Kitao abriu seus olhos lentamente. O coração batia normalmente, a respiração leve como sempre. Não sentia seus braços pesados e toda a ardência, inclusive a do rosto, havia desaparecido. Respirou fundo por alguns segundos e tomou coragem: levantou seu braço direito. A manga da jaqueta deslizou até próximo do cotovelo. Não havia sinal de furo, sangue ou qualquer outra coisa anormal. O garoto se sentou, passou a mão no rosto e não sentiu nada de diferente.

Quase que imóvel, permaneceu ali, observando o chão entre seus pés e se lembrando de cada minuto de seu “sonho”. Teria mesmo sido um sonho? Mas e seus colegas? Tiveram o mesmo sonho? O celular vibrou no bolso dentro da jaqueta.

19:17 – Lyra Sueko

Nao foi... Um sonho...

Nao eh?

Aquilo era o que ele precisava para ter certeza. Não tinha sido um sonho. De fato eles viveram todo aquele tormento, mas não de corpo e alma. Talvez pudesse dizer que foi apenas com a alma, com a mente. Kitao procurava respostas, procurava justificar e explicar para si mesmo que é que havia acontecido. Ele queria mandar uma mensagem que dissesse “Sonho? Do que você esta falando?”, ou então “Lyra acho que você ainda esta dormindo hahaha”, ou ainda “Sonhou que agente estava se beijando, minha linda?”. O único problema é que ele sabia perfeitamente o que ela queria dizer. Não respondeu a mensagem. Não era necessário. Seu silencio seria resposta suficiente.

As imagens da luta passavam em sua cabeça como em um filme. Memórias frescas e detalhadas de uma batalha feroz e, diga-se de passagem, dolorida. Kitao cruzou os braços sobre o peito e os esfregou. Quase podia sentir o tecido colado na pele roçando de um lado para o outro.

Kitao soltou seus braços e se levantou. À sua frente, quase na altura dos joelhos, sobre uma mesinha de madeira, repousavam alguns jornais e revistas de fofocas e novelas. Kitao fechou seus olhos. Estava dentro da sala ovalada outra vez. À frente o corpo do felino monstro moribundo. O cheiro do lugar estava diferente. Tinha um cheiro mais acre, mais forte, como se o corpo do gato estivesse ali por horas a fio. Percebeu que a cor do lugar também estava diferente. Todo o branco havia sido trocado por um rosa bem claro, como se tivessem tentado passar uma demão de tinta rubra diluída em água. Todo o ambiente remetia a uma sensação de morte e sangue. O odor não era desagradável, mas era forte o suficiente para que o garoto ficasse tonto. A sala toda começou a girar. Kitao abriu os olhos e estava novamente em sua sala, com sua mesinha de revistas à frente.

O celular vibrou mais uma vez dentro da jaqueta.

19:20– The Story Teller

Courtesy Call.

Esta mensagem é apenas um convite, um lembrete formal. O verdadeiro jogo começa hoje a noite as 22:00. Comunique-se com sua equipe. Estejam preparados mental e psicologicamente. À critério de observação, uma sala no ‘2 i ce’ foi criada com senha, com o nome de “O Mundo de Psyquê”.

Psique tornou-se deusa. E você? Qual seu destino?

Kitao fechou o celular e o jogou no sofá. Suas pernas tremiam. Respirar parecia difícil. Sentou-se, mas em instantes já estava acomodadamente deitado. Não demorou para que adormecesse.

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