Strong escrita por Ana Flávia Furtado


Capítulo 9
Um momento de alívio




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Todos temos uma sensação de vazio em algum momento da vida, como se algo estivesse realmente faltando, eu fiquei assim por uma semana inteira e não foi por coisas que me diziam no colégio, aquilo eu podia ignorar com facilidade, mas pensar no que fiz… Eu não podia culpar Bella, afinal ela não tinha culpa de nada, eu quem fui idiota, mas eu não podia realmente encará-la, a vergonha era bem maior.

Sentia vontade de chorar em diversos momentos dessa semana, mas engolia e ocupava a cabeça, ocupar a cabeça era minha solução para tudo, é perfeito, você esquece tudo.

Minha rotina não havia mudado muito, chegava em casa, almoçava, ia para o quarto e ficava lá e, por incrível que pareça, ninguém nunca desconfiou do que ocorria em minha cabeça. Mas eu não colocava muitas expectativas em cima disso, por mais que você deixe pistas, ninguém saberá o que realmente se passa na cabeça de alguém.

Era sexta-feira e minha professora de matemática era muito masoquista, pois passara uma lista com cento e cinquenta exercícios para o fim de semana, lamentava pelas pessoas que tinham vida social, mas estas provavelmente não fariam o dever. Matemática nunca foi meu forte e eu queria jogar o caderno pela janela na metade da lista, mas antes que eu pudesse fazer qualquer coisa meu celular apitou.

1 nova mensagem era o que dizia a tela e achei estranho, ninguém nunca me mandava mensagens, quer dizer, mandavam mensagens ofensivas até que mudei meu número e não passei para ninguém em quem não confiava, ou seja, apenas minha família tinha.

"Precisamos conversar! Venha até minha casa hoje ou amanhã, juro que nunca quis causar uma má impressão, eu te entendo e não te forçarei a nada e não te culpo pelas estrelas que caíram da minha porta, elas estavam soltas há tempos, não sinta-se envergonhada achando que eu fiquei brava… Adorei sua companhia, por favor, vamos nos reencontrar!!! - Bella". Franzi o cenho, como ela conseguira meu número? Deixei a mensagem quieta, como se ela não existisse, não queria rever Bella, sabia que aproximar-me de pessoas iria me ferir, é sempre assim, a vida sempre segue o mesmo ciclo quando se trata de ilusão e decepção.

Voltei à minha lista de exercícios, quando mais rápido acabasse, melhor. Entretanto por mais que eu tentasse achar “x”, eu não conseguia, não porque não sabia a maldita equação, eu sabia, mas pensei na mensagem de Bella, ela fora gentil comigo e até falara um pouco sobre si e eu fugi quando ela perguntou o que estava acontecendo, ela pareceu preocupada também, mas eu não gosto mais de confiar nas pessoas, experiências no meu passado comprovam que isso nunca foi bom, no meu caso.

Fiquei divagando sobre ir até a casa de Bella, ela parecera tão gentil e o convite era tentador. Chutei minha mesa, estava chateada com a situação, não sabia o que fazer, não queria encará-la, mas não queria parecer uma louca que não se importava com o pedido de desculpas.

Algo que sempre solucionou os problemas para mim, era comer. Quando eu estava chateada, ansiosa ou simplesmente sem o que fazer, comia. Isso me tornou uma gordinha sem graça e por isso fiz o que fiz para emagrecer. Fiquei na cozinha um bom tempo encarando uma torta salgada por meia hora, por fim cedi e devorei antes mesmo de sentir o gosto da tal torta e logo depois fui direto para o banheiro. Vomitei com a mesma rapidez com a qual engoli a torta, nem senti o gosto nem nada, só a garganta levemente arranhada. Levantei-me para escovar os dentes e lavar o rosto e foi nesse momento que comecei a me encarar no espelho.

Pálida, magra, com olheiras profundas, baixinha demais e com cortes ainda saltados nos braços. Suspirei, era horrível ver onde eu estava indo parar na tentativa de melhorar. Furiosa voltei ao quarto e me vesti, nem vi o que estava usando, apenas me troquei e sai de casa.

Por mais que a casa de Bella fosse perto, eu corri, não por muito tempo, mas corri e bati a porta dela euforicamente, com os olhos ardendo, eu não aguentava mais isso, quanto uma pessoa pode sofrer e continuar aguentando calada?

Bella atendeu com a testa franzida, mas assim que me viu, sua expressão se suavizou e ela pareceu desconcertada, de fato era estranho que eu a tivesse ignorado e agora aparecia do nada em sua casa, mas o mais estranho veio a seguir quando minha visão embaçou, meu peito apertou e minha garganta fechou, senti as primeiras lágrimas em questão de segundos, os olhos ainda ardendo um pouco.

Não sei se minha visão estava muito embaçada ou eu estava ficando maluca, mas Bella pareceu entender tudo só de me ver, ela abriu mais a porta e deixou-me entrar, mas eu fiquei parada, estava me humilhando demais. Por fim, ela saiu e me abraçou, um abraço forte, protetor e amigo. Ela tinha cheiro de uva com chocolate e seu abraço dava uma sensação de segurança e amizade. Todos os meus medos sumiram por um tempo, porque com um simples abraço ela mostrou que me compreendia e ela nem ao menos sabia a origem de meus problemas, o que tornava tudo melhor.

Ela me guiou para um banco que estava em seu jardim e me deitou em seu colo, ficou acariciando meu cabelo e rosto por um tempo, eu tentava me acalmar, mas as lágrimas não paravam e a sensação horrorosa de que meus olhos queimavam ainda não havia diminuído.

Depois de um tempo, a dor passou, minha garganta se abriu e eu respirava sem ofegar ou soluçar, Bella estava quieta mexendo em meus cabelos, parecia serena, simpática e surpreendentemente preocupada. Ela franziu o cenho para o nada.

– O que foi? Nunca viram uma pessoa com problemas pessoais? Deixem de ser hipócritas e continuem seguindo seu caminho. - Ela disse para alguém, provavelmente alguém que passava pela rua e observava a estranha cena de duas adolescentes em um banco, a noite, com uma chorando como uma criança e a outra a confortando. - Venha, vamos entrar, vai esfriar logo.

Segui Bella para dentro de sua casa, ela sentou-se no sofá e gesticulou para que eu sentasse ao seu lado. Hesitei, eu havia me comportado como uma criança na frente dela e ela fora completamente altruísta me confortando sem nem mesmo saber do que se tratava, mas no fim sentei ao lado dela no sofá, com um pouco de preocupação sobre o que aconteceria a seguir… Será que ela me mandaria para casa e fosse louca em outro lugar? Dizer que não ligava para meus problemas como todo mundo?

– O que aconteceu? Qual o problema? Vejo cortes em você e você parece não dormir há certo tempo, além de parecer triste na maior parte do tempo… Hoje veio aqui chorando e eu não sei o que dizer, porque não sei o que anda se passando em sua cabeça… Gostaria de me contar? - Ela perguntou com doçura e pude sentir a sinceridade em sua voz, aquilo me surpreendeu tanto que eu me senti aliviada por ela não me chutar para fora da casa dela e muito menos forçar o assunto, ela simplesmente sugeriu que eu compartilhasse, eu faria aquilo se quisesse.

E eu queria.

Olhei Bella por um tempo, ela estava calma, aguardava uma resposta. Parecia simpática e compreensiva e eu soube, naquele minuto, que ela era confiável, não me chamaria de louca e tentaria me ajudar sem me forçar e se não achasse solução, ao menos entenderia e me apoiaria no que quer que fosse. O que eu não sabia, é como estava certa, realmente tudo que disse sobre Bella, era verdade, ela entendia sem nem mesmo ter passado por tal experiência, compreendia a dor, não julgava e apoiava se não achava uma solução.

Pensei um pouco em como começar, não sabia exatamente como começar ou em que parte começar, até que comecei a falar, a dor no peito diminuindo um pouco a cada palavra dita, eu disse tudo e não escondi nada. As expressões de Bella variavam à medida que eu contava minha história, primeiro ela pareceu entender, depois ficou espantada, horrorizada, furiosa e triste por tudo o que vinha fazendo, mas no meio disso tudo eu podia ver e ela deixava transparecer: agora eu tinha uma amiga de verdade e ela entendia cada detalhe do que eu havia passado e jamais me julgaria por isso.

– Não se preocupe, esse assunto morre aqui até que você conte a outra pessoa, acredito em você. Você sofreu e não a julgo… As pessoas não foram feitas para julgar, é do julgamento que surge a tristeza de cada um. - Ela disse ao final de minha história e eu assenti com a cabeça e depois agradeci. Logo depois ela começou a conversar sobre outros assuntos, percebi que era para mostrar que ela não forçaria o assunto e ainda mais para descontrair tudo que acontecera.

Pouco mais tarde Bella me convidou para dormir em sua casa, disse que me emprestaria tudo, só tinha que avisar meus pais e estaria tudo bem, ela prometeu que seria divertido e um sorriso sapeca surgiu em seu rosto, ela até brincou que cozinharia o jantar… Por fim, aceitei a proposta e fiquei na casa dela para uma noite com minha primeira amiga de verdade.


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