não foi muito com a cara dele num primeiro momento.

– Você aí, Vicious!

– Quê?

– Vou acabar com a tua raça.

Ele partiu pra cima do outro rapaz enquanto todos os outros observavam o clássico Spike tentando se afirmar sobre os outros, até então ele era imbatível... Até então. Vicious parecia não entender o motivo de um ataque tão repentino, mas, demonstrou uma feroz habilidade enquanto desviava e devolvia os golpes do rival, Spike sorria cada vez que perdia a coordenação e tomava um soco, parecia estar gostando do desafio. Era uma pena que o bedel da escola não compartilhasse da mesma opinião, mandou os dois para a diretoria.

– Muito bem, o que aconteceu?

– Estávamos brincando, só isso, não é mesmo, Spike?

– É... – Spike foi pego de surpresa pela atitude de Vicious, ele não tinha motivos para assumir a culpa em nada do ocorrido. Estranhamente ele passou a sentir confiança no rapaz sentado ao seu lado, talvez não fosse tão ruim assim tentar fazer um amigo para variar. Afinal, nem no prédio onde ele morava com a tia, na periferia da cidade, ele conseguiu fazer algum amigo.

– Os dois para a detenção!

Após a detenção, caminharam juntos até o ponto de ônibus, conversando sobre a encrenca em que se meteram, Vicious parecia não se importar com todo o problema ocasionado por Spike e seu temperamento, estava mais preocupado com o ônibus que começava a dobrar a esquina. Tiveram que correr para alcançar, embora Spike estivesse esperando outro ônibus aparecer.

– EI, VICIOUS!

– DIZ!

– OBRIGADO POR ME AJUDAR HOJE...

– NÃO FOI NADA, AMIGO...

Amigo... Nunca fora chamado assim. Spike nunca conheceu o pai, a mãe era alcoólatra e batia no menino aparentemente sem motivos. Foi assim até os treze anos de idade, quando sua mãe foi internada num hospital psiquiátrico e ele foi viver com a tia, do outro lado da cidade. Se era difícil com a mãe que batia nele o tempo todo, não deveria ser mais fácil com a tia que parecia não notar a sua presença. Mas, agora ele tinha feito um amigo.

No momento em que seu corpo sentiu os degraus da escada, ele pode perceber que não estava mais sangrando tanto, não sabia se era um bom sinal, mas, com certeza não deveria ser tão ruim assim. A morte, sua companheira de longa data, parecia estar rondando o seu corpo. Não era a morte, eram os membros do Sindicato, preocupados e curiosos, alguns começaram a checar o pulso, outros ligaram para seus contatos nos verdadeiros centros médicos clandestinos que existiam aqui e ali por todo o sistema solar, o mundo do crime organizado era bem amparado, afinal. E enquanto alguns faziam perguntas para saber se ele ainda estava consciente, ele se recordava de como entrou na vida de crimes.

Era 2062, Spike e Vicious estavam ambos com dezoito anos e desde que se conheceram eram imbatíveis nas ruas, praticando furtos, assaltos, apostas em becos. Tudo o que fosse preciso para conseguir um pouco de dinheiro, mas, os lucros não eram suficientes para ter a vida que eles desejavam e confidenciavam um para o outro, eles queriam ser como os grandes, ter dinheiro, poder e respeito. Não era pedir de mais. Foi quando Vicious apareceu com uma ideia que parecia perfeita, vender uma pequena quantidade de colírio, Bloody Eye, numa boate do centro da cidade, suficiente para conseguir um bom dinheiro e investir sempre em mais e mais.

– Ok, vamos fazer isso!

– Tenho certeza de que conseguiremos vender tudo.

Dentro da discoteca, tudo parecia perfeito, compradores satisfeitos iam e voltavam do banheiro, a pista estava em chamas enquanto alguma música agitava a todos. Os dois sorriam um para o outro, até que dois homens de terno os levaram gentilmente, na falta de um melhor sarcasmo, para os fundos da festa. Ali no beco, os dois buscavam desesperadamente uma rota de fuga, mas os dois cavalheiros de terno tinham armas e eles certamente não tinham para onde ir... Era isso, iriam acabar mortos dentro de uma grande lata de lixo e no outro dia o lixeiro passaria para recolher, ninguém daria por falta dos dois rapazes que tentaram subir na vida por meios ilegais... Nada de novo aí.

– Vocês acham que podem vender aqui, seus merdas? Pra quem vocês trabalham?

– Pra ninguém!

– Esse território pertence ao Sindicato dos Dragões Vermelhos, sabiam? E é por isso que vocês vão morrer agora mesmo.

Com o canto do olho, Spike notou que um terceiro homem havia se juntado ao grupo, seu terno era branco e ele tinha um lenço vermelho bem dobrado saindo pelo bolso esquerdo... Certamente era o chefe. Mas ele não tinha tempo para olhar, estava ocupado de mais encarando os olhos do homem que pressionava uma arma contra a sua testa... Do seu lado, Vicious mantinha a mesma calma de sempre, parecia apreciar a ideia de morrer ali.

– Esperem!

– Mas, senhor, nós pegamos esses dois vendendo no território, as regras dizem que...

– Mandei esperar, não foi?

– F-f-foi.

– Qual é o seu nome, filho?

– Vicious.

– E o seu?

– Spike Spiegel, quem quer saber?

– Meu nome é Mao Yenrai... Quantos anos vocês tem?

– Dezoito.

– Se importam de dar um passeio pela cidade comigo?

Os dois se levantaram e sacudiram a poeira das roupas, seguiram o homem sem dizer palavra, por dentro estavam aliviados, mas por fora estavam desconfiados. Entraram no carro e o motorista começou a dirigir tranquilamente pelo tráfego quase nulo da madrugada. Mao os observava com curiosidade, parecia se divertir com a calma de Vicious e o olhar de fera acuada de Spike.

– Então, rapazes, vocês não trabalham para ninguém e resolveram fazer alguma grana vendendo drogas na minha boate. Vocês tem que ser muito burros ou ter muita coragem para fazer isso... Ou os dois, já dizia o meu pai, que burrice e coragem caminham juntas o tempo inteiro... Já ouviram falar nos Sindicatos do crime?

– Já, mas nunca soubemos como fazer para entrar, apenas ficamos maravilhados com todo o poder que os sindicalistas parecem ter.

– Não apenas parecem, mas tem... Vocês já devem saber que essa vida envolve muitos perigos e riscos.

– É, nós podemos imaginar.

– Imaginar é uma coisa, rapaz, outra coisa é vivenciar... Eu já estou nessa vida a mais tempo do que posso recordar, já perdi muitos amigos, já fiz muita gente perder amigos... Essa é a vida que eu escolhi e eu devo dizer a vocês, se querem fazer negócios por aqui, devem se filiar a algum sindicato, não existe a posição em cima do muro, não existe um muro aqui... E vocês podem escolher entre sair agora e nunca mais fazer nenhuma atividade ilegal, principalmente envolvendo a venda de drogas, ou, aceitar um trabalho no sindicato sob meu comando direto.

– Por mim tudo bem, não tenho nada a perder.

– Por mim também.

– Vocês podem perder as suas vidas.

– Que vidas? Eu moro com a minha tia e ela faz de conta que eu nem existo... Vicious vive com os pais mas eles raramente estão em casa. Isso não é vida.

– E como você se sente sobre tirar uma vida, Spike?

– Bem, é ele ou eu, né?

– Não é bem assim, você pode ser mandado para matar alguém que está ajoelhado aos seus pés, quase como os rapazes iam matar vocês ainda há pouco.

– Já disse, estou dentro.

– E você, Vicious?

– Vidas humanas, vidas de outros animais, qual a diferença? Um homem deve fazer o que ele se propõe a fazer... Essa é a vida que eu quero escolher.

Passaram um bom tempo trabalhando sem estar realmente associados ao Sindicato, ganharam pistolas e o direito de vender numa determinada área do subúrbio, Mao lhes disse para nunca vender perto de onde moravam, trazia um carma ruim, além de deixar os negócios suscetíveis a descobertas da polícia, coisa que eles realmente não iriam querer.

Estando à beira da morte, Spike podia ouvir as sirenes da polícia se aproximando do prédio destruído que ele deixara pra trás, podia sentir os solavancos do carro que ia apressado ganhando as ruas, não conseguiram um médico do submundo, ele seria largado na porta de um hospital e pouco depois alguém viria em seu auxílio. Ele achava interessante o fato de que mesmo tendo matado metade dos homens, os outros ainda o ajudassem. Talvez na esperança de que ele se recuperasse e assumisse o controle da organização, certamente Shin não deveria ser o único desejando o seu retorno.

Foi apenas no ano seguinte, 2063, que eles foram convidados a se juntar ao Sindicato como verdadeiros membros, nunca tiveram que disparar suas armas contra ninguém, nunca se envolveram em problemas, mas Mao tinha confiança nos dois, em especial em Spike, que certamente era o seu favorito, embora Vicious parecesse não se importar. Um contrato foi redigido e entre outras coisas, determinava que um membro que falhasse em sua missão ou tentasse deixar o Sindicato, seria punido com a morte... Para assinar um contrato desse tipo, era preciso cortar o dedão e depois colocar contra a folha, deixando uma digital de sangue. Eles agora pertenciam ao grupo e deveriam fazer de tudo para cumprir com todas as regras.

– Rapazes, embora normalmente seja feita uma festa depois desse momento, eu preciso que vocês resolvam um assunto pra mim antes.

– Que tipo de assunto?

– Preciso que vocês façam alguém desaparecer.

Albert Greaves era um homem de trinta e cinco anos, membro do Sindicato da Serpente Azul, ele comandava um bairro da cidade até a noite em que Vicious e Spike entraram em seu apartamento sorrateiramente, enganando a segurança. De arma silenciada em punho, Spike ordenou que o homem de roupão se ajoelhasse, encostou o silenciador tranquilamente entre seus olhos e hesitou por um instante.

– O senhor Mao Yenrai quer que você saiba que são apenas negócios. – Disse o outro rapaz pouco antes da pistola cuspir uma bala fatal. Como num passe de mágica, tudo ficou branco e silencioso para Albert, que logo estaria numa piscina do seu próprio sangue.

– Sabe, Vicious, estou um pouco preocupado.

– Com o fato de ter matado um homem?

– Com o fato de ter gostado.


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