A Canção Permanece A Mesma escrita por Bella P


Capítulo 16
Capítulo 15




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SPINNER'S END - Agora

- Deixe-me ver se entendi. Astoria fez um acordo com um demônio para salvar a sua vida. Anos depois, quando o tempo estava acabando, ela te contou tudo sobre caçadores e o acordo, vocês tentaram arrumar uma maneira de livrá-la disto mas não encontraram nada. Então descobriram através de uma lembrança de guerra que bruxos retêm os seus poderes mesmo depois de mortos porque, aparentemente, Helena Ravenclaw usou magia durante a Batalha de Hogwarts. Astoria então sugeriu que a melhor maneira de se salvar era ir para o Inferno sob as suas próprias condições. Então, na véspera do fim do contrato você aparatou para os limites da propriedade Malfoy, onde as barreiras de contenção terminavam, e ela explodiu a mansão para assim encerrar com o feitiço, libertá-lo e possibilitar que você fosse atrás dela no Inferno para resgatá-la.

- Granger, era assim que você guardava informações na época da escola? Repetindo como um papagaio de pirata tudo o que lhe foi dito minutos antes? - Draco disse com desdém e Hermione rolou os olhos em um gesto exasperado.

Como havia prometido à Harry logo assim que ele ligou, Hermione despachou os filhos para a casa de Molly sob a desculpa que surgira uma emergência no escritório, pegou o primeiro táxi que encontrou – pois aparatar para os lugares requer que o bruxo saiba para onde está indo e ela nunca estivera em Spinner's End – e chegou na casa de Daphne Greengrass já exigindo por explicações, surpreendendo-se ao ver Draco Malfoy pela primeira vez em quase cinco anos.

A vida como caçador não havia sido generosa com ele. O deixara com um semblante pesado, um olhar de quem já vira de tudo e mais um pouco, e geralmente não foram coisas boas, e postura tensa de alguém que estava prestes a entrar em uma briga independentemente se era para perder ou ganhar. Hermione percebeu com surpresa que Malfoy tinha ganhado a postura, expressão e personalidade de um soldado. Não era mais o garoto covarde que se escondia atrás do nome influente da família, do seu dinheiro ou do pai. Ele agora era um homem determinado a ir literalmente para o Inferno pela mulher que amava.

Hermione invejou Astoria por um momento.

Tinha um bom casamento com Ron. Eram companheiros, amigos, cúmplices, passaram por muitas coisas juntos, se conheciam há anos, nutriam um grande respeito e carinho um pelo outro. Sabia que o marido moveria céus e terra por ela quando fosse preciso, mas não tinha certeza se o amor deles era do tipo que os levaria a cometer tais loucuras. Astoria vendeu a sua alma para salvar Draco o conhecendo apenas há pouco mais de um ano, o namorando apenas há meses. Draco estava disposto a ir ao Inferno atrás dela e não desistiria até que a salvasse.

O mesmo garoto que Hermione sempre considerou egoísta demais para se importar com alguém além si mesmo, agora era um homem pronto a dobrar o Universo a sua vontade por causa de outra pessoa que não ele.

- E em que bloquear os poderes de Nico e Scorpius... - Draco a olhou feio e Hermione suspirou. Os meninos agora atendiam pelo nome de Andrew e Benjamin.

Malfoy informara que planejava liberar a magia dos filhos depois que trouxesse Astoria de volta, que esse havia sempre sido o plano. Mas havia um porém: mesmo que Draco fizesse isto, o Departamento de Registro não consideraria os meninos como vivos novamente, nem mesmo Astoria quando essa voltasse. Desbloquear a magia não equivalia a um nascimento. Nico e Scorpius teriam que ser registrados novamente como bruxos atuantes dentro do Reino Unido. O problema era que quando isso acontecesse, o Ministério descobriria a fraude que Draco cometeu ao forjar a morte dos filhos e Daphne entrou na conversa explicando que eles já tinham ciência disso.

Astoria e Draco pretendiam registrar os filhos com os novos nomes pelos quais eles agora respondiam: Andrew Nico Campbell e Benjamin Scorpius Campbell. E Daphne já tinha até providenciado os documentos em uma viagem aos EUA para apresentar ao Ministério, informando que as crianças eram americanas e que haviam se mudado recentemente para a Inglaterra.

Hermione quase riu.

A ideia era boa, agora eles tinham apenas que torcer para que o Ministério não percebesse a semelhança gritante que os nomes do meio dos meninos tinham com os nomes de certas crianças Malfoy aparentemente mortas. Draco, ao ver a expressão dela explicou que Nico e Scorpius foram nomes escolhidos por Astoria e que não teve coragem de tirar dos filhos essa pequena conexão com a mãe. Isso fez Hermione engolir a risada em segundos.

- Criaturas sobrenaturais têm um radar natural para detectar outras criaturas sobrenaturais. O demônio da encruzilhada com quem Astoria fez o acordo não iria ficar feliz em saber sobre essa pequena alteração nos planos e com certeza viria atrás de nós. Eu posso esconder a minha magia sob sigilos e feitiços, Drew e Ben são muito novos para terem tal controle de seus poderes e tais feitiços têm que ser aplicados pelo próprio bruxo. Bloquear a magia foi a única solução que encontramos. Forjar a morte deles foi um adicional. Eu sabia que a explosão da mansão seria suspeita, sabia que as acusações cairiam sobre mim, como também sei que o Ministério soltou um alerta de que sou um assassino procurado. A questão é que o alerta descreve um homem alto, magro, pálido, de cabelos loiros platinados e viajando sozinho.

O que Malfoy não era.

A pele dele não era mais tão pálida, com certeza fruto dos anos vivendo ao ar livre, caçando criaturas sob sol quente, ou chuva, ou noite de lua, o que fosse. Ele havia escurecido os cabelos em um tom loiro dourado, quase castanho. Ainda era alto, mas não era mais magricela. E viajava com duas crianças. Ninguém suspeitaria de um pai viajando com os filhos.

Todos os documentos que Daphne havia forjado para criar uma nova identidade para Draco e os meninos eram perfeitos, Hermione os vira em primeira mão. Não havia como questioná-los ou duvidar de sua veracidade.

Os Malfoy realmente pensaram em tudo até o último detalhe desse plano doido e desesperado. Exceto uma coisa:

- Vocês planejaram como evitar que Astoria fosse arrastada para o Inferno para ser torturada, mas não planejaram como tirá-la de lá. - a mulher sabia que estava jogando sal na ferida pelo modo como o rosto de Draco e Daphne se contorceram em completo desagrado.

- Não tínhamos tanto tempo assim. Astoria me contou sobre o acordo praticamente um ano antes desse terminar, quando ela descobriu estar grávida do Drew. Nesse meio tempo a única ajuda que ela tinha era da Daphne. Praticamente toda a literatura que eu poderia possuir sobre o assunto foi confiscada pelo Ministério sob o pretexto de ser material contendo arte das trevas. - Draco rolou os olhos. - E ninguém entra no Inferno de boa vontade. Eu passei os últimos anos caçando demônios tentando descobrir uma passagem que fosse para lá, mas a única resposta que obtive foi a mesma: apenas morrendo. E morto eu não seria de nenhuma ajuda para Astoria.

- E agora ela não está mais no Inferno, mas sim no Purgatório. - concluiu Hermione e Draco e Daphne se olharam com uma expressão estranha no rosto. - O que foi?

- Convenhamos que o Purgatório não é assim tão melhor do que o Inferno. - Daphne respondeu. - O Purgatório é o lugar para onde as almas dos monstros vão depois de mortos. Agora imagine uma caçadora em um local...

- Onde só há monstros. - Harry, que assim como Ron, apenas manteve-se calado durante toda a conversa, finalmente resolveu se manifestar. - Ela se tornaria a caça.

- Portanto temos que correr. - Malfoy falou.

Tempo era o que lhes faltava, assim como informações. Livros estavam espalhados por praticamente toda a sala, o relógio antigo sobre a lareira já informava ser além das onze horas da noite. Potter tinha ligado para a esposa meia hora antes e dado uma desculpa que envolvia estar preso em um caso de suma importância e que não tinha previsão de que horas voltaria para casa. Weasley informara ao chefe umas duas horas atrás que estavam na cola de Malfoy e que logo entrariam em contato para novas informações. Draco não sabia dizer por quanto tempo os dois aurores conseguiriam enganar o Ministério, ou por quanto tempo Astoria sobreviveria no Purgatório.

Em suas caçadas, boa parte dos demônios que encontrou lhe disse a mesma coisa: o tempo no Inferno não corria como na Terra. Um mês aqui era uma década lá. Malfoy não sabia dizer quanto tempo Astoria passou no Inferno antes de conseguir fugir para o Purgatório. Mas mesmo que tenha sido dias, ainda seriam considerados anos. Quando ele passou a informação para Daphne essa o havia olhado de maneira estranha e logo em seguida a sua expressão mudou para pesar.

- Não sei se a empreitada ainda vale a pena. Se isto for mesmo verdade, Astoria pode não ser mais a mesma... - Draco quis dar-lhe um soco. Como assim ela insinuava que Astoria tinha desistido? A mulher não conhecia a própria irmã?

Astoria poderia ficar centenas de anos no Inferno, mas jamais iria sucumbir a pressão e tornar-se um demônio, não era do caráter dela. Demônios eram humanos com a alma já corrompida em terra e que eram condenados ao Inferno e finalmente perdiam todas as inibições que as convenções e leis mortais os colocava, deixando aflorar um lado ruim que já existia há tempos. Astoria não tinha uma grama de maldade em todo o seu corpo, inclusive na sua alma.

Certo que a mulher não era isenta de pecados. Mas pecados nem eram razões o suficiente para condenar alguém ao Inferno, para transformar alguém em um demônio completo.

- Você não pode estar sugerindo o que eu penso que está sugerindo. - ele praticamente rosnou e Daphne fez que não com a cabeça.

- Óbvio que não! Tiraremos Astoria do Inferno mesmo que o que tenhamos de volta seja um demônio. Caso não tenha aprendido Malfoy, nesta família não deixamos ninguém na mão. - Draco riu diante da ferocidade das palavras da cunhada.

Esse era o lema dos Campbell: em uma batalha, ninguém era deixado para trás. Jamais.

- Pai? - o chamado fez os adultos que se reuniam na sala voltarem as suas atenções para o pé da escada onde Drew estava, com os olhos largos e abraçando um velho urso de pelúcia. O pijama com estampas de desenho animado praticamente o afogava e o cabelo castanho caía em desalinho ao redor do rosto redondo que lembrava a Draco de Astoria.

Andrew herdara todos os traços de Astoria, com exceção das sardas, essas foram para Benjamin que era praticamente uma cópia de Draco com o cabelo em um tom de loiro mais escuro do que o do pai.

- Não deveria estar dormindo Drew? - o menino mordeu o lábio inferior diante da repreensão, as bochechas ficando rubras ao perceber tantos olhares sobre ele, entre eles o do moço que os encontrou no motel pela manhã.

- Eu não... - tentou dizer, mas engoliu as palavras abruptamente.

Tinha sido uma bobagem ter descido a procura do pai só por causa de um sonho ruim. Deveria ter feito o que sempre fazia quando tinha pesadelos: ir se refugiar na cama de Benjamin. Mas o irmão já estava dormindo e quando Benny estava dormindo ele tinha a mania de se mexer para todos os lados e chutá-lo nas canelas. Geralmente Drew não percebia Benny se mexer quando ele adormecia antes do irmão, o que não seria o caso desta vez.

Então, havia decidido procurar pelo pai. Tinha visto que as luzes do primeiro andar ainda estavam acesas, ouvira as vozes vindas da sala da tia Daphne e ouviu eles também falarem da sua mãe.

Andrew não se lembrava da mãe. Benny tinha algumas poucas recordações e uma foto em um medalhão que o pai dera para ele. O irmão sempre dizia que Drew se parecia com a mãe deles, o que o deixava orgulhoso. Mas ele também queria se parecer com o pai, como Benny parecia. Benny era corajoso como o pai deles e sempre o protegia como o pai deles fazia.

Draco, ao ver o caçula hesitando ao pé da escada, soltou um longo suspiro. Conhecia aquele olhar no rosto de Drew: era o olhar de que ele havia tido um pesadelo.

Malfoy sabia que carregar os filhos com ele, ainda mais quando um deles só tinha poucos meses de vida, para caçar monstros e procurar uma maneira de salvar a mãe deles do Inferno não o faria ganhar o prêmio de pai do ano e qualquer serviço social tiraria as crianças dele antes mesmo que pudesse piscar. O problema é que Astoria pediu que ele cuidasse dos meninos e Draco não podia imaginar seguir nessa empreitada sem eles. Andrew e Benjamin eram o seu alicerce agora. Eles que o motivava a seguir em frente.

Olhar para eles todos os dias, quando os colocava para dormir em camas de motéis baratos, o lembrava do porquê ele continuava a fazer aquela loucura. Porque os meninos precisavam da mãe. Porque não era justo eles a terem perdido por causa de um bando de bruxos preconceituosos que resolveram descontar as suas frustrações em Draco anos antes. Porque Malfoy se recusava a responsabilizar alguém que não fosse o grupo que o espancou. Porque se não fosse por eles Astoria não chegaria ao ponto de vender a alma para salvá-lo. Amor e devoção não tinha nada a ver com isto, apenas a ajudou em sua decisão. Eles que deram o peteleco que derrubou a primeira carta que trouxe o seu castelo de cartas abaixo.

- Que tal eu contar uma história para você? - Draco perguntou com as sobrancelhas arqueadas e viu o rosto de Andrew iluminar-se diante da perspectiva de ouvir uma história.

- Os Contos de Beedle, o Bardo? - sugeriu o menino e Malfoy quase grunhiu.

Os filhos poderiam não ter os seus poderes, mas sabiam tudo o que precisavam saber sobre o mundo mágico. E desde que Benny leu o livro pela primeira vez para ele, Drew havia viciado nas histórias desse.

Draco, sinceramente, achava o livro macabro demais para ser considerado infantil e tentou convencer o caçula a apegar-se a algumas histórias trouxas menos sombrias. O problema era que Andrew tinha herdado a teimosia dos Greengrass e Malfoy e carregava o livro surrado para tudo quanto é canto. E agora que Ben o estava ensinando o alfabeto, aí sim que o menino fazia questão de ter o volume sempre por perto para praticar o seu aprendizado com ele.

- Os Contos de Beedle, o Bardo, será então. - Draco suspirou, indo até Drew e o erguendo no colo, ignorando por completo os olhares surpresos do trio de grifinórios na sala.

Os idiotas agiam como se ele fosse incapaz de demonstrar qualquer afeto ou agir como um pai comum.

Drew simplesmente ignorou os estranhos que miravam o seu pai como se ele fosse alguma coisa de outro mundo e abraçou Draco pelo pescoço, apoiando a cabeça no ombro dele enquanto desejava com uma voz miúda boa noite a sua tia Daphne.

Malfoy subiu as escadas da casa que grunhiram sob os seus pés, chegando ao corredor do segundo andar e tomando o caminho para o quarto ao final deste. No passado, o aposento pertenceu as irmãs Greengrass. Agora, teve toda a sua decoração alterada para comportar as vontades de dois garotos de quatro e oito anos. Daphne dormia no que antes foi o quarto dos pais e a Draco, nas vezes em que eles visitavam e ficavam mas de um dia, foi relegado o sofá da sala que se transformava em cama.

Malfoy não se importava.

Curiosamente Spinner's End, que no passado havia sido a sua prisão enquanto esperava temeroso a decisão do Lorde das Trevas sobre o seu futuro, hoje tinha se tornado o seu lar. Não poderia buscar refúgio na casa de campo onde sua mãe morava, pois o Ministério a monitorava periodicamente e portanto não era seguro. E Narcisa sabia disto. Agora... Daphne? Daphne até poucas horas atrás eles nem desconfiavam de que seria capaz de acobertar Malfoy. E a casa ainda possuía coisas que pertenceram a Astoria, lembranças de sua infância e juventude. O sótão estava abarrotado de coisas da esposa e vez ou outra Draco gostava de mergulhar no passado, conhecer mais sobre a mulher com quem ele conviveu por tão pouco tempo em sua opinião.

A porta do quarto estava aberta quando Draco chegou, mostrando Benny espalhado sobre a cama e enrolado nas cobertas, ressonando baixinho. O homem quase riu. Ben dormia como Astoria, ocupando praticamente todo o espaço sobre o colchão. Draco lembrava-se que por muitas vezes acordou no meio da noite por ter sido literalmente chutado para fora da cama.

Malfoy aproximou-se da outra cama vazia, deitando Drew nela com a delicadeza que os anos de experiência em carregar uma criança no colo lhe deram, e logo viu que o bendito livro, como sempre, estava na mesa de cabeceira. Riu, recolhendo o volume e sentando-se na beirada da cama enquanto Andrew ajeitava-se sob as cobertas e o mirava com grandes olhos verdes.

- Qual história que você quer? - Draco tinha certeza de que o filho já deveria saber todas as histórias de cor.

- A dos Três Irmãos. - Andrew respondeu de pronto e Malfoy suspirou. Sempre era essa história. Não entendia como um menino de quatro anos poderia gostar tanto de uma história sobre a morte. Uma vez havia perguntado à ele sobre isto e Drew respondeu, em sua inocência infantil, de que o terceiro irmão recebeu a Morte como uma amiga, isso significava que ela não era tão ruim assim e que talvez ela lhe devolvesse a sua mãe.

Draco não soube o que responder na época. Nunca havia dito aos filhos que a mãe estava morta, apenas que estava em um lugar que a impossibilitava de estar com eles no momento. Primeiro porque eles eram muito pequenos para carregarem o fardo que este conhecimento trazia. Segundo porque, mesmo sendo crianças, eles entendiam o conceito de finalidade que era a morte. Quem morria não voltava. Então como Draco explicaria quando Astoria voltasse? Era mais fácil dizer que ela estava longe ao invés de morta.

Mas, aparentemente, Ben e Drew não ficavam tão assim em seu quarto brincando enquanto Daphne e Draco se reuniam na sala discutindo opções de como trazer Astoria de volta à vida, de como salvá-la do Inferno.

- “Era uma vez três irmãos que estavam viajando por uma estrada deserta e tortuosa ao anoitecer...” - Draco começou a ler a história sob o olhar ávido de Drew. Fazendo caras, bocas e vozes para cada personagem do conto enquanto o menino ouvia tudo com atenção.

Quando estava chegando nas últimas linhas, o homem percebeu que os olhos do filho piscavam intensamente, indicação de que ele estava a um passo de cair no sono. E quando ele disse:

- “Acolheu, então, a Morte como uma velha amiga e acompanhou-a de bom grado, e, iguais, partiram desta vida”. - os olhos de Drew fecharam-se de vez e ele rapidamente caiu no sono.

Draco fechou o livro, o retornando à mesa de cabeceira, e inclinou-se para depositar um beijo na testa do menino, afagando brevemente os cabelos castanhos antes de se levantar. Em seguida foi para a cama de Benny, ajeitando com cuidado as pernas e braços do garoto sobre o colchão, o soltando do emaranhado de cobertas e o cobrindo. Ben suspirou e abraçou o travesseiro enquanto Draco lhe dava um beijo na testa como fez com Drew e depois afagou-lhe os cabelos.

Em seguida, Malfoy levou a mão a corda que ligava e desligava a luz do abajur que ficava sobre a mesa de cabeceira entre as duas camas, e costumava permanecer aceso até a hora em que os meninos caíssem no sono, e o seu olhar caiu sobre a capa azulada do livro por uns breves segundos até o momento em que a luz acendeu-se em sua mente e ele sentiu como se alguém tivesse lhe dado um soco na boca do estômago.

- Como eu sou burro. - repreendeu-se baixinho e apagando a luz do abajur, saiu do quarto, deixando a porta levemente entreaberta para qualquer eventualidade, e desceu as escadas correndo, encontrado o trio de grifinórios e Daphne discutindo teorias enquanto folheavam vários livros antigos.

- Ele dormiu... - Daphne começou a perguntar, mas calou-se ao ver o brilho alucinado nos olhos do cunhado.

- Eu sou muito estúpido! - Draco novamente se repreendeu, indo até uma das estantes do escritório e percorrendo os olhos pelos lombos das centenas de livros que haviam lá, até achar o que queria:

Um grosso tomo com uma capa marrom amarelada de couro e com folhas feitas de pergaminho e presas por finos cordões feitos de crina de cavalo, o que mostrava o quão velho aquele volume era.

- Malfoy, surtou de vez depois de tantos anos? - Draco ignorou a zombaria de Ron em favor de virar as páginas até achar o que queria, e depois girou o livro sobre a mesa para que o grupo lesse o que ele leu.

- Ceifadores. - Hermione leu em voz alta o título na página e que estava escrito em letra rebuscada.

- Ceifadores. - repetiu o ex-sonserino. - Capazes de atravessar qualquer plano de existência do mundo mortal.

- Inclusive o Inferno, Céu e Purgatório. - concluiu a mulher.

- O que pretende Malfoy? - Harry começou, com as íris verdes percorrendo a página e lendo os detalhes que havia nela sobre a Morte, um dos quatro Cavaleiros do Apocalipse, e seus Ceifadores. - Invocar um desses Ceifadores e pedir que ele te leve ao Purgatório? - gracejou. Mas quando ergueu os olhos para mirar Draco, viu pela expressão séria e determinada do outro homem que era exatamente essa a ideia.

- Não gosto disso. - Daphne opinou. - Ceifadores não são confiáveis.

- Você já encontrou algum? - Ron perguntou surpreso e Draco riu.

- Óbvio que não. - disse. - Mas caçadores são desconfiados por natureza. Não deem ouvidos a Daphne e me ajudem com o ritual. - pediu, erguendo o livro nos braços e indo para a sala, começando dizer as instruções necessárias para o dito ritual.

Ron e Harry empurraram o velho sofá e a mesa de centro e tapete para um canto da sala, Hermione começou a desenhar os sigilos necessários no chão que foi liberado enquanto Daphne reunia em uma cumbuca de barro os ingredientes que precisavam, vindos diretamente do estoque de objetos e ervas mágicas que ela mantinha no porão.

Vinte minutos foram precisos para tudo ficar pronto até que quando Hermione afastou-se do símbolo pintado no chão e Greengrass colocou a cumbuca no meio deste, Draco começou a entoar as palavras necessárias em latim.

Os ingredientes da cumbuca pegaram fogo instantaneamente, fumaça subiu da mesma e rodeou o símbolo no chão. Draco fechou o livro quando a última palavra foi entoada e em um literal piscar de olhos uma mulher que antes não estava na sala, surgiu bem na frente deles.

Ela tinha cabelos negros até os ombros, olhos esverdeados, uma expressão curiosa e parecia absurdamente humana.

- O que vocês esperavam? - brincou ao ver o grupo que a mirava com surpresa. - Capa negra e uma foice?

- Você é? - Draco perguntou, aproximando-se com cautela da borda do sigilo que não somente tinha convocado a mulher, mas a mantinha presa no lugar. Algo que ela atestou quando tentou se mover e não foi muito além dos limites do símbolo.

- Tessa. E sei porque me chamaram aqui.

- E vai nos ajudar? - Hermione estava dividida entre o temor natural de ver alguém que era responsável por ceifar almas e a excitação por conhecer tal tipo de criatura. Tessa não parecia tão assustadora assim. Talvez fosse isso que Beedle quis dizer em seu conto sobre os Três Irmãos. Que a morte era apenas uma velha amiga e que não havia razão para temê-la.

Tessa franziu as sobrancelhas.

A história de Astoria Malfoy era conhecia entre os Ceifadores. Muitos a achavam tola por simplesmente pensar que poderia fugir daquilo que ela mesma plantou. Outras a achavam estupidamente corajosa. Tessa pensava, em todos os seus milênios na Terra lidando com humanos, que Astoria talvez fosse um dos poucos que merecia uma segunda chance. Ela tomou uma decisão estúpida, mas pela razão certa.

O amor, esse sentimento tão humano, sempre a fascinou. Ceifadores não sentiam, não tinham o porquê, por isso às vezes podiam se corromper porque culpa não era algo que eles compreendiam. Conheceu o amor quando encontrou os Winchester e percebeu até onde eles iriam por aqueles que amavam e agora era o mesmo com Astoria e Draco.

- O Purgatório não é lugar para humanos, ainda mais um caçador. - disse, lançando um longo olhar para Draco. - Não será fácil encontrá-la, poderá levar dias ou anos, e enquanto isso acontece os seus filhos estarão aqui, na Terra, sem os pais. É isso o que quer?

Malfoy hesitou. Sua vida dividia-se em duas prioridades: salvar Astoria e cuidar dos seus filhos. Como poderia escolher uma sobre a outra?

Desviou o olhar da bela mulher dentro do círculo e esse foi para a escada de acesso do segundo andar, vendo que duas figurinhas espiavam por entre as vigas do corrimão, achando que estavam sendo discretas. Drew possuía o olhar fascinado de uma criança ao descobrir uma coisa nova neste mundo, Benny o olhar sério de alguém tentando desvendar um mistério. Nenhum deles possuía uma lembrança que fosse de Astoria. Eram pequenos demais para reterem qualquer memória dela. O que sabiam foram de histórias que Daphne e ele contaram, de coisas dela que eles mostraram, mas não sabiam como um sorriso da mãe era capaz de iluminar um aposento inteiro e afastar todos os medos de seus corações.

Eles não se lembravam dos braços dela quando ela ia socorrê-los no meio da noite simplesmente porque eles queriam atenção. Ou das lágrimas que ela derramou quando Benny a chamou de mãe pela primeira vez. Drew nem ao menos recordava do cheiro gostoso de alfazema que ela tinha. Para ele a mãe era apenas uma mulher da qual ele ouviu falar e que esperava voltar um dia. E esperava ansiosamente. Andrew amava a mulher desconhecida e ansiava pelo carinho dela mesmo que não soubesse o porquê. Benjamin sentia falta do calor do colo de Astoria mesmo que não se lembrasse dele.

Draco poderia fazer de tudo e mais um pouco pelos filhos. Cometia mais erros do que acertos, pois não era o pai perfeito. Às vezes era obcecado demais em caçar, em descobrir uma maneira de salvar a esposa, a ponto de ensinar o próprio filho a segurar uma arma para proteger o irmão enquanto o pai estava fora. Não era responsabilidade de Benny cuidar daquela família. Era de Draco. Mas, muitas das vezes, ele sentia que não podia fazer isto sozinho. Precisava de Astoria. Por mais casca grossa que ele aparentasse ser, por dentro ainda era aquele garoto covarde da época da escola e que tinha nos encontros clandestinos em uma Torre de Adivinhação vazia o seu refúgio para o mundo real.

- Eu acredito que não levarei tanto tempo assim. - disse convicto. Os seus filhos precisavam da mãe tanto quanto ele precisava da esposa.

Tessa assentiu com a cabeça.

- Aviso que o levarei até lá, mas a saída ficará por sua conta.

- Como é? - Draco balbuciou enquanto via de rabo de olho Daphne tomar o caminho do porão onde não só o suprimento de itens mágico estava, como também as armas. Havia uma bolsa lá que estava preparada desde sempre para Malfoy levar quando essa viagem acontecesse. O que parecia ser agora.

- Não posso ficar inteiramente ao seu dispor durante a sua busca no Purgatório, ou lá por muito tempo. Tenho trabalho a fazer. Mas aviso que o lugar tem uma saída de emergência para humanos. Basta encontrá-la. - basta encontrá-la. Fácil falar, difícil fazer. Draco poderia encontrar Astoria em dias e levar anos para achar a tal saída. Daria no mesmo.

Tessa sorriu para ele.

- Sobrenatural tem radar para o sobrenatural, certo? - declarou e Malfoy arqueou uma sobrancelha enquanto Daphne retornava para a sala e estendia para ele a bolsa com o armamento. Tessa apenas estendeu uma mão para Draco em um convite.

- Malfoy. - Harry chamou quando viu o outro homem dar um passo à frente na direção da Ceifadora. - Você acha que ela realmente está sendo sincera? - Tessa apenas sorriu para Harry, como se o conhecesse de longa data.

- Não faço ideia Potter. Mas, no momento, é a melhor chance que tenho. - respondeu, jogando a alça da bolsa por sobre o ombro e entrando no círculo. - Potter! - chamou antes de estender a sua mão para Tessa. - Meus filhos... - as palavras ficaram presas na garganta, ainda mais que por cima do ombro da Ceifadora ele ainda podia ver Ben e Drew de olhos largos no topo da escada.

- Eles ficarão bem. Tem a minha palavra. - era ridículo Draco confiar em um sujeito com quem não se deu em todos os seus anos de escola. Potter tinha carácter, personalidade forte e decidida, lutava pelo que acreditava e pelos amigos, coisas que ele sempre invejou. Nunca teve a coragem do ex-grifinório, nunca teve a certeza dele de batalhar por aquilo que acreditava, sempre escolheu o caminho covarde. Astoria foi quem lhe ensinou a tomar as rédeas de sua vida e parar de ser frouxo.

E era isso o que ele estava fazendo.

Lutando pelo que acreditava e pelos que amava.

E estranhamente, mesmo não concordando com ele na maioria das vezes, confiava que Potter iria olhar pelos seus filhos se algo desse errado. E esperava que eles o perdoassem por isso.

Com isto em mente, ele entrelaçou os seus dedos nos de Tessa e manteve os olhos fixos nas duas crianças no topo da escada, antes de ser teletransportado para o Purgatório.

Porque se tudo fosse para o buraco, ao menos queria ter como última lembrança os rostos de Andrew e Benjamin gravados em sua mente. As duas únicas coisas certas que ele fez em uma vida repleta de erros.


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