90 Dias escrita por Gaby Molina


Capítulo 3
Capítulo 3 - Angie e Tori




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Angie

And I'm never ready

'Cause I know, I know, I know

That time won't let me

Show what I want to show.

— Slow and Steady, Of Monsters and Men

[Observem a minha cara de quem liga se é minha vez ou não, me deem essa coisa] Olá. Angie voltou. Brilho voltou. Alegria voltou.

Eu estava sentada nos bancos que havia no gramado na frente da escola, segurando o telefone enquanto pensava em quem mais eu conhecia que não estava há mais de 450km de distância quando alguém sentou-se ao meu lado.

— Você é uma péssima mentirosa, novata — Jem abriu um pequeno sorriso presunçoso.

— Ah, é?

— É. Você não confundiu os horários. Não foi por isso que se atrasou.

— E o que te dá tanta certeza, Sherlock?

— Você ficava olhando para a direita quando fazia pausas. Quando as pessoas estão recorrendo à memória, olham para a esquerda. Mentirosos olham para a direita.

Franzi o cenho.

— Estou um pouco impressionada. Pai advogado?

Ele fez que não com a cabeça.

— Apenas assisto muitos seriados policiais.

— Impressionante — zombei. — Se quer mesmo saber, meu pai me ligou. Teve que correr para uma reportagem. Acha que pode ser sua decolagem aqui em Phoenix. Sabe como são jornalistas.

— É uma reportagem sobre o quê?

— Roubo de supermercado, acidente de carro, cirurgião plástico que coloca silicone de graça nos menos afortunados... — dei de ombros. — Algo assim.

— Quer uma carona?

— Estou bem, obrigada.

— É sério, você tem algum jeito de voltar para casa? Ao menos sabe como chegar lá?

Não respondi. O que, claro, se tornou uma resposta.

— É isso. Vou te dar uma carona.

— Jem, eu disse que não.

— Qual é — ele se levantou, sorrindo. — É só uma carona. Quais são as chances de você conhecer um cara tão legal quanto eu no primeiro dia de aula?

— Não são tão pequenas quanto você pensa.

— E quanto às chances de conhecer um cara tão legal quanto eu — ele balançou as chaves. — que por acaso tem um carro?

— Aposto que papai e mamãe te deram de aniversário.

— Na verdade, eu paguei cada centavo. Trabalhando. Starbucks, passeei com cachorros, trabalhei como tutor de crianças e... — a voz dele falhou. — Bem, eu não saio contando a outra parte para todo mundo.

— Ai, meu Deus. Você trabalhou como stripper ou algo do tipo?

Jem riu.

— A simples ideia de que essa foi a primeira coisa que veio à sua mente é inspiradora. Respondendo à pergunta: não, não trabalhei como stripper. Nem nada do tipo. Nem nada ilegal, obrigado.

— Blé — torci o nariz. — E então, o garoto certinho vai me dar uma carona ou não?

* * *

Se por acaso você estiver se perguntando, a resposta foi sim. Então eu logo estava no banco do passageiro da picape preta de Jem.

O carro só pegou na terceira tentativa, mas ele era cheiroso, pelo menos.

O carro. [Jem, cale a boca, a não ser que você queira que eu a arranque de você].

Enfim. O rádio ligou automaticamente e começou a tocar uma coisa que me surpreendeu muito.

Taking over this town, they should worry,

But these problem aside I think I taught you well.

— Foi mal, o CD já estava... — Jem começou, mas parou quando percebeu que eu estava cantando junto.

That we won't run, and we won't run, and we won't run...

Ele ergueu uma sobrancelha, mas me acompanhou no refrão.

Howling ghost they reappear in mountains that are stacked with fear... But you're a king and I'm a lionheart. A lionheart.

— Quem diria! — ele sorriu, sem desviar os olhos da rua. Ok, sem desviar muito os olhos da rua [Não, Jem, eu não sou convencida. Você estava olhando mesmo].

— Of Monsters and Men é... Uou — suspirei.

— Eu sei, certo? Afinal... Onde você mora?

— Eu... Hum... Você tem um telefone aí?

— No porta-luvas.

Peguei o celular de Jem e disquei um número.

— Oi, pai. Uma perguntinha básica: Onde a gente mora? Tipo... Alguma referência, sei lá. — fitei Jem. — Ele está perguntando onde a gente está.

— Em frente à Anitta's Bakery.

Repeti a informação.

— Moramos na Lake Street, 428.

— Sei onde é.

— Sério?

Quem está aí com você? — perguntou meu pai.

— Eu não estou te perguntando com quem você está fazendo a reportagem, então você também não pode perguntar isso.

Eu posso te dizer, se você quiser.

— Eu não quero. Vou ficar bancando a adolescente revoltada e não responder, ok? Amo você. Tchau — e desliguei.

Jem ergueu uma sobrancelha para mim.

— Por que não disse que estava comigo?

— Você quer ter suas tripas devoradas por lobos? Olhos na avenida, James.

— Você é inacreditável.

— Eu tento. Essa é a segunda vez que você me diz isso hoje.

— Você está contando?

— Gosto de contar coisas.

— É mesmo?

— É ali — apontei para um sobrado branco com um pequeno jardim. Ele parou o carro em frente.

Quando tentei abrir a porta, percebi que estava trancada.

— Se você puder abrir, eu agradeceria.

— Com uma condição.

Suspirei, encarando-o.

— Você não está falando sério.

— Seríssimo. Qual o seu nome?

Essa é a condição?

— Exatamente.

Bati as costas no banco de propósito.

— Você é... — sorri. — Eu nem sei o que você é!

— Um cara muito legal e prestativo que só quer saber o seu nome?

Pensei por um minuto.

— Angie Brooks. Esse é meu nome.

As portas se destravaram.

— Nome legal.

— Valeu. E valeu pela carona, falando nisso.

— Não há de quê. Até amanhã.

— Até — sorri levemente.

Quando eu saí do carro, ele gritou:

— Essa é a quarta vez que você sorri por minha causa hoje!

Revirei os olhos, reprimindo outro sorriso, e entrei em casa.

Fiquei assistindo TV até meu pai chegar.

— Boa tarde! — ele gritou, feliz como sempre.

— Olá. Fiz pipoca. Tá a fim de assistir The X Factor? Acho que aquela japonesa estridente vai finalmente sair.

— Verdade, o Simon não gosta dela.

— O Simon não gosta de ninguém.

— Enfim. Esse não é o ponto. Precisamos conversar sobre o seu primeiro dia!

— Espera aí, o loirinho está cantando Little Black Submarines!

Meu pai se sentou ao meu lado, suspirando.

— Você canta tão melhor do que a maioria dessas pessoas, não entendo por que assiste isso.

— Ha, muito engraçado. Chegou ao final, fique quieto — pedi, concentrando-me na TV. — I should've seen it glow, but everybody knows that a broken heart is blind... That a broken heart is... bliind...

— Você veio voando para casa?

— Sim, obrigada por deixar a capa mágica.

— O pessoal foi legal com você?

— Claro. Não conheci muita gente, na verdade.

— Quebrou alguma regra?

Sorri.

— Que tipo de garota você acha que eu sou?

Tori

Though far away, though far away, though far away

We're still the same, we're still the same, we're still the same.

— King and Lionheart, Of Monsters And Men

[Você está mesmo me entregandoo microfone? Ai, meu Deus. Isso é tão legal da sua parte, Angie... E totalmente inesperado. Obrigada mesmo assim] Olá, pessoas. Peguei uma carona com a Cassie até em casa, já que havíamos combinado de terminar um trabalho de Física.

Um trabalho que meu irmão, por acaso, também deveria estar terminando quando escancarou a porta do meu quarto sem permissão.

— Cai fora — resmunguei sem tirar os olhos do trabalho.

— Não. O que você sabe sobre Angie Brooks?

Demorei um momento para lembrar por que o nome era familiar.

— É aquela garota loura nova, não é? Cassie mencionou. Divide o armário com ela. Acho que é da Califórnia, ou algo assim. Por quê?

— Por nada. Acha que a Cassie teria o número dela?

Abri um sorriso malicioso.

— Você trabalha rápido.

Jem enrubesceu levemente.

— Ela gosta de Of Monsters and Men — disse como se isso explicasse tudo. — Cadê a Cassie, falando nisso?

— Foi buscar cola bastão. Ah, aí está ela — completei quando a porta se abriu.

— E aí, Jem? — Cassie acenou levemente e se sentou ao meu lado.

— Qual o número do seu armário? — ele a encarou.

— Hã... 137.

Antes que ela pudesse dizer mais alguma coisa, meu irmão agradeceu e saiu correndo do quarto.

— Seu irmão é incrivelmente estranho — comentou Cassie. — Se ele não fosse tão atraente, eu teria medo dele.

Ergui uma sobrancelha, mas não disse nada.

— Quer que eu finja que não acho seu irmão bonito? — perguntou ela. — Certo, posso fazer isso. Mas nem um pouquinho mesmo?

— Cassie!

— Está bem!

Penteei meus cabelos escuros com os dedos, nervosa. Meus olhos dourados vagavam sem rumo pelo quarto.

E não tinha nada a ver com Jem.

* * *

No dia seguinte, acordei com meu irmão gritando que íamos nos atrasar para o colégio. Como se ele ligasse. Era eu que geralmente fazia questão de chegar mais cedo, e as razões não eram nada acadêmicas.

Eu duvidava que as dele fossem também.

Vesti-me rapidamente — blusa básica, saia de cintura alta com algumas flores e botas marrons de cano baixo. Penteei o cabelo e passei rímel.

— Está pronta? — Jem escancarou a porta. — Ótimo, vamos logo.

— Eu preciso comer alguma coisa!

— Podemos parar no caminho!

Fui arrastada até o maldito carro.

Don't listen to a word I say... — meu irmão cantava enquanto dirigia. —The screams all sound the same... Ah, chegamos.

Ele estacionou o carro em frente a uma padaria. Entramos. Sentei-me numa das mesas enquanto Jem ia pedir nosso café-da-manhã.

— Ah, olá Tori — uma voz levemente familiar me atingiu. Nicholas Youth se sentou ao meu lado.

— Oi, Nick.

Nicholas era um garoto da minha aula de Inglês. Alto e louro, pele levemente bronzeada. Estava no time de futebol americano da escola.Quaterback, ou algo do gênero.

— Então, eu...

Foi quando meus olhos viram-no entrando por aquela maldita porta de vidro, e eu realmente queria poder dizer que ouvi qualquer coisa que Nicholas disse depois daquilo.

Eu reconheceria aqueles cabelos escuros e aquelas roupas sociais que não combinavam nada com ele em qualquer lugar.

Gabriel Harris me fitou por um momento e acenou cordialmente com a cabeça.

Que avanço.

— Bom dia, sr. Harris — ouvi meu irmão cumprimentá-lo.

— Bom dia, Jem.

— Antes que o senhor crie falsas esperanças, eu gostaria de dizer que não fiz a lição de casa.

— Eu gostaria de poder dizer que estou surpreso, Lightbody, mas não estou — Gabriel sorriu.

— Pois é. Bem, foi legal ver o senhor, professor. Até a aula.

— Até.

Como podia ser tão fácil para Jem agir como se não se conhecessem fora da escola? Mesmo estando fora dela, era esse assunto que vinha à tona.

Fiquei um pouco enjoada.

— Tori? Está tudo bem? — Nick me fitou por um momento com seus olhos verdes.

— Tudo ótimo.

— Café e pão de queijo para minha querida irmãzinha — Jem me entregou o café-da-manhã e se sentou. — Beleza, Youth?

— Beleza.

Ele ainda estava me fitando. Ergui uma sobrancelha. Ele desviou o olhar como se nada tivesse acontecido.

Como sempre.


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